quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.142, 1.143, 1.144 - continua Do Estabelecimento - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.142, 1.143, 1.144 - continua
Do Estabelecimento - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo Único –
Disposições gerais (Art. 1.142 a 1.149) Título III – do estabelecimento
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Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

Na palavra de Marcelo Fortes Barbosa Filho, Considerada a empresa, tal qual afirmado no CC 966, como uma estrutura complexa e capaz de ser examinada de quatro ângulos ou perfis diferenciados, o estabelecimento empresarial corresponde a seu perfil patrimonial. A produção ou a circulação de mercadorias ou serviços precisa, para ser desenvolvida, do agrupamento de bens corpóreos e incorpóreos dotados de destinação econômica específica, organizados e dispostos racionalmente para a execução da atividade profissional própria à empresa. Forma-se, assim, uma universalidade, ou seja, um bem coletivo que conforma um todo único, mas heterogêneo. A vontade de um empresário, manifestada por meio de decisões individuais e interligadas, envolve o conjunto composto por uma quantidade variável de bens singulares, de identidade e qualidade totalmente díspares, vinculando-o a uma mesma finalidade econômica e dotando-o, por isso, de unidade. Surge, então, como universalidade de fato, dado seu enquadramento na definição contida no caput do art. 90, o estabelecimento empresarial. Seja qual for o empreendimento realizado, haverá sempre um estabelecimento, pois o empresário necessitará se aproveitar de algum suporte material, somando-se, por exemplo, materiais de escritório, bens de capital, marcas, patentes ou veículos, tudo integrado pelos mesmos desígnios volitivos. O estabelecimento pode ser simples, concentrando-se todos os bens num único local geográfico, mas, também, assume a forma complexa e pode apresentar ramificações, estendendo-se a locais diferentes, sob a forma de sucursais ou filiais, de acordo com a magnitude e o conteúdo da atividade escolhida. A variabilidade é bastante grande, contrastando, inclusive, o estabelecimento urbano, voltado para o comércio ou para a indústria, com o estabelecimento rural, voltado para a agricultura ou a pecuária. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.108. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza o estabelecimento regulado por este título sempre foi denominado pela doutrina estabelecimento comercial ou fundo de comércio. Desse modo, só haverá estabelecimento no âmbito da atividade empresarial, afeta a negócios e atos mercantis. Em uma definição sintética, o estabelecimento é “o instrumento da atividade do empresário” (Rubens Requião, Curso de direito comercial, São Paulo, Saraiva, v. 1, p. 185). A partir do capital e do patrimônio realizado na empresa pelo seu titular, são captados e reunidos os recursos humanos, físicos, tecnológicos, assim como os bens incorpóreos, a exemplo do nome empresarial, das marcas e patentes. A forma como esses recursos são reunidos e organizados pelo empresário, que caracteriza o modo como a empresa vai atuar na realização de negócios, representa, exatamente, o estabelecimento comercial. O estabelecimento compreende dois atributos principais: o aviamento, entendido como a capacidade de a empresa auferir lucros a partir da organização dos fatores de produção, e a clientela, que é o conjunto de pessoas que se relacionam com a empresa. O célebre jurista francês Georges Ripert chegava mesmo a se referir ao estabelecimento comercial como “o direito a uma clientela”. As pessoas tornam-se clientes de uma empresa exatamente em razão dos atributos do estabelecimento comercial. Assim, o enunciado por este artigo define o estabelecimento como o complexo ou conjunto de bens, corpóreos e incorpóreos, organizados para o exercício da empresa. O novo Código Civil considera empresário apenas o titular de firma individual. A sociedade empresária representa o próprio empresário, enquanto seus sócios ou acionistas diretores ou administradores são definidos, no rigor da terminologia jurídica, como “empreendedores ou investidores” (Fábio Ulhoa Coelho, Curvo de direito comercial, São Paulo, Saraiva, v. 2, p. 6). Ainda que não se atenda ao rigor técnico da lei, continuarão sendo designados como empresários também os sócios administradores da sociedade empresária, uma vez que são eles, pessoas físicas, os verdadeiros titulares do aviamento incorporado ao estabelecimento comercial. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 592, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).  

Segundo , por Marcelo Gazzi Taddei, de acordo com o O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, a definição legal de estabelecimento presente no Código Civil brasileiro é baseada no Codice Civile italiano de 1942, conforme se observa pela leitura do seu art. 2.555, in verbis: “Art. 2555. Nozione. – L’azienda è il complesso dei beni organizzati dall’imprenditore per l’esercizio dell’impresa (2082)” (CODICE CIVILE2007, p.408).


Portanto, o estabelecimento empresarial pode ser definido como o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos organizados pelo empresário para a exploração da atividade econômica (empresa). Apresentando-se como um conjunto ou complexo de bens, não se resume, conforme visto, ao local de desenvolvimento da empresa. Na exploração de uma atividade empresarial é necessária a organização de vários bens, sem a organização desses bens não é possível dar início à exploração da atividade econômica. O estabelecimento empresarial é essencial para o exercício da empresa, correspondendo a um dos elementos da empresarialidade. O empresário pode exercer sua atividade em mais de um estabelecimento, destacando-se o estabelecimento principal (sede ou matriz) e os secundários (filiais).



Alguns autores, entre os quais Rubens Requião, Fran Martins, Waldirio Bulgarelli, utilizam as expressões fundo de comércio (influência francesa) e azienda (influência italiana, significa negócio, empresa, firma) como sinônimas de estabelecimento empresarial. Para Fábio Ulhoa, fundo de comércio, que ele prefere chamar de fundo de empresa, não pode ser considerada expressão sinônima de estabelecimento empresarial, porque corresponde ao valor agregado do estabelecimento (conjunto de bens organizados), sendo um atributo do estabelecimento (COELHO, v.1, 2007, p.98).



O Código Civil não utiliza a denominação estabelecimento empresarial. Entretanto, diante do conteúdo da definição legal e por ser um dos elementos da empresarialidade, o acréscimo do termo empresarial deve ser feito. Nesse sentido, Marcelo Andrade Féres entende que: “por ter-se amoldado à teoria da empresa, dado o conceito que fornece de estabelecimento, vinculando este à figura do empresário ou à da sociedade empresária, é de melhor técnica usar-se a designação estabelecimento empresarial” (FÉRES, 2007, p. 5). (, O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado 06/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


Art. 1.143. Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza.

No entendimento de Marcelo Fortes Barbosa Filho, qualificado o estabelecimento empresarial como uma universalidade de fato, resulta, como decorrência natural, a possibilidade de ser tal bem coletivo objeto de negócios jurídicos. Cada um dos elementos individuais do estabelecimento pode receber tratamento isolado, mas, nos termos do proposto pelo parágrafo único do CC 90, pode-se considerá-los como um todo. Viabiliza-se, portanto, a celebração de contratos ou a instituição de direitos reais sobre o todo formado pelo conjunto de bens destinados à produção ou circulação de bens organizada profissionalmente, unidos por uma mesma finalidade e colocados sob a disponibilidade do empresário. A consecução desses negócios jurídicos toma como ponto de partida a obra criadora e organizadora realizada, realçando-se a alienação do estabelecimento, denominada trespasse, e seu arrendamento, espécie peculiar de locação. Os valores agregados pela reunião ordenada dos bens componentes do estabelecimento merecem ser sempre considerados, sendo imprescindível ter sempre em mente seus predicados fundamentais. O volume e a qualidade de pessoas com as quais é mantido relacionamento negociai, ou seja, a clientela, bem como o potencial de lucros gerado pela concreta situação de dado estabelecimento, correspondente ao aviamento, se conjugam à eficiência operacional proporcionada pelos locais físicos ou virtuais nos quais é mantido relacionamento com dito público (pontos de empresa). Todos os predicados do bem coletivo se somam, diferenciando-se de mera soma ou reunião desordenada. Obtém-se, então, uma apreciação mais exata da realidade patrimonial presente na empresa, o que, caso cada bem fosse apreciado em separado, não ocorreria. Anote-se, por fim, que, muito embora a universalidade se apresente como um bem móvel, devendo, quando celebrado negócio jurídico tendo-o por objeto, ser observadas as formalidades próprias a tal espécie de bem, os imóveis incluídos na universalidade recebem tratamento peculiar e os atos relativos são feitos em separado, obedecendo a sua disciplina peculiar. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.108. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o estabelecimento comercial, como complexo de bens organizados pelo empresário para o exercício da empresa, possui caráter unitário, representado não só pela base física onde funciona a empresa (ponto comercial) como por outros elementos corpóreos e incorpóreos que possuem a capacidade de realizar negócios, atrair clientes e gerar lucros na atividade mercantil. Desse modo, o enunciado por este CC 1.143 admite que o estabelecimento pode ser objeto de negócios jurídicos envolvendo ele próprio, desde que compatíveis com sua natureza unitária. Assim, o estabelecimento pode ser alienado a terceiros, operação tradicionalmente denominada trespasse. Pode também o estabelecimento, com todos os seus recursos e elementos, ser objeto de arrendamento, espécie de locação que abrange os bens corpóreos e incorpóreos aplicados na empresa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 592, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).  
Nas palavras de Marcelo Gazzi Taddei, ainda no ritmo d, O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, no Brasil, o Código Comercial de 1850 e a legislação comercial vigente não disciplinaram especificamente a matéria, apenas a antiga e revogada Lei de Falências (art. 52, VIII, Dec.lei nº 7.661/45) referia-se ao estabelecimento prevendo a sua venda e, a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991), prevê proteção indireta ao estabelecimento, assegurando no art. 51 proteção ao ponto empresarial por meio da ação renovatória.

Dentre os pontos positivos do Código Civil vigente, sem dúvida o tratamento legal específico atribuído ao estabelecimento merece destaque. O estabelecimento empresarial constitui elemento da empresarialidade e é essencial para o desenvolvimento de qualquer atividade econômica. Sua disciplina legal é imprescindível para atribuir a segurança jurídica necessária para as questões obrigacionais decorrentes da exploração da empresa, conforme será ressaltado no presente artigo.


O estabelecimento empresarial, muitas vezes, é relacionado simplesmente ao local onde o empresário exerce a atividade econômica. Essa noção vulgar não corresponde à definição jurídica de estabelecimento, que não se resume ao local de desenvolvimento da empresa. É certo que a noção vulgar integra a definição jurídica, mas, o estabelecimento empresarial apresenta uma definição bem mais ampla que o simples local de exploração da atividade econômica, que constitui um dos elementos do estabelecimento, não se confundindo com ele. É uma impropriedade técnica resumir a definição de estabelecimento à ideia de local onde a empresa é exercida.


Natureza do estabelecimento empresarial: CC 1.143. Muito se discutiu em torno da natureza do estabelecimento empresarial, existindo várias teorias diferentes sobre a sua natureza. Atualmente, a doutrina moderna dominante entende que o estabelecimento empresarial apresenta a natureza de universalidade de fato, já que corresponde a um conjunto de bens que se mantém unidos, destinados a uma finalidade, por vontade e determinação do seu proprietário. O estabelecimento, correspondendo a uma unidade organizada para uma finalidade específica, não se confunde com o patrimônio do empresário. Não pode ser considerado universalidade de direito porque esta só se constitui por força de lei, como ocorre com a herança e a massa falida. Para Marcelo Andrade Féres, “Após a codificação de 2002, não há espaço para a formação de dissidências. O trato do estabelecimento, nitidamente inspirado pelo Codice Civile, trilha o caminho da universalidade de fato” (FÉRES, 2007, p.20).


O CC 1.143, prevê: “Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos e constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza”. Segundo Marlon Tomazette (2004, p. 11), o Código Civil classifica o estabelecimento empresarial como uma coisa coletiva ou estabelecimento de fato porque permite que seja como um todo objeto unitário de direitos e negócios jurídicos, sem, contudo, proibir a negociação isolada dos bens integrantes do mesmo. O Código Civil define universalidade de fato no CC 90 como a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária, podendo, entretanto, ser objeto de relações jurídicas próprias. Portanto, os bens integrantes do estabelecimento podem ser objeto de relações jurídicas autônomas ou podem ser negociados de forma unitária, por meio do trespasse, como um conjunto de bens.



Vale lembrar que o estabelecimento empresarial não se confunde com o empresário, que é aquele que exerce a atividade empresarial, e nem com a empresa, que corresponde à própria atividade exercida pelo empresário por meio do estabelecimento empresarial. O estabelecimento não é sujeito de direito (sujeito de direito é o empresário) e não possui personalidade jurídica. O estabelecimento empresarial não é uma pessoa jurídica, é uma universalidade de fato que integra o patrimônio do empresário individual ou da sociedade empresária, sendo objeto de direito, pode ser alienado, onerado, arrestado, penhorado ou objeto de sequestro.


Relacionado à natureza jurídica do estabelecimento empresarial encontra-se o princípio da construção continuada do estabelecimento, pelo qual, o complexo organizado de bens utilizado pelo empresário não é algo estático, é dinâmico, modificando-se constantemente de acordo com o desenvolvimento da atividade econômica (circulação das mercadorias, reforma do imóvel, aquisição e venda de maquinários e veículos). Tudo isso influencia a definição do aviamento e do valor do estabelecimento. Segundo Marcelo Andrade Féres, o estabelecimento nunca está pronto e acabado, ele está sempre em evolução (2007, p. 22).

O estabelecimento empresarial é composto por a) elementos corpóreos (materiais) e b) incorpóreos (imateriais): a) Os elementos materiais abrangem as mercadorias do estoque, utensílios, veículos, móveis, máquinas, edifícios, terrenos, matéria-prima, dinheiro e títulos (atividades bancárias) e todos os demais bens corpóreos utilizados pelo empresário na exploração de sua atividade econômica; b) Os elementos incorpóreos (imateriais) do estabelecimento empresarial são, principalmente, os bens industriais (patentes de invenção e de modelo de utilidade, registros de desenho industrial e de marca registrada), o nome empresarial, o título de estabelecimento, expressão ou sinal de publicidade, o ponto empresarial (local em que se explora a atividade econômica, ponto físico), o nome de domínio (endereço do empresário na Internet, ponto virtual), obras literárias, artísticas ou científicas.


Os contratos não integram o estabelecimento empresarial porque não são bens, como ressalta Marlon Tomazette (2004, p. 16), acompanhando Rubens Requião (2003, p. 284). Nesse sentido, Marcelo Andrade Féres conclui que entre os bens integrantes do estabelecimento empresarial não se compreendem dívidas, créditos ou contratos, para Féres, “as relações jurídicas integram, outrossim, o patrimônio do empresário, ao lado dos elementos do estabelecimento” (FÉRES, 2007, p. 21).



Do aviamento e clientela: O valor atribuído ao estabelecimento empresarial não se confunde com a simples soma dos bens que o compõe, já que o mercado valoriza o investimento realizado pelo empresário na organização do estabelecimento empresarial. A organização do estabelecimento influencia a sua potencialidade de gerar lucro ao empresário, daí a importância do aviamento na definição do preço do estabelecimento. O aviamento corresponde à potencialidade do estabelecimento empresarial gerar lucro, estando diretamente relacionado à clientela: quanto maior a clientela, maior o aviamento. Não se pode considerar o aviamento um bem integrante do estabelecimento, corresponde a um atributo dele, sua capacidade de gerar lucros. Esse é o atual entendimento da doutrina. Nesse sentido, Marcelo de Andrade Féres destaca: “o avviamento constitui um atributo do estabelecimento, e não da empresa, como pretende parte da doutrina. Inegavelmente, o avviamento é o sobrevalor que se confere ao estabelecimento bem organizado.  Suponha-se que um empresário, que vende no varejo calçados de luxo, tenha dois estabelecimentos empresariais, um situado num bairro nobre e outro numa localidade humilde. No primeiro ponto, ele tem ótima clientela, as vendas são significativas. No segundo, o movimento não é suficiente para o pagamento dos custos operacionais. Com certeza, o avviamento não pode estar relacionado à empresa (atividade), pois ela é idêntica em ambas as situações. A capacidade de gerar lucro, assim, decorre diretamente da articulação dos elementos do estabelecimento, inclusive o espacial, o que torna patente que cada azienda tem seu avviamento” (FÉRES, 2007, p. 34).   



De acordo com a doutrina moderna também não se pode incluir a clientela como elemento do estabelecimento empresarial. Clientela é o conjunto de pessoas que adquirem habitualmente os produtos ou serviços fornecidos por um empresário. Não é objeto de apropriação pelo empresário, razão pela qual não se pode incluí-la entre os elementos do estabelecimento empresarial. Também não se pode falar em direito à clientela, afinal, corresponde a um conjunto de pessoas que apresenta alterações no tempo e no espaço, o que afasta um seguro delineamento. Integrando a clientela, existem pessoas que adquirem os produtos ou serviços de forma esporádica, ao acaso, ao passo que outras o fazem por conhecerem a marca, não importando o empresário que celebra o negócio. Por outro lado, existem os clientes ligados ao estabelecimento por questões pessoais, em razão de conhecerem empregados, gerentes, sócios ou o empresário individual. De acordo com Marlon Tomazette: “Não obstante seja incorreto falar-se em direito à clientela, é certo que há uma proteção jurídica a ela, consistente nas ações contra a concorrência desleal. Todavia, tal proteção não torna a clientela objeto de direito do empresário, pois o que se protege na verdade são os elementos patrimoniais da empresa, aos quais está ligada a clientela, esta recebe uma proteção apenas indireta” (TOMAZETTE, 2004, p. 14)



Trespasse - O contrato de compra e venda do estabelecimento empresarial é denominado trespasse. Embora consagrada pela doutrina para designar a transferência, a expressão trespasse não foi adotada pelo Código Civil de 2002, mas, a Lei de Falência e de Recuperação de Empresas (Lei n° 11.101/2005) indica dentre os meios de recuperação judicial no art. 50, VII, o trespasse. No trespasse há a transferência do estabelecimento do patrimônio do empresário alienante (trespassante) para o patrimônio do empresário adquirente (trespassário). O objeto da venda é o complexo de bens corpóreos e incorpóreos. Para que a alienação do estabelecimento empresarial produza efeitos perante terceiros deve preencher os requisitos previstos no Código Civil. O trespasse constitui contrato bilateral realizado entre o alienante do estabelecimento (trespassante) e o adquirente (trespassário). O alienante, assim como o adquirente do estabelecimento, podem ser empresários individuais ou sociedades empresárias.



O aviamento do estabelecimento, ou seja, a capacidade de gerar lucro ao seu titular deve ser informado pelo empresário alienante nas negociações preliminares ao trespasse. Constitui direito do empresário adquirente ser informado sobre o aviamento do estabelecimento que pretende adquirir, sendo dever do empresário alienante apresentar informações verídicas, sob pena de resolução do contrato e da indenização correspondente. Para verificar a realidade do estabelecimento que irá adquirir, o exercício do direito de informação pelo empresário adquirente pode ocorrer por meio da due diligence, que envolve uma análise investigativa sobre a situação econômica do estabelecimento antes da sua aquisição pelo interessado. A análise é baseada na escrituração referente ao estabelecimento em negociação, daí a importância da regularidade da escrituração (CC 1.179), já que as operações omitidas dos registros contábeis equivalem a negociações não realizadas, reduzindo, consequentemente, o valor do aviamento.



Cumpre ressaltar que o trespasse não se confunde com a cessão de quotas sociais de sociedade limitada ou a alienação de controle da sociedade anônima. Na transferência da participação societária o estabelecimento empresarial não muda de titular, tanto antes como após a transação ele pertencia e continua a pertencer à sociedade empresária, à mesma pessoa jurídica, que apenas tem a sua composição de sócios alterada. Na cessão de quotas ou alienação de controle, o objeto da venda é a participação societária, ou seja, as quotas ou as ações, conforme a espécie societária. (, O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado 06/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


Art. 1.144. O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial.

No entendimento de Marcelo Fortes Barbosa Filho, os negócios jurídicos bilaterais referidos no artigo anterior e tendentes à alienação, ao arrendamento ou à instituição do direito real de usufruto sobre o estabelecimento empresarial apresentam, como fator condicionante de sua eficácia, a ampla divulgação de sua consecução. Exige-se, assim, seja tornada pública a notícia da mutação patrimonial sofrida pelo empresário individual ou coletivo (sociedade empresária), para que os efeitos do ato realizado possam se expandir sobre terceiros, não se limitando apenas aos celebrantes de um contrato, seja este oneroso ou gratuito. Tal publicidade se efetiva, num primeiro plano, mediante o arquivamento perante Junta Comercial e a inscrição do empresário do instrumento público ou particular do contrato enfocado, ressaltando-se haver o texto legal utilizado, de maneira imprópria, a palavra “averbado”, em contraste com a legislação especial vigente (art. 32, II, e, da Lei n. 8.934/94). É preciso, num segundo plano, promover a publicação de aviso pela imprensa oficial do Estado-membro em que está sediado o empresário ou, tratando-se do Distrito Federal, no Diário Oficial da União (CC 1.152, § Iº). Ausente uma das duas providências, um terceiro não pode ser atingido pelos efeitos decorrentes do negócio celebrado; a eficácia só permanece plena ante as próprias partes. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.109. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, na redação original, o dispositivo utilizava a expressão “Registro das Empresas”. Emenda de redação que apresentamos atualizou o texto, que passou a empregar “Registro Público de Empresas Mercantis”. Não tem paralelo no Código Civil de 1916 ou na legislação de direito comercial.

Em sua doutrina Ricardo Fiuza aponta como o estabelecimento comercial, considerado como instrumento unitário do exercício da empresa, pode ser objeto de alienação, usufruto ou arrendamento, tal como previsto no CC 1.143, a realização de qualquer desses negócios depende, para ter eficácia jurídica e produzir efeitos perante terceiros, da averbação do instrumento respectivo no Registro Público de Empresas Mercantis, ou seja, na Junta Comercial, com subsequente publicação na imprensa oficial. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 592, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).  

Nas palavras de Marcelo Gazzi Taddei, de acordo com o CC 1.144, CC 2002, o contrato de trespasse deve ser arquivado na Junta Comercial junto ao registro do empresário e publicado na imprensa oficial. A mesma exigência legal vale para os casos de arrendamento ou instituição de usufruto para o estabelecimento. O descumprimento dos requisitos legais previstos impede que o negócio referente ao estabelecimento apresente eficácia perante terceiros. (Marcelo Gazzi Taddei, Advogado, Parecerista, Mestre em Direito pela UNESP de Franca, SP, Professor de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil I da UNIP – Universidade Paulista, de São José do Rio Preto, SP e Professor de Direito Empresarial da ESA – Escola Superior de Advocacia de São José do Rio Preto, SP. , O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado 06/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

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