segunda-feira, 5 de abril de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.605, 1.606 Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.605, 1.606

Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.

-  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Subtítulo II – Das Relações de Parentesco – Capítulo II

Da Filiação -  (Art. 1.596 a 1.606) –

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Art. 1.605. na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito:

I – quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente;

II – quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.

Historicamente, o dispositivo foi alterado no Senado Federal, de modo a suprimir a expressão “legítima”, que qualificava a filiação, no texto do projeto original, cujo caput era o seguinte “Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação legítima por qualquer modo admissível em direito”.

Ao comentar em sua Doutrina o Relator Ricardo Fiuza, a emenda senatorial retirou a designação de legítima dada à filiação, em adequação ao disposto no art. 227, § 6º, da Constituição Federal, que veda as designações discriminatórias no âmbito da filiação. 

• Este dispositivo está em desacordo com o princípio da verdade real nas relações de filiação, pois o reconhecimento forçado da paternidade ou da maternidade, ainda com o advento do exame de DNA, independe de “começo de prova por escrito” ou de “veementes presunções resultantes de fatos já certos”, devendo ser eliminados os incisos, deixando-se somente o seu caput.

• Sugestão legislativa: Pelas razões antes expostas, apresentou-se ao Deputado Ricardo Fiuza proposta para alteração do dispositivo, acrescentando, na redação sugerida, à falta e ao defeito, o erro e a falsidade, já que o dispositivo deve ter a abrangência necessária: CC1.605. Na falta, defeito, erro ou falsidade do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 818, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 05/04/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Os autores Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira trazem em seu comentário como dispositivo inconstitucional. Segundo eles, a regra deste artigo proveio do Código Civil de 1916 e visava a restringir a investigação do vínculo de filiação contra pessoas casadas. O Direito de Família visava à proteção da família matrimonial. Era considerado ofensivo à honra de pessoas casadas e, principalmente, da mulher, a atribuição de filhos adulterinos ou naturais. O CC 1.605 cuida, portanto, de restrição dos meios de prova. Somente admite a ação se houver começo de prova por escrito, proveniente dos supostos pais ou quando existirem presunções veementes, o que ocorria, por exemplo, com a coabitação. A regra viola a igualdade dos filhos (art. 227, § 6º) e o próprio princípio da dignidade da pessoa humana, no âmbito do qual se insere o direito de investigar o vínculo de filiação (Boscaro, Márcio Antonio. Direito de filiação. São Paulo: RT, 2002, p. 164). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.605, acessado em 05.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Apreciado no site jusBrasil.com, o artigo de Camila Lavaqui, publicado em ago/2020, com o título “Direito à filiação e à origem genética”, lembra a autora muito se falar no Direito de Família brasileiro, sobre o conflito entre a filiação biológica e a filiação socioafetiva. Certo é dizer que, apenas nos últimos anos, a segunda passou a ser considerada de maneira séria pelos juristas. Até então, na maioria dos casos, se resolvia em benefício da primeira.

Com as constantes transformações do Direito de Família, os direitos da personalidade se consolidaram de maneira que são voltados à tutela do que cada pessoa humana tem como mais íntimo e próprio, atributos inerentes e inatos. Assim, distintos são os universos dos direitos e deveres de cada um e os direitos da personalidade. Nessas condições, a origem genética perdeu seu papel como legitimadora da filiação e passou a pertencer ao universo dos direitos da personalidade.

Dessa foram, o estado de filiação se separa da origem biológica para que abranja essa e qualquer outra origem. Pode-se dizer, portanto, que o estado de filiação é gênero, enquanto a filiação biológica e não biológica são espécies. De tal maneira, não há espaço para confusão entre os dois institutos, como por diversas vezes vimos pelos tribunais. O fascínio pelos avanços científicos de testes de DNA não deve ser razão para tal desvio, uma vez que a própria Constituição Federal estabelece entendimento oposto, quando abriga abrangentemente o estado de filiação de qualquer natureza, sem hierarquia de nenhuma forma.

Nesse sentido, pode-se definir filiação como um conceito relacional, i.é, é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, sendo uma delas considerada filha(o) da outra (seja pai ou mãe). O estado de filiação, portanto, é o que estabelece os direitos e deveres mútuos, oriundos da qualificação jurídica dessa relação, sendo o filho o titular do direito e os pais do estado de paternidade/maternidade.

O estado de filiação, logo, se constitui em razão da posse de estado, por força de uma convivência familiar, que esteja consolidada da afetividade. Assim, quando se fala de filiação jurídica, esta possui sempre natureza cultural, e não necessariamente natural, seja ela biológica ou não.

Por força da lei, fundamentando-se no artigo 227 da Constituição Federal, e nos CC 1.593, 1.596 e 1.597, consideram-se estados de filiação: a) não biológica em face de pai que autorizou a inseminação artificial heteróloga; b) não biológica em face de ambos os pais, oriunda de adoção regular; ou em face do pai/mãe que adotou exclusivamente o filho; e c) biológica em face de ambos os pais, havida de relacionamento entre eles, ou em face do único pai/mãe, nos casos de famílias monoparentais. Nessas condições, são presumidas a afetividade e a convivência familiar, mesmo que, na realidade, não existam. Ainda, em qualquer das hipóteses, o estado de filiação poderá ser substituído, caso o filho seja adotado por outros pais.

Sobre os estados de filiação não biológica (hipóteses a e b), esses são invioláveis e irreversíveis. Assim, não podem ser contestados por investigação de maternidade/paternidade com fundamento na origem biológica, sendo que esta última só poderá ser objeto de pretensão com fins de tutela de direito da personalidade.

Os métodos de reprodução humana assistida, principalmente a inseminação artificial heteróloga (quando se utiliza o material genético de um terceiro), estão aí para fortalecer a natureza socioafetiva da filiação e da paternidade.

Na inseminação artificial heteróloga, a única exigência legal é que o marido autorize previamente o procedimento. Não é necessário que esse tenha algum problema de reprodução. Ainda, a autorização não precisa ser escrita, bastando a manifestação prévia, podendo esta ser verbal. Dessa forma, se o marido autoriza a inseminação, não pode, futuramente, negar a paternidade em razão da origem genética, tão pouco será admitida ação de investigação de paternidade – principalmente quando falamos de doação anônima. O marido é, portanto, legalmente considerado pai natural da criança concebida. Fica resguardado, dessa forma, o doador anônimo. 

Nessa lógica, Maria Helena Diniz se manifesta no sentido de que, caso fosse admitida a impugnação da paternidade, existiria uma paternidade incerta, considerando-se o anonimato do doador do sêmen, bem como o sigilo profissional do médico responsável pelo procedimento. 

A partir daqui, passa-se a falar sobre a posse do estado de filiação. Essa constitui-se no momento que uma pessoa toma o lugar de filho em face daquele(s) que assume(m) o papel de pai/mãe, podendo ou não possuir entre si, vínculo biológico. Daí, o CC 1.605 com enunciado genérico, abrangendo as diversas hipóteses existentes a respeito dos arranjos familiares, quando há falta ou defeito do termo de nascimento.

Percebe-se que a norma não se refere à origem biológica, e nem poderia, bastando a aparência dos papeis sociais de pai/filho, quando houver começo de prova por escrito ou quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos. Ainda, as presunções de que trata o códex são relativas, i.é, verificadas caso a caso. A lei não exemplifica as espécies de presunção possíveis. 

Ainda, jurisprudencialmente, configuram posse de estado de filiação a adoção de fato, qual seja, os filhos de criação e o que chamamos de “adoção à brasileira” (da qual será falado em outro artigo, situações essas que muitas vezes se convertem a guarda.

O estado de filiação geral encontra guarita tanto no Código Civil, como na Constituição Federal. A título de exemplo, o art. 227, § 6º, CF, declara que todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem – o que coloca a adoção, como escolha afetiva, integralmente ao plano da igualdade de direitos. Já o artigo 226, § 4º, CF, diz que a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família, constitucionalmente protegida, sendo irrelevante a origem ou a existência de outro genitor. Já o art. 277, também da CF, resguarda à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar (e não à origem genética), como prioridade absoluta. 

Nesse diapasão, tem-se o  CC 1.569 reproduzindo a regra trazida no art. 227, § 6º, CF, que diz respeito à igualdade entre filhos de qualquer natureza. Tem-se, também, o CC 1.593, que se refere ao parentesco natural ou de origem, superando, novamente o paradigma discriminatório do laço biológico. 

Em tempo, não se pode olvidar que as lides nesse sentido devem ser sempre resolvidas à luz do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (consagrado nos artigos 4º e 6º, do Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA). Assim, a aplicação da lei deve sempre priorizar o princípio aqui mencionado, de maneira que crianças e adolescentes sejam tratados como sujeitos de direito e não mais como objeto passivo. Dessa forma, os conflitos são resolvidos colocando-se na lupa os interesses do filho, e não o dos pais, como ora se fazia.

Ainda, a mudança da legitimidade para a afetividade quando tratamos de estado de filiação, muda a função da presunção pater is est. Ela deixa de presumir a legitimidade do filho por conta do matrimonio dos pais e passa a presumir a paternidade em razão do estado de filiação, independentemente de sua concepção ou origem.

A impugnação ou contestação da paternidade são tidos como direitos personalíssimos do marido da mãe. Assim, ninguém mais poderá impugnar a paternidade (nem mesmo o filho, ou a mãe). Durante a vigência do Código Civil de 1916, tinha-se a contestação da legitimidade dos filhos, e não da paternidade. Por sua vez, a legitimidade dos filhos era fundada na família constituída pelo casamento e na origem biológica. Hoje, a presunção reconfigura-se no estado de filiação, passando a decorrer da convivência familiar e da construção progressiva da relação afetiva.

Destarte, o pai biológico não possui direito de ação contra o pai não-biológico, buscando impugnar sua paternidade. Frisa-se que apenas o marido da mãe da criança pode impugnar a paternidade, quando a constatação da origem genética (DNA) diferente da sua provocar uma ruptura da relação entre pai e filho. Caso tal ruptura não aconteça e os laços afetivos superem a diferença genética entre os dois, ninguém poderá impugnar a paternidade para priorizar a paternidade biológica.

Mister salientar, ainda, que o direito de impugnação do estado de filiação é imprescritível, podendo o marido da mãe impugnar a qualquer tempo a paternidade derivada da presunção pater is est. Contudo, ainda que imprescritível, a fundamentação para impugnação da paternidade não pode ser somente a origem genética, vez que conflitaria com o estado de filiação já constituído.

Dessa maneira, a qualificação da paternidade (ou a omissão dela), depende de estar a mãe casada ou não, de sentença que estabeleça ou desconstitua a paternidade, de reconhecimento voluntário etc. não interessa a historia natural das pessoas, mas sim apenas a sua história jurídica.

Logo, pode-se concluir que o estado de filiação decorre pura e simplesmente da estabilidade dos laços afetivos construídos no cotidiano. Não tem a ver, contudo, com o direito à origem genética. Tem-se, na realidade duas situações distintas: enquanto o estado de filiação é natural do Direito de Família, o direito à origem genética enquadra-se como direito da personalidade.

Não é necessário, portanto, que seja feita investigação de paternidade para que seja resguardado o direito à origem genética. O objeto da tutela é assegurar o direito da personalidade, considerando que, atualmente, é de suma importância saber o histórico de saúde dos ascendentes, para que seja protegida a própria vida.

Então, desnecessária a atribuição de paternidade a um individuo, apenas para que aquele que foi gerado por inseminação artificial heteróloga ou aquele que foi adotado, por exemplo, tenha o direito de conhecer seus ascendentes mais próximos.

Apenas nos casos em que inexista estado de filiação, a origem biológica desempenha papel de extrema relevância, a fim de reconhecer a paternidade ou maternidade, cujos laços não tenham se constituído de outra maneira (inseminação artificial ou adoção, p.e.). Entretanto, é inadmissível que sirva de base para vindicar um estado de filiação novo, ignorando o já existente. 

Toda pessoa tem, portanto, direito fundamental de vindicar sua origem biológica, para que possa adotar as medidas preventivas cabíveis para que sua saúde e vida sejam preservadas. Esse direito é caracterizado como individual e personalíssimo, e independe de inserção do individuo na família biológica para ser tutelado ou protegido.

Nesse sentido, em 2011 houve o julgamento do Recurso Extraordinário 363889, pelo Supremo Tribunal Federal, que concedeu a um jovem o direito de pleitear novamente de su suposto pai a realização de exame de DNA, depois de já extinto (em primeira instância) um processo de investigação de paternidade, por falta de provas, pois a mãe não podia arcar com as custas do exame. No RE , o relator (Ministro José Dias Toffoli) disse que o trânsito em julgado do processo ocorreu de maneira irregular, pois o Estado deveria ter custeado o exame necessário. Ao não realizar, inviabilizou o exercício de um direito fundamental, i.é, o de origem genética. Assim, não deveria a coisa julgada prevalecer sobre o direito fundamental inerente a personalidade.

Chegou-se, então, em um ponto crucial de distinção entre pai e genitor/procriador. O famoso clichê quanto vê-se por aí é verdadeiro: pai é quem cria. Quem gera é genitor.

Dessa forma, o direito à origem genética não se confunde com investigação de paternidade, e não significa, necessariamente, direito à filiação. A origem genética apenas poderá interferir nas relações familiares como meio de prova para reconhecer judicialmente a paternidade/maternidade. Ainda, apenas será admitida como meio de prova para contestação, nos casos em que não houve estado de filiação constituído. Caso exista, a origem genética jamais irá negá-lo. (Camila Lavaqui, Advogada inscrita na OAB/SP sob nº 429.001. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito. Publicado em ago/2020, com o título “Direito à filiação e à origem genética”. Em referência o CC 1.605, acessado em 05.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.

Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continua-la, salvo se julgado extinto o processo.

No dizer de Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a princípio, o CC 1.606 dirige-se aos filhos não matrimoniais, porque, tradicionalmente, os filhos matrimoniais gozam da presunção de filiação em relação ao marido da mulher que o deu à luz. A consequência prática dessa presunção é a de permitir que o filho da mulher casada tenha a paternidade declarada por quem vier a solicitar o seu registro. O filho matrimonial, portanto, não tem a necessidade de fazer prova da sua paternidade.

O dispositivo restringe a legitimidade para a ação de investigação ao próprio suposto filho e a seus herdeiros. Estes, no entanto, somente são legitimados para o exercício da ação se o suposto filho tiver morrido menor ou incapaz.

Há razão ética para tanto. Os vínculos de filiação são normativos. Não são de natureza biológica nem tampouco socioafetiva. Os elementos biológicos, sociais e afetivos são sopesados pelo legislador segundo valores relevantes da vida social.

No caso, importa o respeito ao direito de o suposto filho recusar vínculo de filiação que não foi assumido voluntariamente pelo suposto pai durante a sua menoridade. Decorre da dignidade da pessoa humana o direito de recusar vínculo que não foi estabelecido durante uma longa fase da vida em que a pessoa mais necessita dos cuidados de seus genitores e que é a mais propícia para a formação do vínculo socioafetivo. Desacompanhado de vínculo socioafetivo, na ausência de interesse do genitor e do próprio suposto filho, resta o vínculo genético destituído de significado humano, próprio do Direito de Família. Restam os efeitos meramente patrimoniais, relacionados à herança. É, por isso, constitucional a restrição feita pelo artigo à legitimidade ativa dos herdeiros do suposto filho para ajuizar ação que visa ao reconhecimento jurídico do vínculo de filiação, somente o permitindo se o suposto filho tiver morrido em estado de incapacidade, por qualquer de suas causas, e, portanto, sem o poder de manifestar por si o interesse no referido reconhecimento. 

Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça já admitiu a investigação judicial pelos netos contra o avô, após falecido o filho (REsp n. 269-RS, Relator Min. Waldemar Zveiter, DJU, 07.06.90). A referida decisão foi reafirmada no julgamento da Ação Rescisória n. 336 (STJ, AR 336-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 24.08.2005, RBDFam 32/130).

Cautelar. Ilegitimidade ativa e impossibilidade jurídica de pretensa neta, com pai vivo e já sucumbente em outras demandas, postular a realização de exame de DNA para instrução de futura demanda voltada à constituição de Relação de Parentalidade.

A Turma, por maioria, entendeu aplicar o CC 1.606 ao caso, concluindo pela ilegitimidade ativa da neta para ajuizar ação de produção antecipada de provas, em detrimento de pretenso avô, por se encontrar vivo o seu genitor, ausente legitimação concorrente entre classes de graus diferentes para postularem o reconhecimento de parentalidade, havendo apenas legitimação sucessiva e a partir da extinção da geração mais próxima do investigado. A turma também concluiu pela impossibilidade jurídica do pedido, tendo em vista a expressa proibição legal à sua dedução, conforme se retira do mencionado art.. 1.606, parágrafo único, do CC, em ração de o progenitor da investigante ter promovido demandas anteriores nas quais não conseguiu provar a relação de descendência biológica, não afasta a aplicação do dispositivo, pois os descendentes mais remotos não estão autorizados a promover ação própria voltada ao reconhecimento do parentesco quando, em anterior processo, ascendente imediato e integrante de geração mais próxima não foi reconhecido como parente do investigado. No entender da maioria, a ausência de prova cabal legitima o pai da recorrente a ajuizar uma nova ação para relativizar os provimentos jurisdicionais que não o reconheceram como filho do ora recorrido, uma vez que suas ações foram julgadas improcedentes, sem a realização do exame de DNA, e, segundo o entendimento mais recente da Suprema Corte, pode ser reinaugurada essa discussão, exatamente nos casos em que, nos julgados de improcedência anteriores, não foi efetuado o exame do DNA. (STJ. REsp 876.434-RS, Rel. originário Min. Raul Araújo, rel. para o acórdão Min. Marco Buzzi, julgado em 01/12/2011). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.606, acessado em 05.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Historicamente, o presente dispositivo, no texto original do projeto, mantido inicialmente pela Câmara dos Deputados, correspondia a dois artigos, pelos quais “A ação de prova de filiação legítima compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz”, e, “Se tiver sido iniciada a ação pelo filho, poderão continuá-la os herdeiros, salvo se o autor desistiu, ou a instância foi perempta”. Durante a tramitação no Senado foram fundidos esses dispositivos, que passaram a ter a seguinte redação: “A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz. Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se tiver ocorrido desistência, ou se julgado extinto o processo”. Posteriormente, quando do retorno do projeto à Câmara, foi acolhida a supressão da referência à “desistência” do feito, já abrangida pela “extinção do processo”, conforme proposta do Deputado Ricardo Fiuza.

Em sua doutrina, o Deputado Ricardo Fiuza, nos termos do art. 485, VII, do Código de Processo Civil, realmente havia redundância na referência à desistência, quando o dispositivo previa a extinção do processo. 

Se qualquer pessoa, com justo interesse, pode contestar a ação de investigação da paternidade, nos termos do CC 1.615, às pessoas com legítimo interesse deve ser facultada a propositura de ação de investigação da paternidade (v. Regina Beatriz lavares da Silva, Reflexões sobre o reconhecimento da filiação extramatrimonial, Revista de Direito Privado coord. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 1, jan./mar 2000, p. 76). 

• É evidente que a ação de investigação da paternidade ou da maternidade não pode caber, indiscriminadamente, a qualquer pessoa. No entanto, a legitimidade ativa não pode ficar restrita ao filho uma vez que sua relação é estabelecida com outra pessoa, o seu genitor, que também deve ter essa legitimidade.

• Por essas razões, deve tal ação caber a quem tem legítimo interesse na demanda: filho e também pai e mãe biológicos.

• Sugestão legislativa: Pelos fundamentos expostos, apresentou-se ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para alteração deste artigo, o qual, uma vez aprovada a proposta pela Câmara dos Deputados, passaria a redigir-se: CC 1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz, e também cabe ao pai e à mãe biológicos.

Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho ou pelo genitor biológico, os seus herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.

Bibliografia • Luiz Edson Fachin, Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1999; Zeno Veloso, Direito brasileiro da filiação e paternidade, São Paulo, Malheiros Ed., 1997; Yussef Said Cahaji, Dos alimentos, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999; Regina Beatriz lavares da Silva, Responsabilidade civil do médico na inseminação artificial, in Responsabilidade civil médica, odontológica e hospitalar coord. Carlos Alberto Bittar, São Paulo, Saraiva, 1991; Monica Sartori Scarparo, Fertilização assistida, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1991; Joaquim José de Souza Diniz, Filiação resultante de fecundação artificial humana, in Direitos de família e do mepoc: Belo Horizonte, Bel Rey, 1993; Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, São Paulo, Saraiva, 1995; Silvio Rodrigues, Direito civil, 26. ed., São Paulo, Saraiva, 2001; Regina Beatriz lavares da Silva, Reflexões sobre o reconhecimento da filiação estranha relativa de Direito Privado, coord. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Autade Nery, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 1, jan./mar. 2000. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 820, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 05/04/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo artigo publicado em agosto de 2014 por Jeferson Coelho Santos e Elenilza da Conceição Costa Sales, no site jus.com.br/artigo, intitulado “Reconhecimento de filiação – um direito constitucionalmente garantido”, no item 2.4 – as famílias e a constituição Federal de 1988, a história da humanidade revela, sem dúvida, que a entidade familiar tornara-se o instituto de maior relevância para o indivíduo desenvolver-se como pessoa humana, razão pela qual fora instituída como alicerce elementar da sociedade, abraçada por ampla e especial tutela estatal. 

Insta salientar, que o surgimento de fatos novos, sobretudo, a partir do fenômeno da globalização, tais como a evolução técnico-cientifica (reprodução assistida e exame de DNA) e a elevação do indivíduo como sujeito de direitos (e de desejos), foram eventos cruciais para influenciar esse novo tratamento dado às famílias.

A respeito dessa moderna acepção de família, tutelada pela norma constitucional, Gagliano e Pampolha Filho (2012, p.58) afirmam que: "Hoje, no momento em que se reconhece à família, em nível constitucional, a função social de realização existencial do indivíduo, pode-se compreender o porquê de a admitirmos efetivamente como base de uma sociedade que, ao menos em tese, se propõe a constituir um Estado Democrático de Direito calcado no princípio da dignidade da pessoa humana." 

A partir disso, infere-se que a família tem uma função a ser desempenhada no meio societário, qual seja, ser o núcleo central para estabilização de seus integrantes. E não se trata de resguardar apenas as relações calcadas à base do matrimônio, mas, ir além, de forma a tutelar todo grupo de pessoas que convivem, na intenção de constituir família, independentemente de registro civil para tanto.

Dentre as inovações apresentadas pela Lei Fundamental em voga, destaca-se a mitigação da autonomia particular, vez que a ingerência do Estado ensejou na redução de sua hegemonia, passando este a tutelar de maneira crucial as famílias, nos termos do caput do artigo 226, da CF, bem como legitimou a união estável e a família monoparental como verdadeiras entidades familiares.

A filiação, por seu turno, encontrou guarida no art. 227, § 6º, da Lei Maior, o qual amparou efetivamente a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais individuais, findando com a desigualdade filial, e por consectário, dando igualdade de tratamento – direitos e qualificações – para os filhos, sejam eles havidos ou não da relação do casamento, ou ainda que sejam adotados. 

Sendo assim, não obstante a Carta Magna tenha se mantido inerte sobre a tutela de alguns institutos, a exemplo da união homoafetiva, inexiste vedação constitucional quanto a esse tipo de relação, uma vez que, fundado no respeito à dignidade da pessoa humana, o referido diploma legal proíbe expressamente qualquer forma de discriminação.

Por outro lado, a norma constitucional não referendou explicitamente o afeto como fator primordial para base da família, mas é nítido que os laços afetivos estão também reverenciados na dignidade da pessoa humana, dando ensejo a vínculos decorrente da convivência familiar afetiva, que, agora, vem ganhando espaço, deixando de ser, o vínculo biológico, a única forma de parentesco, conforme será analisado oportunamente. 

Acerca disso, segue a lição de Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 29): "Todas as mudanças sociais havidas na segunda metade do século passado e o advento da Constituição Federal de 1988, com as inovações mencionadas, levaram à aprovação do Código Civil de 2002, com a convocação dos pais a uma “paternidade responsável” e a assunção de uma realidade familiar concreta, onde os vínculos de afeto se sobrepõem à verdade biológica, após as conquistas genéticas vinculadas aos estudos do DNA. Uma vez declarada a convivência familiar e comunitária como direito fundamental, prioriza-se a família socioafetiva [...]. (grifo nosso)."

Assim sendo, ainda que o Estado estabeleça normas para regular o instituto em apreço, são seus membros familiares que irão decidir de que forma conduzir as suas vidas, visto que é por meio da família que irão desenvolver suas personalidades, tornando-se o centro das atenções jurídicas constitucionais. E dizem mais, os autores, nos tópicos seguintes, que devem interessar a qualquer estudioso do Direito de Família, e novas regras, no sentido de direitos e dignificação da pessoa humana. (Jeferson Coelho Santos e Elenilza da Conceição Costa Sales, em artigo publicado em agosto de 2014 no site jus.com.br/artigo, intitulado “Reconhecimento de filiação – um direito constitucionalmente garantido”, acessado em 05.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.602, 1.603, 1.604 Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.602, 1.603, 1.604

Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.

-  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Subtítulo II – Das Relações de Parentesco – Capítulo II

Da Filiação -  (Art. 1.596 a 1.606) – digitadorvargas@outlook.com  

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 Art. 1.602. Não basta a confissão materna para excluir a paternidade.

Em rápido comentário de Milton Paulo de Carvalho Filho, como visto no exame do art. 1.601 deste Código, não se confere à mãe o direito de impugnar a paternidade de seu marido. A lei considera a confissão insuficiente para afastar a presunção de paternidade. Mais uma vez prevalece a paternidade socioafetiva em relação à biológica. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.763.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 01/04/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Como lembra Ricardo Fiuza em sua doutrina, bem diverso é este dispositivo daquele constante do art. 1.600, cuja revogação foi proposta. Enquanto naquele artigo a presunção da paternidade não pode ser ilidida ou afastada diante da prova de adultério da mulher, segundo este artigo a confissão do adultério pela mulher não exclui a paternidade. 

• Realmente a confissão, segundo o ordenamento processual (CPC, art. 392), não vale quanto a direitos indisponíveis, sendo que o direito ao reconhecimento da filiação tem essa natureza. 

• Tal confissão pode ser produto de interesses materiais, fruto de vingança ou qualquer outro sentimento reprovável, com que pretenda a mulher prejudicar o marido, causando dano grave ao próprio filho, razão pela qual não pode, por si só, excluir a paternidade (v. Silvio Rodrigues, Direito civil, 26. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 291; e Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 290). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 817, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/04/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

No comentário de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a regra deste artigo está ultrapassada. Este é um outro dispositivo que diz respeito à prova nas ações de estado de filiação. Como já afirmado, as ações de filiação que têm como base a existência ou a negativa de existência de vínculo biológico entre o suposto pai e o suposto filho sujeitam-se à prova técnica do exame de DNA. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.602, acessado em 01.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.603. A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil.

Segundo parecer de Milton Paulo de Carvalho Filho, este artigo deve ser conjugado com o CC 1.609, que autoriza outros meios de reconhecimento da paternidade. O registro, porém, gera presunção quase absoluta de paternidade, só se desconstituindo se for comprovado erro ou falsidade. A declaração de paternidade feita pelo pai é irrevogável, remanescendo apenas a contestação de paternidade prevista no CC 1.601. Na Jornada de Direito Civil ocorrida em setembro de 2002, foi aprovado enunciado segundo o qual "no fato jurídico do nascimento, mencionado no CC 1.603, compreende-se, à luz do disposto no CC 1.593, a filiação consanguínea e também a socioafetiva” (Enunciado n. 108). Sobre a filiação socioafetiva, veja-se comentário ao CC 1.596. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.765.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 01/04/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como leciona Marco Túlio de Carvalho Rocha, o registro de nascimento tem função declaratória e constitutiva. Quando a filiação é estabelecida mediante reconhecimento voluntário ou judicial, os efeitos do registro retroagem à data do nascimento do filho, para todos os efeitos, notadamente, para fins de herança. O estado de filho depende, contudo, do registro. Não basta a presença de vínculos genéticos ou socioafetivos. Embora sejam, tradicionalmente, consideradas declaratórias, as ações de estado são constitutivas (positivas ou negativas), podendo ter efeitos retroativos ou não (AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 300, p. 7-37, out. 1960, espec. p. 30-31). (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.603, acessado em 01.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sem contestação o comentário da doutrina de Ricardo Fiuza, quando o reconhecimento da filiação sempre resulta um registro civil, a ser feito no lugar em que tiver ocorrido o nascimento ou no lugar da residência dos pais, na conformidade da Lei de Registros Públicos — Lei n. 6.015/73—, arts. 60 a 66. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 818, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/04/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.

Na forma exposta na Doutrina de Ricardo Fiuza, há presunção de veracidade nas declarações contidas no registro de nascimento, que tem fé publica. No entanto, se houver alteração da verdade, poderá ser promovida a anulação ou reforma do assento ou termo de nascimento, mediante procedimento previsto na Lei dos Registros Públicos – Lei n. 6015/77 – art. 113, o qual ainda faz referencia a filiação legitima e ilegítima por ser anterior a Constituição Federal de 1988. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 818, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/04/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No mesmo sentido o comentário de Milton Paulo de Carvalho Filho quanto à regra ser a presunção praticamente absoluta da filiação estabelecida no registro, só se admitindo sua alteração em caso de erro ou falsidade reconhecida em decisão judicial. Nos termos do disposto no art. 52 da Lei n. 6.015, de 31.12.1973, o pai ou, na falta ou impedimento dele, a mãe, ou, na falta ou impedimento desta, o parente mais próximo, com sucessão por administradores de hospitais, médicos, parceiras e terceiros que tiverem assistido ao parto. Confere-se ao oficial a possibilidade de, se tiver motivo para duvidar da declaração, exigir atestado do médico ou da parteira ou declaração de duas pessoas que tenham assistido ao parto e não sejam os pais. Se a mãe for casada, do registro constará o nome do marido como pai; se for solteira, o nome do pai só constará se ele for o declarante, em conjunto com a mãe, ou isoladamente, ou, ainda, quando vier a reconhecer posteriormente a paternidade, voluntariamente ou em ação de investigação. Caso o filho seja havido fora do casamento, do registro não constará o estado civil dos pais nem a natureza da filiação (art. 5º da Lei n. 8.560, de 29.12.1992). A norma em exame é de ordem pública e exclui outras possibilidades de se buscar estado diverso do que consta do registro.

Mais uma vez, é oportuno notar que toda pessoa tem direito constitucionalmente assegurado de conhecer sua origem biológica. Mas nem por isso esse direito pode interferir no direito de família, que não permite a modificação do estado de filiação, que decorre da relação socioafetiva (Lobo, Paulo Luiz Netto. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XV I, p. 88).

Não se vislumbra incompatibilidade entre este artigo e o art. 27 do Estatuto cia Criança e do Adolescente, pois, neste, assegura-se o direito ao reconhecimento da filiação a quem ainda não tenha sido reconhecido por ambos ou por um dos pais. No presente dispositivo, cuida-se da hipótese em que já houve o reconhecimento, prevalecendo o que consta do registro.

Autorizam, porém, vindicar estado de filiação contrário ao registro o erro ou a falsidade. Caracteriza-se o erro como o engano não intencional na declaração relativo ao próprio ato do registro, por parte do declarante ou do oficial. A falsidade é a declaração intencionalmente contrária à verdade que havia de constar do registro. Silmara Juny Chinelato observa não haver erro quando alguém registra em seu nome aquele que sabe ser filho de outro e pondera que a norma não pode ser aplicada aos casos de espontâneo reconhecimento de filho alheio para constituição da paternidade socioafetiva (Comentários ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 78-80, v. X V III). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.766.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 01/04/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Racionalizando o comentário de Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, as ações de filiação não têm natureza dúplice: de desconstituição e de constituição dos vínculos. O art. 348 do Código Civil de 1916 (equivalente ao artigo em apreço) foi interpretado durante muito tempo como proibição de se ajuizar ação de investigação da filiação antes de se ter impugnado a filiação preexiste (WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 202). Atualmente, contudo, os tribunais têm admitido, por economia processual, a propositura concomitante das ações e até, impropriamente, a cumulação de pedidos (VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 101-103).

Investigação sem anterior impugnação do vínculo existente: “A ação de investigação de paternidade pode ser proposta independentemente da ação de anulação do registro de nascimento do investigante, cujo cancelamento é simples consequência da ação que julga procedente a investigatória, sem necessidade de expresso pedido de cumulação ‘(STJ, Min. Ruy rosado de Aguiar)’. ‘O exame do DNA constitui-se, atualmente, segundo a melhor doutrina e entendimento jurisprudencial, dominante, na prova mais segura nas ações de investigação de paternidade, cujo resultado forma elemento de convicção definitivo para atribuição da paternidade’ (Des. Mazoni Ferreira)” (TJSC, AC 1999.017678-9, 2º CDC’ v., Rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, DJSC 13.09.2004; RBDFam 26/123).

Investigação sem anterior impugnação do vínculo – citação do pai registral: “É prescindível o prévio ou concomitante ajuizamento do pedido de anulação d registro de nascimento, do investigante, dado que esse cancelamento é simples consequência da sentença que der pela procedência da ação investigatória”. Precedentes do STJ.

É litisconsorte passivo o pai registral, cuja situação é de ser efetivada como interessado no desfecho da lide. “Precedentes citados: REsp 203.208-SP, DJ 29/10/2001; REsp 114.589-MG, DJ 19/19;1997; REsp 275.374-PR, DJ 13/12/2004, e REsp 117.129-RS, DJ 24/09/2001. (STJ, REsp n. 402.859-SP, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 22/2/2005, pub. DJ 28.03.2005). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.604, acessado em 01.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 31 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.599, 1.600, 1.601 Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.599, 1.600, 1.601

Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.

-  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Subtítulo II – Das Relações de Parentesco – Capítulo II

Da Filiação -  (Art. 1.596 a 1.606) –

digitadorvargas@outlook.com  - vargasdigitador.blogspot.com

fb.me/DireitoVargas – m.me/DireitoVargas

 Art. 1.599. A prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide a presunção da paternidade.

Em sua obviedade, mostra-se contundente o autor Milton Paulo de Carvalho Filho ao afirmar: Se na época provável da concepção o cônjuge estava impotente para gerar, não pode prevalecer a presunção de que era pai da criança nascida de sua esposa. A impotência coeumdi acarreta presunção da impossibilidade para gerar, pois se caracteriza pela impossibilidade de cópula. Métodos científicos modernos, porém, permitem que seja extraído sêmen do homem para fins de inseminação artificial. A impotência denominada generandi é a que impede a inseminação de modo absoluto. Ela pode resultar da cirurgia de vasectomia ou de fatores físicos, mas não é incompatível com a realização do ato sexual. O dispositivo contempla, portanto, toda hipótese em que se demonstrar a absoluta impossibilidade de gerar na época da concepção, sem distinguir entre uma e outra espécie de impotência (Chinelato, Silmara Juny. Comentários ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2004, v. XVIII, p. 63). Não se aplica a disposição aos casos em que o marido registra filho em seu nome sabendo que não é pai biológico, pois nesse caso não poderá, posteriormente, contestar a paternidade assumida espontaneamente (op. cit., p. 63). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.759.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 31/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Historicamente, a primeira versão deste artigo aprovada pela Câmara dos Deputados mantinha praticamente o mesmo texto do projeto, e dizia: “a prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide a presunção da legitimidade do filho”. Foi posteriormente emendado pelo Senado Federal, não sofrendo, a partir dali, qualquer outra modificação. 

Em sua Doutrina aquiesce que a substituição da expressão “legitimidade” por “paternidade” está adequada à Constituição Federal, cujo Art. 227, § 6º, veda as designações discriminatórias no âmbito da filiação. 

• A impotência coeundi é a “incapacidade para o coito”, e a impotência generandi é a “infecundidade ou incapacidade para gerar” (v. Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 288).

• No Código Civil anterior, seu Art. 342 estabelecia que somente a impotência absoluta valia como alegação contra a legitimidade do filho, de modo que para ser alegada em contestação de paternidade deveria ser total; se relativa, não poderia ser aceita como alegação contrária à paternidade do filho (v. Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, cit., p. 288). No artigo em análise a impotência generandi ilide a presunção da paternidade, não sendo mais necessário que seja absoluta, o que reflete o avanço das provas técnicas existentes para a demonstração da filiação, dentre as quais se destaca o exame de DNA. O artigo não refere a impotência coeundi porque, em razão das novas técnicas de reprodução artificial, pode ela existir sem que haja a impotência generandi. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 815, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 31/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No comentário de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o direito reconhece dois tipos de impotência: impotentia coeundi e impotentia generandi. A primeira é a impotência para a prática do ato sexual e corresponde ao que contemporaneamente e na linguagem natural se reconhece como impotência. A impotentia generandi é correnspondente ao que se denomina usualmente infertilidade. 

O dispositivo de origem antiga pressupõe que a pessoa infértil na época da concepção não pode ter sido responsável por ela, ilidindo o vínculo biológico. A regra perdeu eficácia, uma vez que modernamente inventaram-se métodos que permitem a conservação de gametas, tanto masculinos quanto femininos, a fim de possibilitar que o doador possa gerar mesmo quanto venha a se tornar infértil, mediante reprodução assistida. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.599, acessado em 31.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.600. Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da paternidade. 

Pouco a ser comentado, nas palavras de Milton Paulo de Carvalho Filho o adultério não exclui a presunção de paternidade em qualquer circunstância, pois, a despeito de sua ocorrência, subsiste a possibilidade de o cônjuge ser o pai da criança gerada pela esposa adúltera. Contudo, não se questiona que o adultério comprovado lança dúvidas sobre a paternidade do marido. Haverá, sempre, que se verificar se a mulher mantinha dupla vida sexual. Do contrário, se a mulher estiver separada de fato do marido, o adultério exclui a presunção de paternidade deste, embora, no caso de rompimento do primeiro relacionamento, não se possa falar, a rigor, em adultério. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.759.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 31/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, no texto original do projeto, o artigo fazia referência à “legitimidade da prole”. Durante a tramitação no Senado o artigo foi alterado, substituindo-se “legitimidade” por “paternidade” e não sofrendo, a partir dali, qualquer outra modificação. 

Doutrinariamente, buscando o comentário de Ricardo Fiuza • Não faz qualquer sentido, diante de adultério da mulher, manter-se a presunção da paternidade do marido, no sistema atual, em que a ação contestatória da paternidade pode ser interposta a qualquer tempo pelo marido (CC 1.601), prestigiando-se a verdade real nas relações de filiação. Restringir a impugnação à paternidade, mantendo a presunção de que o filho nascido é do marido, diante de prova do adultério da mulher, importa em violação ao ideal constitucional de que as relações de parentesco baseiem-se na verdade e não mais em ficções jurídicas (v. Regina Beatriz Tavares da Silva, Reflexões sobre o reconhecimento da filiação extramatrimonial, Revista de Direito Privado, coord. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 1, jan./mar. 2000, p. 73-6). Cite-se, a propósito, acórdão do STJ, rel. M. Eduardo Ribeiro, Dl de 14-6-1999, p. 188, segundo o qual “As normas jurídicas hão de ser entendidas, tendo em vista o contexto legal em que inseridas e considerando os valores tidos como válidos em determinado momento histórico.

Não há como interpretar-se uma disposição, ignorando as profundas modificações por que passou a sociedade, desprezando os avanços da ciência e deixando de ter em conta as alterações de outras normas, pertinentes aos mesmos institutos jurídicos”. Refira-se outro julgado do STJ, em Lex — Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, 32/159, segundo o qual, “Na fase atual da evolução do Direito de Família, é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimos interesses de menor. Deve-se ensejar a produção de provas sempre que ela se apresentar imprescindível à boa realização da justiça”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 815-16, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 31/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Segundo Marco Túlio de Carvalho Rocha, esta é outra regra antiga, que diz respeito à fixação da paternidade segundo o vínculo biológico e, tanto quanto outras regras que visam a solucionar dúvidas quanto à atribuição da paternidade com base no vínculo biológico, perdeu significado com a facilitação da prova do vínculo biológico. 

Os filhos nascidos do casamento são, presumivelmente, do marido da mulher. Somente a prova técnica ilide essa presunção. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.600, acessado em 31.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.

Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.

Segundo estudos de Milton Paulo de Carvalho Filho, restringe-se ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, mas, uma vez contestada judicialmente, seus herdeiros podem prosseguir na demanda. Como registra Paulo Luiz Netto Lobo, “ninguém, nem mesmo o filho ou a mãe, poderá impugnar a paternidade. A norma, assim lida em conformidade com a Constituição, desloca a paternidade da origem genética para a paternidade socioafetiva” (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, p. 73). Silmara Juny Chinelato anota que o pai que espontaneamente reconhece filho que sabe não ser seu não poderá contestar a paternidade (Comentários ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2004, v. XVIII, p. 66), salvo se comprovar que foi induzido em erro ou se agiu mediante dolo ou coação. Acrescente-se que também não basta a demonstração de que o marido não é o pai biológico: deve-se, ainda, provar que não se estabeleceu a paternidade socioafetiva (Lobo, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 76-7). 

Por outro lado, o presente dispositivo estabelece a imprescritibilidade da ação de contestação de paternidade, na medida em que envolve direitos da personalidade. Sobre a matéria, Silmara Chinelato pondera: “Tratando-se de estabelecimento de paternidade, é curial que a socioafetiva prevaleça em relação à biológica, determinando que o pai socioafetivo não tenha interesse algum em contestá-la. Os outros filhos - se houver - podem ter interesse patrimonial em fazê-lo, ao excluir um herdeiro, aumentando o quinhão na herança. Porque não sou contra o conteúdo do CC 1.601 e apenas lhe dou interpretação restrita, penso que o legislador andou bem ao estabelecer como personalíssimo o direito de ingressar com a ação negatória de paternidade, quando cabível. Resta aos herdeiros apenas prosseguir como autores, se falecer o impugnante no curso da ação. Não têm, no entanto, legitimidade para interpô-la em nome próprio e por direito próprio” (op. cit., p. 68). 

A III Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal firmou o entendimento no sentido de que “não cabe a ação prevista no CC 1.601 se a filiação tiver origem em procriação assistida heteróloga, autorizada pelo marido nos termos do inciso V do CC 1.597, cuja paternidade configura presunção absoluta” (Enunciado n. 258).

A ação de contestação da paternidade é imprescritível, tanto quanto a de investigação de paternidade, como consignado na Súmula n. 149 do STF. Os herdeiros do marido não estão autorizados a propor a ação de contestação, mas apenas a prosseguir na que ele já houver proposto, o que significa que só poderão fazê-lo em caso de óbito daquele, pois “o direito brasileiro não admite herança ou herdeiros de pessoas vivas” (Lobo, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 74-5). Levando em conta que a paternidade biológica pode inexistir, mas, em virtude de se estabelecer a paternidade socioafetiva - e sendo a questão vinculada a aspecto íntimo da família -, a contestação da paternidade não é admitida para o pai biológico (idem). A concepção do filho que se fizer por uma das formas previstas no CC 1.597 não admite a contestação da paternidade, a não ser que fique comprovado que o profissional ou o hospital utilizaram sêmen que não era do marido. 

Na lição de Paulo Luiz Netto Lobo, o estado de filiação nada tem a ver com o direito ao conhecimento da origem genética, questão ligada ao direito da personalidade (op. cit., p. 78). Para a tutela do direito de conhecer a origem genética não há necessidade de alterar a paternidade que resulta da relação social e afetiva estabelecida entre pai e filhos ou filhas. 

O dispositivo em exame não se aplica às uniões estáveis, nas quais o reconhecimento da paternidade resulta do ato espontâneo de cada companheiro. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.760.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 31/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

No histórico que acompanha os comentários a respeito do artigo, o presente dispositivo, no texto original do projeto, mantido inicialmente pela Câmara dos Deputados, correspondia a dois artigos: “Art. 1.610. Cabe ao marido o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher. § 1º Decairá desse direito o marido que, presente à época do nascimento, não contestar, dentro em dois meses, a filiação. § 2º Se o marido se achava ausente, ou lhe ocultaram o nascimento, o prazo para repúdio será de três meses, contado do dia de sua volta à casa conjugal, no primeiro caso, e da data do conhecimento do fato, no segundo”. E “CC 1.611. Contestada a filiação, na forma do artigo precedente, passa aos herdeiros do marido o direito de tornar eficaz a contestação”. Durante a passagem pelo Senado Federal foi acrescentado um parágrafo ao então art. 1.610 e transformado o então art. 1.611 em parágrafo do 1.610, passando a redigir-se o dispositivo fundido da seguinte forma: “Art. (...) Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher. § lº Decairá do direito o marido que, presente à época do nascimento, não contestar a filiação no prazo de sessenta dias. § 2º Se o marido se achava ausente ou lhe ocultaram o nascimento, o prazo para repúdio será de noventa dias, contado do dia de sua volta ao lar conjugal, no primeiro caso, e do de conhecimento do fato, no segundo. § 3º Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação”. Retornando, em seguida, o projeto à Câmara, promoveu o Deputado Ricardo Fiuza completa reformulação no dispositivo, tornando a ação negatória de paternidade imprescritível, proposta que restou acolhida em definitivo.

Defendeu o Relator Parcial, Deputado Antonio Carlos Biscaia, que “as inovações constitucionais sobre o reconhecimento da filiação têm como suporte a busca da verdade real, motivando o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido da imprescritibilidade das ações relativas à filiação, incluindo nestas a negatória de paternidade. Tal entendimento leva à tese de que estariam revogados os dispositivos legais que estabeleciam prazos para o exercício desses direitos. Neste sentido, compreende-se a natureza do estado de família, no qual se enquadra J da filiação, como de ordem pública, não devendo comportar relações fictícias, salvo na hipótese de adoção. 

• A legislação anterior (Código Civil, arts. 340 e 178, § 4º) estabelecia regras limitativas à contestação da paternidade dos filhos pelo marido, tanto no que se referia às causas dessa contestação como no que dizia respeito ao prazo prescricional, extremamente exíguo, de dois a três meses. Na última fase de tramitação, o novo Código recebeu relevante modificação, baseada nas inovações constitucionais sobre as relações de filiação, que têm como suporte a busca da verdade real e não mais relações fictícias, salvo na hipótese da adoção. Somente com esse sentido compreende-se a natureza do estado de filiação. Sob á égide da legislação anterior, foi editada a Súmula 149: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é da petição de herança”. Então, se é imprescritível a investigação de paternidade, também deve sê-lo a ação negatória da paternidade. A regra deveria, como sugeriu-se, ser adaptada à legislação superveniente, que reconhece o direito ao reconhecimento da paternidade como direito personalíssimo, indisponível e imprescritível (Lei n. 8.069/90, art. 27).

• Embora o direito à contestação da relação de filiação não possa caber, indiscriminadamente, a qualquer pessoa, se o filho é oriundo de casamento esse direito não deve ser tido como privativo do marido. Observe-se que, com a proteção à união estável, não tem cabimento estabelecer tamanha restrição à legitimidade da ação contestatória no casamento e não realizar as mesmas restrições na união estável. Esse direito, seja a relação oriunda ou não de casamento, além de ser imprescritível, deve caber não só àquele que consta do registro de nascimento como pai, mas, também, ao próprio filho e ao verdadeiro pai, em acatamento aos princípios constitucionais da absoluta igualdade entre os filhos e da verdade real nas relações de filiação. Por essas razões a norma sugerida diz respeito à relação de filiação, independentemente de sua origem. A única exceção disposta no artigo sugerido a seguir diz respeito à filiação oriunda de adoção, que não pode ser contestada, por força de seu caráter irrevogável.

Constitui violação aos direitos da personalidade constranger alguém a fornecer material para a realização de um exame biológico? A questão coloca-se com certa frequência em nossos tribunais na investigação da paternidade, como adiante será visto, mas também tem lugar na ação contestatória . Realmente não é possível constranger alguém à retirada de parte de seu corpo, no caso o sangue, sob pena de violação a direito da personalidade. Mas também não se pode deixar de proteger os interesses do contestante, que dependem da realização da prova para o reconhecimento de suas alegações. A Única forma de conciliar o direito da personalidade do demandado, que é o direito às partes separadas do corpo, com o direito do autor da ação contestatória, diante da recusa do primeiro à coleta de material para realização da prova pericial, é presumir-se, se a recusa for injustificada, a inexistência da relação de filiação. Já que a recusa pode ocorrer quanto a qualquer das provas médico-legais, que não se limitam ao exame de DNA, o dispositivo aplica-se a todos esses meios de prova.

• Sugestão legislativa: Em face dos argumentos acima aludidos, encaminhou-se ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para alteração deste artigo, o qual, uma vez aprovada a proposta pela Câmara dos Deputados, passaria a redigir-se:

Art. 1.601. O direito de contestar a relação de filiação é imprescritível e cabe, privativamente, às seguintes pessoas:

I — ao filho;

II — àqueles declarados como pai e mãe no registro de nascimento;

III — ao pai e à mãe biológicos.

1º Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.

2º A relação de filiação oriunda de adoção não poderá ser contestada.

3º A recusa injustificada à realização das provas médico-legais acarreta a presunção da inexistência da relação de filiação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 816-17, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 31/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Extenso e profundo é o comentário do Mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha: 1. Desde o Código Civil de 1916, a técnica utilizada pelo legislador brasileiro para equilibrar os elementos que constituem a filiação (biológico, social e afetivo) consiste na limitação do direito de impugnar o vínculo de filiação ao estabelecer (a) prazos decadenciais para o exercício do direito, (b) restringir a legitimidade para o ajuizamento da ação, (c) restringir os meios de prova.

Há consenso no sentido de que as restrições relativas a elementos probatórios foram revogadas pela Constituição de 1988 e pela legislação posterior; as mantidas pelo Código de 2002 devem ser consideradas arbitrárias e, portanto, inconstitucionais, em razão do surgimento da técnica de exame do DNA. São elas: CC 1.598, CC 1.599 (impotência), CC 1.600 (adultério), CC 1.602 (confissão da mulher). 

Incidem na impugnação as técnicas do Direito Privado. Em outras palavras, vedada a retratação (o reconhecimento é irrevogável), a impugnação significa a possibilidade de se anular o ato de reconhecimento. A anulação do registro é mera consequência da referida nulidade.

A intervenção judicial é sempre necessária, nos termos do art. 113 da Lei n. 6.015/73, embora haja julgados em contrário.

Ação rescisória contra sentença que julgou procedente ação de investigação: “O exame de DNA realizado após a prolação da sentença é documento hábil a aparelhar a AR, como documento novo, considerando que os autos não revelaram desídia ou desinteresse total do réu-investigado na feitura do dito exame durante o curso regular do processo. A coisa julgada submete-se aos próprios comandos emergentes da lei, não sendo capaz de inibir o pedido rescisório, ancorado em exame de DNA realizado por ambas as partes e que afasta a paternidade anteriormente reconhecida” (TJMG – AR 352925-2/000, 3º G.C. Civ., Rel. Des. Célio Cesar Paduani, por maioria, DJMG, 08.10.2004, RBDFam 27/137).

Relativização da coisa julgada: “I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e, considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido. 

II – (...) 

III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, ‘a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura see explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade” (STJ, 4ª T. REsp 226.436, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 28.06.2001). No mesmo sentido: TJMG, 5ª C. Cív., Ap. n. 0611.03.003.214-2, Rel. Des. Dorival Guimarães Pereira, j. 16.009.2004, por maioria, p. 08.10.2004, Minas Gerais.

Na primitiva ação de investigação de paternidade proposta, a improcedência do pedido decorreu de confissão ficta pelo não-comparecimento da mãe do investigando à audiência de instrução designada. Considerando, assim, que a paternidade do investido não foi expressamente excluída por real decisão de mérito, precedida por produção de provas, impossível se mostra cristalizar como coisa julgada material a inexistência do estado de filiação, ficando franqueado ao autor, por conseguinte, o ajuizamento de nova ação. É a flexibilização da coisa Julgada” (STJ, REsp 427.117-MS, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, DJU, 16.02.2004). 

“1. Tem-se por admissível ação negatória de paternidade, nada obstante tenha sido esta reconhecida mediante acordo realizado nos autos de investigatória proposta pelo investigante. Precedente. 2. Apelo provido. Maioria” (TJDF, Ap. Cív. N. 2002.07.1.005175-3, 3ª T., Rel. p/o ac. Des. Estevan Maia, DJU 12.05.2005, RBDFam 32/131).

“O direito do filho de buscar a paternidade real, com pedido de anulação retificação de registro de nascimento em caso de falsidade praticada pela mãe é imprescritível, não se aplicando o disposto no art. 178, § 9º, VI, do CC” (STJ) AgRg-REsp 440.472-RS, 3ª T., Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeira, DJU 19.05.2003; RBDFam 20/146).

“A regra que impõe ao perfilhado o prazo de quatro anos para impugnar o reconhecimento só é aplicável ao filho natural que visa a afastar a paternidade por mero ato de vontade, a fim de desconstituir o reconhecimento da filiação, sem buscar constituir nova relação” (STJ, REsp n. 242.486-MG, 3ª T., Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJU 25.02.2004; STJ, REsp. n. 259.768-RS, 4ª T., Rel. p/ o ac. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 22.03.2004, RBDFam 23/123). 

“A ação de investigação de paternidade, que significa o direito do filho a obter o verdadeiro pai, sempre foi imprescritível. Deferente é a situação de se impugnar o reconhecimento de paternidade, pura e simplesmente, sem envolver o direito de investigar o verdadeiro pai, ou seja, quando a impugnação não é instrumento ou decorrência da investigação. E, neste caso, a prescrição para a ação em que o filho nega o assentimento ao reconhecimento sempre foi de quatro anos” (TJMG, Ap. Cív., n. 1.0009.03.900.011-3/001, Rel. Des. Almeida Melo, j. 11.12.2003).

“Aplica-se o prazo decadencial previsto no Código Civil revogado, se o direito do filho de impugnar o reconhecimento já estava extinto quando do surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (TJMG, Ap. Cív., 1.000.00.348.900-2/00, Rel. Des. Dorival Guimarães Pereira, j. 16.10.2003).

2. Legitimidade ativa na ação para impugnar a paternidade de filhos matrimoniais. Na vigência do Código Civil de 1916 a impugnação da paternidade dos filhos matrimoniais era uma prerrogativa exclusiva do marido. A partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, entendeu-se que o próprio filho tornou-se legitimado a impugnar sua paternidade, com base no artigo 27 do Estatuto. Não se reconhece legitimidade a terceiros, ainda que possuam interesse econômico na causa, como é o caso de herdeiros. O parágrafo único permite que os herdeiros continuem, no entanto, a ação iniciada pelo próprio impugnante seja ele o pai ou o filho. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.601, acessado em 31.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).