Direito Civil Comentado - 1.347,
1.348, 1349
Da Administração do Condomínio –
VARGAS, Paulo S. R.
- Parte Especial – Livro III – Título III – Da Propriedade (Art. 1.331 a 1.358) Capítulo VII – Do
Condomínio Edilício – Seção II – Da Administração do Condomínio - digitadorvargas@outlook.com
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Art. 1.347. A
assembleia escolherá um síndico, que poderá não ser condômino, para administrar
o condomínio, por prazo não superior a dois anos, o qual poderá renovar-se.
Dando
continuidade com a Doutrina de Ricardo Fiuza, Síndico é o administrador do
condomínio, eleito na forma prevista na convenção, que poderá ser condômino ou
não. Seu mandato não pode exceder a dois anos, permitida a reeleição. Este
dispositivo está embasado no caput do art. 22 da Lei n. 4.591, de
16-12-1964, que regulamenta o condomínio em plano horizontal. Trai inovações de
redação e é de melhor técnica legislativa, modernizando as expressões. No mais,
deve ser-lhe dispensado o mesmo tratamento doutrinário dado ao artigo
mencionado da Lei n. 4.591/64. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 689, apud Maria Helena Diniz Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 19/11/2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
No diapasão de Francisco
Eduardo Loureiro, prevê o atual Código Civil três órgãos administrativos do
condomínio: síndico, assembleia geral e conselho fiscal. O síndico, grosso
modo, é o órgão executivo do condomínio, que, em vista de sua atividade de
caráter contínuo e permanente, faz cumprir as deliberações da assembleia geral,
reunida periodicamente, e os preceitos da convenção e do regimento interno.
Pode o síndico ser pessoa natural ou jurídica, condômino ou estranho ao
condomínio. Basta que seja capaz. Não é empregado do condomínio, de modo que
seu contrato não é de trabalho e nem se rege pela CLT. Nem toda pessoa, porém,
pode ser síndico. Estão impedidos aqueles que mantêm conflito de interesses com
o condomínio. Quanto ao condômino inadimplente, se não pode deliberar, com
maior dose de razão não pode ser eleito, pois o conflito de interesses seria
latente. O inadmissível é disposição na convenção impedindo condôminos que já
foram um dia inadimplentes de serem eleitos síndicos, em uma sanção perpétua,
como já decidiram nossos tribunais (RT 715/144; cf. também Franco, João
Nascimento. Condomínio, 5. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais,
2005, p. 30).
Silencia a lei sobre as figuras do subsíndico e do cossíndico. Nada
impede que a convenção, ou mesmo a assembleia, delibere a eleição de um
subsíndico para assumir as funções na ausência ou no impedimento do titular. No
referente aos cossíndicos, embora não contenha a lei regra proibitiva expressa,
o princípio extraído do Código Civil é o da unicidade de representação do
condomínio, para segurança de terceiros que com ele contratam (RT751/243). Existe
a possibilidade, em grandes condomínios, dotados de várias torres ou alas, de
haver um síndico geral, que representa a totalidade dos condôminos, auxiliado
por subsíndicos com atividades limitadas a certas partes ou prédios do
conjunto. O § 1º do CC 1.348, adiante comentado, prevê a possibilidade da
repartição do poder de representação entre síndico e terceiro, por deliberação
da assembleia. Também é omissa a lei quanto à remuneração do síndico. No
silêncio da convenção e da assembleia, o múnus é gratuito. Pode,
todavia, tanto a convenção como a assembleia deliberarem a remuneração do
síndico, inclusive sob a forma de isenção de sua contribuição condominial (RT
695/189), que consistirá despesa ordinária, a ser rateada entre os demais
condôminos. Sobre a remuneração incide contribuição previdenciária, como já
decidiu o STJ.
A escolha do síndico é feita em assembleia geral, na qual votam
condôminos, compromissários compradores, cessionários de seus direitos e
usufrutuários. Não exige a lei qualquer quorum especial, razão pela
qual, no silêncio da convenção, aplicam-se os CC 1.352 e 1.353. Em segunda
convocação, a maioria simples dos presentes elege o síndico. Nada impede,
todavia, que a convenção estabeleça quorum mais elevado para a eleição. Note-se
que, no silêncio da convenção, o quorum para eleger é inferior ao para
destituir. Vota-se com a força dos quinhões, salvo disposição em contrário na
convenção de condomínio, vedado tal direito aos inadimplentes. Em determinados
casos, pode o empreendedor ou um dos condôminos ter isoladamente a maioria.
Terá, a princípio, direito de indicar o síndico, ou de se auto eleger, como
consequência natural de sua posição jurídica. No entanto, a figura agora
positivada do abuso de direito servirá como eficaz mecanismo de controle de
eventuais excessos do condômino majoritário.
O prazo máximo do mandato do síndico é de dois anos, admitida a
renovação. Tanto o prazo máximo como o direito à reeleição são preceitos
cogentes, sobrepostos à convenção. Claro que poderá a convenção fixar mandato
com prazo inferior ao teto legal. O que se discute - e parece razoável - é a
possibilidade da convenção estabelecer um teto para o número de reconduções,
pois a lei é omissa a respeito e não usa o termo indefinidamente (Levada,
Cláudio Antonio Soares. “O síndico nos condomínios edilícios”. In:
Condomínio edilício, aspectos relevantes, aplicação do novo Código Civil,
coord. Francisco Antonio Casconi e José Roberto Neves Amorim. São Paulo,
Método, 2005). Escoado o prazo do mandato do síndico, no silêncio da convenção,
suas atribuições se prorrogam, até nova eleição, para evitar que o condomínio
permaneça certo período sem representação, em detrimento de todos os condôminos
e terceiros. Em casos excepcionais, adiante estudados no CC 1.350, poderá o juiz
nomear síndico provisório, quando a assembleia deixar de se reunir. (Francisco
Eduardo Loureiro, apud Código Civil
Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord.
Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.380-81. Barueri, SP:
Manole, 2010. Acessado 19/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Simplificando
o comentário, Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira, o síndico será escolhido pela assembleia, dentre os
condôminos ou não, para administrar o condomínio por prazo não superior a dois
anos. (Podendo ser reconduzido ao cargo em Assembleia, sem especificar a Lei o
número de vezes – Grifo VD). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud
Direito.com acesso em 19.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Art. 1.348. Compete ao
sindico:
I – convocar a assembleia
dos condôminos;
II – representar, ativa e
passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos
necessários à defesa dos interesses comuns;
III – dar imediato
conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo,
de interesse do condomínio;
IV – cumprir e fazer cumprir a convenção, o
regimento interno e as determinações da assembleia;
V – diligenciar a
conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços
que interessem aos possuidores;
VI – elaborar o orçamento
da receita e da despesa relativa a cada ano;
VII – cobrar dos condôminos
as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas;
VIII – prestar contas à
assembleia, anualmente e quando exigidas;
IX – realizar o seguro da
edificação.
§ 1º. Poderá a assembleia
investir outra pessoa, em lugar do síndico, em poderes de representação.
§ 2º. O sindico pode
transferir a outrem, total ou parcialmente, os poderes de representação ou as
funções administrativas, mediante aprovação da assembleia, salvo disposição em
contrário da convenção.
Como dito
anteriormente em matéria de 15 de abril de 2016 no site
seucondominio.com.br, encontrada com título “Seguro de condomínio é
obrigatória”, é de responsabilidade do sindico a contratação do seguro (CC
1.348, IX), e de mais ninguém. Não é necessário que o sindico submeta
previamente à apreciação da Assembleia Geral ou do Conselho Fiscal a
contratação do seguro prescrito em lei. Entretanto, continua sendo medida de
boa prática gerencial e transparência, cotar o serviço de proteção em pelo
menos três seguradoras, visando a obtenção de um preço médio. Além disso,
buscar empresas credenciadas e com boas recomendações do mercado também são
importes.
Na visão do Professor Cristiano de Souza Oliveira, a inércia em
realizar a contratação de seguro pelo síndico é falta gravíssima, podendo
ensejar sua destituição do cargo, bem como sua responsabilização cível e
criminal caso ocorra algum sinistro. Um exemplo de responsabilização cível do
síndico é quando o gestor contrata seguro que não cobre adequadamente o
patrimônio do condomínio. Tal situação pode ocorrer quando a avaliação do valor
de reconstrução do imóvel é subdimensionado, visando a redução dos valores
pagos à seguradora. Em situações como essa o patrimônio pessoal do sindico
deverá arcar com os gastos não cobertos pela apólice contratada. Desta maneira,
o sindico deve ficar alerta com a sedução de uma economia que na verdade não
existe. Aliás, o Professor Kênio Pereira afirma que o índice CUB (Custo
Unitário Básico da Construção Civil), deve ser tomado como base no momento da
contratação do seguro obrigatório. Assim, a utilização de valor venal do
imóvel, terreno e IPTU não devem ser considerados por não apreciar a questão
pela ótica correta.
Restou
comprovado, neste breve ensaio, a obrigatoriedade de contratação de seguro
risco de incêndio ou destruição, total ou parcial para condomínios. Ademais,
salientou-se que, cabe ao síndico realizar a contratação do seguro obrigatório,
sem a necessidade de submissão à Assembleia ou Conselho Fiscal. Caso o síndico
permaneça inerte em relação a contratação do seguro obrigatório, ele poderá
sofrer sanções administrativas (destituição do cargo), cíveis (arcar como valor
da reconstrução do imóvel) e criminais. Por fim, entende-se que o índice CUB é
o mais apropriado para basear a contratação do seguro obrigatório ou adicional. (Matéria de 15 de abril de 2016 no site
seucondominio.com.br, encontrada com título “Seguro de condomínio é
obrigatória”, Acessado 19/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Trazendo
esclarecimento Francisco Eduardo Loureiro, as atribuições do síndico, porém,
eram disciplinadas em artigos esparsos (arts. 21, 22 e 24) da Lei n. 4.591/64,
sem guardar exata coincidência com a regra do atual Código Civil. O CC 1.348
arrola as atribuições do síndico de modo exemplificativo. Nada impede que a
convenção, ou mesmo a assembleia, confiram ao síndico atribuições diversas,
deleguem ou limitem alguns dos poderes previstos no artigo em exame, como
preveem seus §§ 1º e 2º. O primeiro ato de competência do síndico é o de
convocar a assembleia de condôminos (inciso I). Esse poder-dever abrange as
assembleias ordinárias, extraordinárias e especiais. O CC 1.350 prevê a
possibilidade de um quarto dos condôminos convocar a assembleia ordinária, se o
síndico não o fizer. Caso a assembleia não se reúna, qualquer condômino poderá
requerer sua convocação ao juiz. Já as assembleias extraordinárias poderão ser
convocadas por um quarto dos condôminos, a qualquer tempo e independentemente
de anterior omissão do síndico, segundo dispõe o CC 1.355. A competência,
portanto, é concorrente. No que se refere à assembleia especial, que delibera a
reconstrução ou venda do prédio parcialmente destruído, ou com risco de ruína,
embora omissa a lei, a gravidade da situação permite a qualquer condômino
convocá-la.
A segunda
atribuição (inciso II) do síndico é a de representar ativa e passivamente o
condomínio, praticando todos os atos necessários à defesa dos interesses
comuns. É caso de representação legal, ou melhor, de presentação, pois atua
como órgão da comunidade de condôminos. Não há, propriamente, duas vontades,
uma do representado e outra do representante, mas apenas a manifestação do
próprio condomínio por seu órgão. O síndico, consequentemente, não necessita de
procuração outorgada pelos condôminos, e seus poderes são os definidos em lei,
convenção e assembleia. A presentação se faz tanto na via negocial, firmando
contratos pelo condomínio, como na via judicial, defendendo os interesses
comuns em juízo. O síndico tem poderes para litigar contra estranhos e contra condôminos,
havendo interesses comuns do condomínio em jogo.
Cabem
algumas observações, quanto a essa presentação, ou representação legal, do
síndico. Quanto aos atos negociais ordinários, não há necessidade de outorga de
poderes específicos da assembleia. Pode, inclusive, realizar as diligências
indispensáveis para resolver problemas urgentes, como vazamentos no interior de
apartamentos vazios. O mesmo não ocorre, porém, em relação aos atos negociais
extraordinários envolvendo alienação, empréstimo, locação ou concessões que
afetem as partes e coisas comuns, casos nos quais deverá haver prévia e
específica autorização da assembleia, salvo se forem urgentes, como uma
oportunidade de transação, quando a aprovação poderá ser a posteriori.
Quanto aos
atos judiciais, deve haver distinção entre a natureza das diversas pretensões.
No polo ativo, não necessita o síndico de específica autorização da assembleia
para ajuizar em nome do condomínio ação de cobrança da contribuição contra
condômino inadimplente, muito menos contra condômino que usa com exclusividade
área comum, altera a fachada do edifício, ou causa riscos a salubridade,
sossego ou segurança comuns (Pereira, Caio Mário de Silva. Condomínio e
incorporações, 10. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 162; RT 745/384).
O síndico pode requerer medidas cautelares, notificações, protestos, em suma,
os remédios adequados para fazer cessar o ilícito ofensor do interesse comum
dos condôminos. É essencial, no entanto, o interesse defendido ser comum e não
exclusivo de apenas um dos condôminos. Caso exemplar é o da legitimidade do
condomínio propor ação indenizatória contra o construtor ou o incorporador, em
razão de defeitos de construção ou a insuficiência de espaços de garagem, que
afetem áreas comuns, ou interesses comuns dos condôminos, e não apenas
determinada unidade autônoma (RT 702/91, JSTJ-Lex 10/157).
Como
alerta Nascimento Franco, no caso de danos generalizados, que atinjam tanto a
área comum como determinadas unidades autônomas, aconselhável que “o síndico
convoque assembleia Geral para deliberar o ajuizamento da ação, em nome do
condomínio, representado pelo síndico e pelos condôminos que desejarem figurar
como litisconsortes” (Condomínio, 5. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais,
2005, p. 49). No polo passivo, no dizer de Nascimento Franco, o síndico
representa o condomínio nas ações relativas às deliberações da assembleia,
ações trabalhistas e casos análogos, desde que os interesses em jogo sejam
comuns (op. cit., p. 46). Em determinados casos, que produzirão efeitos diretos
sobre a propriedade dos condôminos como, por exemplo, ações reivindicatórias,
de desapropriação ou de usucapião de áreas comuns do edifício, que reduzirão as
frações ideais das unidades autônomas, deverão os condôminos ser citados como
litisconsortes passivos, não bastando a citação do síndico. No caso de
usucapião da própria unidade autônoma, acompanhada da respectiva fração ideal,
que não afeta e nem diminui os direitos dos demais condôminos, basta a citação
do síndico.
O inciso
III impõe ao síndico o dever de dar pronto conhecimento à assembleia da
existência de procedimento administrativo ou judicial de interesse do
condomínio. Embora, como dito, não necessite de prévia autorização para ajuizar
ou receber citações em demandas judiciais, ou procedimentos administrativos,
deve o síndico deles dar conhecimento à assembleia, como mero representante que
é. Embora fale a lei em conhecimento, não se trata de simples ciência, mas
também de orientação ou submissão à deliberação da assembleia geral, para que
aja em um ou outro sentido.
O inciso
IV diz que o síndico é o executor das normas da convenção, do regimento interno
e das decisões da assembleia, devendo velar por seu fiel cumprimento. Impõe-lhe
a lei um dever de reagir contra ofensas às referidas regras, respondendo então
o síndico pessoalmente, por comportamento omissivo. Na aplicação da convenção e
do regimento, deverá se ater menos ao sentido literal das normas e mais ao
valor que visam elas a tutelar. Dizendo de outro modo, deve, segundo Nascimento
Franco, evitar interpretações literais que levem a consequências iníquas ou
opostas aos objetivos da lei. Cláusulas obsoletas, ou não mais ajustáveis ao
momento atual do condomínio, por ter a maioria dos condôminos deixado de observá-las,
devem estas ser submetidas à assembleia, evitando a quebra da harmonia da vida
condominial (op. cit., p. 62).
O inciso V
impõe ao síndico o dever de diligenciar a conservação e guarda das partes
comuns e zelar pela prestação de serviços que interessem aos possuidores. A lei
impõe um dever de cuidado ao síndico de pagar taxas, contribuições e serviços
de manutenção de bombas, elevadores e similares, para não sofrerem interrupção.
Os pagamentos em atraso, salvo motivo justificado, especialmente insuficiência de
recursos em caixa, geram a responsabilidade do condomínio e pessoal do síndico
pelos encargos de mora e prejuízos causados aos condôminos. Os deveres em foco
abrangem, também, a adoção de cautelas relativas à segurança, como a
recomendação de identificação de visitantes. Importa, aqui, abordar a
responsabilidade do condomínio por falhas da vigilância, especialmente por
furto de veículos e roubos no interior das unidades autônomas. O entendimento
dominante do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de ser lícita a
disposição convencional exonerando o condomínio da responsabilidade civil pela
guarda de veículos dos condôminos no espaço de garagem. Somente haverá
responsabilidade civil em casos nos quais haja disposição convencional ou tenha
a assembleia criado e cobrado contribuição destinada à implantação de
mecanismos especiais de segurança, assumindo o dever de guarda, que, ao final,
mostraram-se ineficazes, ou que o fato tenha ocorrido por atos culposos de
empregados. Não basta, porém, a existência de porteiro ou vigia no edifício
para caracterização de culpa pela subtração.
O inciso
VI reza dever o síndico elaborar o orçamento de despesa e receita relativas ao
ano vindouro. Comumente, conta o síndico com o auxílio de uma administradora de
bens que elabora o orçamento anual a ser levado à assembleia geral. Far-se-á a
previsão das despesas, com eleição de prioridades pelo síndico, a serem
examinadas pela assembleia, bem como a receita necessária para lhes fazer
frente. Dever correlato do síndico é o previsto no inciso VIII, qual seja, o de
anualmente prestar contas da arrecadação já auferida e gasta em período
preterido, sob a forma de balancete, de fácil verificação pelos demais
condôminos. Pode a convenção estabelecer periodicidade inferior, mas nunca
superior à norma, de natureza cogente. A prestação de contas envolve não
somente uma aferição aritmética, mas também de verificação de comprovantes de
pagamento e de sua pertinência e modicidade, em face das obras realizadas.
Podem as contas ser precedidas de parecer do Conselho Fiscal. A aprovação das
contas não impede seu posterior questionamento pelos demais condôminos,
especialmente em vista do surgimento de fatos novos. A falta de contas é causa
para destituição do síndico, sem prejuízo do ajuizamento de ação de prestação
de contas, ou indenizatória, se desde logo evidenciado o dano. A aprovação das
contas não exige quorum especial, aplicando-se as regras dos CC 1.352 e 1.353,
adiante comentados.
O inciso
VII dispõe que o síndico deve cobrar dos condôminos suas contribuições, bem
como impor e cobrar multas devidas. O dever imposto ao síndico se desdobra.
Cobrar as contribuições condominiais e impor multas aos condôminos que não se
curvarem aos deveres impostos no CC 1.336, ou outros previstos em convenção ou
regimento interno. A regra comporta algumas observações. Como já visto, não
necessita o síndico de autorização expressa da assembleia para cobrar amigável
ou judicialmente o condômino em atraso, devendo fazê-lo de modo expedito,
evitando aumento do débito e sobrecarga aos demais condôminos pontuais. A multa
e os juros moratórios são os previstos no § 1º do CC 1.336, podendo o síndico
transacioná-los, com o objetivo de mais rapidamente receber o crédito. Note-se
que o Código Civil de 2002 elenca as sanções ao condômino inadimplente: além de
ter os encargos moratórios, ele fica impedido de deliberar em assembleia.
Outras sanções, que importem na supressão de direitos fundamentais dos
condôminos, previstos no CC 1.335, em especial vedação à utilização de áreas e
equipamentos comuns do edifício, não mais são admitidas pelo atual Código
Civil, embora frequentes em convenções condominiais e regimentos internos. Para
imposição da multa, deve ser feita relevante diferenciação, tomando como base
sua causa. Se houver previsão em ato constitutivo ou convenção, poderá o
síndico aplicar diretamente a multa prevista para as hipóteses do CC 1.336, § 2º,
antes conferindo oportunidade para a defesa do condômino apenado. Caso, porém,
sejam o ato constitutivo e a convenção omissos, somente a assembleia poderá
impor a multa, mediante quorum de dois terços dos condôminos restantes. No que
tange às causas elencadas no CC 1.337, a regra é outra, pois somente a
assembleia pode impor a multa. A regra é cogente e não pode ser suplantada por
cláusula convencional que delegue ao síndico tal poder.
Finalmente,
o inciso IX confere ao síndico o dever de contratar o seguro da edificação,
tema já estudado no comentário ao CC 1.346, que trata da mesma matéria.
O § 1º do CC
1.348 reza poder a assembleia investir outra pessoa, cm lugar do síndico, em
poderes de representação. Embora não tenha previsto o atual Código Civil a
figura do subsíndico, a regra em estudo cria essa possibilidade. A investidura
de terceiro com poderes de representação pode ocorrer como um auxílio às
funções do síndico, ou mesmo contra sua vontade. É natural que a assembleia,
soberana para outorgar poderes gerais de representação, possa retirá-los, no
todo ou parcialmente, caso necessário ou conveniente. Pode a assembleia, ainda,
fazer constar da própria convenção essa repartição de poderes de representação.
O § 2º do CC 1.238 regula a possibilidade do síndico transferir,
total ou parcialmente, os poderes de representação ou administração, com prévia
aprovação da assembleia, salvo proibição da convenção. As inúmeras atribuições
conferidas pela lei ao síndico, somadas à complexidade das relações
tributárias, trabalhistas e negociais que envolvem o condomínio acarretam, no
mais das vezes, a impossibilidade de desincumbir-se sozinho de seu mister.
Administrar um condomínio demanda tempo disponível e conhecimento técnico, atributos
nem sempre reunidos pelo síndico. Ele pode, então, transferir parte de seus
poderes e atribuições a uma pessoa física ou jurídica, normalmente
especializada em administração imobiliária. Essa delegação depende de prévia e
expressa autorização da assembleia. A norma é dispositiva, podendo a convenção
vedar a delegação de funções. Como recebe poderes de gerência e representação,
fica adstrita à prestação de contas ao síndico e à assembleia, que aprovou a
delegação. O contrato de administração envolve fidúcia e, tal como o mandato,
pode ser denunciado a qualquer tempo, restando apenas ao prejudicado o direito
de pedir a composição de perdas e danos, ou o pagamento de cláusula penal. Como
lembra Nascimento Franco, algumas administradoras especializadas passaram a
fornecer serviços diferenciados, como execução de reparações em unidades
autônomas, ou sistema de condomínio garantido, pelo qual cobre o inadimplemento
dos condôminos e se sub-roga no crédito do condomínio (op. cit., p. 60). Os
atos ilícitos praticados pela administradora não são, a princípio, de
responsabilidade do síndico, pois a delegação e a escolha derivam de
deliberação da própria assembleia. Claro, porém, que se o síndico se omite dos
deveres de acompanhamento e de fiscalização das tarefas delegadas à
administradora, pode responder solidariamente pelos danos causados ao
condomínio, por culpa in vigilando. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.383-86. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado
19/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Alexandre
G. N. Liquidato em “RJET: A questão dos condomínios edílicos" – parte 2”, menciona
a extensão dos poderes que se dariam aos síndicos sobre as áreas privativas.
Para tanto, há de se evocar a moderna lição de Otavio Luis Rodrigues Junior e
Jefferson Carús Guedes: Sobre essa diferenciação e aquilo a que "o dono do
apartamento pode", é necessário consultar a legislação atual,
especialmente o CC 1.331, que, em seu caput, afirma
ser lícito, nas edificações, existir partes que são propriedade exclusiva e
partes que são propriedade comum dos condôminos. Os parágrafos do CC 1.331,
considerando-se as lições de Pontes de Miranda, estabelecem: (a) a comunhão no
terreno (fração ideal no solo - § 3.° do CC 1.331) e nas partes indivisas do
edifício e mais dependências (§2.° do CC 1.331); (b) não comunhão nas partes pro diviso (§1.º do CC
1.331). Em conformidade com a legislação vigente, ter-se-iam:
a) Partes susceptíveis de
propriedade exclusiva por uma pessoa (ou em condomínio geral, por mais de uma
pessoa): apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as
respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns.
b) Partes de utilização
comum: solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de
água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as
demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público. O terraço de
cobertura é parte comum, salvo disposição contrária da escritura de
constituição do condomínio.
Como bem observaram os
autores acima, é indispensável compulsar a legislação atual, atentando,
particularmente, para a redação que a Lei n.º 12.607/12 deu ao §1º do CC
1.331. Isso porque essa norma – atinente às partes de utilização exclusiva – consagra
o poder de disposição do condômino, de tal sorte que possam ser “alienadas e
gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos,
que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio,
salvo autorização expressa na convenção...”.
Retome-se agora a redação
da norma projetada no inciso II ao art. 11. Além do que está previsto no CC
1348, compete ao síndico: “restringir ou proibir a realização de reuniões e
festividades e o uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas
de propriedade exclusiva dos condôminos, como medida provisoriamente necessária
para evitar a propagação do Coronavírus (Covid -19), vedada qualquer
restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada
unidade”.
A interpretação gramatical
do inciso II ao art. 11, não dá espaço para dúvidas. Esclareça-se: a oração
“inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos” é uma forma
apositiva de explicar aquela que a antecede no que toca ao “uso dos abrigos de
veículos por terceiros”. Trata-se de análise sintática pura e simples.
Mais que isso, a palavra
“inclusive” é denotativa de inserção, pois acrescenta uma explicação em relação
ao que já foi escrito. Aliás, a leitura das partes finais dos incisos I
(“respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos”) e II (“vedada
qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de
cada unidade”) indicam claramente que não há diminuição alguma dos poderes que
proprietários ou possuidores diretos têm sobre as unidades autônomas. Ao
contrário: o legislador preserva-as.
Portanto, a sacralidade do
direito real não foi profanada pela letra da lei, tal como havia sido aprovada
pelo Congresso Nacional. No máximo, podia-se conceber uma limitação temporária
ao poder de disposição do condômino – conforme haja previsão na convenção e segundo
a discricionariedade do síndico –, para fins de locação ou comodato em favor de
terceiros, sobre o abrigo de veículos que seja objeto de sua propriedade
exclusiva.
Isso não é algo estranho à
natureza das relações condominiais em edifícios. Como ensinam Maluf-Marques:
“morar em apartamento requer uma grande tolerância em relação aos vizinhos e
importa uma limitação ao direito de propriedade”. Suspendia-se,
temporariamente, a legitimação do condômino para a celebração desses contratos
com pessoas estranhas à relação condominial durante a pandemia por uma questão
de saúde pública. Isso estava em perfeito alinhamento com a norma contida no §
1º do CC 1331 do Código Civil.
Como é amplamente sabido,
o síndico é “o administrador da situação jurídica condominial”, em outras
palavras, é órgão executivo do condomínio e tem poderes de administração
fixados no rol taxativo dos nove incisos ao CC 1348 e estes podem ser
regulamentados pela convenção, ou ainda pela assembleia.
É verdade que o RJET dava
novos poderes de polícia ao síndico enquanto houvesse pandemia, mas, de
qualquer modo, uma leitura mais abrangente (em sentido amplíssimo) dos CC 1277
a 1279 tornava perfeitamente aceitável – em caráter transitório – o aumento
desses poderes, em consonância com a medida sanitária, afinal o síndico há de
zelar pelos interesses comuns dos condôminos, inclusive no que toca ao sossego
e à saúde.
Além disso, a
interpretação teleológica do art. 11 do PL 1179/20 não implica modificação ou
diminuição do conjunto de poderes que integra o direito de propriedade. Isso é
evidente à medida que o caput do
art. 1º e o art. 2º do Projeto de Lei cuidam da instituição de normas legais
emergenciais, transitórias e desprovidas de eficácia revogadora ou alteradora.
O legislador apenas ampliou
os poderes discricionários do síndico para que se adotem práticas compatíveis
com a desaceleração do contágio pelo Coronavírus enquanto durar a pandemia.
Esse é o único fim da norma. As razões do veto são infundadas e decorrem, como
quer parecer, de uma leitura desatenta do texto aprovado pelo Legislativo.
Com grande sabedoria o
Prof. João Batista Lopes qualifica o condomínio edilício como “verdadeira
sementeira de discórdias” e no regime transitório e emergencial não seria
diferente. Deve-se reconhecer, a título de conclusão, que é absolutamente
natural o RJET ter críticos e adversários. Arrisca-se até a ousadia de se dizer
que isso é saudável, notadamente quando essas críticas deitam raízes em
argumentos tecnicamente sólidos, o que não é o caso do veto ao art. 11, pelos
motivos acima aludidos.
Insista-se: a “intenção do
legislador é conter a propagação do Coronavírus” e não reformar os institutos
da propriedade e dos condomínios edilícios, muito menos cercar-se de
meias-verdades para selecionar um ideário político discrepante do Código Civil
e da Constituição Federal. Urge, portanto, derrubar-se o veto presidencial.
Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de
Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa,
Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC,
UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM). (Alexandre
G. N. Liquidato em “RJET: A questão dos condomínios edílicos – parte 2”, no
site conjur.com.br, publicado em 03 de agosto de 2020, Acessado em
19/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Art.
1.349. A assembleia, especialmente convocada para o fim
estabelecido no § 2º do artigo antecedente, poderá, pelo voto da maioria
absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não
prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio.
André
Luiz Junqueira, em artigo postado intitulado “Destituição de síndico em
condomínio edilício”, A Lei Federal de n° 10.406/2002,
que instituiu o Código Civil Brasileiro (CCB), passou a regular o instituto
jurídico do Condomínio Edilício, o que antes era feito exclusivamente pela Lei
Federal n° 4.591/1964. Em
matéria de Condomínio Edilício, muitas dúvidas foram causadas pelas novas
disposições do Código Civil e da aplicabilidade ou não da antiga Lei n° 4.591.
Uma dessas dúvidas surge do CC 1.349, que dispõe sobre hipótese de
destituição do síndico por votação da maioria absoluta dos condôminos em
assembleia convocada para transferir seus poderes de representação ou funções
administrativas do síndico (CC 1.348, § 2°); aplicabilidade ou não do Título I
da Lei n° 4.591/64 à hipótese sob análise; o quorum para destituição do
síndico; e se a convenção do condomínio pode ou não estipular um quorum para a
destituição diferente do que o previsto em lei.
Interpretações Apropriadas Da Norma - Antes
de adentrar no tema proposto, considerou-se relevante fazer alguns comentários
sobre a metodologia usada, principalmente no que toca a interpretação literal
da lei. Esta norma em geral é, por vezes, desprestigiada pelos profissionais do
Direito devido à uma crença de que se constituiria em uma forma limitada ou
ultrapassada de se ler a norma. Contudo, tratando-se, principalmente, de normas
gravosas ou que tratem de direitos fundamentais e indisponíveis, a
interpretação literal somente poderá não ser utilizada se, após uma
interpretação sistemática, a letra da lei estiver em patente desconformidade
com o ordenamento jurídico ou se prejudicar de alguma forma o bem jurídico que
a própria norma busca proteger.
Interpretações extensivas aplicadas a normas que já são suficientemente
claras, além de desnecessárias, são as causas para a criação de entendimentos
pouco técnicos e assistemáticos, onde cada um aplica o seu bom-senso sem nem
mesmo verificar a norma escrita ou investigar seus objetivos. Os juristas
brasileiros devem dar ênfase à interpretação que confira uma maior efetividade
à justiça de uma norma, do que simplesmente depreciar o legislador. Deve-se
sempre exercitar e expressar o senso crítico em relação aos trabalhos
legislativos, pois erros habitualmente ocorrem, mas jamais alegar que o legislador
cometeu um erro sem antes promover uma extensa análise do texto legal.
Como a Constituição Brasileira de 1988, o Código Civil de 2002 segue bem
a fase atual do Positivismo Pós-moderno, na medida que inclui valores morais na
norma escrita e também as chamadas “cláusulas abertas” e conceitos jurídicos
indeterminados especialmente criados para que a doutrina e jurisprudência
exercitem a hermenêutica jurídica e mantenham a Lei, na medida do possível,
atual e dinâmica. Porém a interpretação de normas que já são suficientemente
claras, como no caso em análise, é desnecessária e, na opinião do autor, prejudicial ao bom direito.
É necessário que buscar-se analisar os fenômenos jurídicos com uma visão
mais ampla e não limitada por um positivismo irredutível, mas não se deve
abolir a leitura da letra da lei, tendo em vista ainda ter a norma positiva
como principal reguladora da convivência dos indivíduos da sociedade. Abolir o
positivismo de vez seria condenar a sociedade a um caos social, onde todos os
seus membros agem da forma que mais lhe agradam.
O Art. 2° da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (LICCB),
aprovada pelo Decreto-lei n° 4.657 de 1942, reza: “Não se destinando à
vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando
expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule
inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2o A
lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes,
não revoga nem modifica a lei anterior. § 3o Salvo disposição
em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a
vigência.
A LICCB tem sido a principal referência para a sistemática de leis no
ordenamento jurídico brasileiro, sendo que poucos contestam a sua
aplicabilidade. Todavia, existe a dúvida se as disposições de condomínio
edilício do Código Civil de 2002 se enquadram no § 1° ou no § 2° do Art. 2° da
Lei de Introdução ao Código Civil.
De um lado, sustentando a aplicação do § 1° do artigo mencionado, o
Código Civil teria revogado parcialmente a Lei Federal n° 4.591 (Arts. 1° ao
27) quando tomou para si a responsabilidade de regular o instituto de
condomínio edilício por completo. O Título II da Lei n° 4.591 não teria sido
atingido pela revogação, uma vez que o Código Civil não trata de Incorporações
Imobiliárias. Por outro lado, defendendo a aplicação do § 2° do Art. 2° da
LICCB, as disposições da Lei n° 4.591 permaneceriam em vigor em tudo que não
colidisse com os artigos do Código Civil.
Porém, defende-se à primeira posição de que o Título I da Lei n° 4.591
encontra-se revogado tacitamente pelo Código Civil de 2002, uma vez que o
Código regula claramente todo o instituto de condomínio edilício nos CC 1.331
ao 1.358. Essa posição também é fundamentada no Art. 7°, IV da Lei Complementar
(LCP) n° 95 de 1998, que dispõe sobre a redação de leis (regulamento do Art.
59, Parágrafo Único da Constituição Federal), que determina: IV – o mesmo
assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subsequente
se destine a complementar lei básica, vinculando-se a esta por remissão
expressa.
O Código Civil não faz nenhuma menção à Lei n° 4.591, diferente da Lei
Federal n° 8.245 de 1991 – A Lei do Inquilinato – a qual o Código teve o
cuidado de manter em vigor mediante uma remissão expressa no CC 2.036. O que
nos leva a conclusão lógica da derrogação da Lei n° 4.591/64. É possível que,
dos que advogam a vigência da antiga lei de condomínios, não tenham ainda se
acostumado com a forma com que o instituto de condomínio edilício é abordado no
Código Civil de 2002, e, por esse motivo, insistem em fundamentar suas posições
ou decisões na antiga lei e resistem às novidades do Código. Constantemente se
voltam para a Lei n° 4.591 por não encontrarem previsão adequada no Código
Civil. Só que as “lacunas” que existem no Código devem ser preenchidas pela
convenção do condomínio e não por uma lei derrogada. Não obstante o pensamento
sobre a derrogação da Lei n° 4.591 em matéria de condomínio edilício, abordou-se
o tópico seguinte deste trabalho considerando também a outra posição.
Entendimentos Possíveis Sobre O Quorum De Destituição - O artigo 1.349
do Código Civil expressa: A assembleia, especialmente convocada para o fim
estabelecido no § 2o do
artigo antecedente, poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros,
destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não
administrar convenientemente o condomínio.
Cuidadosamente, será analisado o significado da expressão “maioria
absoluta”. Maioria absoluta representa mais da metade de todos os votos do
condomínio. Por outro lado, maioria simples consiste em mais da metade dos
votos dos condôminos presentes à assembleia. As expressões não são sinônimas, o
legislador sempre busca expressar uma ideia sem o emprego de sinonímia, essa é
a regra expressa no Art. 11, II, “b” da Lei Complementar Federal n° 95.
A seguir veja-se os entendimentos possíveis sobre o quorum de
destituição do síndico, apresentando também os seus respectivos fundamentos
jurídicos.
1ª posição: aplicabilidade da Lei n° 4.591/64 (fundamentada no Art. 2°,
§ 2° da LICCB) devido à omissão do Código Civil, estabelecendo o quorum
de 2/3 dos condôminos presentes em Assembleia Geral especialmente convocada
para destituição do síndico (Art. 22, § 5° da Lei n° 4.591), sendo que a
convenção poderia fixar outro quorum e, em princípio, a destituição não
precisaria ser motivada; e quorum especial de maioria absoluta em
Assembleia de transferência de poderes do síndico, a decisão deve ser motivada
por um ato de má-gestão do síndico (CC 1.349).
Dessa forma, estaria em pleno vigor o § 5° do Art. 22 da Lei n° 4.591,
que prevê: § 5º O síndico poderá ser destituído, pela forma e sob as condições
previstas na Convenção, ou, no silêncio desta pelo voto de dois terços dos
condôminos, presentes, em assembleia-geral especialmente convocada.
De acordo com essa interpretação, o Código Civil não dispôs sobre a
votação da destituição do síndico, uma vez que o CC 1.349 se restringe a uma
assembleia diferente. O Código apenas criou a facilidade para os condôminos de
destituírem seu síndico em outro tipo de assembleia e compensou estipulando o
quorum de maioria absoluta.
2ª posição: não aplicabilidade da Lei n° 4.591/64 (por derrogação,
conforme Art. 2°, § 1° da LICCB e o Art. 7°, IV da LCP n° 95), estabelecendo o
quorum de maioria absoluta em Assembleia Geral especialmente convocada para
destituição do síndico em uma 1ª convocação (CC 1.352) e maioria simples na 2ª
convocação (CC 1.353), exceto quando a convenção fixar algum quorum
especial; e quorum especial de maioria absoluta em Assembleia de
transferência de poderes do síndico, e, em ambas as assembleias, a decisão deve
ser motivada por um ato de má-gestão do síndico (CC 1.349 ).
Não se deve ignorar a menção do CC 1.348, § 4°, uma vez que sempre se
deve avaliar que o legislador não utiliza palavras ao acaso. Se o Código Civil
tivesse a intenção de estipular um quorum especial para a destituição do
síndico além do CC 1.349, o próprio Código o faria. Portanto, fora da hipótese
de assembleia para transferência de poderes de representação ou de funções
administrativas do síndico, não se pode exigir um quorum que a própria
lei não exige. Na visão do autor, o Código Civil deixou uma lacuna que deve ser
preenchida pela convenção do condomínio, por esse motivo, incluiu a
obrigatoriedade da destituição estar baseada em um ato de má-gestão do síndico
como um obstáculo a eventuais arbitrariedades, que podem ser anuladas pelo
judiciário.
Segundo este entendimento, se a decisão de assembleia especialmente
convocada para destituir o síndico está fundamentada em uma conduta irregular
do síndico, o quorum não precisa ser mais rígido do que a maioria
simples, pois o próprio Código Civil não o exige. Parece óbvio, o objetivo do
Código é conceder ao condomínio uma forma de autotutelar seus direitos
fundamentais de propriedade e exigir um quorum mais alto impondo riscos
ao patrimônio e convívio dos condôminos e ocupantes.
Pela redação do CC 1.349, presume-se que
o legislador foi mais rígido com o quorum de maioria absoluta, porque,
em uma assembleia de transferência de poderes e funções, o síndico pode ser
surpreendido por uma destituição que não estava incluída na pauta. Ao passo
que, em uma assembleia onde consta como assunto único a sua destituição, o
síndico terá um tempo maior para a sua defesa, e, por isso a maioria dos
presentes poderá destitui-lo baseada em um ato ou omissão irregular. Em sendo
opcional acredita-se esta segunda posição seja a mais técnica e a que se
apresenta em maior harmonia com os valores do Código Civil, que é a melhor
proteção para o condomínio. Mire-se agora para a terceira e última posição
sobre o tema.
3ª posição: não aplicabilidade da Lei n°
4.591/64 (por derrogação ou por entender que o CCB já rege o assunto da
destituição), estabelecendo o quorum especial de maioria absoluta em
Assembleia especialmente convocada para destituição ou de transferência de
poderes do síndico, a decisão deve ser motivada por um ato de má-gestão do
síndico (fundamentada em uma interpretação extensiva do CC 1.349).
Nesse entendimento, aplica-se o quorum
especial de maioria absoluta para qualquer hipótese de destituição do síndico.
Fundamentando-se no pensamento de que não seria razoável impor um quorum maior
do que o de maioria absoluta para uma assembleia especialmente convocada para
destituição. E por outro lado, também não se pode deixar que a destituição seja
aprovada por um quorum menor do que o de maioria absoluta, tendo em vista que,
se tratando de uma medida gravosa para o síndico, deve-se interpretar a norma
da forma mais favorável à sua defesa. Se o motivo ensejador da destituição do
síndico será o mesmo, seja em uma assembleia de transferência de poderes ou em
assembleia para destituição, não há como não se exigir o mesmo quorum.
Prevalência da Norma Pública Perante a
Convenção. A convenção de condomínio tem o objetivo
de regular a convivência dos condôminos/ocupantes com a ponderação dos Direitos
de Vizinhança e de Propriedade, visando a administração do interesse comum. E
se existe previsão legal, deve-se presumir que o assunto é de grande
importância para ser regulado. Acredita-se que essa deva ser a principal
premissa ao julgar a prevalência de uma norma pública em relação ao ato-regra
que é a convenção de condomínio.
Tratando-se de condomínio edilício,
embora haja o entendimento de que a lei somente estipula normas gerais para uma
relação eminentemente privada, não existe espaço para esse pensamento com o
Código Civil de 2002. O Código possui diversos conceitos jurídicos
indeterminados que permite à sociedade adaptá-los para a sua realidade. Somente
no capítulo do Código Civil destinado a condomínio edilício, tem-se as
seguintes expressões: “reiterado”, “antissocial”, “insuportável”,
“incompatibilidade de convivência” (todos do CC 1.337); e “não administrar
convenientemente” (CC 1.349).
Ao estipular em convenção um quorum menos
rígido do que a Lei, o condomínio desvaloriza o objeto da própria Lei. E ao
determinar um quorum mais rígido do que a Lei, o condomínio está
impedindo que os sucessores dos condôminos ou futuros ocupantes tenham
possibilidade de alterar regras internas do condomínio que se tornam, em última
análise, em cláusulas imutáveis. Haja vista, toda decisão de assembleia poder
ser anulada se tomada por um quorum previsto na convenção, mas que
esteja diferente do quorum especial que o legislador teve o cuidado de estipular,
assumindo que toda norma relacionada a Direito das Coisas tem caráter jus cogens, salvo quando a
própria Lei dá a entender que tem caráter jus dispositivum. Ressalte-se que a convenção
de condomínio tem como objeto regular e até limitar o direito de propriedade
entre os condôminos, e somente se pode alegar a não aplicação da lei, e também
da convenção, quando o próprio direito de propriedade estiver sob risco. I.é,
havendo uma cláusula que determina que o texto da convenção somente poderá ser
alterado por voto de todos os condôminos é nula, pois o Código Civil expressa
que a alteração poderá ser promovida por dois terços dos condôminos.
Considerando
o exposto neste, conclui-se que o quorum para destituição de síndico em
condomínio edilício é o previsto na convenção e que a destituição deve ser
sempre motivada por irregularidade, ausência de prestação de contas ou
administração inconveniente do síndico. Sendo certo que na omissão ou ausência
de convenção a destituição poderá ser em 2ª convocação por maioria simples em
assembleia especialmente convocada para a destituição e motivada por ato de
má-gestão; ou por maioria absoluta, conforme diz a leitura conjunta do CC 1.349
com o § 2° do CC 1.348, somente na hipótese de assembleia especialmente
convocada pelo síndico para a transferência de seus poderes de representação ou
de suas funções administrativas e por decisão também motivada por ato de
má-gestão. Contudo, o caminho mais razoável a ser tomado em relação à
destituição do síndico não é o da análise do quorum aplicável, mas o da
verificação do fundamento de sua destituição. A doutrina e a jurisprudência
devem manter o foco no que motivou a decisão e não dar maior importância se ela
foi tomada por maioria absoluta ou dois terços dos condôminos. Ressalvada a
hipótese de assembleia do CC 1.348 § 2º, se o Código Civil não deu importância
ao quorum da destituição, deve ser investigado somente se: (1) o síndico
foi convocado e teve oportunidade de apresentar sua defesa; (2) se a decisão
teve algum fundamento; e (3) se a decisão foi realmente tomada pela maioria dos
presentes. Se um desses três requisitos estiver ausente, podemos afirmar que a
assembleia será anulada. E ressalta-se que, principalmente os juízes, devem
apenas se certificar da presença de um motivo, mas devem se abster de julgar o
mérito da decisão da assembleia, uma vez que o termo “administrar
convenientemente” do Código Civil é amplo o suficiente para que o condomínio
tenha a liberdade de destituir o seu síndico. Claramente, o Código Civil impede
a destituição do síndico sem fundamentação (como era possível pela redação do
Art. 22, § 5º da Lei nº 4.591), mas, em nenhum momento, incluiu o quorum como
defesa do síndico em detrimento da proteção à propriedade dos condôminos. (André
Luiz Junqueira, em artigo postado em 23/10;2007, intitulado “Destituição de
síndico em condomínio edilício”, no site DireitoNet.com.br, acessado
19/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Sob o
prisma de Francisco Eduardo Loureiro, o art. 22, § 5º, da Lei n. 4.591/64 reza
que o síndico pode ser destituído na forma e sob as condições previstas na
convenção de condomínio ou, em seu silêncio, pelo voto de dois terços dos
condôminos presentes em assembleia especialmente convocada. Do simples
confronto entre a redação do artigo em exame e do correspondente preceito da
Lei n. 4.591/64, constata-se as profundas alterações que sofreu a destituição
do síndico. Exige-se no Código assembleia especialmente convocada para
deliberar a destituição. O artigo tem péssima redação, ao fazer remissão ao § 2º
do artigo antecedente, que não diz respeito à destituição, mas à simples
delegação de poderes a terceiros, por sugestão e concordância do próprio
síndico. Deve constar da pauta, ou da ordem do dia, juntamente com outros temas
de interesse, a expressa ressalva de a destituição do síndico ser deliberada em
assembleia. Pode a assembleia ser convocada pelo síndico, ou, em sua omissão,
até em razão da pauta, por um quarto dos condôminos, aplicando-se por analogia
o disposto no CC 1.355, adiante comentado.
Explicita
a lei o quorum necessário para a destituição do síndico, ou seja, pela “maioria
absoluta de seus membros”. Mais uma vez é defeituosa a redação do preceito.
Membros do condomínio ou membros da assembleia? A maioria absoluta é dos
presentes à assembleia, metade mais um das frações ideais dos condôminos aptos
a votar, salvo se a convenção dispuser a contagem por critério diverso. A
eleição do síndico pode ser feita por maioria simples, mas a destituição exige
a maioria absoluta, dada a excepcionalidade da hipótese. Não se computam, para
tal efeito, os quinhões dos inadimplentes, inaptos a deliberar, nem o quinhão
do próprio síndico, em vista do manifesto conflito de interesses com a matéria
em votação.
A grande
novidade é a destituição que passa a ser motivada. O preceito elenca as causas
da destituição de modo exemplificativo: prática de irregularidades, falta de
prestação de contas e administração inadequada do condomínio. Nada impede, como
alerta Nascimento Franco, a convenção de adicionar outras causas para a
destituição como mudança de domicílio do síndico para outra cidade ou
impontualidade no pagamento de suas quotas (Condomínio, 5. ed. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 69). Somente não mais cabe a
destituição imotivada, como admitia o sistema da lei revogada. A regra é
inconveniente, pois a atuação do síndico é pautada na confiança de seus pares,
e seria desejável a destituição se dar ad nutum, porém não mais o
permite a lei. Se há motivação, há direito de defesa do síndico, que tem a
prerrogativa de explicar-se e justificar-se perante a assembleia. Não há rito
nem prazos de defesa - salvo se a convenção assim dispuser-, mas deve o síndico
estar previamente ciente da imputação.
Resta a questão de saber se pode o juiz, por sentença judicial,
rever a decisão de mérito da assembleia que deliberou no sentido da destituição
do síndico. Questões formais, relativas à garantia de defesa, modo de
convocação ou quorum de aprovação, é claro, podem sempre ser apreciadas
em sede judicial. Das três causas previstas em lei - prática de
irregularidades, falta de prestação de contas e administração inadequada do
condomínio -, as duas primeiras são de cunho objetivo e a terceira é um
comportamento indeterminado. Se há imputação de alguma prática irregular, deve
haver o cotejo entre a conduta real e a exigível. Do mesmo modo, se se imputar
omissão da prestação de contas, tal fato é objetivo. Ambas as causas podem ser
revistas pelo Poder Judiciário. Já no que se refere à terceira causa -
administração inadequada do condomínio - o grau de satisfação e expectativa dos
condôminos não pode ser aferido ou substituído por decisão judicial,
prevalecendo a decisão da assembleia. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.389-90. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado
19/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).