Direito Civil Comentado - Art.
1.145, 1.146, 1.147 - continua
Do Estabelecimento - VARGAS,
Paulo S. R.
Parte Especial -
Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo Único –
Disposições
gerais (Art. 1.142 a 1.149) Título III – do estabelecimento
Art. 1.145. Se
ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a
eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os
credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta
dias a partir de sua notificação.
Sujeitando à apreciação Marcelo Fortes
Barbosa Filho, feita uma avaliação acerca do potencial surgimento da
insolvência do alienante do estabelecimento empresarial, pode ser verificada
grave inaptidão patrimonial, vislumbrando-se prejuízo vultoso para os credores,
desfalcada, irremediavelmente, a garantia geral oferecida a seu pagamento. No
conjunto dos ativos, o estabelecimento cuja titularidade está sendo transmitida
pode apresentar tal relevância que, sem ele, o valor do passivo acumulado
superaria aquele atribuído aos demais bens. Nesse caso, para que seja possível
extrair todos os efeitos da alienação desejada, exige-se, como fator de
eficácia, o adimplemento antecipado das dívidas do empresário alienante ou,
efetuada a notificação judicial ou extrajudicial de cada um de seus credores,
não seja oferecida, no prazo de trinta dias, qualquer oposição, o que será
equivalente a uma aquiescência tácita. O contrato celebrado, caso não seja
materializada uma das situações propostas, será válido, mas não apresentará
plena eficácia, não podendo atingir a esfera jurídica de credores do empresário
alienante. Frise-se que a hipótese prevista no presente artigo pode fornecer
suporte à decretação da falência do empresário, porquanto a alienação onerosa
ou gratuita do estabelecimento, de acordo com o art. 94, III, c, da Lei n.
11.101/2005 (antigo inciso V do art. 2º do Decreto-lei n. 7.661/45), constitui
uma das causas singulares de caracterização do estado falimentar, quando
realizada sem aquiescência dos credores e não sobrarem bens suficientes ao
saldo das dívidas. Ademais, persiste correspondência com o disposto no art.
129, VI, da Lei n. 11.101/2005 (antigo art. 52, VIII, do Decreto-lei n.
7.661/45), que prevê, ante a falta de prévio adimplemento ou de aquiescência
dos credores, o ajuizamento de ação revocatória, por meio da qual é postulado o
reconhecimento judicial da ineficácia da alienação de um estabelecimento,
deixando o negócio de produzir efeitos perante os ditos credores. A ação
revocatória é proposta contra o adquirente do estabelecimento e pretende trazer
tal universalidade à massa falida, integrando procedimento concursal em
andamento. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.109. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/08/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
No parecer apresentado na Doutrina de Ricardo
Fiuza, na alienação do estabelecimento comercial, o alienante deve possuir bens
suficientes para o pagamento das dívidas contraídas junto a seus credores
existentes até a data da alienação. Se os bens do alienante foram
insuficientes, isto é, inferiores a seu passivo, a alienação somente poderá ser
efetuada se todos os credores forem pagos ou se consentirem na realização da
operação. Para tanto, nesse caso, antes da conclusão do processo de alienação,
o alienante deverá notificar todos os seus credores da operação. Não se
manifestando o credor no prazo de trinta dias, haverá presunção de concordância
tácita. Se ocorrer manifestação contrária, de qualquer credor, ao processo de
alienação do estabelecimento, este não poderá ser concretizado, salvo mediante
o pagamento do passivo existente. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 593, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/08/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Comentando o assunto, Marcelo Gazzi Taddei leciona que além dessas
formalidades, o CC 1.145, reforçando a proteção dos interesses dos credores,
prevê que se ao alienante não restarem bens suficientes para o pagamento do
passivo relacionado ao estabelecimento vendido, a eficácia do contrato ficará
na dependência do pagamento de todos os credores ou do consentimento (anuência)
destes. O empresário que deseja alienar o seu estabelecimento deve solicitar o
prévio consentimento dos seus credores, mediante notificação judicial ou pelo
oficial de registro de títulos e documentos. O consentimento pode ser expresso
(dado por escrito) ou tácito (caracterizado pela inércia do credor nos 30 dias
seguintes à notificação judicial ou extrajudicial). O alienante somente se
encontra dispensado dessa exigência legal se permanecer solvente mesmo após a
alienação.
O trespasse pode, eventualmente, caracterizar sinal de insolvência em razão da
supressão da garantia comum dos credores. Constitui ato de falência se
realizado sem a anuência dos credores (Lei n° 11.101/2005, art. 94, III, “c”) e
não restar ao devedor patrimônio suficiente para saldar o passivo. Caso
contrário, ou seja, ficando com bens suficientes, o consentimento dos credores
é dispensável. A prova da insuficiência do ativo remanescente incumbe ao autor
do pedido de falência. Além disso, se a formalidade prevista no CC 1.145 não
for cumprida, a consequência também será prejudicial ao adquirente. O art. 129,
VI, da Lei n° 11.101/2005 prevê: “Art. 129. São ineficazes em relação à
massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira
do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores: (…); VI. A
venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou
o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao
devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30
(trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente
notificados, judicialmente ou pelo oficial de registro de títulos e documentos”;
Diante do previsto, o trespasse poderá ser considerado ineficaz perante a massa
falida e o adquirente deverá entregar o estabelecimento para a massa falida. O
parágrafo único, art. 129, Lei n° 11.101/2005 prevê que “A ineficácia poderá
ser declarada de ofício pelo juiz, alegada em defesa ou pleiteada mediante ação
própria ou incidentalmente no curso do processo”.
O reconhecimento da ineficácia não exige a má-fé do adquirente do
estabelecimento, o simples desatendimento da previsão expressa no inciso VI do
art. 129 autoriza a declaração da ineficácia do trespasse, não importando o
intuito fraudulento do ato. De acordo com o art. 136 da Lei n° 11.101/2005,
reconhecida a ineficácia do ato, as partes retornarão ao estado anterior, e o
contratante de boa-fé terá direito à restituição dos bens ou valores entregues
ao devedor. O § 2º do referido art. 136 prevê ser garantido ao terceiro de
boa-fé, a qualquer tempo, propor ação por perdas e danos contra o devedor ou
seus garantes. Cumpre ressaltar que o art. 1145 estabelece uma norma genérica
sobre a ineficácia do trespasse perante os credores, quando desatendida a
previsão legal, não sendo, nesse caso, necessária a declaração da falência do
empresário alienante. De acordo com Marcelo Andrade Féres, “o credor, mesmo sem
promover a execução concursal, poderá pleitear, em qualquer processo, o
reconhecimento da ineficácia do negócio” (FÉRES, 2007, p.129).
A sucessão empresarial decorrente
do trespasse - A transferência do estabelecimento empresarial produz uma
série de efeitos obrigacionais, dentre os quais destacam-se aqueles que atingem
as dívidas contraídas pelo empresário alienante e sua transferência ao
empresário adquirente, caracterizando-se a sucessão empresarial. Portanto, há
sucessão empresarial quando o empresário adquirente responde pelas dívidas
referentes ao estabelecimento empresarial contraídas pelo empresário alienante.
(Marcelo
Gazzi Taddei, Advogado, Parecerista, Mestre em Direito pela UNESP de Franca,
SP, Professor de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil I
da UNIP – Universidade Paulista, de São José do Rio Preto, SP e Professor de
Direito Empresarial da ESA – Escola Superior de Advocacia de São José do Rio
Preto, SP. A Revista Âmbito Jurídico, publicou
artigo em 01/06/2009, O
Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado
07/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Art.
1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo
pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente
contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo
prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e,
quanto aos outros, da data do vencimento.
No entendimento de Marcelo Fortes
Barbosa Filho, celebrado contrato resultante na alienação gratuita ou onerosa
do estabelecimento empresarial, o adquirente assume a titularidade da
universalidade de fato no estado em que ela se encontrar e, por isso, responde
pelas dívidas já constituídas pelo alienante, desde que persista,
evidentemente, nexo de finalidade entre seu surgimento e a administração do
conjunto patrimonial enfocado. Diante do trespasse ou da doação, o adquirente
sucede, pura e simplesmente, o alienante e deve pagar as referidas dívidas,
como se tivessem nascido de sua própria atuação. A regra não admite exceção e
apresenta natureza cogente, não sendo válida cláusula contratual em sentido
diverso, para excluir ou limitar a responsabilidade do adquirente. Uma única
ressalva foi feita, com o fim de resguardar a posição do adquirente de boa-fé.
O adquirente permanece isento de responsabilidade quanto a dívidas não
contabilizadas, não podendo ser surpreendido por débitos não lançados nos
livros do alienante. A alienação pressupõe tenha sido feito um exame da situação
econômico-financeira da atividade empresarial realizada pelo estabelecimento, o
que, no mais das vezes, só é viável com a leitura e a análise dos lançamentos
contábeis, que devem ser elaborados com a estrita observância das regras legais
e técnicas. Caso haja dívidas não contabilizadas, a responsabilidade exclusiva
recai sobre o alienante, que usou, supostamente, de malícia no curso das
tratativas do contrato celebrado. De toda maneira, o alienante, em decorrência
do texto legal expresso, mantém-se vinculado a todas as dívidas antigas,
permanecendo, por um lapso de tempo certo e determinado, solidariamente
obrigado, como forma de proteção suplementar dos credores. A solidariedade
remanesce vigente durante um ano, prazo este que pode ostentar dois diferentes
marcos iniciais de contagem. Para as dívidas vencidas antes da celebração do
contrato de trespasse ou de doação, o prazo de um ano é contado a partir da
publicação prevista no CC 1.144, feita pela imprensa oficial, enquanto, para as
demais dívidas, seu vencimento constitui o marco de início da contagem do prazo
de um ano. Ressalte-se que as regras estratificadas pelo presente artigo
apresentam grande importância, suprindo antiga lacuna da legislação nacional e
evitando a proliferação de soluções díspares para as questões controvertidas
derivadas da alienação do estabelecimento empresarial. (Marcelo Fortes Barbosa Filho,
apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de
10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.110.
Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/08/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Em
sua doutrina Ricardo Fiuza dá nome aos bois. A hipótese tratada na norma é
denominada doutrinariamente cessão da clientela. Junto com o estabelecimento
comercial e seus atributos, a alienação ou arrendamento abrange a clientela que
normalmente com ele realizava negócios, em razão de seu nome empresarial, do
seu ponto comercial, das marcas de seus produtos e de outros elementos
corpóreos e incorpóreos que servem de referencial para a prática mercantil. Na
alienação do estabelecimento, o alienante fica obrigado, pelo prazo de cinco
anos, a não continuar exercendo a mesma atividade que era objeto do
estabelecimento, no mesmo ramo de atividade comercial, salvo disposição
expressa no contrato de alienação permitindo que o alienante possa concorrer,
na mesma praça, disputando clientela com o adquirente. Nas hipóteses de
arrendamento ou usufruto do estabelecimento comercial, a cessão da clientela
deverá ser observada pelo mesmo prazo de vigência do contrato que instituiu o
arrendamento ou usufruto. (Direito Civil
- doutrina, Ricardo Fiuza – p. 594, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/08/2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
A seleção de Marcelo Gazzi Tadei
elimina dúvidas quanto ao artigo em comento O Código Civil de 2002 disciplina a
sucessão empresarial no CC 1.146:“ O adquirente do estabelecimento responde
pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente
contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo
prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e,
quanto aos outros, da data do vencimento” O contrato de trespasse não pode
excluir ou limitar a responsabilidade do empresário adquirente pelas dívidas do
estabelecimento empresarial adquirido. O CC 1.146 do Código Civil não admite
exceção, tem natureza cogente, não havendo espaço para a autonomia de vontade
das partes restringir os interesses dos credores. Cláusula que contraria o
disposto no CC 1.146 não terá validade.
A
sucessão empresarial está disciplinada pelo Código Civil brasileiro de forma
semelhante à prevista no direito italiano, conforme se observa pelo conteúdo do
art. 2.560, in verbis: “2.560. Debiti relativi all’azienda
ceduta – L’alienante nom è liberato daí debiti, inerenti all’esercizio
dell’azienda ceduta anteriori al trasferimento, se non risulta che i creditori
vi hanno consentito (1273). Nel transferimento di un’azienda comerciale
risponde dei debiti suddetti anche l’acquirente dell’azienda (2112) se essi
risultano daí libri contabili obbligatori (2214-2220;Trans.220).”
(Codice Civile, 2007, p.409) - De acordo com o Codice
Civile, o empresário adquirente do estabelecimento torna-se
solidariamente responsável com o empresário alienante pelas dívidas da azienda, desde
que elas se encontrem regularmente escrituradas nos livros comerciais
obrigatórios. No direito italiano, o empresário adquirente assume a
responsabilidade pelas dívidas regularmente escrituradas, mas, elas não são
transferidas para ele, salvo se o contrato de trespasse assim determinar.
Portanto, no silêncio contratual, o empresário alienante é o principal obrigado
pelas dívidas do estabelecimento, respondendo o adquirente de forma solidária
pelo seu pagamento. Entretanto, esse entendimento não é pacífico no direito
italiano, alguns doutrinadores atribuem ao empresário adquirente do
estabelecimento a qualidade de devedor principal (FÉRES, 2007, p. 110).
No Código Civil brasileiro, o empresário adquirente responde pelas dívidas
regularmente escrituradas referentes ao estabelecimento empresarial negociado,
ficando o empresário alienante responsável por essas dívidas de forma solidária
com o adquirente, mas, por tempo limitado. De acordo com o CC 1.146, o
empresário adquirente é o devedor principal pelas dívidas do estabelecimento
adquirido, respondendo o alienante de forma solidária pelo tempo limitado de um
ano contado do vencimento ou da publicação, conforme se trate de dívida
vincenda ou vencida.
Durante o prazo legal, os credores podem responsabilizar o empresário
adquirente e o empresário alienante do estabelecimento. Após o prazo previsto
de um ano (do vencimento da dívida ou da publicação do trespasse, conforme o
caso), apenas o empresário adquirente pode ser responsabilizado pelas dívidas
do estabelecimento. Embora a previsão legal demonstre a preocupação do
legislador com os interesses dos credores, a limitação temporal da
responsabilidade do alienante pode gerar uma situação prejudicial aos credores
do estabelecimento, conforme observa Marcelo Andrade Féres em obra específica
sobre o tema: “Imagine-se, por exemplo, uma sociedade empresária que aliena um
de seus quatro estabelecimentos para outra pessoa jurídica, cujo patrimônio se
limita à universalidade em negociação. Na espécie, após o decurso do prazo
decadencial de sobrevida da responsabilidade do trespassante – sociedade
abastada -, os credores serão prejudicados pela disposição da lei. Perceba-se,
assim, que a opção do Código Civil pela transmissão do estabelecimento com
todas as suas vicissitudes para o trespassário, episodicamente, pode acarretar
situação prejudicial aos credores, embora ela pretenda resguardá-los” (Féres,
2007, p. 114).
As dívidas comuns que não se encontrem regularmente escrituradas não são de
responsabilidade do empresário adquirente, que não teve oportunidade de
conhecer sua existência, pela ausência na escrituração ou pela sua
irregularidade. O empresário adquirente, nos termos do CC 1.146, assume
responsabilidade nos limites da escrituração apresentada pelo empresário
alienante. As dívidas existentes que não fazem parte da escrituração
apresentada ao adquirente, são de responsabilidade do empresário alienante.
Referido entendimento, entretanto, permite adequações diante da comprovação de
elementos indicativos de fraude contra credores, hipótese em que o adquirente
pode ser responsabilizado.
Cumpre ressaltar que o CC 1.146 aplica-se às dívidas comuns, não abrange as
dívidas trabalhistas e tributárias, que possuem tratamento legal específico.
Caracterizam-se como dívidas comuns, por exemplo, aquelas ligadas aos parceiros
comerciais (fornecedores de matéria-prima, de embalagem, campanhas
publicitárias) e também as de natureza financeira (empréstimos bancários,
contratos de leasing, financiamento). Nas outras hipóteses de sucessão
empresarial, a responsabilidade do adquirente por obrigações do alienante
decorre da lei trabalhista e fiscal, não se exigindo nesses casos a regular contabilização
da dívida para fins de responsabilização do adquirente em relação aos passivos
tributários e trabalhistas.
O art.
448 da CLT dispõe que mudanças na propriedade da empresa não afetam os
contratos de trabalho existentes, possibilitando ao empregado duas opções: a de
demandar o antigo proprietário do estabelecimento empresarial em que
trabalhava, ou o atual. Em qualquer hipótese, o empresário não poderá opor-se à
pretensão do empregado, com base no contrato de trespasse, já que elas geram
efeitos apenas entre os empresários participantes do negócio. Assim, se o
adquirente é responsabilizado perante antigo empregado do alienante, e por meio
do contrato de trespasse, não havia expressamente assumido o passivo
trabalhista dele, terá direito de regresso para se ressarcir do prejuízo. No
que se refere ao passivo fiscal com base no art. 133 do CTN, distinguem-se duas
situações: se o alienante deixa de explorar qualquer atividade econômica; ou se
continua a exploração de alguma atividade (não importando o gênero) nos seis
meses seguintes à alienação. O art. 133 do CTN prevê: “A pessoa natural ou
jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo
de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e
continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob
firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou
estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato:
I. Integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria
ou atividade;
II. Subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou
iniciar dentro de 6 (seis) meses, a contar da data da alienação, nova atividade
no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão”.
Perante o fisco são inoponíveis também os termos do contrato de trespasse, que
apenas eventualmente podem fundamentar o direito de regresso. Em matéria
de sucessão empresarial, ressalta-se o tratamento atribuído pela Lei de
Falência e Recuperação de Empresas aos casos de aquisição judicial de
estabelecimento do devedor em crise em processos de recuperação judicial e de
falência, em que a responsabilidade do adquirente pelas dívidas referentes ao
estabelecimento adquirido, inclusive as de natureza tributária e trabalhista,
foi afastada (art. 60, parágrafo único e art. 141, II, Lei n° 11.101/2005).
No âmbito da recuperação judicial de empresa, se o plano de recuperação
aprovado abranger a alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas
isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização na forma do art. 142 da
LF (leilão com lances orais, propostas fechadas ou pregão), sendo que o objeto
da alienação encontra-se livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do
arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária
(art. 60, LF). Na falência, o art. 141, I, dispõe que todos os credores se
sub-rogam no produto da realização do ativo, de forma que o bem adquirido está
isento de responder por dívidas do falido. O inciso II do referido artigo prevê
que na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de
suas filiais, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá
sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza
tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de
acidentes de trabalho.
No âmbito tributário, a aplicação de referidos dispositivos tornou-se possível
diante da alteração do art. 133, CTN, pela Lei Complementar 118, de 09 de
fevereiro de 2005, que acrescentou um §1° ao artigo, in verbis:
“§1°. O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de
alienação judicial: I – em processo de falência; II – de filial ou unidade
produtiva isolada, em processo de recuperação judicial”.
Foi incluído também o §2° ao art. 133, prevendo que a isenção do §1° não se
aplica quando o adquirente for sócio da sociedade falida ou em recuperação
judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido em recuperação judicial,
ou ainda parente em linha reta ou colateral até o 4° grau, consanguíneo ou
afim, do devedor ou qualquer de seus sócios, ou ainda para aquele identificado
como agente do falido ou devedor em recuperação judicial, com o objetivo de
fraudar a sucessão tributária.
O art. 133 também recebeu o acréscimo do §3°:
“Em processo de falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial
ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do
juízo da falência pelo prazo de 1 ano, contado da data da alienação, somente
podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extra concursais ou de
créditos que preferem ao tributário”.
Em relação à sucessão trabalhista, certamente encontrará severa resistência da
justiça especializada do trabalho, diante da natureza alimentar do crédito trabalhista,
conforme se verificou no caso da recuperação judicial da Varig. Entretanto, é
necessário lembrar que um dos grandes temores de quem arremata um bem em juízo
é tornar-se sub-rogado nos ônus incidentes sobre o bem. Como incentivo à
existência de interessados na compra, a lei afasta o bem de quaisquer ônus ou
sucessão, blindando-o.
Para evitar fraudes, o §1°, art. 141, da Lei n° 11.101/2005 afasta essa
blindagem quando a aquisição tenha sido feita por pessoas próximas ao devedor:
sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; parente, em
linha reta ou colateral até o quarto grau, consanguíneo ou afim (por
afinidade), do falido ou de sócio da sociedade falida; identificado como agente
do falido com o objetivo de fraudar a sucessão. Nesta lista, embora a
legislação não preveja, devem ser incluídos o cônjuge e o companheiro do falido
ou de seus sócios.
Cláusula de não-restabelecimento
(interdição da concorrência) - O alienante do estabelecimento
empresarial que se restabelece em concorrência com o adquirente, em geral atrai
para o novo local de seus negócios a clientela que formou no antigo. Ulhoa
destaca que o desvio de clientela na atualidade deve-se menos ao contato
pessoal entre o consumidor e o empresário e mais às informações que o
empresário alienante detém sobre a realidade do mercado em que opera (COELHO,
v. 1, 2007, p. 101).
Como o adquirente pagou ao alienante um valor baseado no aviamento do
estabelecimento, e não na simples soma dos bens que o compõem, o
restabelecimento do alienante importa prejuízo ao adquirente, podendo
caracterizar enriquecimento indevido, daí a razão da cláusula de
não-restabelecimento, que tem por finalidade impedir que o empresário alienante
se restabeleça em concorrência com o adquirente (na mesma atividade, em local
que disputam a mesma clientela e nos 5 anos seguintes ao trespasse).
A cláusula de não
restabelecimento, também denominada de cláusula de interdição da concorrência,
constitui uma obrigação de não fazer assumida contratualmente pelo empresário
alienante do estabelecimento que se compromete a não concorrer com o empresário
adquirente. São fundamentos para a previsão legal da cláusula de não
restabelecimento: o princípio da boa-fé na execução dos contratos (CC 422, o
princípio da equidade e da concorrência leal. (Marcelo Gazzi Taddei,
Advogado, Parecerista, Mestre em Direito pela UNESP de Franca, SP, Professor de
Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil I da UNIP –
Universidade Paulista, de São José do Rio Preto, SP e Professor de Direito
Empresarial da ESA – Escola Superior de Advocacia de São José do Rio Preto, SP.
A
Revista Âmbito Jurídico, publicou artigo em 01/06/2009, O
Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado
07/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Art.
1.147. Não
havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer
concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência.
Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a
proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do contrato.
No embalo de Marcelo
Fortes Barbosa Filho, até
o início da vigência do Código Civil de 2002, era muito comum a inserção, nos
contratos de trespasse, de uma cláusula de interdição de concorrência,
explicitando estar o alienante proibido de organizar novo estabelecimento
similar ao transmitido e, assim, impor substancial prejuízo ao adquirente, dada
a depreciação decorrente de inevitável perda de clientela e diminuição do
aviamento. Agora, a proibição está subentendida, ostentando caráter geral e
vigorando por um prazo certo, de cinco anos contados da celebração de contratos
onerosos ou gratuitos resultantes na transferência da titularidade de um
estabelecimento, de trespasse ou de doação. A regra possui, contudo, natureza
dispositiva e as partes negociais (alienante e adquirente) podem dispensar,
limitar ou ampliar a interdição legal, mediante cláusula inserida no
instrumento contratual elaborado, cuja averbação está prevista no CC 1.144.
Deixa-se espaço para que o interesse privado prevaleça e construa uma
disciplina concreta para o período imediatamente posterior à transferência da
titularidade de um estabelecimento empresarial, preservado um regramento
mínimo. O parágrafo único estende, também, a incidência da regra geral de
interdição da concorrência ao contrato de arrendamento e à instituição de
usufruto do estabelecimento empresarial, fixando-se apenas um prazo diverso,
posto que a proibição deve perdurar enquanto o arrendamento estiver em curso ou
o direito real de usufruto continuar onerando o bem coletivo. Equiparam-se,
assim, o arrendatário e o usufrutuário ao adquirente do estabelecimento
empresarial, pois suas posições jurídico-econômicas são, ao menos quanto à
concorrência, equivalentes, ficando protegido quanto à atuação do arrendante ou
do nu-proprietário, instituidor do direito real limitado. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 1.111. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/08/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Enquanto
o histórico aponta O enunciado por este artigo manteve a redação do projeto
original. Não tem precedente no Código Civil de 1916. A Lei de Falências
(Decreto-Lei n. 7.661/45, art. 52, parágrafo único) estabelecia o prazo de dois
anos a cessação da responsabilidade do alienante do estabelecimento comercial
na condição de sócio de responsabilidade solidária.
Em
sua Doutrina Ricardo Fiuza demonstra que na alienação ou trespasse, o
estabelecimento é transferido em sua totalidade, compreendendo todos os seus
bens corpóreos e incorpóreos e seu ativo e passivo. O adquirente assume a
responsabilidade, perante os credores da empresa, pelas dívidas devidamente
contabilizadas na data da alienação. O alienante do estabelecimento, devedor
primitivo, ficará solidariamente responsável junto ao adquirente pelas dívidas
vencidas e vincendas contabilizadas na data da alienação, pelo prazo de um ano.
Para as dívidas vencidas, esse prazo é contado da data da publicação do ato de
arquivamento da alienação no Registro Público de Empresas Mercantis. Para as
dívidas vincendas, o prazo de um ano se inicia a partir do vencimento do título
correspondente. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 594, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/08/2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Lecionando Marcelo
Gazzi Taddei, de acordo com o caput do CC 1.147, baseado no
art. 2.557 do Codice Civile, se o contrato de trespasse é
omisso em relação ao restabelecimento, presume-se no direito brasileiro
implícita a cláusula de não restabelecimento pelo prazo de 5 (cinco) anos
seguintes ao trespasse: “Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o
alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos
cinco anos subsequentes à transferência.”
Em razão do art. 170, Constituição Federal de 1988, a cláusula de não
restabelecimento deve apresentar limites materiais (ramo de atividade),
territoriais (âmbito geográfico) e temporais (prazo de não concorrência) para
não ofender os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre
concorrência. A cláusula de não restabelecimento que vede a exploração de
qualquer atividade econômica ou não estipule restrições temporais ou
territoriais não gera o efeito pretendido pelas partes. Marcelo Andrade Féres
destaca que além dos elementos temporal, territorial e material, a cláusula de
não restabelecimento deve indicar o elemento pessoal, que se refere às partes
signatárias do trespasse. De acordo com o caso concreto, mostra-se oportuna a
vedação da concorrência sobre outras pessoas, como os administradores e sócios
controladores da sociedade empresária alienante do estabelecimento, vedação que
se estende aos seus herdeiros e cônjuges (FÉRES, 2007, p. 159).
De acordo com o art. 2.557 do Código Civil italiano, se o contrato de trespasse
indica um prazo maior que 5 anos ou esse prazo não é previsto, a interdição da
concorrência vale pelo período de cinco anos da transferência. O mesmo artigo
ainda prevê que a cláusula de interdição da concorrência prevista em limites
mais amplos que os materiais ou geográficos é válido, desde que não impeça toda
e qualquer atividade profissional do alienante, entretanto, não pode exceder o
prazo de 5 anos da transferência.
A
legislação brasileira não estabeleceu um limite temporal máximo para o não
restabelecimento do empresário, o prazo de 5 anos previsto no CC 1.147 está
previsto para os casos em que o contrato de trespasse não trata da questão,
servindo de referência.
Diante da
lacuna legal, admite-se a possibilidade do contrato de trespasse estabelecer um
limite temporal superior ao prazo de 5 anos, desde que exista uma compensação
econômica ao empresário alienante e não exista ofensa ao princípio
constitucional da livre iniciativa. Conforme se observa, a questão exige a
análise cautelosa do caso concreto para verificar a validade do excesso de
prazo previsto. De qualquer forma, havendo a configuração das hipóteses
previstas no art. 54 da Lei n° 8.884/1994, o ato deve ser submetido à
apreciação do CADE.
O CC 1.147 do CC 2002 permite o afastamento da cláusula de não restabelecimento
pela vontade das partes, desde que expressa no contrato de trespasse. O
restabelecimento do alienante em concorrência com o adquirente somente é
possível se o contrato de trespasse apresentar cláusula de autorização
expressa. Omisso o contrato, presume-se vedado o restabelecimento do empresário
alienante pelo prazo de 5 anos. Na hipótese de violação da cláusula de não
restabelecimento pelo empresário alienante, o empresário adquirente poderá
promover execução específica de obrigação por meio da Ação Cominatória prevista
no art. 461 do Código de Processo Civil, (correspondendo ao art. 497 do
CPC/2015) que permite a fixação de multa diária (astreintes) para coibir
a continuação da concorrência vedada. Se ao descumprimento da cláusula de não
restabelecimento somarem-se outras condutas caracterizadoras de concorrência
desleal, o empresário alienante também poderá sofrer sanções penais, diante da configuração
de crime de concorrência desleal (art. 195, Lei n° 9.279/1996). (Marcelo Gazzi Taddei,
Advogado, Parecerista, Mestre em Direito pela UNESP de Franca, SP, Professor de
Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil I da UNIP – Universidade
Paulista, de São José do Rio Preto, SP e Professor de Direito Empresarial da
ESA – Escola Superior de Advocacia de São José do Rio Preto, SP. A
Revista Âmbito Jurídico, publicou artigo em 01/06/2009, O
Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado
07/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).