Direito Civil Comentado – Art.
1.596, 1.597, 1.598
Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.
-
Parte Especial – Livro
IV – Do Direito de Família –
Subtítulo
II – Das Relações de Parentesco – Capítulo II
Da
Filiação - (Art. 1.596 a 1.606) –
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Iniciando o Capítulo II - “Da Filiação” -, nas palavras de Marco Túlio de Carvalho Rocha: A filiação é fenômeno cultural complexo relacionado a vínculos biológicos, socioafetivos e jurídicos.
O vínculo socioafetivo coincide com a posse de estado de filho quando aquele não resulta de fraude ou de violência. O “filho de criação” e o enteado não entram na posse de estado de filho, pois a inexistência do vínculo de filiação é notória (fato obstativo da posse). O enteado pode acrescer o sobrenome do padrasto ou madrasta se houver anuência destes (art. 57, § 8º, da Lei n. 6.015/73, com a redação dada pela Lei n. 11.924/09).
Com a descoberta da técnica de exame do DNA, ganhou força na jurisprudência a concepção “biologista”, segundo a qual a filiação é determinada exclusivamente pelos vínculos biológicos. Posteriormente, a jurisprudência passou a admitir que vínculos socioafetivos servem à constituição da filiação.
No tocante ao estabelecimento do vínculo, o Código Civil de 1916 continha restrições aos meios probatórios que foram consideradas revogadas pela Constituição de 1988, ao instituir a igualdade dos filhos (art. 227, § 6º). As repetidas pelo Código Civil de 2002 devem ser consideradas arbitrárias e, portanto, inconstitucionais, em razão do surgimento da técnica de exame do DNA (cf. CC 1.605, I e II; BOSCARO, Márcio Antonio, Direito de filiação, São Paulo: RT, 2002, p. 164).
As ações de filiação não têm natureza dúplice: de desconstituição e de constituição dos vínculos. O art. 348 do Código Civil de 1916 (correspondente ao CC 1.604, vigente) foi interpretado durante muito tempo como proibição de se ajuizar ação de investigação da filiação antes de se ter impugnado a filiação preexistente (WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 14. ed. são Paulo: Saraiva, 2002, p. 202). Atualmente, contudo, os tribunais têm admitido, por economia processual, a propositura concomitante das ações e até, impropriamente, a cumulação de pedidos (VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 101-103).
Embora sejam, tradicionalmente, consideradas declaratórias, as ações de estado são constitutivas (positivas ou negativas), podendo ter efeitos retroativos ou não (AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 300, p. 7-37, out. 1960, espec. p. 30-31).
Princípios constitucionais de maior relevância sobre a filiação: 1. a) Proteção estatal à família (art. 226, caput, CF); 2. b) Maior interesse da criança (art. 227, caput, CF); 3. c) Igualdade dos filhos (art. 227, § 6º, CF; CC 1.596); 4. d) Liberdade de planejamento familiar (art. 227, § 7º, CF).
Classificação da filiação: 1 a) Quanto ao estado civil dos pais: matrimonial (CC 1.597) ou não-matrimonial. 2 b) Quanto ao vínculo: natural ou civil (por adoção ou inseminação heteróloga). Entende-se que somente esta distinção é admissível no direito brasileiro, porque: b 1) a igualdade entre os filhos, diferentemente do que ocorre em outros países, é, no direito brasileiro, um direito fundamental que, como tal, deve ser interpretado no sentido da maior eficácia; b 2) a igualação atende melhor ao princípio da subsidiariedade, que assegura menor interferência estatal na família; b 3) não há mais a necessidade moral de se impedir o questionamento por terceiros dos filhos nascidos de pessoa casada; b 4) a igualação torna o direito mais operativo, evitando o choque da presunção pater is est com a presunção advinda do registro, em situações em que este é feito por outrem que não o marido da mulher; b 5)o art. 337 do Código Civil de 1916, que obrigava a regra pater is est, foi expressamente revogado pela Lei n. 8.560/92 e não foi reproduzido no Código Civil de 2002.
Classificação antiga: filhos legítimos, ilegítimos, naturais, espúrios, incestuosos e adulterinos a patre e a matre. Esta classificação tem valor histórico e encontra-se superada pelo princípio da igualdade dos filhos. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud Direito.com, comentários ao CC 1.596, acessado em 30.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Lecionando Milton Paulo de Carvalho Filho, A disposição em exame corresponde ao § 6º do art. 227 da Constituição Federal e tem por objetivo eliminar as distinções que se faziam entre filhos legítimos e ilegítimos. Entre os filhos havidos ou não do casamento e os adotivos há distinções, mas elas não autorizam divergência de direitos e efeitos. Também não se admitem discriminações entre uns e outros. Sílvio Rodrigues, porém, pondera a respeito do tema o seguinte: “Assim é que, para os filhos originados de uma relação conjugal, a lei estabelece uma presunção de paternidade e a forma de sua impugnação; para os havidos fora do casamento, criam-se critérios para o reconhecimento, judicial ou voluntário; e, por fim, para os adotados, são estabelecidos requisitos e procedimento para a perfilhação” (Direito civil. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 340, v. VI).
O conceito de entidade familiar foi reformulado na nova ordem constitucional, especialmente com base na doutrina moderna que define a família sob a visão das pessoas que dela fazem parte. Em estrita observância ao princípio da dignidade da pessoa humana e considerando exclusivamente os integrantes da família e os laços de afetividade que os envolvem, foram reconhecidos expressamente pela Constituição Federal de 1988 outros modelos de entidade familiar, além daquele decorrente do casamento: o núcleo formado pela união estável e a denominada família monoparental constituída por um dos genitores e seus filhos. Com referência às relações familiares e, especialmente, no tocante à filiação, identifica-se no Brasil de hoje a plena observância ao princípio da afetividade como uma espécie do princípio geral da dignidade da pessoa humana, que privilegia os laços sociais e afetivos, em contraposição aos vínculos de origem biológica ou genética, que eram, em outros tempos, os únicos critérios considerados para a constatação da filiação. Paulo Lobo assevera que a doutrina jurídica brasileira tem vislumbrado aplicação do princípio da afetividade em variadas situações do direito de família, nas dimensões: a) da solidariedade e da cooperação; b) da concepção eudemonista; c) da funcionalização da família para o desenvolvimento da personalidade de seus membros; d) do redirecionamento dos papéis masculino e feminino e da relação entre legalidade e subjetividade; e) dos efeitos jurídicos da reprodução humana medicamente assistida; f) da colisão de direitos fundamentais; g) da primazia do estado de filiação, independentemente da origem biológica ou não biológica (RBDFS 5/12-13, Magister).
Com efeito, do registro de nascimento constarão todas as informações apontadas como obrigatórias no art. 54 da Lei de Registros Públicos e anotadas de acordo com as declarações prestadas pelo pai da criança, sendo este o declarante. A filiação e o conteúdo das demais informações constantes do assento de nascimento são dotadas de presunção de veracidade, nos termos dos CC 1.603 e CC 1.604. Ao Estado e à sociedade interessam que o vínculo registrai seja mantido por ser o principal gerador de direitos e deveres, em razão da lei e da publicidade de que é revestido. Contudo, em alguns casos, ele poderá ser alterado, em razão do vínculo socioafetivo que, para ser reconhecido, necessita de ampla dilação probatória. A despeito da presunção de veracidade de que todos os dados existentes no assento de nascimento são dotados, a verdade registrai poderá não coincidir com a verdade biológica.
A parentalidade biológica é identificada pela herança genética recebida pela criança que foi gerada após a fecundação do óvulo pelo espermatozoide. O vínculo biológico surge, portanto, já no início da vida da criança ao receber os genes da mãe e do pai, por meio da união dos respectivos gametas. A paternidade genética pode hoje, pois, ser identificada por intermédio da utilização de avançadas técnicas científicas e de modernos exames laboratoriais que rastreiam e esclarecem a verdade biológica, muitas vezes, contrariando as informações existentes no registro de nascimento.
A parentalidade socioafetiva, por sua vez, não decorre de uma declaração, nem tampouco, de um fato biológico. Ela surge em razão da existência de estreitos laços afetivos e sociais que unem determinadas pessoas que se relacionam como entidade familiar, independentemente da correspondência com a verdade biológica ou aquela constante do assento de nascimento. A posse do estado de filho, como também é denominado o relacionamento socioafetivo, é reconhecida pela própria sociedade que identifica o vínculo parental pela observação daquele núcleo familiar que possui uma relação verdadeira entre pais e filhos ligados pelo amor, carinho, consideração, respeito e cumplicidade, importando direitos e deveres. A opção do legislador pela filiação socioafetiva se manifesta nos arts. 1.593,1.596, 1.597, V, 1.605 e 1.614 deste Código.
É possível concluir que a nossa legislação estabelece quatro tipos de estados de filiação, decorrentes das seguintes origens: 1) por consanguinidade; 2) por adoção; 3) por inseminação artificial heteróloga; 4) em virtude de posse de estado de filiação. Paulo Lobo ensina que a consanguinidade, a mais ampla de todas, faz presumir o estado de filiação quando os pais são casados ou vivem em união estável, ou ainda na hipótese de família monoparental, e que o direito brasileiro não permite que os estados de filiação não consanguíneos (itens 2, 3 e 4 acima) sejam contraditados por investigação de paternidade, com fundamento na ausência de origem biológica, pois são irreversíveis e invioláveis, no interesse do filho (ob. cit., p. 14).
No histórico consta do artigo em referência “preservam-se os direitos dos filhos concebidos na constância do, casamento, mesmo anulado ou nulo, independentemente da boa-fé ou da má-fé dos seus pais”. Retomando, em seguida, o projeto à Câmara, promoveu o Deputado Ricardo Fiuza reformulação no dispositivo, que restou acolhida em definitivo.
Ficando da seguinte forma grafado na Doutrina • O presente artigo repete, na íntegra, o disposto no Art. 227, § 6º , da Constituição da República de 1988, que, em preservação da dignidade da pessoa humana, veda as desigualdades entre os filhos.
• Esse preceito coroou uma longa e árdua evolução da sociedade e do direito, já que, durante muito tempo, filhos havidos fora do casamento não tinham os mesmos direitos dos oriundos de matrimônio civil, sendo excluídos da “cidadania jurídica”, em favor de uma falsa harmonia nas relações matrimoniais (cf. Luiz Edson Fachin, Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 15; e Zeno Veloso, Direito brasileiro da filiação e paternidade, São Paulo, Malheiros Ed., 1997, p. 7-1 1).
• No Código Civil anterior, classificava-se a filiação em legítima (resultante de casamento) e ilegítima (oriunda de relação extramatrimonial), sendo esta última natural (decorrente de relação extramatrimonial entre pessoas sem impedimento matrimonial), espúria (resultante de relação com impedimento matrimonial), adulterina (originária de relação entre pessoa casada com terceiro) e incestuosa (proveniente de relação entre parentes próximos).
• É vedada a classificação da filiação, feita no regime anterior, por ser discriminatória.
• Todos os
filhos, independentemente de sua origem, têm os mesmos direitos. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 812-13, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acessado em
30/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.597.
Presumem-se concebidos na constância do
casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
É entendimento de Milton Paulo de Carvalho Filho, que a regra em exame tem por objeto fixar critérios para tornar certa a filiação. O dispositivo foi alterado significativamente em relação ao Código Civil revogado, na medida em que não se restringiu às hipóteses de relação sexual. José de Oliveira Ascensão criticou o dispositivo ao afirmar que ele traz mais dúvidas do que soluções, uma vez que os seus incisos não tratam propriamente da filiação, mas de presunções de vínculos decorrentes do casamento.
O período da gravidez se inicia com a concepção e se encerra com o nascimento. Desse modo, de acordo com o inciso I do dispositivo em exame, os nascidos seis meses após o estabelecimento da convivência conjugal presumem-se concebidos durante o casamento. Esse prazo é o mínimo para o desenvolvimento da gestação. De todo modo, Arnaldo Rizzardo observa que “inexistindo impugnação de parte do marido da mãe, firma-se a paternidade” (Direito de família. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 416).
O sistema legal, por outro lado, afasta a presunção se o nascimento ocorrer antes do decurso do prazo de 180 dias contados do estabelecimento da convivência conjugal. Também se estabelece presunção de que a concepção se verificou na constância do casamento quando o filho nasceu menos de dez meses após sua dissolução (inciso II). O marco inicial para a fluência desse prazo deve ser a separação de fato. Tais presunções, contudo, não prevalecem em face da constatação biológica em sentido diverso. Tratando-se de presunção relativa, e levando em conta a evolução da ciência contemporânea a respeito do tema, haverá de prevalecer a constatação técnica a propósito da paternidade.
No inciso III do presente artigo, cuida-se da fecundação artificial homóloga, correspondente àquela que resulta da manipulação de gametas do marido (sêmen) e da mulher (óvulo). Tal procedimento depende do consentimento do marido enquanto ele viver (Lobo, Paulo Luiz Netto. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XV I, p. 50). Diversamente do que ocorre com a presunção prevista no inciso II do presente artigo, nessa hipótese a fecundação pode ocorrer mais de trezentos dias da dissolução do casamento. Nesses casos, será indispensável o consentimento expresso do marido.
Segundo o Enunciado n. 106 da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, “para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte”.
A hipótese tratada no inciso IV cuida dos embriões excedentários, i.é, aqueles que foram manipulados geneticamente, mas encontram-se armazenados sem, ainda, terem sido introduzidos no útero materno. A concepção de embriões excedentários só é admitida nos casos de fecundação homóloga, ou seja, em que os gametas sejam de pessoas casadas ou que vivam em união estável (Lobo, Paulo Luiz Netto. Código Civil comentado, v. XVI. São Paulo, Atlas, 2003, p. 52). Descumprida essa regra, o filho será juridicamente da mulher em cujo útero ele foi instalado e do marido dela, se ela for casada (idem). “Finda a sociedade conjugal, na forma do CC 1.571, a regra do inciso IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges, para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões” (Enunciado n. 107 da I Jornada de Direito Civil).
Finalmente, a última hipótese - inciso V - disciplina a inseminação heteróloga - aquela em que o gameta não é do marido -, possibilidade condicionada exclusivamente à autorização prévia deste. O dispositivo não exige nem mesmo que a autorização seja dada por escrito, bastando que seja prévia. Comprovada a autorização, o marido não poderá negar a paternidade, prevalecendo, mais uma vez, a paternidade socioafetiva. Note-se, ainda, que, embora o dispositivo faça referência expressa ao casamento, deve ser aplicado integralmente à união estável ( Lobo, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 59, v. XV I).
Sobre o presente dispositivo legal, as I e III Jornadas de Direito Civil do Centro de Estudos antes referido estabeleceram os seguintes Enunciados: n. 104: “no âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) de vontade no curso do casamento”; n. 105: “as expressões 'fecundação artificial’, ‘concepção artificial’ e ‘inseminação artificial’ constantes, respectivamente, dos incisos III, IV e V do CC 1.597 deverão ser interpretadas como ‘técnica de reprodução assistida’”; n. 257: “as expressões ‘fecundação artificial’, ‘concepção artificial’ e ‘inseminação artificial’, constantes, respectivamente, dos incisos III, IV e V do CC 1.597 do Código Civil, devem ser interpretadas restritivamente, não abrangendo a utilização de óvulos doados e a gestação de substituição”.
A doutrina prevê que a Lei de Biossegurança, n. 11.105/2005, trará inúmeros questionamentos acerca da filiação decorrente de inseminação artificial heteróloga, entre outros, o relativo à autorização de utilização de células-tronco pelos genitores do embrião (art. 5º, § Iº). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.753-54. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).
Partindo-se do histórico, a primeira versão deste artigo aprovada pela Câmara dos Deputados mantinha praticamente o mesmo texto dó projeto, com apenas dois incisos, e dizia: “presumem-se concebidos na constância da sociedade conjugal : I — os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal. II — os nascidos dentro nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial ou anulação”. Durante a tramitação no Senado, o dispositivo foi emendado, passando a redigir-se: “presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I — nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; lI — nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal; III — havidos por inseminação artificial, desde que tenha prévia autorização do marido”. Retornando, em seguida, o projeto à Câmara, promoveu o Deputado Ricardo Fiuza reformulação no dispositivo, que restou acolhida em definitivo.
Dessa forma, a Doutrina - o casamento gera a presunção da paternidade — pater is est quem nuptiae demonstrant — por presunção da coabitação e da fidelidade da mulher, ou, por outras palavras, porque a lei supõe relações sexuais entre os cônjuges e que a mulher as tenha tido somente com o marido (cf. Yussef Said Cahali, Dos alimentos, 3. cd., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 595).
• No entanto, a presunção constante do inciso II não faz qualquer sentido. A uma, porque a separação judicial, a nulidade do casamento e a anulação do casamento são, via de rega, precedidas de separação de fato entre os cônjuges , de modo que não podem os tenham havidos trezentos dias após as sentenças respectivas ser havidos presumivelmente como sendo do marido. A duas, porque, se o cônjuge simplesmente separado de fato pode constituir união estável (CC 1.723 § 1º) o filho havido da nova relação da mulher, nestas circunstâncias e diante deste dispositivo, será tido presumivelmente como de seu marido. Somente devem permanecer as presunções constantes dos incisos I, III, IV e V, com a sua devida renumeração. A presunção da paternidade em reprodução assistida é adequada aos avanços da ciência ocorridos nesta área. A palavra “fecundação” vem do latim — fecundatio, proveniente do verbo fecundare, que significa “fertilizar” —, sendo entendida como a fase de reprodução consistente na fertilização do óvulo pelo esperma. A palavra “inseminação” tem origem no verbo inseminare, composto por in — dentro — e semen — semente, de modo que significa a colocação do sêmen ou do óvulo fecundado na mulher No entanto, fecundação e inseminação, por meios artificiais, são utilizadas como expressões sinônimas. A fecundação ou inseminação homóloga é realizada com sêmen originário do marido, e a fecundação ou inseminação heteróloga é feita com sêmen de terceira pessoa. A fecundação ou inseminação artificial post mortem é aquela realizada com sêmen ou embrião conservado por meio de técnicas especiais, após a morte do doador do sêmen (v. Regina Beatriz Tavares da Silva, Responsabilidade civil do médico na inseminação artificial, in Responsabilidade civil médica, odontológica e hospitalar, coord. Carlos Alberto Bittar, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 33-57). Embrião é o ser oriundo da junção de gametas humanos, sendo que há basicamente dois métodos de reprodução artificial: método ZIFT, consistente na realização da fecundação fora do corpo da mulher (in vitm), e método GIFT, consistente na introdução de gameta. por meio artificial, no corpo da mulher, esperando-se que a própria natureza faça a fecundação. O embrião é excedentário quando é fecundado fora do corpo (in vitro) e não é introduzido prontamente na mulher, sendo armazenado por técnicas especiais (v. Mônica Sartori Scarparo, Fertilização assistida, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1991, p. 8-17; e Joaquim José de Souza Diniz, Filiação resultante da fecundação artificial humana, in Direitos de família e do menor, Belo Horizonte, DeI Rey, 1993, p. 46). O dispositivo traz solução às situações em que o filho é oriundo de fecundação ou inseminação artificial homóloga e heteróloga, inclusive após a morte do doador. Na fecundação homóloga considera-se, por presunção, filho do marido aquele concebido após a sua morte e aquele concebido a qualquer tempo sendo embrião (sedentário, e na fecundação heteróloga presume-se a filiação do marido desde que tenha havido o seu consentimento. Como acentua Zeno Veloso, “Seria antijurídico, injusto, além de imoral e torpe, que o marido pudesse desdizer-se e, por sua vontade, ao seu arbítrio, de fazer um vínculo tão significativo, para o qual aderiu, consciente e voluntariamente (Zeno Veloso, Direito brasileiro da filiação e da paternidade, São Nulo, Malheiros Ed., 1997, p. 151). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 813-14, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Nas considerações gerais, apostas por Marco Túlio de Carvalho Rocha, o anteprojeto do Código Civil foi elaborado numa época em que o Direito de Família ocupava-se essencialmente do casamento. As demais formas de família eram marginais. Essa diferenciação resultou em verdadeira discriminação da lei, ao considerar a filiação sob o prisma matrimonial.
A interpretação da lei, levando-se em conta os princípios constitucionais, deve partir do estabelecimento da maternidade, a respeito do qual o Código é omisso. Presume-se que a mãe seja sempre conhecida: mater semper certa est. É crime abandonar filho (arts. 133, 134 e 243 do Código Penal), mas a mãe pode entregar a criança, ao nascer, à Vara da Infância e da Juventude (art. 13. ECA).
O parto anônimo já foi uma prática comum: entre 1825 e 1950, 4.696 bebês foram deixados na roda dos expostos na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (Turismo hospitalar. Folha de São Paulo, 12.12.2010, Caderno Saúde, p. 13). O parto anônimo é lícito na França:
“Verdade que o CC 56 exige que todo nascimento seja objeto de uma declaração junto ao oficial do estado civil no prazo de três dias. No entanto, por certo não é necessário indicar o nome da mãe e, por consequência, o nome do pai (CC 57, I c/c CC 323, I). O oficial do estado civil não pode empreender investigações de ofício. Em tal caso, o recém-nascido será inscrito no registo de nascimento, como nascido de pais desconhecidos. O Código da família e de ajuda social prevê regras particulares para a mãe que deseja conservar de modo durável seu ‘segredo de maternidade’ (CC 41, III) e entregar, em seguida sempre de maneira anônima, seu filho à assistência pública” (Frank, Rainer. La signification differente attachée a la filiation par se sang em Droit Allemand et Français de la famille, p. 637). A maternidade é estabelecida mediante:
1 a) Declaração ao Oficial do Registro Civil (CC 1.603). É costume exigir-se do declarante a apresentação da “Declaração de Nascido Vivo” (DN), que as instituições de saúde estão obrigadas a fornecer ao Ministério da Saúde por força do art. 10, IV, do ECA. Tal documento, no entanto, não é legalmente necessário para o registro; 2 b) adoção; 3 c) Investigação judicial. O CC 1615 menciona essa possibilidade. O art. 364 do Código Civil de 1916, que cerceava a ação de investigação de maternidade não tem correspondente no Código Civil de 2002. Prazo de registro do nascimento: 15 dias (que pode ser ampliado até 3 meses e acrescido de 45 dias; art. 50 c/c art. 52, Lei n. 6.015 – Lei dos Registros Públicos).
Ordem dos declarantes (art. 52): 1º) pai; 2º) mãe; 3º) parente mais próximo; 4º médicos e administradores de hospitais; 5º) pessoa idônea; 6º) pessoas encarregadas da guarda do menor.
O oficial pode verificar a existência do recém-nascido, diretamente ou por meio de atestado médico ou de testemunhas. Após o prazo de declaração, o oficial pode requerer ao juiz o esclarecimento do fato (art. 52, § 1º e § 2º, Lei n. 6015).
Se a mãe não for conhecida aplicam-se à criança as medidas de proteção previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90, arts. 98, 101, 90-97, 102).
Tradicionalmente,
presume-se que o filho matrimonial tem como pai o marido de sua mãe: pater
is est quem nuptiae demonstrant ou
simplesmente pater is est.
No entanto, como assinala Luiz Felipe Brasil Santos, a Lei n. 8.560/92 revogou o art. 337 do CC/1916, que consagrava a presunção pater is est e não há no CC/2002 nenhum dispositivo equivalente ao art. 337 do CC/1916, razão pela qual entendeu o autor que a presunção está revogada (Santos, Luiz Felipe Brasil. A incerteza da paternidade (certa): a presunção pater es está abolida. Boletim IBDFam, n. 31, ano 5, mar/abr. 2005, p. 5).
A presunção de que o filho é matrimonial possibilita o registro do filho em nome do marido da mulher, independentemente de manifestação deste. Se se admitir a revogação da regra, como se impõe, os filhos matrimoniais, tal como os não-matrimoniais somente devem ter o reconhecimento da paternidade mediante reconhecimento voluntário ou forçado.
2. Favor matrimonialis. O legislador parte da presunção de que o prazo mínimo de gravidez viável é de 180 dias. Portanto, se uma mulher dá à luz 180 dias após ter se caso é possível que o filho tenha sido concebido durante o casamento. Na ultrapassada tradição que inspirou o Código civil, o legislador dá a este filho a condição de filho matrimonial (favor matrimonialis).
3. 300 dias é o tempo máximo de gravidez admitido pelo legislador. Assim, se um filho nasce da mulher até o referido limite temporal após a dissolução da sociedade conjugal, é possível que a concepção tenha ocorrido dentro do casamento. Por esse motivo, o legislador estende a ele a presunção de filho matrimonial.
4. Filhos provenientes de fecundação homóloga. Fecundação homóloga é a realizada com o material genético do próprio casal. Óvulo e espermatozoides pertencem ao próprio casal. Filho nascido em tais condições é considerado filho do casal. O dispositivo é falho. Ele se situa em artigo relativo à presunção da paternidade matrimonial. Sobre filho concebido em circunstâncias, no entanto, nenhuma presunção pode ser estabelecida. Presunção é forma de raciocínio que permite afirmar uma realidade desconhecida a partir de uma realidade conhecida. Nascida uma criança, quanto mais depois de morto o marido, ultrapassado o prazo de 300 dias do inciso anterior, nenhuma presunção se pode estabelecer quanto a ser o falecido seu genitor. Será necessário exame genético que comprove o vínculo. Portanto, presunção não haverá.
5. O dispositivo é duplamente falho. A “concepção artificial homóloga” deve ser provada, o que afasta a presunção. Além disso, a hipótese está incluída na do inciso III, que, igualmente, é írrita, por não traduzir nenhuma hipótese de presunção.
6. Filhos provenientes de reprodução assistida heteróloga. A reprodução heteróloga ocorre com a utilização de material genético de terceiro: a doação de óvulo ou de sêmen, uma vez que a doação seja aceita pelo casal, marido e mulher assumem a condição de pais. Não é, tampouco, caso de “presunção”, mas decorrência da autonomia da vontade legalmente reconhecida. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud Direito.com, comentários ao CC 1.597, acessado em 30.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.598. Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do CC 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1.597.
Não endossando o artigo em comento, Marco Túlio de Carvalho Rocha comenta que a presunção de que os nascidos durante o casamento são filhos do marido da mulher possibilita que haja um choque quando ocorra a contração de novo vínculo matrimonial pouco tempo após a extinção do matrimonio anterior.
Se uma mulher torna-se viúva, vem a se casar com menos de 300 dias do casamento anterior e dá à luz criança após o matrimonio completar 180 dias as presunções de filiação em favor do primeiro e do segundo maridos se chocam. O primeiro será, presumivelmente, o pai, porque, o filho terá nascido antes de 300 dias da dissolução do casamento (CC 1.597, II); o segundo será presumivelmente o pai, porque terá nascido após mais de 180 dias do início de seu casamento (CC 1.597, I).
A esse choque de presunções dá-se o nome de turbatio sanguinis, ou confusão de sangue. O CC 1.598 visa estabelecer critério para solucionar esse conflito: a filiação será atribuída ao primeiro marido se não ultrapassados os 300 dias desde a dissolução do primeiro casamento.
A solução legal coaduna com a causa suspensiva do casamento prevista no CC 1.523, II, que tem justamente a finalidade de impedir a confusão de sangue, tanto que o parágrafo único deste artigo permite o casamento mediante prova de não-gravidez ou do nascimento de filho.
As presunções de paternidade previstas nos incisos I e II do CC 1.597 têm por base o estabelecimento do vínculo de filiação segundo o parâmetro biológico. A facilidade de verificação do liame biológico mediante teste de DNA tornou esse sistema de presunções arcaico. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud Direito.com, comentários ao CC 1.598, acessado em 30.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Igualmente a dúvida de Milton Paulo de Carvalho Filho, ao comentar o CC 1.598. O dispositivo visa estabelecer presunções que solucionem eventual conflito a respeito da paternidade de criança nascida de mulher viúva ou separada judicialmente que volte a se casar. Se a mulher se casar novamente antes de dez meses contados de sua viuvez, anulação ou declaração de nulidade (art. 1.523, II, do CC), presumir-se-á que o filho que vier a ter é de seu primeiro marido, se nascer dentro de trezentos dias posteriores ao falecimento deste. Caso venha a nascer após esse prazo, e ultrapassados 180 dias do estabelecimento da nova convivência conjugal (CC 1.597, I), a presunção será de que o filho é do segundo marido. Embora o dispositivo só mencione a presunção de paternidade no caso de nascimento posterior a trezentos dias do falecimento do primeiro marido, como o CC 1.523, II, que também se refere à separação, é de se considerar excluída a presunção também se tratar de invalidação.
Não se pode deixar de notar que o sistema de presunção não prevalecerá diante da prova técnica, que, nos tempos atuais, permite com segurança identificar a paternidade sem necessidade de partir de critérios meramente originados de presunção. A investigação do DNA, por exemplo, pode conferir praticamente 100% - mais exatamente 99,99% - de certeza ao reconhecimento ou à exclusão da paternidade, conforme observa Arnaldo Rizzardo (Direito de família. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 489). No mesmo sentido é a lição de Quo Mário da Silva Pereira: “Quer dizer: não poderá ser admitida a relação jurídica da paternidade em face de concluir a prova científica pela impossibilidade da filiação biológica” (Reconhecimento de paternidade e seus efeitos, 3. ed. Rio de Janeiro, Forense, p. 125). Arnaldo Rizzardo também observa com acerto que “o Código de 2002, primando pela objetividade, dá ensejo à prova da impossibilidade da concepção através da relação com o marido ou o companheiro porque inexistia a união na época, ou porque presente qualquer fator impossibilitante da relação sexual” (op. cit., p. 425).
A presunção oriunda desse dispositivo não incide nos casos de fecundação artificial homóloga, com a utilização do sêmen do primeiro marido, nos casos em que ela se verificar após trezentos dias contados de sua morte. Do mesmo modo, não se aplica aos casos em que a concepção se dá após trezentos dias da dissolução da sociedade conjugal com embriões excedentários. A norma em exame deve ser aplicada em relação às uniões estáveis, na medida em que elas também podem dar origem ao conflito de paternidades entre duas uniões, ou entre uma união posterior a um casamento, ou a um casamento posterior a uma união. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.758. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).
Em sua Tese “Da prova dos negócios jurídicos”, Gilmar Ferreira Mendes, atesta as presunções legais dividirem-se em presunção relativa ou presunção absoluta: no primeiro caso, também chamada presunção iuris tantum, admite-se a prova em sentido contrário; no segundo, também denominada presunção iuris et de jure, não se afigura suscetível de refutação. O art. 1597 do Código Civil consagra regras relativas à presunção de paternidade, estabelecendo que presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos (a) nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; (b) nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação de casamento; (c) havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; (d) havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga; (e) havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. O CC 1598 estabelece, ainda, que “salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do CC 1.523 -- dez meses --, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo marido, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do CC 1.597 -- cento e oitenta dias.” Os artigos 1.599, 1.600 e 1.602 contêm, igualmente, normas ligadas à presunção da paternidade e à sua eventual superação: -- A prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide a presunção de paternidade (CC 1.509); -- Não basta o adultério da mulher , ainda que confessado para ilidir a presunção legal de paternidade (CC 1.600); -- Não basta a confissão materna para excluir a paternidade (CC 1.602). Outras vezes, a lei, mediante norma de caráter interpretativo, consagra a negação da presunção. É o que se verifica no CC 265, segundo o qual a “solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”.
Como
se pode depreender, o novo Código Civil brasileiro manteve a tradição da
disciplina da matéria relativa às provas também no direito material. É inegável
que o direito civil continua a ter, na expressão de Konrad Hesse, significado
especial para a preservação e a garantia da personalidade do homem, para sua
autodeterminação e responsabilidade própria. É certo, porém, que esses valores
desenvolvem-se hodiernamente dentro de marcos institucionais muito mais claros,
como princípio da dignidade humana, o devido processo legal, a liberdade de
exercício profissional, o direito de não se incriminar e outros. Tal como
observa Hesse, a autonomia privada e sua manifestação mais importante - a
liberdade de contratar -, encontram seus fundamentos e seus limites na própria
ideia de personalidade. Elas pressupõem a igualdade jurídica e fática dos
interessados. Na ausência desses pressupostos, a autonomia privada de um conduz
à falta de liberdade do outro. Assim, cabe à regulação estatal especial e à
própria interpretação estabelecerem o necessário equilíbrio entre polos em
eventual ou inevitável tensão dialética. Parece inegável que a disciplina sobre
as provas do negócio jurídico no Código oferece rara oportunidade ao intérprete
de buscar a aplicação equilibrada dos diversos princípios em jogo. (Gilmar
Ferreira Mendes, tese defendida em slides “Da prova dos negócios jurídicos”,
no site www.portaldeperiod cos.idp.edu.br comentário
relativo ao CC 1.598, acessado em
30.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).