terça-feira, 20 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.282, 1.283, 1.284 Dos Direitos de Vizinhança – Das Árvores Limítrofes – VARGAS, Paulo S. R

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.282, 1.283, 1.284

Dos Direitos de Vizinhança – Das Árvores Limítrofes –

VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial –

Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.282 e 1.284) Capítulo V –

Dos Direitos de Vizinhança – Seção II – Das Árvores Limítrofes

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Art. 1.282. A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes.

 Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em comento reproduz integralmente o que continha o art. 556 do Código Civil de 1916. A regra é simples e define a propriedade da árvore pela posição de seu tronco, desprezando, portanto, tanto as raízes como a copa, que podem se estender para um dos prédios. Abrange tanto as árvores nativas como as plantadas propositalmente na linha divisória. Cria-se um condomínio dos vizinhos sobre a árvore, aplicando-se, portanto, as regras dos CC 1.314 e seguintes do atual Código Civil, que disciplinam as relações, os direitos e os deveres dos condôminos. Como diz Carvalho Santos, “a árvore pertence ao dono do prédio onde tem o tronco” (Código Civil brasileiro interpretado, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943, v. V III, p. 19). A presunção é relativa, mas dada a natureza imóvel da acessão deve ser desfeita pela prova de que a linha divisória é outra.

 Podem as árvores causar prejuízos aos imóveis vizinhos, sendo necessária a sua remoção no interesse de qualquer um dos condôminos. Os danos causados pela queda da árvore, de seus ramos ou de seus frutos se regem pela regra do CC 937 do Código Civil, que constitui o preceito básico da responsabilidade pelo feto da coisa. É importante lembrar, porém, que a Constituição Federal, em seu art. 225, reza que o meio ambiente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Cabe a sua defesa à coletividade e ao poder público. A Lei n. 9.605/98 disciplina as regras relativas ao meio ambiente, de modo que a supressão de árvore, limítrofe ou não, exige autorização da autoridade competente, ultrapassando a mera autonomia privada e o interesse patrimonial dos condôminos. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.287-88. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 20/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No comentário de Ricardo Fiuza à sua própria doutrina, cuida o artigo da hipótese de árvores limítrofes, que deverá ser examinada sempre tendo em vista três aspectos fundamentais: a) a quem pertencem as árvores limítrofes; b) a quem pertencem os seus frutos; e c) qual a situação dos ramos e raízes que ultrapassam as divisas do prédio. E idêntico ao art. 556 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Absteve-se o douto relator aos quesitos da Constituição Federal, em seu art. 225, onde reza que o meio ambiente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Cabendo a sua defesa à coletividade e ao poder público. A Lei n. 9.605/98 disciplina as regras relativas ao meio ambiente, de modo que a supressão de árvore, limítrofe ou não, exige autorização da autoridade competente, ultrapassando a mera autonomia privada e o interesse patrimonial dos condôminos, como bem acentuou Francisco Eduardo Loureiro em seu comentário acima (Grifo VD). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 660, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 20/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão mais estendida de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a legislação civil prevê que a árvore plantada na linha divisória de dois terrenos será considerada propriedade em comum aos dois titulares. Desta maneira, sua remoção exige autorização mútua. Trata-se, na verdade, de um condomínio legal existente em razão da árvore se localizar na linha divisória. Qualquer proveito econômico advindo da referida árvore deverá ser de direito de ambos os proprietários vizinhos, dado o condomínio natural formado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 20.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 1.283. As raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido.

Conforme o entendimento lógico de Francisco Eduardo Loureiro, embasado na Lei, o artigo em questão reproduz integralmente o art. 558 do Código Civil de 1916 e contém regra que dispensa maiores explicações, dada a sua simplicidade. O direito de cortar ramos e raízes se estende até o plano vertical divisório entre os imóveis e independe de prova do prejuízo. Pode ser exercido diretamente pelo vizinho, independentemente de qualquer autorização ou concordância do proprietário da árvore. Como se trata de direito potestativo, não está sujeito à prescrição nem o dono da árvore pode reclamar qualquer indenização (Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943, v. V III, p. 24-5). A norma comporta apenas uma ressalva: tal como observado no comentário ao artigo anterior, a preservação da cobertura vegetal protege o meio ambiente, valor de interesse público e coletivo. Assim, a supressão de parte de uma árvore, especialmente quando ponha em risco a própria sobrevivência desta, está subordinada à prévia autorização administrativa e ao respeito às normas ambientais, não valendo o princípio da autonomia privada. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.289. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 20/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Ainda aqui não estendeu seus comentários, Ricardo Fiuza, à norma comportar apenas uma ressalva: tal como observado no comentário ao artigo anterior, a preservação da cobertura vegetal proteger o meio ambiente, como valor de interesse público e coletivo. Assim, a supressão de parte de uma árvore, especialmente quando ponha em risco a própria sobrevivência desta, está subordinada à prévia autorização administrativa e ao respeito às normas ambientais, não valendo o princípio da autonomia privada (Grifo VD), limitando-se a banalizar seu comentário ao  artigo tratar do aspecto fundamental “c”, abordado no CC 1.282. A existência dessas árvores, quando prejudicam os interesses dos vizinhos, caracterizar o mau uso da propriedade, que enseja ação cominatória para retirada delas (RT, 573/143); e, quando se tratar de simples queda de folhas, não se caracterizar o mau uso da propriedade, salvo se provado manifesto prejuízo ou perigo iminente (RI’, 597/110). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 660, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 20/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo Amanda Moura Pierini, em artigo intitulado “Das árvores limítrofes: dos direitos de vizinhança e poda de ramo de árvore (art. 1.283 do CC)”, publicado em dezembro de 2016 no site jus.com.br, o uso desse artigo se aplica para problemas de vizinhança, mais especificamente quando existem árvores de propriedade particular, isto é, do vizinho(a) que faz divisa com sua residência/domicílio, cujos ramos/galhos/folhas dessa(s) árvore(s) invadem a sua propriedade causando algum tipo de prejuízo ou desconforto aos seus moradores. A título de exemplo, cita-se os ramos de árvores da propriedade particular vizinha que ultrapassam os muros de sua residência, e os pássaros que ali se encontram diariamente defecam em cima de seu veículo. Nesse sentido, segue julgado do TJ no recurso de Apelação nº 2006.015061-9 do Desembargador Fernando Carioni, julgado em 19/09/2006, a respeito do tema: “A respeito, Maria Helena Diniz, com propriedade, acentua: Se as árvores e ramos de árvores ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, ante o incômodo à propriedade vizinha, mesmo que, não acarrete dano, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido, sem necessidade de avisar o dono da árvore de que vai apará-la (in Curso de direito civil brasileiro, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 1997, v. 7, p. 475). Destarte, é natural concluir que “As raízes e os ramos de árvore, que ultrapassem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido” (Retirado do Código Civil Anotado, de Cristiano Imhof, Conceito Editorial, 2009). (Amanda Moura Pierini, em artigo intitulado “Das árvores limítrofes: dos direitos de vizinhança e poda de ramo de árvore (art. 1.283 do CC)”, publicado em dezembro de 2016 no site jus.com.br. Acessado em 20/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.284. Os frutos caídos de árvore do terreno do vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular.


Na observação de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame reproduz com exatidão o art. 557 do Código Civil de 1916, elidindo o princípio de que os frutos caídos pertencem ao dono da árvore. Pertencerão ao vizinho se caírem em seu terreno. O propósito da regra é evitar litígios entre vizinhos, que fatalmente ocorreriam se um ingressasse no imóvel do outro para apanhar frutos que lá se encontram. Note-se que a regra somente vale para frutos caídos e não para os frutos pendentes, bem como exige que o terreno vizinho, onde caírem os frutos, seja particular e não público. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.289. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 20/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


Segundo a página da Nação Jurídica, no Facebook, quanto aos frutos que caem na minha propriedade, nessa hipótese, os frutos que caem pertencem ao dono da propriedade (se esta for privada) onde os mesmos caíram, mesmo não sendo este o dono da árvore. Portanto, via de regra, os frutos pertencem ao dono do terreno onde tombaram. Assim dispõe o nosso Código Civil de 2002, no artigo 1284. (@NaçãoJurídica, no Facebook, Acessado 20/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Quanto às árvores limítrofes, segundo artigo de Rogério Tadeu Romano, publicado no site Jus.com.br, Eduardo Espínola (Possepropriedade, condomínio, direitos autorais) já ensinava que presume-se pertencer em comum aos dos prédios confinantes a árvore, cujo tronco estiver na linha divisória. As raízes e os ramos de árvores que ultrapassarem a extrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório pelo proprietário do terreno invadido. A regra procede do direito romano e foi consagrada pelo uso moderno, passando para os vários códigos contemporâneos, os quais regulam do mesmo modo as raízes e os ramos de árvore que invadem o terreno vizinho. Veja-se o artigo 910 do Código Civil Alemão e o artigo 422 do Código Civil austríaco. Ao que parece o entendimento no direito universal, Os frutos caídos da árvore do vizinho pertencem ao dono do solo onde caírem, se esse for de propriedade particular. Diversamente o direito romano apresentava outra solução. Pelo Código Civil português, art. 2318,  o proprietário da árvore ou do arbusto confinante ou contiguo a prédio de outrem, tem o direito de exigir que o dono do prédio lhe permita fazer a apanha dos frutos que se não puderem recolher do seu lado; mas é responsável por qualquer prejuízo que com isso venha a causar. Na matéria, em Portugal, há o ensinamento de Dias Ferreira (Código Civil Português). O  Código Civil alemão dispunha no artigo 911 que os frutos que caiem de uma árvore ou de um arbusto sobre um imóvel de um vizinho  são considerados como frutos deste imóvel, salvo se for de uso público.

Em várias legislações se encontram regras sobre as distâncias que devem conservar as árvores que se plantem nas extremas da propriedade, conferindo ao vizinho o direito de exigir do proprietário que extirpem as plantadas a menor distância. O Código Civil francês estabelece, no artigo 671(Lei 18.881) que só é permitido plantar árvores e arbusto perto do limite da propriedade vizinha, na distância prevista pelos regulamentos existentes ou por usos constantes e reconhecidos e, não os havendo, à distância de dois metros da linha divisória quanto a plantações que excedam de dois metros de altura e à de metro e meio para as menos altas. O Código Civil italiano manda observar os regulamentos e os usos locais. Na Suíça a matéria está reservada à legislação cantonal. Em Portugal se declara expressamente que será licita a plantação a qualquer distância da linha divisória. (Rogério Tadeu Romano, Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado. publicado no site Jus.com.br, em agosto de 2016, acessado 20/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.280, 1.281 Dos Direitos de Vizinhança – Do Uso Anormal da Propriedade – VARGAS, Paulo S. R.

 

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.280, 1.281

Dos Direitos de Vizinhança – Do Uso Anormal da Propriedade –

VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial –

Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.277 e 1.281) Capítulo V –

Dos Direitos de Vizinhança – Seção I – Do Uso Anormal da Propriedade

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Art. 1.280. O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente.

 

Segundo entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame corresponde ao art. 555 do Código Civil de 1916, com aperfeiçoamento da antiga redação. Não mais alude somente ao proprietário, mas estende também ao possuidor o direito de reclamar a reparação ou demolição do prédio vizinho que ameace ruína, consolidando entendimento da doutrina e dos tribunais. A inovação procede, porque não teria razão de ser que o CC 1.277 garantisse aos proprietários e possuidores de imóveis vizinhos a tutela contra interferências prejudiciais mas limitasse ao proprietário a ação de dano infecto. O preceito, já sedimentado pela doutrina do Código Civil de 1916, merece interpretação construtiva e ampliativa. O direito de exigir a demolição é subsidiário, exigível apenas caso não faça o proprietário os reparos necessários no prédio. Deve haver probabilidade concreta de ruína, aferível por prova pericial, não bastando possibilidade eventual e remota. O interesse que a lei visa a tutelar não se restringe ao desabamento da construção, mas se estende a hipóteses análogas, que coloquem em risco a incolumidade ou o patrimônio dos vizinhos, como incêndio, inundação ou desmoronamento. O artigo encerra conferindo outro direito ao vizinho, qual seja o de exigir garantia real ou fidejussória do proprietário, até que este repare ou promova a demolição do prédio, fazendo cessar os riscos aos prédios próximos. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.286-87. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 19/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o prisma de Ricardo Fiuza, em sua doutrina, o artigo cuida da reparação através da ação de dano infecto (dano que se não consumou, mas tem possibilidade de ocorrer, causando justo receio), ficando autorizado o proprietário a exigir do vizinho a demolição ou reparação de sua propriedade, na hipótese de estar o prédio ameaçado de ruína. É idêntico ao art. 555 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 659, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 19/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Raphael Abreu de Morais, Bacharelando em Direito pela Faculdade Bertioga, em seu artigo “A AÇÃO DE DANO INFECTO COMO MECANISMO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE VIZINHANÇA” tendo como orientadora Thais de Camargo Oliva Rufino Andrade, Advogada. Professora do Curso de Direito da Faculdade Bertioga, faz uma análise dos principais aspectos do direito de vizinhança, bem como da ação judicial de dano infecto como um instrumento jurídico capaz de solucionar os litígios decorrentes desta relação jurídica. A intenção não é esgotar a discussão sobre o tema, mas sim descobrir como a jurisprudência e a doutrina vêm se posicionando quanto à aplicabilidade da ação de dano infecto à luz do Novo Código Civil. A realização deste artigo ocorreu por meio de uma revisão bibliográfica, que fomentou as discussões com uma base científica. Valem-se da hipótese de que a ação de dano infecto é um instrumento de pacificação social apesar de este instituto jurídico ser pouco utilizado nos dias de hoje.

O direito a propriedade é entendido por muitos como um dos direitos basilares do ser humano. No que diz respeito à natureza humana, a propriedade é um dos elementos capaz de fazer com que o homem se sinta realizado. Neste diapasão, a moradia é o local propício para a perpetuação da dignidade humana. Por este motivo, a própria Constituição Federal vigente incluiu o direito a moradia como um dos direitos sociais basilares do Estado Democrático de Direito em que vivemos. No que diz respeito à propriedade, o Novo Código Civil introduziu em seu CC 1228 alguns direitos que são inerentes à propriedade. Dentre eles, é assegurado ao proprietário a faculdade de usar, gozar, dispor da coisa e reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Tais direitos constituem um amplo instrumento de liberdade individual e de proteção ao direito de propriedade. Em que pese o direito de propriedade gozar de uma ampla proteção legal, seu exercício não é absoluto, sendo o legislador bastante cauteloso ao limitar tal direito. O exercício dos direitos inerentes à propriedade não podem causar prejuízos ou interferências no direito alheio. Os direitos de vizinhança constituem um claro exemplo de limitação do direito dos proprietários e possuidores, pois a lei impõe às pessoas alguns sacrifícios que necessitam ser suportados para que a convivência social seja possível e para que a propriedade de cada indivíduo seja respeitada. As limitações do direito à propriedade surgem com a necessidade de se estabelecer um equilíbrio entre os proprietários confinantes. A vizinhança por si só é fonte permanente de conflitos e nela deve prevalecer não só o dever de solidariedade e a boa-fé entre os vizinhos, mas também o exercício da propriedade atendendo a sua função social. Nas lições de Farias e Rosenvald (2012, v. 5, p. 634) “O conflito de vizinhança nasce sempre que um ato do proprietário ou possuidor de um prédio repercute no prédio vizinho, causando prejuízo ao próprio imóvel ou incômodo ao morador”.

Dantas (1939) citado por Diniz (2013, v. 4, p. 306), declara que há conflito de vizinhança sempre que um ato praticado pelo dono de um prédio, ou estado de coisas por ele mantido, vá exercer seus efeitos sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo ao próprio imóvel ou incômodo ao morador. Assim, conclui-se que as regras de vizinhança têm por objetivo harmonizar a vida em sociedade e o bem-estar, sem deixar à margem as finalidades do direito de propriedade. No que tange a natureza jurídica dos direitos de vizinhança, estes são obrigações propter rem, pois vinculam-se ao prédio, assumindo-os quem quer que esteja em sua posse. A principal característica das obrigações decorrentes do direito de vizinhança é o fato da determinação indireta dos sujeitos, pois o dever incidirá a qualquer pessoa que se vincule a uma situação jurídica de titularidade de direito real ou mesmo quem a exerça um poder fático sobre a coisa (possuidor). Na atual codificação, os direitos de vizinhança estão codificados em sete seções, quais sejam: a) Do uso anormal da propriedade; b) Das árvores limítrofes; c) Da passagem forçada; d) Da passagem de cabos e tubulações; e) Das águas; f) Dos limites entre prédios e do direito de tapagem; g) Do direito de construir. A presente análise limitar-se-á ao uso anormal da propriedade, pois este constitui uma das principais fontes de conflitos nas relações de vizinhança, bem como um dos fundamentos para o ingresso da ação judicial de dano infecto.

O direito de propriedade é limitado quanto à intensidade de seu exercício e em razão do princípio geral que veda um comportamento que venha a exceder o uso normal de um direito, causando prejuízo a alguém. Os vizinhos devem manter respeito mútuo, obedecendo às regras morais e sociais de convívio, de modo que possam exercer seus direitos de maneira saudável e tranquila. O dispositivo fundamental que remete ao uso anormal da propriedade é o CC 1.277 que dispõe que “O proprietário ou possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, pela utilização de propriedade vizinha”. O referido dispositivo legal traz alguns conceitos indeterminados que são o de segurança, sossego e saúde, sendo que segundo a melhor doutrina, constituem direitos da personalidade inerente a qualquer ser humano e não apenas a vizinhos. Analisando a obra de Farias e Rosenvald (2012) seus comentários sobre tais conceitos são bastante interessantes: a) Segurança: atos que possam comprometer a solidez e estabilidade material do prédio e a incolumidade pessoal de seus moradores. b) Sossego: Bem jurídico inestimável, componente dos direitos da personalidade e intrinsicamente conectados ao direito a privacidade. Não pode ser conceituado como a completa ausência de ruídos, mas a possibilidade de afastar ruídos excessivos que comprometam a incolumidade da pessoa. c) Saúde: concerne ao estado da pessoa cujas funções biológicas estão normais. A salubridade física ou psíquica pode ser afetada por moléstia à integridade de vizinhos, mediante agentes físicos, químicos e biológicos, como na emissão de gases tóxicos, poluição de águas e matadouros. Não é raro que as reiteradas ofensas ao sossego impliquem atentado à saúde física e psíquica da pessoa.  Segundo Venosa (2010), os incômodos e prejuízos oriundos desses fatos e atos dão origem a duas modalidades de atitudes ao proprietário ou possuidor, que vão refletir em duas categorias de ações judiciais que são as ações indenizatórias e as ações tipicamente de vizinhança. Se o prejuízo ocorreu em virtude de um ato ilícito de um prédio vizinho, a solução poderá ser tão somente a ação indenizatória na qual se apurarão as perdas e danos, mormente se já cessou a turbação. Neste diapasão, acrescenta-se o seguinte julgado:  Apelação Cível. Direitos De Vizinhança. Ação Indenizatória Por Danos Morais. Caracterização De Uso Anormal Da Propriedade, Com Incômodo Anormal. Sentença Mantida. I. As relações de vizinhança trazem ínsitas à sua essência um limite de tolerância, uma margem de incômodo imposta a quem vive em sociedade. Contudo, o abuso do direito de propriedade, causando danos aos vizinhos, configura, em tese, violação a direito de vizinhança que importa em uso normal da propriedade, causador de dano anormal, e, portanto, a consequência por ventura existente é a reparação indenizatória. Solução extraída das regras constantes dos artigos 1.277 e 1.278 do Código Civil. II. Caso concreto no qual merece manutenção o julgamento de procedência do pedido inicial relacionado ao dano moral sofrido pela autora, haja vista a comprovação de que a ré, sua vizinha, além de desqualificá-la, chamando a de nomes que aludem ao racismo, provoca seus animais de estimação, e, ainda, é confessa quanto ao fato de ter extraído tijolos colocados pela demandante nos vãos do muro que divide as propriedades. Recurso Desprovido À Unanimidade. (Apelação Cível Nº 70048129688, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 16/08/2012).

Entretanto, quando se tratar de situação presente e continuativa de prejuízo à segurança, sossego e saúde do vizinho, a ação é tipicamente de vizinhança. O remédio processual será uma ação de obrigação de fazer ou não fazer. Nesse sentido, colacionou-se mais uma vez um julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: Direito De Vizinhança. Obrigação De Fazer. Chaminé. Fumaça. Uso Anormal Da Propriedade. Chaminé do imóvel vizinho em altura inferior ao telhado da casa lindeira. Terreno em declive. Fumaça exalada em direção à residência da autora que inviabiliza a abertura de janela. Uso anormal da propriedade. CC 1.277. Prova documental e testemunhal que comprova os fatos alegados. Princípio da imediação da prova aplicado no caso concreto. Sentença de procedência mantida. Negaram provimento. (Apelação Cível Nº 70035708205, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Rafael dos Santos Júnior, Julgado em 14/06/2010).

Note-se que no primeiro julgado, o ingresso de ação indenizatória foi suficiente para resolver o conflito ali instaurado. Já no segundo julgado, se fez necessário uma ação de obrigação de fazer devido à natureza do dano que era perpetrado. Salienta-se que as ações de obrigação de fazer podem ser cumuladas com pedido de aplicação de multa diária (astreintes) e indenização pelos prejuízos já causados. A questão da limitação do uso da propriedade é bastante interessante, pois o CC 1.277 estabelece conceitos jurídicos indeterminados. O conceito de segurança, sossego e saúde são subjetivos e partir daí surge à questão do limite do que é tolerável e intolerável. Nas relações de vizinhança há uma margem de incômodo que deve ser tolerada pelos vizinhos como um parâmetro mínimo de convivência e civilidade. Nas situações cotidianas, a verdade é que a aferição do que é tolerável ou intolerável ficará a mercê do magistrado, que através do conjunto probatório e do seu livre convencimento aplicará a lei ao caso concreto.

Superada as considerações gerais sobre o direito de vizinhança e do uso anormal da propriedade, passa-se a analisar a ação judicial de dano infecto como um dos instrumentos jurídicos capazes de solucionar os conflitos derivados da relação de vizinhança e do uso da propriedade de forma anômala. Pelo conceito de dano infecto, analisa-se o prejuízo eventual, possível ou iminente que aponta para um risco de dano. Tem como exemplo prático o risco que corre um prédio pela sua contiguidade com outro ameaçado de ruina ou o uso anormal da propriedade. A utilização da ação de dano infecto tem sido bastante escassa atualmente, pois a doutrina contemporânea vem entendendo que esta não é a melhor tática processual para dirimir questões desta natureza. Na maioria das vezes os operadores do direito têm optado pela ação de nunciação de obra ou pela ação demolitória. Apesar disto, este não é o posicionamento deste autor, pois a ação de dano infecto ainda existe no ordenamento jurídico brasileiro e também constitui um instrumento processual de resolução de conflito oriundos das relações de vizinhança. A ação de dano infecto tem como pressupostos os CC 1. 277 e seguintes do Código Civil. Seu fundamento legal se encontra no CC 1.280 no qual dispõe: “O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente”. Destaca-se que o receio deve ser real, e não baseado em num temor infundado.

O CC 1.280 é exclusivo da relação edilícia. Tais situações têm por pressupostos um dano futuro e iminente. Não é o dano já ocorrido, mas a possibilidade e potencialidade de vir a ocorrer. Nas lições de Farias e Rosenvald (2012, v. 5, p. 654): “Poderá propor ação de dano infecto quando houver justo receio de vir a ser prejudicado pela ruína do prédio vizinho (CC 1.280). Esta ação possui o nítido caráter preventivo e pressupõe um dano iminente e provável ao morador, em face do uso perigoso e nocivo da propriedade vizinha.” Note-se que a referida medida processual poderá variar de acordo com o estado de ruína do prédio e terá o condão de ordem de demolição (ruína imediata), reparatória (realização de obras que evitem a ruína), ou até mesmo prestar caução como garantia de indenização futura em situações de mera eventualidade de um dano. (Raphael Abreu de Morais, Bacharelando em Direito pela Faculdade Bertioga, em seu artigo “A AÇÃO DE DANO INFECTO COMO MECANISMO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE VIZINHANÇA” tendo como orientadora Thais de Camargo Oliva Rufino Andrade, vol. 4 da publicação fabeemrevista.com.br em 2014, Acessado em 19/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Ilustrando o artigo em comento, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o vizinho prejudicado poderá pleitear, se for o caso, a redução das interferências danosas em seu benefício, mesmo com base em ordens judiciais concessivas de intervenção, desde que demonstre o excesso das medidas concedidas. Não há dispositivo semelhante na legislação anterior. (Embora Ricardo Fiuza comente em sua doutrina ser tal artigo idêntico ao art. 555 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Grifo VD). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 19.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.281. O proprietário ou o possuidor de um prédio, em que alguém tenha direito de fazer obras, pode, no caso de dano iminente, exigir do autor delas as necessárias garantias contra o prejuízo eventual.

 

Na visão de Ricardo Fiuza, como apontado em sua doutrina, a garantia de que fala este artigo pode ser real ou fidejussória. Se o prédio suportar servidão, o proprietário do prédio serviente não poderá impedir o serviço para conservá-la, mas sim pleitear garantia do responsável pela obra. • O dispositivo é idêntico ao art. 529 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 659, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 19/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Confirmando o comentário acima, Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em comento corresponde ao art. 529 do Código Civil de 1916, que se encontrava deslocado na parte geral do direito de propriedade. Ganhou o preceito redação mais técnica, trocando o termo inquilino pelo gênero possuidor. Além disso, não se fala mais em segurança, mas corretamente em garantia contra prejuízo eventual. O Código Civil, em diversas passagens, confere ao vizinho o direito de realizar certos atos e obra em prédio alheio. Tomem-se como exemplos a abertura de passagens de pessoas e de tubulação de coisas, ou mesmo para reparação, construção, reconstrução e limpeza da casa e do muro divisório, nos termos do CC 1.313, adiante comentado. Essas obras feitas no imóvel alheio, que o proprietário é obrigado a suportar por disposição de lei, podem acarretar risco de dano iminente. Embora não diga a lei, tal como no artigo anterior o dano deve ter um elevado grau de probabilidade de se concretizar em futuro próximo. Presente tal circunstância, o proprietário pode exigir que o vizinho que realiza a obra preste caução real ou fidejussória contra o prejuízo eventual. Anos atrás tive contato com interessante caso, em que o proprietário de um imóvel pretendia instalar uma piscina de fibra de grande porte em sua residência. O pesado objeto deveria passar, içado por guindaste, sobre o prédio vizinho, com o que não concordou o dono. A solução foi a obtenção de ordem judicial, mediante prestação de garantia contra eventuais prejuízos, que, afinal, não ocorreram. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.287. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 19/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


Como alertam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, na hipótese de que o terceiro realize obras, poderá o proprietário ou o possuidor assegurar-se contra eventuais prejuízos, postulando garantias, como ode ocorrer nos casos de servidão de passagem, em que o titular do prédio dominante precisa realizar obras para viabilizar ou conservar o trânsito pelo prédio serviente (Cristiano chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direitos Reais, Lumen Juris, eº ed., p. 453). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 19.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.277, 1.278, 1.279 Dos Direitos de Vizinhança – Do Uso Anormal da Propriedade – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.277, 1.278, 1.279

Dos Direitos de Vizinhança – Do Uso Anormal da Propriedade –

VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial –

Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.277 e 1.281) Capítulo V –

Dos Direitos de Vizinhança – Seção I – Do Uso Anormal da Propriedade

digitadorvargas@outlook.com - vargasdigitador.blogpot.com

 

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, os conflitos de vizinhança, no dizer de San Tiago Dantas, constituem o momento crítico, ou a crise da teoria da propriedade, porque revelam o antagonismo entre direitos opostos. A propriedade apresenta dois aspectos fundamentais: um interno, que é a prerrogativa, concedida ao proprietário, de promover sobre a coisa objeto de seu direito qualquer atividade lícita; e um externo, que é a faculdade concedida ao titular de repelir os atos de terceiro, capazes de restringir as vantagens que a coisa proporciona, ou de admitir a elas um estranho (Conflito de vizinhança e sua composição, 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1972, p. 20). O conflito se revela sempre que um ato praticado pelo dono ou morador de um prédio, ou o estado de coisas por ele mantido, vá exercer seus efeitos sobre o prédio vizinho, causando prejuízo ao imóvel ou incômodo ao morador. Nasce daí uma contradição entre direitos de propriedade opostos, pondo em contraste o aspecto interno de um com o aspecto externo de outro. A composição dos conflitos de vizinhança passa pela adoção de critérios diversos, que aferem a normalidade do uso do imóvel, a gravidade dos incômodos e a supremacia do interesse público. Da sua aplicação conjunta, verifica-se a existência do direito de fazer cessar as interferências prejudiciais a que se refere o CC 1.277, que, na opinião de parte da doutrina, tem a natureza de obrigação propter rem. As restrições decorrentes do direito de vizinhança recebem de parte da doutrina, inclusive estrangeira, o nome de servidões legais. Não se confundem, todavia, com as restrições decorrentes do direito real de servidão, por várias razões: a) quanto à fonte, as servidões legais decorrem da lei e o direito real de servidão, da convenção ou da usucapião; b) por decorrerem da lei, as servidões legais não necessitam do registro imobiliário, ao passo que o direito real de servidão é constituído, salvo no caso da usucapião, pelo registro imobiliário; c) as servidões legais geram restrições e direitos recíprocos entre vizinhos, ao passo que o direito real de servidão gera vantagens para o prédio dominante e restrições para o prédio serviente; d) as servidões legais são gerais e atendem ao interesse público de coexistência e pacificação das relações de vizinhança, ao passo que o direito real de servidão atende ao interesse e à conveniência das partes. O Código Civil de 2002 introduziu profundas alterações na matéria, em comparação com o Código Civil revogado. Não se fala mais em uso nocivo, ou mau uso da propriedade, como fazia o art. 554 do Código de 1916, eliminando, assim, qualquer vínculo com a noção de ato jurídico ilícito em sentido estrito. A responsabilidade decorrente do direito de vizinhança, para gerar o dever de cessar a interferência prejudicial ou de indenizar, é objetiva e independe de culpa ou dolo do proprietário ou possuidor. É óbvio que o ato culposo é coibido, mas não só. O exercício abusivo do direito de propriedade, de modo que exceda manifestamente a sua função social e econômica, ou a boa-fé objetiva, nos moldes dos CC 187 e 1.228, § 2º, do Código Civil, gera responsabilidade do proprietário. Também a atividade lícita e autorizada pela Administração pode ser coibida pelas normas do direito de vizinhança. Para Hely Lopes Meirelles, “a existência de alvará ou licença administrativa para a realização da obra ou o exercício da atividade lesiva ao vizinho não impede que o ofendido exija a paralisação da construção ou a cessação dos trabalhos ou atividades danosas para o vizinho” (Direito de construir, 4. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 17). O artigo inicia conferindo ao proprietário ou ao possuidor de um prédio a legitimidade para reclamar o direito de vizinhança. O legislador corrigiu imprecisão do Código Civil revogado, que falava em proprietário ou locatário. Os possuidores diretos ou indiretos, em geral, com posse justa ou injusta, de boa-fé ou de má-fé, tem direito de exigir que cessem as interferências prejudiciais do imóvel vizinho. É suficiente que tenha posse ad interdicta, ainda que seja injusta e de má-fé. Basta imaginar a hipótese de comodatário que não devolveu ao comodante o imóvel na data aprazada. A posse é injusta - precária - e de má-fé apenas em relação ao comodante, em razão da relatividade dos vícios. Disso decorre o direito, enquanto permanecer no prédio, de reclamar dos vizinhos, contra os quais não se praticou esbulho, a cessação da atividade prejudicial.

Prossegue o CC 1.277 dizendo que o proprietário ou o possuidor tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais. A expressão é ampla e, para sua consecução, cabe ao vizinho ofendido um largo leque de medidas, desde a execução de obrigação de não fazer, como cessar a emissão de ruídos, fumaça ou gases, como também execução de obrigação de fazer, como a demolição de imóvel em ruína que ameace a segurança dos prédios vizinhos, tudo com tutela específica e meios previstos no art. 461 do Código de Processo Civil de 1973, hoje correspondendo à Seção IV, (Do Julgamento das Ações Relativas às Prestações de Fazer, de Não Fazer e de Entregar Coisa), art. 497 no CPC/2015. Além disso, o pedido cominatório pode ser adequado para reprimir o comportamento do vizinho, sem prejuízo da indenização decorrente de danos morais e materiais. O CC 1.277 trata ainda de prédios vizinhos. O termo prédio, usado pelo legislador, não se limita às construções e acessões, mas abrange imóveis em geral, com ou sem construções, urbanos ou rurais. O termo vizinhança não se limita a imóveis confinantes ou contíguos; vai além. A vizinhança se estende até onde se propagam as interferências prejudiciais entre imóveis. Vê-se, portanto, que, de acordo com a natureza e a intensidade da interferência, a vizinhança pode ser mais ou menos ampla. A fábrica que emite gases ou odores prejudiciais à saúde ou segurança tem como vizinhos todos os imóveis alcançados por seus efeitos, ainda que em um raio de alguns quilômetros. Como se extrai do texto do CC 1.277 do Código Civil, o direito de um vizinho reclamar do outro a cessação de certa conduta está subordinado a dois requisitos cumulativos, a saber: a) a existência de interferência prejudicial que atinja certos interesses previstos em lei; b) que essa interferência decorra de uso anormal do imóvel. No que se refere ao primeiro requisito, o próprio CC 1.277 circunscreve os interesses que podem ser prejudicados pelas interferências: a segurança, a saúde e o sossego. A segurança diz respeito à atividade ou à inatividade que produza um dano efetivo ou crie situação de perigo para o prédio vizinho, incluindo pessoas e bens. Estão nessa categoria todos os trabalhos que produzam ou possam causar o risco concreto de abalos na estrutura, infiltrações, trepidações perigosas, explosões violentas, emanações venenosas, existência de árvores que ameacem tombar e tudo que venha a prejudicar fisicamente o prédio e seus moradores. Um aspecto importante, que reflete na segurança e no sossego, é a conduta inconveniente ou permissiva do vizinho que tolera ou se mostra conivente com o ajuntamento de malfeitores, viciados em entorpecentes, ébrios, ou com qualquer outra situação que possa pôr em risco a incolumidade dos demais moradores dos arredores. Quanto à saúde, garante-se aos vizinhos não só a higidez física, mas também a psíquica. Pode a saúde ser atingida por agentes diversos, físicos, químicos, biológicos ou até mesmo por fatores psicológicos de desassossego ou inquietação. São diversos os casos possíveis: manutenção de água empoçada no quintal ou de animais em condições inadequadas, com a possibilidade de propagar doenças pelo bairro. São ofensas ao sossego as interferências por agentes diversos que causem impressões sensitivas, como o som, a luz, o cheiro, as sensações térmicas e as imagens. Pontes de Miranda afirma que o sossego não é perturbável apenas pelo som. Também o é pela luz, pelo cheiro, por apreensões e choques psíquicos ou outros motivos de inquietação (Tratado das ações. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1971, v. V, p. 279). A diminuição de outras utilidades de um imóvel, ou de vantagens acidentais, como a vista de uma certa paisagem, a regularidade do estilo das fachadas das casas de um certo bairro ou a instalação de uma casa onde se pratica a prostituição, ofende outros interesses e valores, não tutelados pelo direito de vizinhança. Além disso, não basta saber se a interferência vulnerou os interesses tutelados pelo legislador. O dano decorrente dessa interferência, como afirma a parte final do parágrafo único do CC 1.277, deve ultrapassar “os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança”. No dizer de Caio Mário, “se este se contém no limite do tolerável, à vista das circunstâncias do caso, não é de se impor ao proprietário a restrição do uso de seus bens, uma vez que a convivência social, por si mesma, cria a necessidade de cada um sofrer um pouco” ( PEREIRA , Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. IV, p. 211). Como ensina San Tiago Dantas, “quando o juiz quer saber se os incômodos são ou não excessivos, não é para a pessoa do proprietário que se volta, mas para o proprietário do imóvel como um personagem algébrico, formado pela superposição de quantos se encontram naquela coletividade” (op. cit., p. 278). Não se tutela, portanto, a excessiva sensibilidade de um vizinho nem se levam em conta suas circunstâncias pessoais, mas sim as da média dos moradores da vizinhança. Essa interferência intolerável deve decorrer do segundo requisito, qual seja, a utilização anormal de um prédio. A grande novidade do Código Civil foi a de estabelecer, no parágrafo único do CC 1.277, parâmetros e balizas para o juiz aferir a normalidade do uso e da interferência entre vizinhos. Na dicção da lei, devem se considerar a natureza da utilização e a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas. O barulho que produz a utilização normal de um imóvel residencial é inferior ao que produz a utilização normal de um imóvel industrial. Em certas porções da cidade, com zoneamento permitido, o ruído que produz a atividade normal de uma casa noturna seria anormal em zona estritamente residencial. Aquele que adquire imóvel em zona rural ou estritamente residencial tem a justa expectativa de ouvir menos ruído que aquele que vive em zona comercial ou industrial. A ideia do legislador, amparado na doutrina de San Tiago Dantas, é a da aplicação do princípio da coexistência dos direitos, cotejando o cerceamento dos direitos do proprietário e os incômodos que a falta desse cerceamento causa ao vizinho. Afere-se a normalidade do uso e a tolerabilidade do incômodo para verificar qual dos direitos deve prevalecer. Não adotou o legislador o critério da pré-ocupação como determinante para a invocação do direito de vizinhança, de modo que aquele que já se encontra estabelecido em determinado local não tem salvo-conduto para interferir prejudicialmente sobre os imóveis de novos vizinhos que para ali se mudem posteriormente. Um terceiro critério, determinante para a cessação ou não da atividade do proprietário, é o do interesse público na manutenção da atividade lesiva ao interesse do vizinho, examinado no artigo seguinte. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.280-82. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 16/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo aponta a doutrina de Ricardo Fiuza, na clássica lição de San Tiago Dantas, há conflito de vizinhança sempre que um ato praticado pelo dono de um prédio, ou estado de coisas por ele mantido, vá exercer seus efeitos sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo ao próprio imóvel ou incômodo ao morador. Essa interferência, essa repercussão in alieno, é o elemento fundamental do conflito (O conflito de vizinhança e sua composição, Rio de Janeiro, 1939, p. 72). • A proibição das interferências está condicionada: a) à natureza da utilização; b) à localização do imóvel; c) ao atendimento às normas constantes das posturas municipais (zoneamento); e d) aos limites ordinários de tolerância (barulho excessivo de aparelhos sonoros, ar condicionado etc.).

O caput desta norma é semelhante ao art. 554 do Código Civil de 1916, com pequena melhora em sua redação, e embora lhe tenha sido incluído o parágrafo único, sobre o zoneamento municipal, que deve adequar-se aos limites de tolerância da vizinhança, deve a ela ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 657, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 16/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Nos comentários de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, Direitos de Vizinhança são aqueles criados por lei e tidos como numerus clausus, ou seja, são exaustivos, sendo que as servidões prediais, em regra geral, são estabelecidas via contrato entre as partes, sendo apenas exemplificativas. É sabido que todo proprietário, ou mesmo o possuidor, tem direito de utilizar-se dos meios jurídicos adequados para impedir, ou fazer cessar, a utilização danosa da propriedade vizinha prejudicial à saúde, sossego ou segurança.

 

São as regras de harmonia e convivência entre vizinhos que fazem limitar o adequado uso da propriedade, respeitando-se a liberdade dos demais titulares. Assim, é possível afirmar que o uso da propriedade é dotado de uma função social, cuja expectativa é a utilização normal e racional do domínio, afastando-se os presumíveis danos que terceiros possam sofrer no seu exercício.

 

Para que haja conflito de vizinhança é preciso que um ato do proprietário ou possuidor do prédio repercuta no prédio vizinho, causando prejuízo ou incômodo (Gomes, 1980, p. 182). Os direitos de vizinhança classificam-se em onerosos ou gratuitos, caracterizando-se os primeiros pela obrigação legal de indenizar para que o direito possa ser exercido (exercício condicionado à indenização), e os gratuitos pela falta de previsão quanto a esta reparação. Exemplos de direitos de vizinhança onerosos: passagem forçada e aqueduto.

 

Enunciado 319 do Conselho da Justiça Federal: “A condução e a solução das causas envolvendo conflitos de vizinhança devem guardar estreita sintonia com os princípios constitucionais da intimidade, da inviolabilidade da vida privada e da proteção ao meio ambiente”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 16.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.278. O direito a que se refere o artigo antecedente não prevalece quando as interferências forem justificadas por interesse público, caso em que o proprietário ou o possuidor, causador delas, pagará ao vizinho indenização cabal.

 

No lecionar de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não tem similar no Código Civil de 1916 e constitui importante inovação no capítulo do direito de vizinhança, positivando entendimento dos tribunais e consagrando a doutrina de San Tiago Dantas (O conflito de vizinhança e sua composição, 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1972). Preenchidos os requisitos comentados no artigo anterior - existência de interferência prejudicial e que esta seja decorrente do uso anormal da propriedade -, uma terceira circunstância acidental será aferida, para legitimar a imposição de cessação da atividade danosa. É a existência - ou não - de interesse público na manutenção dessa atividade. Como explica San Tiago Dantas, “ verificando, porém, que os incômodos são excessivos por ser anormal o uso da propriedade que lhes dá origem, o juiz indagará se a supremacia do interesse público legitima este uso excepcional; se legitima, e se a ofensa à saúde, segurança ou sossego não é de molde a inutilizar o imóvel prejudicado, o juiz manterá os incômodos inevitáveis e, pela expropriação que assim inflige ao proprietário incomodado, ordenará que se lhe faça cabal indenização (direito oneroso de vizinhança)” (op. cit., p. 280). Em resumo, constatada ocorrência de interferências prejudiciais à saúde, ao sossego e segurança dos vizinhos, decorrente de uso anormal da propriedade, ainda assim a necessidade da manutenção dessa atividade poderá atender ao interesse público. Em tal caso, se mantém a atividade prejudicial, mas os vizinhos são cabalmente indenizados. Não se cogita o pagamento de indenização, todavia, quando não são preenchidos os requisitos básicos, ou seja, quando as interferências são toleráveis ou decorrentes do uso normal do imóvel. O preceito limita o leque de medidas judiciais disponíveis ao vizinho prejudicado, excluindo a cessação da atividade e os provimentos correlatos, como a fixação de multa diária. Circunscreve a reação do vizinho ofendido à indenização cabal dos prejuízos sofridos, persistindo, porém, a atividade prejudicial, em razão do interesse público na sua manutenção. A responsabilidade é objetiva, desde que preenchidos os requisitos cumulativos da interferência prejudicial e do uso anormal da propriedade, anteriormente analisados. Pouco importa que a atividade tenha sido autorizada por licença ou alvará administrativo, porque não se cogita de ato ilícito em sentido estrito. A atividade autorizada não é automaticamente lícita em relação aos interesses dos vizinhos. A indenização é cabal, vale dizer, abrange todos os danos materiais sofridos pelos proprietários e possuidores dos imóveis vizinhos. Tais danos abrangem a desvalorização do prédio, os investimentos feitos pelos vizinhos para minorar as interferências e a diminuição de eventual rendimento de aluguéis, além dos prejuízos pessoais dos moradores, por ofensa à sua saúde ou incolumidade física. Também são indenizáveis os danos morais por ofensa a direitos da personalidade, como o sossego e a incolumidade física e emocional dos moradores vizinhos. Embora não diga de modo claro o preceito, está implícito que o que veda o legislador é apenas a cessação da atividade lesiva, cujo prosseguimento atende a interesse público. Em termos diversos, somente deve ser mantida a atividade incômoda quando os seus inconvenientes sejam irredutíveis. Podem os vizinhos, porém, quando for o caso, exigir que os incômodos sejam reduzidos ao inevitável, mediante ação de obrigação de fazer. Tome-se como exemplo um hospital instalado em zona residencial, que provoca interferências lesivas aos vizinhos. Cabe ação de obrigação de fazer para reduzir ao mínimo as interferências, como a instalação de filtros ou de equipamentos que diminuam os ruídos, cumulada com indenização pelas interferências remanescentes inevitáveis. Outro ponto que merece atenção está no grau de interferência nos imóveis vizinhos. O que permite a lei é o sacrifício de vizinhos, que devem tolerar certas interferências em nome do interesse público. Não, porém, a utilização da propriedade que torne absolutamente inabitáveis os prédios adjacentes. “Aí não haveria de fato uma simples agravação dos encargos de vizinhança, nada que se parecesse com a instituição judicial de uma servidão immitendi; haveria verdadeira expropriação, que a lei não autoriza seja feita em benefício de um particular. Torna-se inabitável um prédio de muitos modos, especialmente quando a salubridade ou insegurança reinantes põem em perigo a vida dos moradores” (Dantas , San Tiago. Op. cit., p. 278). Finalmente, deve-se ter cautela ao interpretar o significado de interesse público. Nem toda atividade empresarial, por gerar riquezas e movimentar a economia, tem interesse público, que, ao contrário, reclama claro benefício à comunidade. Deve ser feito juízo de ponderação entre a natureza e o grau de sacrifício que se exige dos vizinhos e os efetivos ganhos da sociedade na persistência de determinada atividade. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.292-93. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 16/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

A respeito tem-se análise do tema sob a luz do novo código, seu impacto na sociedade e no ordenamento jurídico, no artigo de Roberto Augusto Resende Magalhães Toledo, publicado em 31/jul/2006, no site do direitonet.com.br, Conforme acima elucidado, o bem jurídico tutelado pelo Direito de Vizinhança será a segurança, sossego e a saúde. Serão estes protegidos do uso indevido da propriedade, vez que não pode um sujeito, apropriar-se ou apossar-se de um apartamento, onde os fins a que ele se destina sejam apenas residenciais, fazer dali um criatório de animais, deve guardar o proprietário ou possuidor, o máximo cuidado com a finalidade a que se destina o uso da res.

Uma grande novidade no novo código é o CC 1.278, que impede o exercício do direito previsto no CC 1.277, se houver relevante interesse público, devendo contudo sempre ser indenizado o prejudicado. Ressalta-se aqui o termo relevante, pelo fato de não poder ser violado um direito apenas por haver um desprezível interesse do Estado sobre determinada coisa. Deve-se também atentar ao fato de que as ações do Estado devem beneficiar o povo, não pode ser cabível, a violação do Direito de Vizinhança, pelo Estado sem que haja INTERESSE PÚBLICO.

Uma palavra constantemente usada neste ramo do direito, será CONFINANTE, que significa o vizinho residente exatamente ao lado, aquele que divide paredes.

Retornando ao suscito estudo, continua-se com a parte referente “Das Árvores Limítrofes”, que não há muito que se complicar. Como exemplo; colocar-se em uma situação litigiosa que deverá ser solucionada pela legislação aqui discutida. Caso haja uma árvore onde seus galhos se estendam ao confinante, presumir-se-á pertencente a todos, assim deverá definir o juiz.

É claro, que não pode o confinante ser prejudicado também por invasão de galhos das árvores limítrofes, pois claro é o CC 1283, que permite o corte até o plano vertical, mas quanto aos frutos, estes são pertencentes ao proprietário do terreno onde estes caírem.

No que tange a Passagem Forçada, pode-se dizer que esta não possui sentido igual ao de sua nomenclatura.

A passagem forçada surge quando o dono de um prédio que não tiver acesso à “via pública, nascente ou porto”, poderá exigir do vizinho que lhe dê passagem, contudo, deverá o vizinho ser indenizado, pois diante de um breve regresso às Obrigações, constata-se que ninguém pode por má-fé, ou mesmo boa-fé, sofrer prejuízo algum sem que seja devidamente indenizado. Assim, conclui-se que todo proprietário de um imóvel, exercerá poder sobre coisa alheia, e vizinha, quando necessário for, sem que cause prejuízo ao vizinho, assegurando-se. Observa-se que o vizinho que terá sua propriedade usada para dar passagem será aquele que tiver na sua propriedade a maior facilidade em relação aos outros vizinhos. Não será dada passagem àquele que lhe convier, não será por escolha, e sim pela que for natural e facilmente prestar à passagem. No mesmo segmento, deve o vizinho tolerar a passagem de cabos e tubulações, mas sempre sendo indenizado, podendo exercer seu direito para fins de assegurar sua propriedade.

O dono ou possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que venham do superior, entretanto, um questionamento razoável e constante nesta seara, é o direito do vizinho inferior sobre a água que passa pelo seu terreno. Para que fique mais claro, imagine-se um imóvel inferior constantemente recebendo água, e desperdiçando-a, vez que não pensara em aproveitá-la de alguma forma, diante disso, surge a ideia de promover um plantio em sua propriedade, usando da água que vem do imóvel superior. Destarte pergunta-se, pode o proprietário ou possuidor do imóvel superior, ao ver o proprietário ou possuidor do imóvel inferior usando a água que vai para sua propriedade, sendo usada para regar seu plantio, ser cobrado para isso? É claro que a resposta é não, pois ao estar em seu terreno bem desperdiçado, abandonado, poderá ele dar a água o fim que deseja, não podendo usa-la é claro para finalidade prejudicial a outrem, pois mesmo parecendo simples a resposta, já houve intensas controvérsias a respeito, travadas em tribunais e doutrinas de relevante observação.

Argui-se, também, o Direito de Tapagem, e dos limites entre prédios, onde o proprietário poderá constranger seu confinante a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo seu prédio urbano ou rural. Terá o proprietário de um terreno, direito de construir como desejar, respeitando o direito dos vizinhos e legislação administrativa.

Algo a que se deve ficar bem atento, e de fácil compreensão, é que neste ramo do Direito poderá o sujeito fazer o que quiser com sua propriedade, guardando os princípios do parte geral do novo código, os princípios basilares, princípios gerais de direitos, os bons costumes; para ficar mais claro, é importante saber diferenciar o certo do errado colocando-se no lugar de seu vizinho. Hoje o profissional do direito pouco tem se instruído a respeito desta seara, sendo ela realmente difícil devido às discussões travadas em tribunais, mas que notadamente, constata-se estar-se pacificando, ainda que deva mais, o entendimento em relação aos direitos de vizinhança. (Roberto Augusto Resende Magalhães Toledo, artigo Direito de vizinhança e sua real proteção,  publicado em 31/07/2006, no site do direitonet.com.br, Acessado 16/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, em se tratando de atividade ou exercício que se caracterize pelo interesse público, como a construção de um hospital particular, ou escola, numa área residencial, os vizinhos que comprovarem prejuízo em sua saúde ou sossego farão jus à indenização, sem que, contudo, seja removido o prédio do local. 

Situação semelhante pode se dar em relação a locais destinados publicamente para depósitos de lixo, já havendo decisões judiciais concedendo parcialmente o pedido para que o município se abstivesse de usar o local para esse fim sem, contudo, haver interdição do depósito (STJ, REsp 163483-RS, j. 01/09/1998). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 16.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.279. Ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, poderá o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas se tornarem possíveis.

 

No diapasão de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não tinha correspondente no Código Civil de 1916 e, mais uma vez, acolhe doutrina de San Tiago Dantas acerca da possibilidade de redução ou eliminação dos incômodos, posterior à sentença que fixou indenização a favor do vizinho prejudicado, mantendo, porém, a atividade danosa, em razão da existência de interesse público. Como visto no comentário ao artigo antecedente, um dos pressupostos da manutenção da atividade de interesse público prejudicial aos vizinhos é a irredutibilidade das interferências, razão pela qual, se estas puderem ser minoradas ou eliminadas, cabe ação de obrigação de fazer, sem prejuízo da indenização pelos danos inevitáveis. Pode ocorrer, porém, como alerta San Tiago Dantas, “que o proprietário de uma fábrica seja obrigado a indenizar aos seus vizinhos a desvalorização que aos respectivos prédios acarretam os incômodos industriais. Suponhamos que a indenização é calculada e paga de uma só vez e, decorrido algum tempo, os progressos técnicos revelam meios de evitar os danos tidos como inevitáveis, no momento da indenização. Tem o proprietário prejudicado o direito de pedir que doravante os incômodos sejam prevenidos? Pensamos que sim. O paralelo com o direito de passagem nos é de suficiente no caso, dada a analogia das duas situações. Assim como nos termos do art. 709, II, do CC/1916 (atual CC 1.388, II), cessado o encravamento, cessa o direito de passar pelas terras do vizinho, assim, a nosso ver, cessada a inevitabilidade do incômodo, desaparece o dever de suportá-lo” (O conflito de vizinhança e sua composição, 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1972, p. 281). Verifica-se, portanto, que a sentença que, reconhecendo o interesse público na persistência da atividade prejudicial, fixa indenização cabal ao vizinho, está sujeita à cláusula rebus. Em outros termos, o pagamento da indenização cabal não forra o proprietário do dever de reduzir ou eliminar as interferências prejudiciais que eram inevitáveis e posteriormente se tornam evitáveis. Não há coisa julgada material da sentença anterior, porque os fatos são novos - interferências evitáveis - e a lide será outra. A única questão que remanesce é a da indenização já recebida pelo vizinho, especialmente se abranger projeção do dano por período futuro, alcançado na nova ação de redução da interferência. O valor correspondente ao período em que a interferência foi reduzida ou eliminada deve ser devolvido pelo vizinho, em atenção ao que dispõe o CC 884, que consagra a cláusula geral de vedação do enriquecimento sem causa. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.286. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 16/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Em seu artigo sobre Direito de Vizinhança, intitulado: “Ao uso anormal da propriedade”, publicado por Tauã Lima Verdan, em conteudojuridico.com.br, em uma primeira plana, cuida salientar que o direito de vizinhança alberga um sucedâneo de limitações, provenientes da norma vigente, que cerceiam a extensão das faculdades de usar e gozar por parte de proprietários e possuidores de prédios vizinhos, afixando um encargo a ser tolerado, a fim de resguardar a possibilidade de convivência social e para que haja o mútuo respeito à propriedade de convivência social e para que haja o mútuo respeito à propriedade. No mais, se não subsistisse tais limitações, cada proprietário poderia invocar seu direito absoluto, na colisão de direitos todos restariam tolhidos de exercerem suas faculdades, eis que as propriedades aniquilar-se-iam. Ademais, há que se sublinhar que o direito de vizinhança objetiva a satisfação de interesses de proprietários opostos, o que se efetiva por meio das limitações ao uso e gozo dos proprietários e possuidores. Nesta esteira, saliente-se que há restrições decorrentes da necessidade de conciliar o uso e gozo por parte de proprietários confinantes, vez que a vizinhança tem sua gênese sempre que um ato do proprietário ou possuidor de um prédio passa a produzir repercussões no prédio vizinho, causando prejuízos ao próprio imóvel ou ainda transtornos a seu morador. Ao lado do exposto, prima realçar que o direito de vizinhança abarca um sucedâneo de direitos e deveres estabelecidos em relação aos vizinhos, em razão de sua condição.

 

Ab initio, ao se abordar o direito de vizinhança, pode-se salientar que o corolário maciço hasteia como flâmula que o proprietário, ou o possuidor, não podem exercer seu direito de modo que acarrete prejuízos à segurança, ao sossego e à saúde daqueles que habitam o prédio vizinho. “Limita-se o direito de propriedade quanto à intensidade de seu exercício em razão do princípio geral que proíbe ao indivíduo um comportamento que venha a exceder o uso normal de um direito”, ocasionando, via de consequência, prejuízo a alguém. Nesta esteira, insta salientar que devem os vizinhos manter respeito mútuo, atentando-se para o conjunto de regras morais e sociais de convívio, substancializando os seus direitos de maneira saudável e tranquila, com o escopo de restar preservada a harmonia social.

 

Entrementes, se o vizinho não gozar de atenção no que toca às regras de boa convivência, lançando mão de sua propriedade em condições anormais à sua época, meio ou ainda grupo em que se encontra convivendo, não atenderá, de maneira efetiva, a finalidade da vizinhança. Ao lado do expendido, não se pode olvidar que a conduta anormal de um vizinho, fatalmente, atingirá a regularidade da conduta do outro vizinho, acarretando modificações não queridas de seus hábitos, perturbando-lhe a tranquilidade, segurança ou saúde. Farias e Rosenvald pontuam que “certamente não é apenas o proprietário que se encontra em posição de sofrer consequências do uso anormal do imóvel vizinho. A disciplina jurídica dos direitos de vizinhança se refere à titularidade e também ao possuidor – direto e indireto”. Quadra sobrelevar que todos são detentores de direitos de índole subjetiva no que tange a um comportamento de abstenção de vizinhos, aptos a obstar o uso anormal da posse e da propriedade.

 

Em altos alaridos, há que se diccionar que a legitimidade ativa para o aforamento das ações cabíveis abarca os proprietários aparentes, compreendendo os titulares dos direitos reais, a exemplo do usufrutuário ou superficiário, e gerências de ordem socioeconômicas sobre o bem imóvel na qualidade de possuidores, sem qualquer relação com o proprietário. O direito de vizinhança encontra-se cingido ao mau uso da propriedade pela aquilatação das condutas perpetradas pelos proprietários e possuidores que extrapolam o razoável e atentam contra a segurança, sossego e saúde de vizinhos. O tema em debate deita-se em normas de Direito Público e Privado, assim como institutos afetos ao direito real e obrigacional. Com efeito, uma construção capaz de causar incômodos à vizinhança suportará limitações oriundas do direito privado e de normas urbanísticas e edilícias.

 

Incumbe ao vizinho que sofre as repercussões do mau uso da vizinhança lançar mão de alguns remédios jurídicos. Pode-se citar, como exemplo, a ação indenizatória alicerçada no CC 186 e busca a obtenção de título executivo judicial, sendo empregada pelo morador quando os incômodos já cessaram, a fim de alcançar o restabelecimento da situação fática anterior ao ilícito. No mais, o ressarcimento pelos danos provocados em prédios urbanos ou rústicos desenvolverá sua marcha processual pelo rito sumário, podendo, eventualmente, optar pelo juizado e especial, atentando-se tão somente para o teto legal. Todavia, em decorrência da complexidade da matéria, que exige a confecção de trabalhos técnicos de especialistas, poderá o caderno processual seguir o rito ordinário.

 

Igualmente, poderá utilizar da ação cominatória, insculpida nos artigos 286 e  287 do Código de Processo Civil, (esses artigos se confundem e mesclam com os artigos 324 e ss. do CPC/2015, Grifo VD), com o fito de cessar o uso nocivo, afixando-se, inclusive, multa diária, em caso de subsistir a recusa do devedor em cumprir as determinações judiciais. Pode-se, ainda, utilizar a tutela inibitória das obrigações de fazer e não fazer, com a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela, desde que restem patentemente demonstrados os requisitos autorizadores, consistentes na verossimilhança das alegações articuladas na prefacial. É facultado ao requerente cumular à pretensão inibitória, pedido de danos materiais e morais verificados até a efetivação da medida coercitiva.

 

Incumbe ao vizinho que sofre as repercussões do mau uso da vizinhança lançar mão de alguns remédios jurídicos. Pode-se citar, como exemplo, a ação indenizatória alicerçada no CC 186 e busca a obtenção de título executivo judicial, sendo empregada pelo morador quando os incômodos já cessaram, a fim de alcançar o restabelecimento da situação fática anterior ao ilícito. No mais, o ressarcimento pelos danos provocados em prédios urbanos ou rústicos desenvolverá sua marcha processual pelo rito sumário, podendo, eventualmente, optar pelo juizado especial, atentando-se tão somente para o teto legal. Todavia, em decorrência da complexidade da matéria, que exige a confecção de trabalhos técnicos de especialistas, poderá o caderno processual seguir o rito ordinário.

 

Igualmente, poderá utilizar da ação cominatória, insculpida nos artigos 286 e 287 do Código de Processo Civil, (esses artigos se confundem e mesclam com os artigos 324 e ss. do CPC/2015, Grifo VD), como já analisado acima, com o fito de cessar o uso nocivo, afixando-se, inclusive, multa diária, em caso de subsistir a recusa do devedor em cumprir as determinações judiciais. Pode-se, ainda, utilizar a tutela inibitória das obrigações de fazer e não fazer, com a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela, desde que restem patentemente demonstrados os requisitos autorizadores, consistentes na verossimilhança das articuladas na prefacial. É facultado ao requerente cumular à pretensão inibitória, pedido de danos materiais e morais verificados até a efetivação da medida coercitiva. (Direito de Vizinhança, intitulado: “Ao uso anormal da propriedade”, publicado por Tauã Lima Verdan, em conteudojuridico.com.br, Acessado 16/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Discorda absolutamente com o artigo em pauta, a doutrina de Ricardo Fiuza, ao comentar que, “apesar de ser uma inovação, é inócuo, visto que a possibilidade de redução ou mesmo eliminação da interferência é remotíssima. Como eliminar ou modificar, por exemplo, uma linha de transmissão de energia elétrica que atende grande parte da população? O mesmo se pode dizer de uma adutora de água. De mais a mais, o proprietário já foi indenizado. Teria ele de devolver o que recebeu? (Seria insensatez. Cada caso deve ser observado separadamente, ou o teor não foi entendido como deveria pelo relator, pois o que era não é mais, contudo, a lei, sabe-se não retroage em detrimento de.  Há de se estancar o vício, simplesmente - Grifo VD). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 659, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 16/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).