segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.422, 1.423, 1.424 Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.422, 1.423, 1.424

Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo I – Disposições Gerais

Título X - Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – (Art. 1.419 a 1.430) - digitadorvargas@outlook.com - vargasdigitador.blogspot.com

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 Art. 1.422. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro. 

Parágrafo único. Excetuam-se da regra estabelecida neste artigo as dívidas que, em virtude de outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos. 

Contemplando o comentário de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame disciplina os princípios de excussão e preferência - ou privilégio - dos direitos reais. Corresponde ao art. 759 do Código Civil de 1916, com alteração meramente lexical no caput. Houve alteração significativa no parágrafo único do preceito, amoldando-o aos casos de privilégios decorrentes diretamente da lei, multiplicados na legislação especial.

 

A excussão significa que, “vencida e não paga a obrigação, ao credor assiste o poder de excutir o bem dado em garantia, i.é, promover pela via judicial a sua venda em público pregão, para com o preço pagar-se preferencialmente aos outros credores” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1995, p. 330). Disso decorre, vencida a obrigação, não poder o credor se apropriar da coisa dada em garantia (cláusula comissória), conduta vedada pela norma cogente do CC 1.428, adiante comentado.

 

O direito do credor se circunscreve a executar a garantia. Ressalte-se nem sempre a alienação da coisa dada em garantia ser feita em hasta pública. Diversos dispositivos do próprio Código Civil (penhor, CC 1.433, IV; propriedade fiduciária, CC 1.364) e de leis especiais (Lei n. 9.514/97, art. 27, propriedade fiduciária sobre bens imóveis) autorizam a alienação extrajudicial dos bens dados em garantia. Afora os casos previstos em lei, a excussão é feita em hasta pública.

 

Em certos casos vai a lei mais longe, admitindo a alienação do bem dado em garantia em leilão extrajudicial, sem qualquer ajuizamento prévio de ação de execução. É o caso do Decreto-lei n. 70/66, que disciplina a execução de imóveis vinculados ao SFH. Duvidosa a constitucionalidade da execução extrajudicial, por ofensa aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa. Após grande controvérsia nos tribunais inferiores, o Supremo Tribunal Federal fixou que a CF de 1988 recepcionou o Decreto-lei n. 70/66, não se chocando com os preceitos dos incisos XXXV, LIV e LV do art. 5º, pois ao devedor está aberta a possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário, questionando a exigibilidade da dívida ou a correção formal do procedimento de alienação do imóvel pelo credor (entre outros, RE n. 148.872, 223.075 e 240.361).

 

A polêmica se renova em razão do disposto no art. 66-B da Lei n. 4.728/65, com a redação dada pela recente Lei n. 10.931/2004. Dispõe o preceito poder o credor fiduciário promover a venda do bem fungível dado em garantia, independente de prévio pronunciamento judicial, com posterior prestação de contas ao devedor.

 

O art. 3º, § 1º, do Decreto-lei n. 911/69, com a redação dada pela Lei n. 10.931/2004, dispõe a propriedade do bem já se consolidar nas mãos do credor após cinco dias da apreensão, independentemente de sentença, que pode expedir novo documento e efetuar sua alienação extrajudicial. Resta saber como os tribunais reagirão a essa venda antecipada previstas em lei. O Superior Tribunal de Justiça, em mais de uma oportunidade, fixou a venda antecipada de bens empenhados no regime do art. 41 do Decreto-lei n. 167/67 somente se admitir nas hipóteses excepcionais dos arts. 852, 923 e 730 do atual CPC antes do julgamento dos embargos (STJ, REsp n. 38.781/GO, rel. Min. Waldemar Zveiter; STJ, REsp n. 32.185/GO, rel. Min. Barros Monteiro).

 

Além do direito à excussão, fixa o caput do artigo em exame direito de preferência ou prelação do credor hipotecário ou pignoratício no recebimento do crédito garantido. Na lição de Caio Mário da Silva Pereira, essa noção desponta “no fato de pagar-se o credor mediante a venda do bem sobre que incide, independentemente a garantia geral ou comum, e prioritariamente em relação a ela” (op. cit., p. 328).

 

A preferência do credor garantido acarreta, no caso de concurso de credores, e apenas em relação ao produto da excussão do bem dado em garantia real, que fique fora do rateio proporcional entre os credores quirografários. O credor com garantia real primeiro satisfaz seu crédito. Se houver sobras, haverá rateio entre os credores quirografários. Ao contrário, se o produto da excussão do bem dado em garantia real não bastar para satisfação do crédito, o devedor continua pessoalmente obrigado. O crédito, porém, esgotada a garantia real, converte-se de privilegiado em quirografário, em relação ao restante do patrimônio do devedor.

 

Também se extingue a garantia real no caso de perda do bem dela objeto. Há entendimento corrente de o crédito se converter de privilegiado em quirografário, de modo que em processo falimentar não se admite a restituição convertida em dinheiro, e a habilitação se dá sem privilégio.

 

Determina a parte final do artigo em estudo se observar, quanto à hipoteca, a ordem do registro, pois nada impede que incidam várias hipotecas sobre o mesmo bem, como admite de modo explícito o CC 1.476, adiante estudado. Em tal caso, será estabelecida uma gradação de preferências, na ordem dos respectivos registros das hipotecas. Não contempla a lei a possibilidade de multiplicidades de penhores sobre o mesmo bem, pois não há como transmitir posse direta a mais de um credor. Os penhores especiais, por seu turno - rural, industrial e mercantil -, tornam o bem inalienável e, portanto, insuscetível de ser dado em garantia de segundo grau.

 

O parágrafo único do artigo em estudo ressalva a preferência do crédito com garantia real não superar o privilégio decorrente diretamente da lei. Determinados credores, em razão de sua posição pessoal ou da natureza de seus créditos, são contemplados diretamente pelo legislador com o benefício do privilégio: credores trabalhistas, fiscais, previdenciários e acidentários. São os casos, ainda, das despesas de condomínio edilício, em relação ao imóvel, ou das despesas da massa, no processo falimentar. Lembre-se, em tais casos, havendo execução coletiva contra o devedor, o crédito com garantia real deve ser habilitado e não executado em via própria. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.514-16. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 04/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Para a explanação de Guimarães e Mezzalira, o direito de excussão consiste no direito de promover a venda do bem em hasta pública, mediante processo de execução judicial, direito este que subsiste ainda que esteja no domínio ou na posse de outra pessoa, sem o seu consentimento.

 

Havendo mais de uma hipoteca sobre o mesmo bem, observar-se-á a prioridade no registro, de modo que, embora o credor da segunda hipoteca tenha a garantia do bem, a satisfação do seu direito ocorrerá após a satisfação do direito da hipoteca registrada em primeiro lugar.

 

O parágrafo único dispõe que a legislação poderá criar exceções ao direito de preferencia, como a prevista na Lei 11.101/2005, ao mandar pagar preferencialmente aos credores com garantia real os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a cento e cinquenta salários mínimos por credor, e os decorrentes de acidente do trabalho (art. 83), bem como os extraconcursais (art. 84).

Na integra o art. 84 da Lei de Falências: “Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a: I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência; II – quantias fornecidas à massa pelos credores: III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência; IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida; V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.422 de 2002, acessado em 04.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em artigo de Reginaldo Leandro Pinto, publicado em setembro de 2016 no site Jus.com.br, intitulado “Dos direitos de garantias”, como explica o autor, direito real de garantia é o direito que o titular tem de receber o pagamento de uma dívida através de um bem dado em garantia. Há uma diferença entre garantia real de pessoal, aquela o bem é específico e fica vinculado a obrigação contraída e esta todos os bens respondem pela obrigação contraída. Um exemplo seria uma pessoa faz um empréstimo e para assegurar o credor de que a dívida será paga o devedor oferece um bem em garantia, e enquanto o devedor não saldar a dívida seus direitos sobre o bem que foi dado como garantia será limitado. Se o devedor vender o bem para um terceiro, o direito do credor acompanhará o bem, por sequela. São três os direitos reais de garantia: hipoteca penhor e anticrese.

A validade e eficácia das garantias reais se dividem em três requisitos: subjetivos, objetivos e formais. Nos requisitos subjetivos a pessoa que oferece o bem em garantia deve ser capaz, ou seja, não basta ser maior de dezoito anos, onde somente o proprietário do bem pode dispor do bem em garantia. Quando o proprietário é casado deverá ter autorização do cônjuge, ainda que em qualquer regime de bens, conforme o CC 1647, a exceção é o regime de separação absoluta. A pessoa jurídica pode dar um bem em garantia, e este ato é da diretoria, no entanto, deve ser aprovada pelo órgão deliberativo (Conselho de Administração ou a Assembleia dos Sócios) exceção se dispuser o contrário no estatuto social ou no contrato. Requisitos objetivos os bens dados em garantia devem se materialmente e juridicamente possíveis, um exemplo que não podemos dar em garantia um lote na lua ou alguma coisa furtada. Então há bens que são inalienáveis e geralmente não podem ser oferecidos como garantia, exemplo o bem de família, bens públicos. Requisitos formais, onde os direitos reais de garantia devem ser escritos em um contrato além de outros fundamentos previstos no contrato, a falta de um requisito formal pode tornar a garantia ineficaz, ou seja, não poderá ser erga omnes. Para a validade da garantia, o contrato deverá conter o total da dívida garantida, o vencimento da obrigação, a taxa de juros, se houver e o bem oferecido com suas especificações.

Há cinco efeitos dos direitos reais de garantia que são; o privilégio, sequela, excussão, indivisibilidade e o vencimento antecipado da obrigação garantida.

Privilégio – os credores com garantia real têm direito de receber em certa ordem quando concorrem com credores que não tem garantia. No processo de falência e insolvência os credores com garantia real  tem ordem privilegiada  no recebimento de pagamento, na falência são o segundo a receber depois dos titulares de créditos trabalhistas não excedentes a 150 salários mínimos e na insolvência civil são quarto a receber, depois de titulares de créditos trabalhistas, do fisco e dos encargos e dívidas da massa.

Sequela – é quando o bem que é objeto de garantia real é transmitido para um terceiro, ele continua afetado ao cumprimento da obrigação garantida.

Excussão – consiste na execução judicial da dívida garantida, o bem será apreendido e vendido em hasta pública (os móveis serão vendidos em leilão e os imóveis em praça) e com o dinheiro proveniente da venda o credor será pago. Se o devedor concordar o credor poderá ficar com o bem , então, haverá dação em pagamento, que é a substituição da res debita por outra diferente de dinheiro. Mas é proibido o pacto comissório, ou seja, a acordo entre devedor e credor de este ficar com os bens dados em garantia em hipótese de inadimplemento.

Indivisibilidade – a garantia abrange todo o bem oferecido, mas se somente a parte for oferecida deve estar expressa. Também é indivisível quando o adimplemento é parcial, pois não desonera o bem parcialmente, ainda que o pagamento seja efetuado parcialmente o bem continua gravado em seu todo.

Vencimento antecipado da obrigação garantida – pode ser exigida antes do vencimento. Quando há falência ou insolvência do devedor. Perecimento ou deterioração do objeto , sem que seja substituído ou reforçado pelo devedor, quando o valor do objeto está assegurado o valor da indenização sub-roga-se na coisa destruída ou deteriorada. Impontualidade do devedor no pagamento das prestações, o atraso em qualquer das prestações justifica o vencimento antecipado. Desapropriação total ou parcial da coisa.

O instituto da alienação fiduciária é relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro, sendo aplicável para bens móveis e imóveis. Na verdade o instituto é propriedade real de garantia, uma vez que o fiduciante fica com a posse do bem. Para César Fiúza não se cuida de direito real de garantia, mas espécie de propriedade com escopo de garantia. (grifo nosso) (César Fiúza p. 1149).

Ao verificar-se no dicionário pode-se constatar que o termo tem origem no latim fidúcia, de fidere, que significa confiar, é signo linguístico que contém o significado de confiança, que é neste caso de direito ou de propriedade o que rege este tipo de garantia, uma vez que o bem fica na posse do devedor, entretanto em nome do credor até a quitação total da dívida. O professor César Fiuza ainda nos ensina sobre o instituto que:

“Alienação fiduciária em garantia é o contrato pelo qual uma pessoa, o devedor fiduciante, a fim de garantir o adimplemento de obrigação e mantendo-se na posse direta, obriga-se a transferir à propriedade de uma coisa ou a titularidade de um direito a outra pessoa, o credor fiduciário, que fica adstrito a retransmitir a propriedade ou a titularidade do direito ao devedor fiduciante, assim que paga a dívida garantida.” (César Fiúza p. 1150).

Na verdade este sistema de garantia veio a impulsionar o sistema de financiamento imobiliário, sendo clara a sua intenção de proteger as instituições bancárias, vez que beneficia o credor em desfavor do devedor, pois este (fiduciante) transfere a propriedade resolúvel para o credor (fiduciário) para garantir o pagamento da obrigação pecuniária assumida por si ou por terceiros. Com isso, diferentemente do que se observa na hipoteca, o credor fiduciário converte-se automaticamente em proprietário do bem, tendo no valor do bem dado em garantia para quitação do débito, caso o devedor fiduciante não adimpla as obrigações assumidas. O devedor permanece na posse direta do bem, na qualidade de depositário, contudo, o credor tem a posse indireta, permanecendo com a sua propriedade até que toda a obrigação assumida seja adimplida. 

As alienações fiduciárias como vêm acima além de ser uma propriedade real de garantia não deixa de ser também um direito real de garantia e possui peculiaridades, dentre as quais algumas são idênticas à hipoteca: 

Acessoriedade: trata-se de um negócio jurídico acessório, vez que tem o condão de assegurar uma obrigação principal. "Perante essa relação de subordinação, é plenamente aplicável à alienação fiduciária o princípio da gravitação jurídica, pelo qual o acessório segue o principal." 

Bilateral: apesar de alguns autores entenderem que se trata de um contrato plurilateral, a alienação fiduciária é realizada entre duas partes que assumem direitos e obrigações. O vendedor, aquele que firma o contrato de compra e venda com o devedor fiduciante, não figura como parte no contrato de garantia. Ele recebe o seu valor e os direitos e obrigações do contrato de alienação fiduciária permanecem tão somente para credor fiduciário e devedor fiduciante. 

Formalidade e não solenidade: o contrato de alienação fiduciária deve ser escrito, podendo ser público ou particular, sendo respeitadas as disposições dos arts. 24 e 38 da Lei 9.514/97. Por não exigir instrumento público para a sua formalização, trata-se de contrato não solene. 

Indivisibilidade: em caso de pagamento parcial de parcelas estipuladas em contrato, o devedor fiduciante não está exonerado da dívida, permanecendo o gravame sobre o imóvel como um todo. 

Condicionalidade: o contrato de alienação fiduciária é subordinado a uma condição resolutiva (revogável). "Na alienação fiduciária desloca-se para o rol dos elementos essenciais, uma vez que não existe alienação fiduciária sem condição resolutiva. Em outras palavras, a existência mesma do contrato se sujeita ao implemento de condição, qual seja o adimplemento da obrigação por parte do devedor fiduciante, o que põe fim à alienação, com a consequente emancipação da coisa." A propriedade, portanto, não é definitiva para o credor fiduciário, pois com o adimplemento de todas as parcelas acordadas (condição ou termo final), a propriedade retornará ao patrimônio do não mais devedor, o fiduciante. 

Publicidade: o art. 23 da Lei 9.514/97 estabelece que "a propriedade fiduciária se constitui mediante registro no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título." Assim, somente a partir do registro que haverá a propriedade fiduciária em favor do credor. Até o cumprimento dessa formalidade, tem-se apenas um contrato de cunho obrigacional. Com o registro, a posse do imóvel é desdobrada, ficando o credor fiduciário com a propriedade resolúvel sobre o imóvel e o devedor fiduciante com direito real de aquisição, pendente de cumprimento da condição.

A lei 11.101/2005 prevê no art. 49, § 3º que ocorrendo falência do devedor fiduciante, o credor fiduciário não corre o risco de perder o bem dado em garantia. Tal fato ocorre por conta do bem estar excluído do patrimônio do devedor, retornando somente após o pagamento integral das parcelas acordadas. Essa medida traz considerável segurança para o credor, no que diz respeito à sua expectativa de recebimento do que lhe é devido, pois deixa o bem longe do alcance dos demais credores do devedor.

Cessão da posição do devedor fiduciante: o art. 29 da Lei 9.514/97 possibilita ao fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, a transmitir os direitos de que sejam titulares sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações. É salutar mencionar que deve haver o registro da cessão em Cartório de Registro de Imóveis, vez que se trata de transmissão de direito real sobre imóvel. 

Celeridade na execução do crédito do fiduciário: “A grande facilitação da retomada do imóvel pelo credor em caso de inadimplemento, inclusive com a dispensa do processo - ao contrário da lenta execução que ocorre no sistema hipotecário-, torna-se um fato de estímulo à construção civil (...)”. O procedimento de execução extrajudicial é instaurado junto ao cartório de registro de imóveis, o que demonstra maior celeridade na cobrança do crédito. Faz-se um leilão extrajudicial, independente de ação judicial, ocorrendo de forma administrativa perante o Registro de Imóveis. O procedimento utilizado para a purgação da mora do fiduciante, bem como a forma de leilão do imóvel, está previstos nos art. 26 e 27 da lei 9.514/97. Em breve resumo, o procedimento consiste em:

“(I) Por meio de solicitação do credor, o Cartório de Registro de Imóveis intimará o devedor a satisfazer, no prazo de 15 (quinze) dias, a parcela vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, acrescidas dos encargos contratados;”

(II) Purgada a mora pelo devedor no Cartório de Registro de Imóveis, o contrato continuará em vigor, sendo a quantia entregue ao credor pelo Oficial do Registro de Imóveis;

(III) Caso o devedor não efetue o pagamento, o Oficial certificará o ocorrido na matrícula do imóvel, consolidando a propriedade fiduciária em nome do credor, que deverá pagar o imposto de transmissão inter vivos (ITBI) para tanto;

(IV) Após a consolidação da propriedade em nome do credor, este deverá realizar a oferta pública do imóvel em duas oportunidades consecutivas, quais sejam: o primeiro leilão e o segundo leilão.

(V) O primeiro leilão deverá ser realizado 30 (trinta) dias após a consolidação da propriedade, cujo valor mínimo para venda será o estipulado previamente pelas partes no contrato. Não havendo lances no primeiro leilão, nos 15 (quinze) dias subsequentes será realizado o segundo leilão. Nesta oportunidade, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, acrescida de todas as despesas;

(VI) Na falta lances também para o segundo leilão, estará plenamente consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário. Nesta oportunidade, a dívida será considerada extinta, ficando o credor exonerado de entregar qualquer quantia em favor do devedor. No entanto, deverá o credor, nos 5 (cinco) dias subsequentes, a contar do leilão, entregar ao devedor o termo de quitação da dívida;

(VII) Resta assegurado ao credor ou ao adquirente do imóvel por força do leilão público, a reintegração na posse do imóvel, que será concedida imediatamente, para desocupação em 60 z de sequela: 0 exemplo do que ocorre com a hipoteca, é facultado ao credor fiduciário apreender o bem alienado, mesmo que este se encontre na posse de terceiros. Para tanto, é necessário que o contrato esteja devidamente registrado em Cartório de Registro de Imóveis.

A propriedade fiduciária poderá ser extinta de duas formas: pelo adimplemento da obrigação e o consequente retorno da propriedade para o devedor fiduciante (art. 25 da Lei 9.514/97) ou o inadimplemento do fiduciante (art. 26 da Lei 9.514/97) em relação à obrigação principal contratada.

Com o adimplemento da obrigação pelo devedor fiduciante, o credor fiduciário fica obrigado, num prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da data de liquidação da dívida a fornecer o respectivo termo de quitação ao fiduciante, sob pena de multa em favor deste, equivalente a meio por cento ao mês, ou fração, sobre o valor do contrato (art. 25, §1º da Lei 9.5.14/97). Com o termo de quitação em mãos, o oficial do cartório de Registro de Imóveis efetuará o cancelamento da propriedade fiduciária em nome do fiduciário, retornando o bem para o fiduciante, que assumirá a posição de legítimo proprietário.

Muito ao contrário do penhor, que em suma é um direito real de garantia sobre determinado bem móvel, a hipoteca é um instituto de direito real de garantia, que tem como objetivo afetar um determinado bem imóvel, com o intuito de cumprir uma determinada obrigação.

Sendo assim, a hipoteca tem o condão de dispensar a tradição, ou seja, a efetiva entrega da coisa, tendo em vista que ao ser confeccionado o registro, este já esta apto a produzir os efeitos erga omnes.

Como característica, nota-se que conforme o estipulado no CC 1421, rege-se o princípio da indivisibilidade da garantia real, ou seja, ainda que haja o pagamento parcial da divida, este não acarreta a liberação da garantia na proporção do pagamento efetuado, permanecendo toda a coisa onerada em garantia, salvo se o contrário foi convencionado no título constitutivo ou no instrumento de quitação. Somente o cumprimento integral da obrigação é que libera o bem da hipoteca.

Das espécies de hipoteca: Hipoteca legal: Previsão no CC 1.489, sendo aquelas que a lei confere a certos credores, que, por se encontrarem em determinada situação e pelo fato de que seus bens são confiados à administração alheia, devem ter uma proteção especial. Para sua constituição é necessário observar o principio da especificação, como por exemplo, seu registro junto ao cartório de registro de imóveis.

A lei confere hipoteca à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Territórios, aos Municípios, às Autarquias e demais entidades de caráter publico dos imóveis dos funcionários públicos encarregados de cobrança, guarda e administração dos respectivos fundos e rendas, aos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias, antes de fazer o inventário do casal anterior, ao ofendido, ou aos seus herdeiros, hipoteca sobre os imóveis do autor do crime, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais; ao coerdeiro, quando se adjudica o imóvel inventariado a um único herdeiro, que se compromete a repor em dinheiro o quinhão que pertence aos demais coerdeiros. Para garantia desse pagamento, o imóvel adjudicado fica vinculado como garantia real; ao credor, sobre o imóvel arrematado, para garantia do pagamento do restante do preço da arrematação.

Hipoteca convencional: é derivada de ato de vontade do devedor, contudo esta modalidade exige o registro para que possa produzir efeitos perante a terceiros.

Hipoteca Judicial: Com o advento do Código Civil de 2002, extinguiu-se a previsão expressa da Hipoteca Judicial, contudo que tal situação é perfeitamente possível, pois é fruto do resultado de uma sentença condenatória, exigindo-se também exige o devido registro.

No entanto, a hipoteca judiciária está prevista no Código de Processo Civil: “Art. 466”. A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos.

Parágrafo único. A sentença condenatória produz a hipoteca judiciária: I - embora a condenação seja genérica; II - pendente arresto de bens do devedor; III - ainda quando o credor possa promover a execução provisória da sentença.”

Podem ser objeto de hipoteca, previsão do Art. 1.473 CC/2002: I - os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles; II - o domínio direto; III - o domínio útil; IV - as estradas de ferro; V - os recursos naturais, independentemente do solo onde se acham; VI - os navios; VII - as aeronaves. VIII - o direito de uso especial para fins de moradia; IX - o direito real de uso; X - a propriedade superficiária.

 

A hipoteca dos navios e das aeronaves reger-se-á pelo disposto em lei especial.

 

Os direitos de garantia instituídos nas hipóteses dos itens IX e X acima ficam limitados à duração da concessão ou direito de superfície, caso tenham sido transferidos por período determinado.

 

Registro da Hipoteca: As hipotecas serão registradas no cartório do lugar do imóvel, ou no de cada um deles, se o título se referir a mais de um. As hipotecas legais, de qualquer natureza, deverão ser registradas e especializadas. Vale o registro da hipoteca, enquanto a obrigação perdurar; mas a especialização, em completando vinte anos, deve ser renovada.

 

Abrangência: A hipoteca abrange todo o imóvel, bem como os seus melhoramentos que tenham sido realizados, ou outras construções, ressalvados os ônus reais que já haviam sidos constituídos e registrados anteriormente a hipoteca.

 

Alienação de Imóvel Hipotecado: É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado. Pode convencionar-se que vencerá o crédito hipotecário, se o imóvel for alienado.

 

Caso de Dupla Hipoteca: Nada impede que o dono do imóvel hipotecado possa constituir outra hipoteca sobre ele, mediante novo título, em favor do mesmo ou de outro credor, entretanto, caso ocorra à insolvência do devedor, o credor da segunda hipoteca, embora vencida, não poderá executar o imóvel antes de vencida a primeira.

 

Valor da Hipoteca: É lícito aos interessados fazer constar das escrituras o valor entre si ajustado dos imóveis hipotecados, o qual, devidamente atualizado, será a base para as arrematações, adjudicações e remições, dispensada a avaliação.

 

Do penhor: O penhor teria como origem segundo Agatha Sthefanini, a lei das XII tabuas, onde o devedor respondia com o seu corpo pela divida inadimplida. No entanto, anos mais tarde o devedor respondia pela obrigação com seu patrimônio, porém isto não foi suficiente. Portanto surgiram as garantias reais e pessoais, sendo as garantias reais: o penhor a hipoteca e a propriedade fiduciária. (FERREIRA, 2013).

 

Segundo Adriano Stanley, o penhor é, pois a garantia real que consiste na entrega da posse de bem móvel fungível do devedor ao credor, em garantia do pagamento de seu débito.  “É um direito real que consiste na tradição de uma coisa móvel ou mobilizável, suscetível de alienação, realizada pelo devedor ou por terceiro ao credor, a fim de garantir o pagamento do débito.” ( Maria Helena Diniz).

 

Penhor é um direito real de garantia sobre a coisa alheia móvel, onde o  seu CC1.431 descreve: Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do debito ao credor ou a quem o represente , faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel suscetível de alienação. (BRASIL, 2002).

 

Para Silvio de Salvo Venosa podemos conceituar penhor como, um direito real que submete a coisa móvel ou mobilizável, corpórea ou incorpórea, ao pagamento de divida. Mobilizáveis que o autor nos remete podem ser colheitas pendentes ou em formação, instrumentos e maquinas agrícolas, produtos industriais e títulos de créditos. (VENOSA, 2014, p. 562).

 

Para Arnaldo Rizzardo define-se penhor como a efetiva transmissão da posse direta, ou a transferência de um bem móvel das mãos ou do poder do devedor, ou de terceiro anuente, os quais tem o poder dominial sobre o mesmo, para o poder e guarda do credor, ou da pessoa que o representa com a finalidade de garantir a satisfação do debito. (RIZZARDO, 2009, p. 1037). Rizzardo esclarece ao declarar que, a transmissão será da posse e não da propriedade, ou domínio físico da coisa. (RIZZARDO, 2009, p. 1038).

 

No entanto o CC 1.431, § único, estabelece algumas exceções a essa transmissão, como: o penhor rural, industrial, mercantil, e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor que as deve guardar e conservar. (BRASIL, 2002).

 

Quanto ao objeto, temos como objeto do penhor a coisa móvel, desde que, esta possa ser alienada. Corroborando a esta afirmação Rizzardo descreve: Todos os bens são empenháveis [...] excluindo-se aqueles insuscetíveis de alienação[...] coisas fora do comércio, ou que não podem ser apropriadas[...] como o anel nupcial e os instrumentos para o exercício de uma atividade profissional. (RIZZARDO, 2009).

 

Das Características - O penhor se dá pela tradição, como discorre Venosa, o penhor somente se conclui pela tradição [...]. Sua eficácia/relação é alcançada com o registro no Cartório de Títulos e Documentos (art. 127, II, da lei dos Registro Públicos). O penhor tem como característica a Indivisibilidade, e assim, descreve o Código Civil: Art. 1421. O pagamento de uma ou mais prestações da divida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no titulo, ou na quitação. (BRASIL, 2002). Portanto, Venosa escreve que, “Ainda que exista pagamento parcial toda a coisa onerada permanece em garantia. Ou seja, o ônus permanece integro até a extinção completa da obrigação”. (VENOSA, 2014, p. 552).

O penhor não admite o chamado pacto comissório, tanto que o Código civil apregoa: CC 1428. É nula a clausula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia se a divida não for paga no vencimento. (BRASIL, 2002).

Nestes termos Venosa cita Pontes de Miranda, que ratifica o comando legal ao dizer que, a legislação condena a possibilidade de credor ficar com a coisa antes do vencimento, porem será valido se a coisa for entregue depois do vencimento. VENOSA; MIRANDA, 2014, p. 555).

Ainda se tem como características do penhor o direito de preleção, onde o credor tem preferência sobre o crédito meramente pessoal, onde o Código Civil nos esclarece: CC 1422. O credor hipotecário, e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada, ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro. (BRASIL, 2002). Porém, Venosa leciona que o direito de preleção, não prevalece sobre alguns créditos como, o trabalhista e o de origem tributariam. (VENOSA, 2014, p. 547).

No penhor também tem-se a especificidade do objeto que, para Venosa é um bem determinado do patrimônio e o devedor responderá pela obrigação. (Venosa, 2014, p. 546). (Reginaldo Leandro Pinto, publicado em setembro de 2016 no site Jus.com.br, intitulado “Dos direitos de garantias”, acessado em 04.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.423. O credor anticrético tem direito a reter em seu poder o bem, enquanto a dívida não for paga; extingue-se esse direito decorridos quinze anos da data de sua constituição. 

De acordo com o balanço feito por Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em estudo dispõe o direito real de anticrese, de rara utilização, não ser dotado de excussão, mas apenas de sequela e faculdade de retenção sobre frutos e rendimentos do imóvel dado em garantia. 

Guarda estreita relação com o CC 1.506, adiante comentado. O direito real de anticrese confere ao credor a faculdade de receber frutos e rendimentos de bem imóvel e compensá-los com a dívida garantida. Disso decorre o credor anticrético se pagar com os frutos e não com o preço da excussão.

Assina o artigo prazo quinzenal de caducidade do direito real de anticrese. O prazo não é prescricional, pois inexiste previsão de violação de direito e, portanto, de pretensão. É prazo contínuo, cujo decurso provoca automático cancelamento do direito real e inversão da qualidade da posse direta do credor, que, de justa, passa a precária. O termo inicial do prazo é a constituição do direito real, que se dá com o registro imobiliário, a teor do CC 1.227. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.517. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 04/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como acrescenta Guimarães e Mezzalira, o credor anticrético não possui o direito de preferência. Em compensação, o legislador lhe assegura o direito de retenção sobre a coisa imóvel, pelo prazo máximo de 15 anos. Trata-se de prazo decadencial, cujo transcurso converte o crédito em quirografário, sendo que o transcurso do prazo, com ou sem a satisfação do credor anticrético, converte a sua posse em precária, em decorrência do abuso de confiança. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.423, acessado em 04.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo a palavra de Tauã Lima Verdan Rangel em seus “Comentários ao instituto da anticrese: visão do diploma civilista ao direito real de garantia, postado em 01/04/2014, no site ambitojuridico.com.br, dentre o rol dos direitos do credor anticrético, sobreleva salientar que esse poderá exercer o direito de reter o imóvel do devedor pelo prazo máximo de 15 (quinze) anos, se outro menor não estatuído entre os pactuantes, como bem sublinha o CC 1.423, ou até que seu crédito seja adimplido. Não subsiste, realce-se, ao credor anticrético o direito de excutir o imóvel, ao contrário do que ocorre em caso de penhor ou hipoteca. Outro direito é ter a posse do imóvel para que possa gozar e perceber seus frutos e rendimentos, podendo usar desse bem direta ou indiretamente, inclusive arrendando a terceiro, exceto se houver pactuação em sentido diverso. “Essa possibilidade de arrendamento a terceiro é mais um inconveniente a desestimular sua instituição”.

 

Igualmente, o credor anticrético poderá pleitear seus direitos contra o adquirente do imóvel e credores quirografários e hipotecários posteriores a efetuação do registro da anticrese, encontrando escora no CC 1.509. “Administrar o imóvel, em seu exclusivo proveito, pertencendo-lhe tudo o que este produzir, até que a obrigação seja solvida”, devendo, inclusive, apresentar anualmente balanço, exato e fiel de sua administração, conforme determinação contida no CC 1.507. Como bem leciona Maria Helena Diniz, “se o devedor anticrético não concordar com o teor do balanço, por reputá-lo inexato, ou por considerar ruinosa a administração, poderá impugná-lo e, se o quiser, requerer a transformação em arrendamento”, incumbindo ao juiz a fixação do valor mensal do aluguel, que, por seu turno, poderá, anualmente, ser corrigido monetariamente, com espeque nas disposições encartadas no § 1º do CC 1.507.

 

Outro direito do credor anticresista é o de preferência em relação a todos os outros créditos posteriores, de maneira que o credor hipotecário, com registro posterior, não pode executar o imóvel, enquanto perdurar a anticrese. Com pertinência, anota Diniz que “para que haja esse direito de prelação de anticresista é preciso que seja previamente oposto o direito de retenção, para impedir que outro credor execute o imóvel por não pagamento da dívida”. Igualmente, o direito de preferência em relação à indenização de seguro não subsistirá quando o prédio for destruído nem sobre o valor pago a título de desapropriação, se for o imóvel expropriado. Venosa, objetivamente, aduz que “ao contrário dos direitos similares, no caso de desapropriação ou indenização securitária o credor anticrético não terá preferência sobre a indenização”. Não há a sub-rogação do anticresista em relação aos valores da indenização proveniente de seguro ou o quantum pago a título de desapropriação, extinguindo-se a anticrese, remanescendo, entretanto, em relação àquele o direito creditório, de caráter pessoal, desprovido de qualquer garantia real.

 

Em ocorrendo a falência, conquanto não preveja o diploma vigor, utilizando-se de analogia, poderá o credor anticresista haver o valor do que obtiver, para compensar o débito existente, do produto da alienação do bem anticrético até o limite do bem onerado ou, em se tratando de venda em bloco, o valor do bem individualmente avaliado. “E, ainda, poderá remir em benefício da massa, mediante autorização judicial, bens apenhados, penhorados ou legalmente retidos”.  Em restada infrutífera a praça, sem que haja lançador, poderá o credor anticrético adjudicar o bem, ofertando bem inferior ao constante do edital.

 

Mediante o manejo dos interditos possessórios, não apenas contra terceiros, mas também em desfavor do devedor e, até mesmo, credores quirografários e hipotecários posteriores, poderá o credor anticrético defender sua posse que pretendam penhora o objeto gravado. “Como possuidor direto, o credor anticrético pode valer-se das ações possessórias para defender a coisa”. Por derradeiro, dentre os direitos do credor anticrético, pode-se contabilizar a liquidação do débito, após o percebimento da renda do imóvel do devedor.

 

No que concernem às obrigações do credor anticrético, pode-se sublinhar a guarda e conservação do imóvel, como se fosse propriedade. Diniz elenca, ainda, “responder pelas deteriorações que, por culpa sua, o imóvel vier a sofrer, bem como pelos frutos que deixar de perceber por negligência, desde que ultrapassem, no valor, o montante de seu crédito”. Deverá, igualmente, o credor anticrético prestar contas de sua administração ao proprietário do imóvel, demonstrando ter bem empregado todos os frutos e rendimentos que auferiu e que não os empregou para atingir fins distintos da liquidação da obrigação, exceto as despesas direcionadas à conservação e reparos da própria coisa gravada. Findado o prazo do contrato ou mesmo havendo  a quitação do débito, com baixa no registro, restituir o imóvel ao seu proprietário.

 

Dentre os direitos do devedor anticrético, pode-se enumerar a permanência do imóvel dando como garantia, sendo permitida, ainda, sua alienação a outrem. De igual monta, é permitido ao devedor que exija do anticresista a conservação do prédio onerado com o gravame, obstando possível modificação ou desvirtuamento de seu escopo. Em havendo deterioração do imóvel, o devedor tem o direito de vindicar o ressarcimento das deteriorações causadas ao prédio, culposamente, pelo credor, assim como o numerário atribuído aos frutos que este deixou de perceber em razão da negligência do credor anticrético. É permitido, ainda, ao devedor exigir a prestação de contas da gestão ao credor anticrético, como o fito de verificar se não houve extrapolação no exercício de seu direito como assinala o caput do CC 1.507. Assim que operada a liquidação do débito, o devedor tem o direito de reaver o seu imóvel.

 

Doutra maneira, afigura-se como obrigação do devedor a transferência da posse do imóvel ao credor para que este possa fruir de seus rendimentos. Ao lado disso, “solver o débito, deixando que o imóvel anticrético permaneça com o seu credor até que se lhe complete o pagamento”. Incumbirá, ainda, ao devedor ceder ao credor o direito de perceber os frutos e rendimentos do bem de raiz que lhe pertence. Por derradeiro, deverá o devedor se atentar para o contrato até o seu término, não turbando ou obstando que o anticresista se utilize do imóvel gravado até que seja efetuado, em sua integralidade, o pagamento ou até que o prazo avençado deflua e se finde.

 

Com efeito, uma vez eliminada, integralmente, a dívida, resta extinta a anticrese, podendo, deste modo, o devedor exigir a devolução da coisa onerada, tornando-se injusta a posse do credor, após o desaparecimento da obrigação. Salienta Venosa que “a renúncia também extingue a anticrese. A transmissão da posse da coisa ao devedor implica renúncia tácita, pois não há anticrese sem posse do devedor”. Igualmente, o perecimento da coisa ou a desapropriação têm o condão de extinguir a anticrese, sem qualquer sub-rogação no percebimento do preço. Neste sentido, Diniz, ao sustentar as formas de extinção do instituto em comento, pontua, com bastante pertinência, que “pelo perecimento do bem anticrético [...] em razão da falta do objeto. Se o prédio destruído estiver segurado, o direito do credor não se sub-roga na indenização”.

 

O término do prazo legal, qual seja: quinze anos, contados da data do assento da anticrese no registro Imobiliário, tem o condão de findar a anticrese, eis que se opera a prescrição liberatória. “Ademais, diferentemente dos outros direitos da mesma natureza, a lei impõe a extinção da anticrese decorridos 15 anos de seu registro imobiliário, prazo de caducidade”. Desta feita, implementado o decurso do ínterim, o credor anticrético perderá o direito de retenção do imóvel dado em garantia, ficando o prédio inteiramente liberado ao seu proprietário, ainda que o débito não tenha sido, de maneira integral, pago. Aduz, com clareza, Diniz que o “credor, então, deverá, mediante ação própria, cobrar o remanescente de seu crédito se ainda não ocorreu a ‘prescrição’ de sua pretensão”. Cuida anotar que o prazo prescricional só começa a defluir após a perda da posse pelo credor anticrético.

No mais, o CC 1.510, permite que o adquirente dos bens dados em anticrese possa remi-los, antes do vencimento da dívida, efetuando o pagamento da integralidade à data do pedido de remição, imitindo-o na posse, se for o caso. “Cuida-se de possibilidade de pagamento antecipado da obrigação facultado pela lei, o que se admite também, em princípio, nos demais direitos reais de garantia”. Trata-se, com efeito, de instrumento ofertado pelo arcabouço normativo com o escopo de promover a extinção da anticrese. (Tauã Lima Verdan Rangel em seus “Comentários ao instituto da anticrese: visão do diploma civilista ao direito real de garantia, postado em 01/04/2014, no site ambitojuridico.com.br, acessado em 04.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.424. Os contratos de penhor, anticrese e hipoteca declararão, sob pena de não terem eficácia:

 

I - o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo;

 

II - o prazo fixado para pagamento;

 

III - a taxa dos juros, se houver;

 

IV - o bem dado em garantia com as suas especificações.

 

No entendimento de Guimarães e Mezzalira, a lei impõe o requisito formal da especialização como condição de eficácia dos contratos instituidores de direito real de garantia. A especialização consiste na descrição pormenorizada, no contrato, do bem dado em garantia, do valor do crédito, do prazo para pagamento e da taxa dos juros eventualmente pactuada.

O objetivo da norma é o de dar publicidade a respeito da condição econômico-financeira do devedor, permitindo que terceiros tenham conhecimento do efetivo alcance da garantia patrimonial, sendo que a ausência dos requisitos não acarretará a nulidade do contrato, não produzindo efeitos próprios de direito real, limitando-se os seus efeitos entre as partes contratantes, de natureza pessoal. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.424, acessado em 04.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

O artigo em exame trata do requisito formal dos direitos reais de garantia – especialização. No entender de Francisco Eduardo Loureiro, a principal alteração está na parte final do caput, não mais referindo a falta de especialização acarretar “pena de não valerem contra terceiros”, como dizia o velho Código Civil, mas a ineficácia da garantia real. A falta de especialização não afeta a garantia no plano da validade, mas no da eficácia perante terceiros. Vale entre as partes, consoante a prova resultante do título, mas é inoponível frente a terceiros; o que, na prática, retira as consequências de sequela e preferência.

 

Como diz Caio Mário da Silva Pereira, a garantia real é um começo de alienação e, por isso, importa não somente às partes, como também a terceiros que negociam com o devedor e devem conhecer a parcela do patrimônio livre (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 127). Importa a todos os demais credores, ou terceiros com pretensão de negociar com o devedor, saber o que foi dado em garantia real e quais as características da obrigação garantida.

 

O inciso I refere que o contrato deve conter valor do crédito, sua estimação ou valor máximo. Deve a obrigação ser mensurável em dinheiro, ou ter valor estabelecido pelas partes no título, com base na autonomia privada. Não há necessidade da obrigação ser líquida no momento de sua formação, mas apenas no momento de sua execução. Interessa, a teor do art. 784, V, do Código de Processo Civil, conhecer-se o quantum debeatur no momento do vencimento, para ser possível executar a hipoteca. Tomem-se como exemplos casos nos quais, no momento da escritura, não seja conhecido o total exato do crédito, dependente ainda do acréscimo de encargos ou fatos posteriores, já predeterminados pelas partes no título. Contratos de conta corrente garantida, de construção, ou mesmo obrigações de fazer, desde que previamente determinados os valores da prestação, comportam garantia hipotecária (Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. X, p. 29). Podem as partes estimar valor máximo do crédito, conferindo a possibilidade de se garantir parte da dívida. O que exceder será crédito quirografário.

 

O inciso II diz que deve conter o contrato prazo fixado para pagamento. Na omissão, aplica-se a regra do CC 331, podendo o credor exigir de imediato o crédito, salvo prazo moral decorrente da própria natureza da obrigação, ou do princípio da boa-fé objetiva.

 

O inciso III diz que deve conter o contrato a taxa de juros, se houver, permitindo a terceiros conhecer a exata situação do devedor. Abrange juros convencionais, tanto compensatórios como moratórios. A omissão não torna o negócio inteiro ineficaz, mas apenas os juros omitidos não mais gozarão de preferência e sequela frente a terceiros. Não há necessidade de menção aos juros legais, correção monetária, ou incidência de honorários, verbas decorrentes da lei, que lhes confere publicidade.

 

Finalmente, o inciso IV diz que deve constar do contrato a coisa dada em garantia, com suas especificações. Admite-se o penhor sobre bens fungíveis, que, porém, devem ser especializados em gênero, quantidade e qualidade. No referente a hipoteca e anticrese, que recaem sobre bens imóveis, infungíveis por natureza, devem constar as características dos prédios, individualizando-os e os distinguindo de qualquer outro, em atenção ao princípio da especialidade do registro imobiliário. Não se admitem, portanto, hipotecas ou penhores gerais sobre todo o patrimônio ou parte ideal dele sem discriminação dos bens. Admite-se, em casos especiais, hipoteca ou garantia fiduciária sobre coisas futuras, cm especial unidades autônomas em construção.

A falta de especialização pode levar à invalidade da garantia, se houver absoluta ausência de dados de identificação do bem. Se forem os dados incompletos, de modo a gerar dúvidas e incertezas, a garantia será ineficaz perante terceiros, mas valerá entre as partes, se forem encontrados bens correspondentes à descrição genérica feita no título (Mamede, Gladston. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 86). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.517. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 04/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conforme publicado por Rogério Tadeu Romano, em julho de 2019, artigo intitulado “O penhor mercantil”, no site Jus.com.br, “Tudo o que pode ser objeto de penhor civil pode ser objeto de penhor mercantil (bens corpóreos, bens incorpóreos dominicais, créditos hipotecários ou pignoratícios, créditos quirografários, títulos ainda não integrados, ações de sociedades, bens fungíveis, pretensões e ações alienáveis, separadamente dos créditos ou direitos).

 

Indispensável salientar que o penhor por convenção para gerar efeitos perante terceiros estranhos à relação jurídica deverá ser assentado perante o Cartório de Títulos e Documentos, bem como cumprir todas as exigências estabelecidas pelos incisos do artigo 1.424 do Código Civil. Penhor mercantil é o penhor em garantia de dívida mercantil.

 

Para Fran Martins (Contratos e obrigações comerciais, 5ª edição, capítulo XXV) o penhor mercantil é o contrato segundo o qual uma pessoa dê a outra coisa móvel em segurança e garantia no cumprimento de obrigação comercial. A pessoa que oferece o objeto em penhor tem o nome de dador ou devedor; a que a recebe é denominado credor pignoratício. O dador pode ser o próprio devedor ou um terceiro por ele. Em tal caso, distingue-se a figura do dador, terceiro que não é devedor, mas oferece a coisa para garantir a dívida contraída por esse; da do devedor propriamente dito, que é aquele que assumiu com o credor a obrigação principal, garantida pela coisa que o terceiro ofereceu ao credor para segurança do cumprimento da obrigação. Como advertiu ainda Fran Martins (obra citada, pág. 410), em essência, entretanto, não difere o penhor civil do comercial. O Código Civil de 1916, posterior ao Código Comercial de 1850, apenas ampliou as regras nesse estabelecidas a respeito do contrato de penhor.

Hoje, a matéria é objeto por parte do Código Civil de 2002, estando revogados os dispositivos do Código Comercial que irei citar no presente trabalho. O penhor foi tratado no Código Comercial dos artigos 271 a 279, em dispositivos hoje revogados pelo Código Civil de 2002.

Definia o artigo 271 do Código Comercial: “o contrato de penhor, pelo qual o devedor ou um terceiro por ele entrega ao credor uma coisa móvel em segurança e garantia de obrigação comercial, só pode provar-se por escrito assinado por quem recebe o penhor”.

Obrigação mercantil é a que decorre de ato praticado por comerciante no exercício de sua profissão ou de ato que a lei reputa comercial. Assim sendo, se o comerciante, profissional que exercita habitualmente atos de intermediação com intuito de lucros, contrai penhor em função do exercício dessa profissão, o penhor será considerado mercantil. Comercial é a obrigação garantida e não o objeto que é entregue ao credor pelo devedor. O penhor é contrato acessório, que toma a natureza da obrigação a que serve de garantia, de acordo com a regra de que o acessório segue a natureza do principal.

A matéria hoje é tratada pelo CC 1.431 que reza: “Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação”.

Tinha-se da leitura do artigo 271 do Código Comercial revogado os elementos necessários à constituição do penhor: a) Um objeto móvel, capaz de garantir a obrigação assumida pelo devedor em favor do credor. Objetos imóveis não poderão ser empenhados, podendo o objeto não ser necessariamente de propriedade do devedor; b) Que esse objeto passe à posse do credor, pela tradição efetiva, já que o penhor é contrato real. Para Fran Martins (obra citada, pág. 415) não será admitido o penhor pelo constituto possessório, com a posse da coisa pelo devedor, a não ser nos casos expressamente mencionados por lei; c) Que haja um vínculo submetendo a coisa empenhada ao pagamento da dívida. O penhor é contrato de garantia e o objeto deve justamente reforçar a segurança da solvência da obrigação assumida pelo devedor; d) Que seja o contrato feito por escrito, contendo enumeração precisa, como se lê do artigo 272 do Código Comercial, e transcrito no Cartório competente, conforme o caso, não valendo contra terceiro se lhe faltarem as especificações mencionadas na lei.

O artigo 272 do Código Comercial foi revogado. Em seu lugar tem-se o artigo 1.432 do Código Civil de 2002: “O instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes; o do penhor comum será registrado no Cartório de Títulos e Documentos”.

É direito do credor a retenção da coisa empenhada até que seja pago de todas as despesas que houver feito com esta, desde que estas despesas não tenham sido ocasionadas por culpa sua. Cabe ao credor exigir a satisfação, por parte do devedor, dos prejuízos que houver sofrido por vício da coisa empenhada. O credor, ao receber a coisa empenhada, assume o papel de depositário. Sendo frugífera  a coisa empenhada, a restituição será acompanhada dos seus frutos naturais e civis, que não tiverem sido ainda percebidos pelo devedor na pendência do contrato. Objeto da garantia é a coisa, cabendo os frutos ao proprietário.

Os bens móveis suscetíveis de alienação podem ser mercantilmente empenhados. A alienação de bens alheios é ineficaz, tal é o penhor de bens alheios. Quaisquer direitos mercantis podem ser garantidos por penhor mercantil, ainda que esteja prescrita a pretensão ou ação. 

Disse Pontes de Miranda (obra citada, pág. 111) que quanto à posse, nem todo direito de penhor mercantil supõe ter havido constituto possessório, ou ter o empenhante transferido ao titular de direito de penhor, por outro meio, somente a posse mediata. Penhor mercantil também há com a transmissão da posse imediata ao outorgado.

Tudo o que pode ser objeto de penhor civil pode ser objeto de penhor mercantil (bens corpóreos, bens incorpóreos dominicais, créditos hipotecários ou pignoratícios, créditos quirografários, títulos ainda não integrados, ações de sociedades, bens fungíveis, pretensões e ações alienáveis, separadamente dos créditos ou direitos). Disse ainda Pontes de Miranda (obra citada, pág. 112): “Posto que, de regra, o impenhorável não seja empenhável, conforme já se expôs (sem razão, J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial, VI, Livro IV, Parte II, 645)”.

Ainda para Pontes de Miranda (obra citada, pág. 114), “o constituinte do penhor que tem a posse mediata das mercadorias, por estar com a posse imediata qualquer transportador, pode transferir essa posse mediata por simples acordo, ainda que o transportador haja de entrega-las ao constituinte do penhor; porque só lhe transfere a posse imediata. No acordo de constituição pode-se prever-se que o constituinte receberá a posse imediata como depositário (sob o Código comercial, cf o derrogado art. 281) e o negócio jurídico de depósito fosse perfeito com a tradição pelo transportador e recibo assinado pelo constituinte do penhor”.

Ensinou ainda Pontes de Miranda (obra citada, pág. 120) que não se adquire o direito de penhor sem que a posse passe ao outorgado. Se houve o acordo de constituição e não se deu a transferência da posse, conforme das espécies existentes, há acordo de constituição vinculativo, cuja infração pode dar ensejo à indenização, porém não direito de penhor. O acordo, por si só, não confere prioridade. 

O Código Comercial, a teor do revogado artigo 271, tratava o penhor mercantil como  contrato, todavia o  Código Civil inclui o penhor entre os direitos reais de garantia, sem que tenha procedido à substancial modificação em sua disciplina. Com efeito, em que pese o Diploma civilista não dispor textualmente acerca da possibilidade de fazer-se a tradição simbólica, isso ressai nítido da leitura de seu CC 1.431, parágrafo único, que estabelece que no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, "as coisas empenhadas continuam em poder do devedor", como se lê do julgamento do REsp 1377908 / RJ. (Rogério Tadeu Romano, em julho de 2019, artigo intitulado “O penhor mercantil”, no site Jus.com.br, acessado em 04.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado – Art. 1.419, 1.420, 1.421 Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.419, 1.420, 1.421

Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo I – Disposições Gerais

Título X - Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – (Art. 1.419 a 1.430) - digitadorvargas@outlook.com - vargasdigitador.blogspot.com

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 Art. 1.419. Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação. 

Aprendendo com Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame abre o título que disciplina os direitos reais de garantia no Código Civil de 2002. O título é composto de um capítulo dedicado às disposições gerais, aplicáveis a todos os direitos reais de garantia e três capítulos subsequentes, dedicados, respectivamente, ao penhor, à hipoteca e à anticrese. Lembre-se de o Código Civil de 2002 ter tratado da propriedade fiduciária como modalidade da propriedade e não como direito real de garantia. Graças, porém à afetação do instituto, nitidamente voltado a garantir o adimplemento de uma obrigação, diversos dos dispositivos estudados a seguir se estendem à propriedade fiduciária.

Como explica Caio Mário da Silva Pereira, ligada à ideia de patrimônio está a noção de garantia. O patrimônio da pessoa responde por suas obrigações. É uma garantia geral, ou comum, efetivada mediante meios técnicos previstos nas normas processuais, como arresto, penhora, sequestro e arrecadação. Com o preço obtido com a excussão dos bens do devedor, em hasta pública, o credor satisfaz su crédito (Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 18. ed. atualizada. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 321-2). Nem sempre, porém, o credor se satisfaz com a garantia geral ou comum e exige privilégios e garantias especiais, fidejussórias ou reais. São fidejussórias quando uma pessoa estranha à relação obrigacional se responsabiliza pelo adimplemento da obrigação. São reais quando se vincula um determinado bem do devedor ou de terceiro ao pagamento de uma dívida.

Diferem os direitos reais de gozo e fruição dos direitos reais de garantia. Os primeiros não são acessórios e conferem ao titular a faculdade de usar ou gozar a coisa diretamente. Já os segundos - de garantia - são sempre acessórios a uma obrigação e apenas afetam um bem ao cumprimento de uma obrigação, através da realização de seu preço em hasta pública, ou de sua renda. 

O artigo em exame reproduz quase integralmente o contido no art. 755 do Código Civil de 1916. Apenas substitui o termo coisa por bem; o que se mostra apropriado, pois existe penhor sobre créditos e títulos, i.é, sobre bens incorpóreos. 

Os dois principais efeitos dos direitos reais de garantia são preferência (salvo quanto à anticrese) e sequela. O dispositivo em estudo trata da sequela e destaca o bem ficar sujeito por vínculo real ao cumprimento da obrigação. Isso quer dizer a garantia real aderir ao bem e o acompanhar independente de seu titular. O bem, embora alienado a terceiros, continua afetado ao cumprimento da obrigação, diante da oponibilidade geral do direito real. Essa oponibilidade autoriza o credor munido de garantia real a perseguir a coisa em poder de quem se encontre. 

Não se esqueça, porém, o teor da recente Súmula n. 308 do STJ, objeto do comentário ao CC 1.417, que cria importante exceção à sequela do credor hipotecário frente ao compromissário comprador do imóvel dado em garantia, quando houver, por parte do credor, afronta aos deveres de cuidado e diligência na constituição da garantia real. Tem a súmula o seguinte teor: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. 

O artigo destaca, também, o caráter acessório dos direitos reais de garantia, que se vinculam ao cumprimento de uma obrigação. O crédito garantido pode ser atual, sob condição ou mesmo crédito futuro. São direitos reais garantindo direitos pessoais e seguem a sorte jurídica destes; nula ou extinta a obrigação, nula ou extinta a garantia real. Em razão da falta de autonomia, a garantia real não pode ser transmitida sem transmissão do direito principal. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.509-10. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No comentar de Guimarães e Mezzalira, além de certos privilégios estabelecidos em lei, podem as partes convencionar uma segurança especial de recebimento de crédito, denominada garantia. A garantia pode ser pessoal ou fidejussória, quando terceiro se responsabiliza pela solução da dívida, ou real, quando determinado bem fica vinculado ao pagamento da dívida. 

A garantia real é mais eficaz, pois vincula determinado bem do devedor ao pagamento da dívida. Ao invés de ter em garantia o patrimônio do devedor, que poderá não existir por ocasião da execução do débito inadimplido, o bem dado em garantia real fica vinculado à satisfação da dívida, ainda que a coisa esteja em poder de terceiro (Gonçalves, 2010, fls. 524). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.419 de 2002, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Acompanhando o artigo de Wellington Cacemiro, onde o autor fala sobre o “Código Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, publicado em novembro de 2016 no site Jus.com.br, quando pesquisas bibliográficas no campo jurídico costumam ser tratadas com certa desconfiança por parte dos estudiosos. Não raro questiona-se a cientificidade de focar esforços em obras doutrinárias e na análise de normas postas pelo diploma legal objeto de estudo. Controverte-se, sobretudo, quando há notória ausência no sentido de relacionar o tema escolhido com questões de ordem prática, focando mais na teoria do que na realidade imposta pelo caso concreto. Longe da pretensão de aprofundar-se em tal escaramuça (mas, certamente sem perde-la de vista), discorre-se aqui sobre os direitos reais de garantia, matéria sabidamente imprescindível para a necessária formação do civilista.

Assim, inicia-se com análise sumária do instituto em tela. Para faze-lo válido invocar o que preceitua o eminente jurista Silvio de Salvo Venosa. Aduz o autor (2013, p. 531 que “a compreensão histórica dos direitos reais de garantia passou por longa evolução”. Neste sentido assevera: “A princípio, a garantia não se desvincula da própria pessoa do devedor, até que depois passasse seu patrimônio a responder pelas dívidas. Longa construção prática e doutrinária foi necessária para que a garantia se ligasse a um bem, com eficácia de direito real, erga omnes, não vinculando estrita e unicamente o devedor, mas a coisa (Venosa, 2013, p. 531).

Destarte, do que se depreende do fragmento é possível afirmar que se tem nos direitos reais de garantia direito que se exerce sobre a coisa, o quê, resta claro, trata-se de algo mais do que simples contrato. 

O próprio Venosa (2013, p. 24) ensina que nos direitos reais de garantia, “o respectivo titular extrai modalidade de segurança para o cumprimento de obrigação. A garantia está relacionada com uma obrigação, que fica colocada como direito principal”. Esta (garantia) é, por conseguinte, acessória, existindo tão somente se houver dívida, com a finalidade de garantir o credor.

Com fulcro no que preleciona Sobral Pinto (2014, p. 905) é possível adentrar um pouco mais em semelhante linha de raciocínio. Para o autor, “os direitos reais de garantia são direitos subjetivos constituídos pelo devedor ou por um terceiro em favor do credor, mediante a afetação de um bem, cujo valor representativo, no momento da execução, garantirá o cumprimento da obrigação”.

Sobre tal perspectiva também se manifestam Farias e Rosenvald. Ambos instruem serem quatro os direitos reais previstos pelo diploma vigente. Nesse sentido asseveram: Quatro são os direito reais de garantia elencados no Código Civil: hipoteca, penhor, anticrese e propriedade fiduciária. Excluindo-se a propriedade fiduciária – regida com especificidade pelos CC 1.361 a 1.368, aos outros três direitos reais aplicam-se os preceitos comuns inseridos na teoria geral dos direitos de garantia (CC 1.419 a 1.430) (Farias e Rosenvald, 2012, p. 859).

Importa, no entanto, fazer breve advertência ao fato de que os direitos reais de garantia se distinguem das garantias pessoais ou fidejussórias, como apropriadamente adverte Tartuce: Não se pode esquecer que os direitos reais de garantia não se confundem com as garantias pessoais ou fidejussórias, eis que no primeiro caso um bem garante a dívida por vínculo real (CC 1.419); enquanto que no último a dívida é garantida por uma pessoa (exemplo: fiança). Como garantias que são, os institutos têm nítida natureza acessória, aplicando-se o princípio da gravitação jurídica (o acessório segue o principal), (Tartuce, 2015, p. 864). Na precisa lição de Tartuce “são direitos reais de garantia sobre coisa alheia o penhor, a hipoteca e a anticrese, que têm regras gerais entre os CC 1.419 e 1.430. (Wellington Cacemiro, onde o autor fala sobre o “Código Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, publicado em novembro de 2016 no site Jus.com.br, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.420. Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese; só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca. 

§ 1º A propriedade superveniente toma eficaz, desde o registro, as garantias reais estabelecidas por quem não era dono.

§ 2º A coisa comum a dois ou mais proprietários não pode ser dada em garantia real, na sua totalidade, sem o consentimento de todos; mas cada um pode individualmente dar em garantia real a parte que tiver. 

O artigo cm exame corresponde aos arts. 756 e 757 do Código Civil de 1916, com significativas alterações, especialmente no referente aos §§ 1º e 2º. 

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, os requisitos de validade dos direitos reais de garantia são três: quem pode dar em garantia (requisito subjetivo), o que pode ser dado em garantia (requisito objetivo) e como pode ser ciado em garantia (requisito formal). O artigo em exame trata dos dois primeiros requisitos, subjetivo e objetivo. 

O primeiro período do artigo em estudo diz somente poder dar em garantia real aquele que pode alienar. A regra tem razão de ser. Os direitos reais de garantia se consideram alienação em potencial, pois um bem é destacado do patrimônio do devedor, ou de terceiro, e afetado à solução de uma obrigação. O inadimplemento acarreta faculdade do credor de promover a excussão do bem dado em garantia. Por isso, diz-se somente o proprietário poder outorgar garantia real. Pouco importa o bem estar gravado com direito real e gozo e fruição, ou mesmo por outra garantia real, caso no qual eventual arrematante deverá respeitar o ônus preexistente.

Não basta, todavia, ser somente proprietário, pois se exige ter também a livre disposição da coisa, i.é, que se possa exercer pessoalmente o direito de onerar. Diversos proprietários não têm capacidade para alienar, enquanto outros não têm legitimação para tanto. 

Quanto à falta de capacidade, os absolutamente incapazes são representados e relativamente assistidos pelos titulares do poder familiar. Exige-se, porém, na forma do CC 1.691, ao qual se remete o leitor, autorização judicial para alienar e gravar de ônus real os imóveis dos filhos. A falta de autorização judicial culmina de nulidade o ato, inclusive quanto aos relativamente incapazes (parágrafo único do CC 1.691). Note-se a restrição alcançar somente bens imóveis, de tal modo que os bens móveis podem ser alienados e, portanto, ser dados em penhor e garantia fiduciária. No referente aos bens de tutelados e curatelados, contra a opinião de Clóvis Bevilaqua, o entendimento é no sentido de tanto os bens móveis como os imóveis poderem ser onerados, desde que mediante prévia autorização judicial.

Não legitimados, falidos e inventariante, em relação aos bens do espólio, dependem de prévia autorização judicial, e o Poder Público, de autorização legislativa para onerar os bens. As pessoas casadas, salvo o regime da separação absoluta de bens, não podem outorgar garantia real sobre coisa imóvel sem outorga uxória. O entendimento majoritário, contra a opinião de Washington de Barros Monteiro, é no sentido de poderem os ascendentes hipotecar bens para garantir obrigações com descendentes, pois eventual excussão será feita a terceiros em hasta pública.

Pode ser a garantia real constituída mediante representação legal, como visto, ou convencional. No caso de representação convencional, deve o mandatário ter poderes expressos para hipotecar e especiais para gravar certo e determinado bem. O entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça, com base em lição de Pontes de Miranda, é no sentido de que “expresso é o poder de vender, hipotecar, e especial é a identificação do ato concreto, ou melhor dizendo, usando as palavras do mestre, poderes especiais são os poderes outorgados para a prática de algum ato determinado ou de alguns atos determinados. Não pode hipotecar o imóvel o mandatário que tem procuração para hipotecar, sem dizer qual o imóvel recebeu poder expresso, mas poder geral, e não especial” (STJ, REsp n. 98.143/PR, rel. Min. Menezes Direito).

Mais ainda: o conflito de interesses entre mandante e mandatário torna anulável o negócio, por força dos CC 117 e 119 e nulo, no regime do Código de Defesa do Consumidor. Entendeu o STJ ser nula a cláusula-mandato autorizando a construtora hipotecar imóvel de promitente comprador que já quitou o preço ou não utilizará financiamento. O segundo período do caput do CC 1.420 trata do requisito objetivo, o que pode ser dado em garantia real. Reza que só os bens que se podem alienar são passíveis de ser onerados por garantia real. A razão da regra é a já exposta, de a oneração real constituir alienação em germe, em razão da possível excussão no caso de inadimplemento.

Nosso ordenamento jurídico contempla diversos casos de inalienabilidade. No próprio Código Civil, os CC 1.848 e 1.911 preveem a cláusula de inalienabilidade, imposta em doação ou testamento. Também o CC 101 reza os bens públicos de uso comum do povo e de uso especial serem inalienáveis enquanto conservarem sua qualificação. O CC 1.717 dispõe o bem de família somente poder ser alienado após consentimento dos interessados, seus representantes legais e ouvido o Ministério Público. Há, ainda, os bens considerados indisponíveis por força de leis especiais, como os casos de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92, art. 7º) e administradores de instituições financeiras em intervenção, liquidação extrajudicial ou falência (Lei n. 6.024/74, art. 36).

Não se confundem inalienabilidade e impenhorabilidade. Há bens impenhoráveis por força de lei, mas que admitem a alienação - e, portanto, oneração voluntária. Tomem-se como exemplos, tirados do art. 833 do Código de Processo Civil: anel nupcial, retratos de família, livros, máquinas e utensílios necessários ou úteis ao exercício profissional. De igual modo, o imóvel residencial e os bens que guarnecem a casa, impenhoráveis por força do disposto na Lei n. 8.009/90, são alienáveis e passíveis de oneração real, caso no qual, como é evidente, são passíveis de constrição na execução da garantia (Mamede, Gladston. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 51).

Nada impede, por outro lado, serem alienados e, portanto, objeto de instituição de garantia real, bens litigiosos, ou que se encontrem penhorados, arrestados ou sequestrados. Apenas se ressalta a garantia ser ineficaz frente ao anterior credor, que poderá levar o bem à hasta pública sem conceder preferência ao credor garantido. 

O § 1º do artigo em estudo, no dizer de Pontes de Miranda, trata da “pós-eficalização” da garantia real constituída a non domino (Tratado de direito privado. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1983, t. XX, p. 27). Impecável a redação do preceito no Código Civil de 2002. A garantia outorgada por quem não é dono, ao contrário do dito no Código de 1916, não se revalida, simplesmente por não ser inválida, mas apenas ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário. A regra tem estreita simetria com o disposto no CC 1.268, que trata da aquisição de coisa móvel a non domino, que ganha plena eficácia se for adquirida a posteriori pelo alienante. Não há, aqui, promessa de outorga de garantia, mas mera garantia ineficaz, que ganha, de modo automático e independentemente de qualquer outra emissão de vontade das partes, plenos efeitos se a coisa for adquirida pelo outorgante. Lembre-se, finalmente, do atual Código ter eliminado a indesejada menção da pessoa que “possuía a título de proprietário”. É absolutamente indiferente o outorgante possuir ou não o bem; basta, pela redação atual, a garantia recair sobre bem do qual não é o outorgante dono. 

O § 2° do artigo em exame corrige outra imperfeição do revogado Código Civil. Inicia o preceito enunciando regra de senso comum, de um condômino não poder, sem o consentimento dos demais, dar em garantia real a totalidade da coisa comum. É evidente não poder onerar - porque ineficaz - a parte ideal alheia da coisa comum. A novidade está na segunda parte do § 2º, dizendo poder o condômino onerar em garantia real sua parte ideal sem anuência dos demais condôminos. Se pode o condômino o mais, alienar sua parte ideal, pode o menos, dá-la em garantia real. O Código Civil de 1916, porém, exigia, se a coisa fosse indivisível, a anuência dos demais condôminos. A preocupação era com especialização da garantia e direito de preferência do art. 1.139 do Código Civil de 1916, correspondente ao CC 504 do Código Civil de 2002, que não se justificavam, pois a garantia pode recair sobre parte ideal, e a preferência somente seria exercida se a coisa comum fosse à hasta pública. O Código Civil de 2002 elimina a incorreção e permite que o condômino dê em garantia real sua parte ideal, quer o bem seja divisível, quer seja indivisível, sem necessidade de ouvir seus comunheiros. A questão de eventual preferência somente se revolverá no momento da alienação de parte ideal da coisa comum. 

Ressalte-se a existência de julgado do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “hipotecado o bem imóvel, não pode a penhora, em execução movida a um dos proprietários, recair sobre parte dele. Sendo indivisível o bem, importa indivisibilidade da garantia real” (STJ, REsp n. 143.804/SP, rel. Min. Waldemar Zveiter. No mesmo sentido, STJ, Ag. Reg. n. 198.099/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito). Tal posição, todavia, é frontalmente contrária ao teor do dispositivo ora comentado, que permite, de modo explícito, a hipoteca sobre parte ideal de coisa indivisível, sem anuência dos demais condôminos. Como adverte Gladston Mamede, o aresto implica o que a lei visa evitar, ou seja, que o gravame atinja todo o bem, lesionando direito de terceiros, em decorrência de obrigação assumida por só um dos condôminos (op. cit., p. 56). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.511-13. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo a versão de Guimarães e Mezzalira, a validade da garantia real depende da capacidade geral para os atos da vida civil e da especial para alienar, uma vez que a submissão do bem a esse regime pode resultar na sua alienação judicial.

 

A garantia ofertada pelo coerdeiro deve ser limitada à sua quota, sendo ineficaz se incidir sobre bem da herança considerado singularmente, podendo, todavia, produzir efeitos se o herdeiro cedente vier a ser contemplado como proprietário do aludido bem na partilha (Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil brasileiro, Volume V, 2010, p. 528).

 

Em se tratando de constituição de garantia real sobre coisa alheia, possível a sua revalidação nos casos em que o bem, em si mesmo, possa ser alienado, mas não poderia ter sido realizada pelo agente por não lhe pertencer. A garantia considerada ineficaz revigora-se com a ulterior aquisição do domínio.

 

Como requisito objetivo, estabelece o Código só os bens alienáveis podem ser objeto de penhor, hipoteca e anticrese. Bens fora do comércio, como os bens públicos, não podem ser objeto da garantia.

Súmula 364 do Superior Tribunal de Justiça: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.420 de 2002, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Quanto aos requisitos legais, aponta Wellington Cacemiro, emana do CC 1.420, regra basilar para o perfeito entendimento das hipóteses em que se aplicam os direitos reais de garantia. Pode-se afirmar, consequentemente, que o artigo citado estabelece dois requisitos distintos e relevantes para que haja, de fato, direito real de garantia. Objetivamente, par example, tem-se claro no texto que o bem penhorado, hipotecado ou oferecido em anticrese será, necessariamente, alienável (por alienável entenda-se o bem que se pode transferir para outrem o domínio ou a propriedade deste).

Já o segundo requisito (este de ordem subjetiva) refere-se ao fato de “somente quem é proprietário poderá oferecer o bem em garantia real” (Tartuce, 2015, p. 866). Nesse sentido adverte o jurista: “Não se pode esquecer que se o proprietário for casado, haverá necessidade de outorga conjugal (uxória ou marital) – em regra e salvo no regime da separação absoluta de bens -, para que o seu imóvel seja hipotecado ou oferecido em anticrese (CC 1.647, I). Isso, sob pena de anulabilidade do ato de constrição (CC 1.649). Além disso, exige-se a capacidade genérica para os atos de alienação (Tartuce, 2015, p. 866). É, admita-se, acepção didática “de per si”. Ajuda, obviamente, a estabelecer noção fundamental sobre o assunto.  (Wellington Cacemiro, onde o autor fala sobre o “Código Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, publicado em novembro de 2016 no site Jus.com.br, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.421. 0 pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação.

O artigo em exame disciplina um dos efeitos dos direitos reais de garantia: sua indivisibilidade. Francisco Eduardo Loureiro inicia seus comentários citando Cio Mário da silva Pereira, para quem a indivisibilidade se compreende em dois sentidos. No primeiro, significa sua adesão ao bem por inteiro e em cada uma de suas partes. O devedor não consegue eximir a coisa do ônus, sob argumento de excesso de garantia (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 330). Nada impede, por outro lado, o credor optar por penhorar apenas um ou alguns dos bens dados em garantia real. Além disso, o gravame abrange os acessórios da coisa, ressalvada a hipótese das pertenças, que devem constar do título. Em um segundo sentido, significa persistir a garantia real integralmente sobre o bem onerado, no caso de pagamento parcial da dívida, ainda que compreenda vários bens.

O art. 1.429 do Código Civil de 2002, adiante comentado, em complementação ao princípio da indivisibilidade da garantia real, veda ao herdeiro do devedor a faculdade de fazer a remição parcial da dívida, liberando os respectivos quinhões. Note-se, porém, a norma ser dispositiva, de tal modo que pode ser afastada por convenção em contrário contida no próprio título, admitindo a liberação parcial da garantia, na medida da redução da dívida. Deve constar do título quais bens serão liberados e em qual ordem, para evitar a preferência da liberação ficar a cargo do juiz; que, em tal caso, atenderá ao princípio da menor oneração do devedor.

Além disso, prevê a lei poderem, na própria quitação parcial, as partes liberarem determinado bem da garantia, ainda que não o tenham convencionado no título, fazendo menção de qual bem se trata. 

Lembre-se, finalmente, o CC 1.488, adiante comentado, criar importante exceção ao princípio da indivisibilidade, nos casos de imóveis loteados ou sobre os quais for instituído condomínio edilício. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.514. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


No lecionar de Guimarães e Mezzalira, no princípio da indivisibilidade o pagamento parcial da dívida não acarreta na liberação da garantia na proporção do pagamento, salvo disposição expressa no título ou na quitação. A coisa inteira continuará garantindo o restante da dívida. 

A indivisibilidade, contudo, não é da essência dos direitos reais de garantia, uma vez que o legislador admite convenção no sentido da exoneração parcial (Carlos Roberto Gonçalves, Direito das Coisas, 2010, p. 538). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.421 de 2002, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na amplitude do comentário de Wellington Cacemiro, não se pode negar que o legislador, ao formalizar a previsão normativa dos direitos reais de garantia, cuidou para simplifica-la. Pautando-se no que preceitua a melhor doutrina é possível conceituar os institutos do penhor, hipoteca e anticrese de forma bastante sucinta. 

Tome-se, por exemplo, definição de Nader. Apesar de eventuais distinções e conceitos próprios do autor, de modo geral, tem-se em sua obra pontos que merecem maior destaque pela acepção precisa à presente temática. Concernente aduz: A hipoteca é gravame incidente sobre imóvel que passa a garantir o crédito, permanecendo na posse do devedor. Igual função exerce o penhor, que recai sobre a coisa móvel e fica em poder do credor. A anticrese é instituto em desuso, que consiste na percepção, pelo credor, de frutos e rendimentos de imóvel que lhe é entregue pelo devedor para explorar e a fim de satisfazer diretamente o seu crédito. (Nader, 2016, p. 375). Consoante ao afirmado cabe breve delimitação sobre cada um dos institutos citados.

O penhor, trata-se do primeiro direito real de garantia sobre coisa alheia. Em regra estabelece-se na prática que serão dados como garantias bens móveis. Como presumível, não quitada a dívida, objeto do negócio jurídico, ocorre à transferência efetiva do bem do credor. Sobre o tema prelecionam Donizetti e Quintela: “O penhor consiste em modalidade de garantia real que recai sobre bem móvel, o qual é entregue pelo devedor ao credor, chamador de pignoratício. Apesar de o direito real ser constituído pela tradição (CC 1.431), a lei exige, ademais, que o instrumento do penhor seja levado a registro, por qualquer dos contratantes, devendo o penhor comum ser registrado no cartório de Títulos e documentos (CC 1.432). Nos casos dos penhores especiais – penhor rural, industrial, mercantil e de veículos -, as coisas objeto da garantia continuam na posse do devedor, o qual deve guarda-las e conservá-las, como depositário (CC 1.431, parágrafo único). Deve-se tomar muito cuidado com a terminologia, para jamais confundir o penhor, direito real de garantia, com a penhora, instituto do processo civil, nem o verbo correspondente ao penhor, empenhar, com o relativo à penhora, penhorar. (Donizetti; Quintela, 2016, p. 917).

Por fim, necessário destacar alguns pontos importantes. Primeiro, para todos os efeitos, até que a obrigação garantida pelo penhor seja integralmente cumprida, tem o credor o direito de reter a coisa empenhada ou parte dela. Segundo, o penhor se extingue por qualquer das causas elencadas no rol taxativo do CC 1.436. Por último, mas não menos importante, como emanado do texto supracitado pode haver penhor rural, penhor industrial e mercantil, penhor de veículos e, até mesmo, penhor de direitos e títulos de crédito.

Da hipoteca: não sem motivo a hipoteca é considerada “o direito real de garantia sobre coisa alheia com maior repercussão prática” (Tartuce, 2015, p. 873). Trata-se de modalidade de garantia real que recai, por regra, sobre bens imóveis, mas que também pode incidir sobre bens moveis. Neste caso consideram-se hipotecáveis aqueles enumerados pela vigente legislação.

Tartuce (2015, p. 873) lembra que, “por razões óbvias, a hipoteca deve ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis”. O autor adverte, citando Lacerda de Almeida, que hipoteca não registrada é hipoteca inexistente. 

Sobre tal instituto cumpre observar ainda com atenção o que ensinam Donizetti e Quintela: segundo o CC 1.473, pode a hipoteca recair sobre: bens imóveis, e acessórios dos imóveis, em conjunto com eles; o domínio direito; o domínio útil; as estradas de ferro; os recursos naturais a que se refere o CC 1.230; os navios; as aeronaves; o direito de uso especial para fins de moradia; o direito real de uso; a propriedade superficiária. O § 1º do dispositivo salienta que a hipoteca de navios e de aeronaves se regula por lei especial. No caso de hipoteca do direito real de uso ou da propriedade superficiária, o direito de garantia se limita à duração da concessão do uso ou do direito de superfície, se estes houverem sido transferidos por tempo determinado (CC 1.473, § 2º). O direito real de hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel, e não interfere nos demais ônus reais sobre o mesmo imóvel, constituídos e registrados antes dela própria (CC 1.474). No contrato em que se ajusta a hipoteca, não se admite cláusula que proíba ao proprietário alienar o imóvel hipotecado, mas pode-se estabelecer o vencimento antecipado da dívida, nessa hipóteses (CC 1.475, caput e parágrafo único). (Donizetti; Quintela, 2016, p. 923-4). 

Há que se ter em mente ainda que a legislação admite, com base no CC 1.476, a possibilidade de mais de uma hipoteca sobre o mesmo imóvel, não importando se em favor do mesmo credor ou de terceiro. 

Da anticrese – parte considerável da doutrina contemporânea entende tratar-se a anticrese de direito real de garantia em notório desuso, mantida no código vigente por eventual preciosismo do codificador, de modo semelhante ao que o foram outros institutos, como o uso e a habilitação. 

Divergências à parte, consiste a anticrese em modalidade de garantia que recai sobre a posse do imóvel. Esta é transmitida ao credor para que perceba os frutos e eventuais rendimentos da coisa como compensação da dívida. Neste sentido determina o caput do CC 1.506, que “pode o devedor ou outrem por ele, com a entrega do imóvel do credor, ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendimentos”.

Tartuce teve apropriada crítica ao explicar o instituto em pauta: “De fato, o instituto continua não tendo concreção na vigência da atual codificação, relevando-se uma categoria inútil e sem qualquer incidência prática. [...] Como se percebe, a anticrese está no meio do caminho entre o penhor e a hipoteca, tendo características de ambos. Com a hipoteca tem em comum o fato de recair sobre imóveis, como é corriqueiro. Do penhor, há a similaridade em relação à transmissão da posse. De diferente, a retirada dos frutos do bem. (Tartuce, 2015, p. 883).

Feitas tais explanação resta posto que, o que diferencia o penhor e a hipoteca da anticrese, é que, no caso dos dois primeiros, a garantia do credor emana da própria coisa alienável judicialmente caso o devedor não honre a obrigação contraída. Na anticrese, por sua vez, a garantia estará representada tão somente pela produtividade da coisa. (Wellington Cacemiro, onde o autor fala sobre o “Código Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, publicado em novembro de 2016 no site Jus.com.br, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).