Direito Civil Comentado – Art.
1.605, 1.606
Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.
-
Parte Especial – Livro
IV – Do Direito de Família –
Subtítulo
II – Das Relações de Parentesco – Capítulo II
Da Filiação
- (Art. 1.596 a 1.606) –
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Art. 1.605. na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito:
I – quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente;
II – quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.
Historicamente, o dispositivo foi alterado no Senado Federal, de modo a suprimir a expressão “legítima”, que qualificava a filiação, no texto do projeto original, cujo caput era o seguinte “Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação legítima por qualquer modo admissível em direito”.
Ao comentar em sua Doutrina o Relator Ricardo Fiuza, a emenda senatorial retirou a designação de legítima dada à filiação, em adequação ao disposto no art. 227, § 6º, da Constituição Federal, que veda as designações discriminatórias no âmbito da filiação.
• Este dispositivo está em desacordo com o princípio da verdade real nas relações de filiação, pois o reconhecimento forçado da paternidade ou da maternidade, ainda com o advento do exame de DNA, independe de “começo de prova por escrito” ou de “veementes presunções resultantes de fatos já certos”, devendo ser eliminados os incisos, deixando-se somente o seu caput.
• Sugestão legislativa: Pelas razões antes expostas, apresentou-se ao Deputado Ricardo Fiuza proposta para alteração do dispositivo, acrescentando, na redação sugerida, à falta e ao defeito, o erro e a falsidade, já que o dispositivo deve ter a abrangência necessária: CC1.605. Na falta, defeito, erro ou falsidade do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 818, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 05/04/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Os autores Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira trazem em seu comentário como dispositivo inconstitucional. Segundo eles, a regra deste artigo proveio do Código Civil de 1916 e visava a restringir a investigação do vínculo de filiação contra pessoas casadas. O Direito de Família visava à proteção da família matrimonial. Era considerado ofensivo à honra de pessoas casadas e, principalmente, da mulher, a atribuição de filhos adulterinos ou naturais. O CC 1.605 cuida, portanto, de restrição dos meios de prova. Somente admite a ação se houver começo de prova por escrito, proveniente dos supostos pais ou quando existirem presunções veementes, o que ocorria, por exemplo, com a coabitação. A regra viola a igualdade dos filhos (art. 227, § 6º) e o próprio princípio da dignidade da pessoa humana, no âmbito do qual se insere o direito de investigar o vínculo de filiação (Boscaro, Márcio Antonio. Direito de filiação. São Paulo: RT, 2002, p. 164). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, comentários ao CC 1.605, acessado em 05.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Apreciado no site jusBrasil.com, o artigo de Camila Lavaqui, publicado em ago/2020, com o título “Direito à filiação e à origem genética”, lembra a autora muito se falar no Direito de Família brasileiro, sobre o conflito entre a filiação biológica e a filiação socioafetiva. Certo é dizer que, apenas nos últimos anos, a segunda passou a ser considerada de maneira séria pelos juristas. Até então, na maioria dos casos, se resolvia em benefício da primeira.
Com as constantes transformações do Direito de Família, os direitos da personalidade se consolidaram de maneira que são voltados à tutela do que cada pessoa humana tem como mais íntimo e próprio, atributos inerentes e inatos. Assim, distintos são os universos dos direitos e deveres de cada um e os direitos da personalidade. Nessas condições, a origem genética perdeu seu papel como legitimadora da filiação e passou a pertencer ao universo dos direitos da personalidade.
Dessa foram, o estado de filiação se separa da origem biológica para que abranja essa e qualquer outra origem. Pode-se dizer, portanto, que o estado de filiação é gênero, enquanto a filiação biológica e não biológica são espécies. De tal maneira, não há espaço para confusão entre os dois institutos, como por diversas vezes vimos pelos tribunais. O fascínio pelos avanços científicos de testes de DNA não deve ser razão para tal desvio, uma vez que a própria Constituição Federal estabelece entendimento oposto, quando abriga abrangentemente o estado de filiação de qualquer natureza, sem hierarquia de nenhuma forma.
Nesse sentido, pode-se definir filiação como um conceito relacional, i.é, é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, sendo uma delas considerada filha(o) da outra (seja pai ou mãe). O estado de filiação, portanto, é o que estabelece os direitos e deveres mútuos, oriundos da qualificação jurídica dessa relação, sendo o filho o titular do direito e os pais do estado de paternidade/maternidade.
O estado de filiação, logo, se constitui em razão da posse de estado, por força de uma convivência familiar, que esteja consolidada da afetividade. Assim, quando se fala de filiação jurídica, esta possui sempre natureza cultural, e não necessariamente natural, seja ela biológica ou não.
Por força da lei, fundamentando-se no artigo 227 da Constituição Federal, e nos CC 1.593, 1.596 e 1.597, consideram-se estados de filiação: a) não biológica em face de pai que autorizou a inseminação artificial heteróloga; b) não biológica em face de ambos os pais, oriunda de adoção regular; ou em face do pai/mãe que adotou exclusivamente o filho; e c) biológica em face de ambos os pais, havida de relacionamento entre eles, ou em face do único pai/mãe, nos casos de famílias monoparentais. Nessas condições, são presumidas a afetividade e a convivência familiar, mesmo que, na realidade, não existam. Ainda, em qualquer das hipóteses, o estado de filiação poderá ser substituído, caso o filho seja adotado por outros pais.
Sobre os estados de filiação não biológica (hipóteses a e b), esses são invioláveis e irreversíveis. Assim, não podem ser contestados por investigação de maternidade/paternidade com fundamento na origem biológica, sendo que esta última só poderá ser objeto de pretensão com fins de tutela de direito da personalidade.
Os métodos de reprodução humana assistida, principalmente a inseminação artificial heteróloga (quando se utiliza o material genético de um terceiro), estão aí para fortalecer a natureza socioafetiva da filiação e da paternidade.
Na inseminação artificial heteróloga, a única exigência legal é que o marido autorize previamente o procedimento. Não é necessário que esse tenha algum problema de reprodução. Ainda, a autorização não precisa ser escrita, bastando a manifestação prévia, podendo esta ser verbal. Dessa forma, se o marido autoriza a inseminação, não pode, futuramente, negar a paternidade em razão da origem genética, tão pouco será admitida ação de investigação de paternidade – principalmente quando falamos de doação anônima. O marido é, portanto, legalmente considerado pai natural da criança concebida. Fica resguardado, dessa forma, o doador anônimo.
Nessa lógica, Maria Helena Diniz se manifesta no sentido de que, caso fosse admitida a impugnação da paternidade, existiria uma paternidade incerta, considerando-se o anonimato do doador do sêmen, bem como o sigilo profissional do médico responsável pelo procedimento.
A partir daqui, passa-se a falar sobre a posse do estado de filiação. Essa constitui-se no momento que uma pessoa toma o lugar de filho em face daquele(s) que assume(m) o papel de pai/mãe, podendo ou não possuir entre si, vínculo biológico. Daí, o CC 1.605 com enunciado genérico, abrangendo as diversas hipóteses existentes a respeito dos arranjos familiares, quando há falta ou defeito do termo de nascimento.
Percebe-se que a norma não se refere à origem biológica, e nem poderia, bastando a aparência dos papeis sociais de pai/filho, quando houver começo de prova por escrito ou quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos. Ainda, as presunções de que trata o códex são relativas, i.é, verificadas caso a caso. A lei não exemplifica as espécies de presunção possíveis.
Ainda, jurisprudencialmente, configuram posse de estado de filiação a adoção de fato, qual seja, os filhos de criação e o que chamamos de “adoção à brasileira” (da qual será falado em outro artigo, situações essas que muitas vezes se convertem a guarda.
O estado de filiação geral encontra guarita tanto no Código Civil, como na Constituição Federal. A título de exemplo, o art. 227, § 6º, CF, declara que todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem – o que coloca a adoção, como escolha afetiva, integralmente ao plano da igualdade de direitos. Já o artigo 226, § 4º, CF, diz que a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família, constitucionalmente protegida, sendo irrelevante a origem ou a existência de outro genitor. Já o art. 277, também da CF, resguarda à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar (e não à origem genética), como prioridade absoluta.
Nesse diapasão, tem-se o CC 1.569 reproduzindo a regra trazida no art. 227, § 6º, CF, que diz respeito à igualdade entre filhos de qualquer natureza. Tem-se, também, o CC 1.593, que se refere ao parentesco natural ou de origem, superando, novamente o paradigma discriminatório do laço biológico.
Em tempo, não se pode olvidar que as lides nesse sentido devem ser sempre resolvidas à luz do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (consagrado nos artigos 4º e 6º, do Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA). Assim, a aplicação da lei deve sempre priorizar o princípio aqui mencionado, de maneira que crianças e adolescentes sejam tratados como sujeitos de direito e não mais como objeto passivo. Dessa forma, os conflitos são resolvidos colocando-se na lupa os interesses do filho, e não o dos pais, como ora se fazia.
Ainda, a mudança da legitimidade para a afetividade quando tratamos de estado de filiação, muda a função da presunção pater is est. Ela deixa de presumir a legitimidade do filho por conta do matrimonio dos pais e passa a presumir a paternidade em razão do estado de filiação, independentemente de sua concepção ou origem.
A impugnação ou contestação da paternidade são tidos como direitos personalíssimos do marido da mãe. Assim, ninguém mais poderá impugnar a paternidade (nem mesmo o filho, ou a mãe). Durante a vigência do Código Civil de 1916, tinha-se a contestação da legitimidade dos filhos, e não da paternidade. Por sua vez, a legitimidade dos filhos era fundada na família constituída pelo casamento e na origem biológica. Hoje, a presunção reconfigura-se no estado de filiação, passando a decorrer da convivência familiar e da construção progressiva da relação afetiva.
Destarte, o pai biológico não possui direito de ação contra o pai não-biológico, buscando impugnar sua paternidade. Frisa-se que apenas o marido da mãe da criança pode impugnar a paternidade, quando a constatação da origem genética (DNA) diferente da sua provocar uma ruptura da relação entre pai e filho. Caso tal ruptura não aconteça e os laços afetivos superem a diferença genética entre os dois, ninguém poderá impugnar a paternidade para priorizar a paternidade biológica.
Mister salientar, ainda, que o direito de impugnação do estado de filiação é imprescritível, podendo o marido da mãe impugnar a qualquer tempo a paternidade derivada da presunção pater is est. Contudo, ainda que imprescritível, a fundamentação para impugnação da paternidade não pode ser somente a origem genética, vez que conflitaria com o estado de filiação já constituído.
Dessa maneira, a qualificação da paternidade (ou a omissão dela), depende de estar a mãe casada ou não, de sentença que estabeleça ou desconstitua a paternidade, de reconhecimento voluntário etc. não interessa a historia natural das pessoas, mas sim apenas a sua história jurídica.
Logo, pode-se concluir que o estado de filiação decorre pura e simplesmente da estabilidade dos laços afetivos construídos no cotidiano. Não tem a ver, contudo, com o direito à origem genética. Tem-se, na realidade duas situações distintas: enquanto o estado de filiação é natural do Direito de Família, o direito à origem genética enquadra-se como direito da personalidade.
Não é necessário, portanto, que seja feita investigação de paternidade para que seja resguardado o direito à origem genética. O objeto da tutela é assegurar o direito da personalidade, considerando que, atualmente, é de suma importância saber o histórico de saúde dos ascendentes, para que seja protegida a própria vida.
Então, desnecessária a atribuição de paternidade a um individuo, apenas para que aquele que foi gerado por inseminação artificial heteróloga ou aquele que foi adotado, por exemplo, tenha o direito de conhecer seus ascendentes mais próximos.
Apenas nos casos em que inexista estado de filiação, a origem biológica desempenha papel de extrema relevância, a fim de reconhecer a paternidade ou maternidade, cujos laços não tenham se constituído de outra maneira (inseminação artificial ou adoção, p.e.). Entretanto, é inadmissível que sirva de base para vindicar um estado de filiação novo, ignorando o já existente.
Toda pessoa tem, portanto, direito fundamental de vindicar sua origem biológica, para que possa adotar as medidas preventivas cabíveis para que sua saúde e vida sejam preservadas. Esse direito é caracterizado como individual e personalíssimo, e independe de inserção do individuo na família biológica para ser tutelado ou protegido.
Nesse sentido, em 2011 houve o julgamento do Recurso Extraordinário 363889, pelo Supremo Tribunal Federal, que concedeu a um jovem o direito de pleitear novamente de su suposto pai a realização de exame de DNA, depois de já extinto (em primeira instância) um processo de investigação de paternidade, por falta de provas, pois a mãe não podia arcar com as custas do exame. No RE , o relator (Ministro José Dias Toffoli) disse que o trânsito em julgado do processo ocorreu de maneira irregular, pois o Estado deveria ter custeado o exame necessário. Ao não realizar, inviabilizou o exercício de um direito fundamental, i.é, o de origem genética. Assim, não deveria a coisa julgada prevalecer sobre o direito fundamental inerente a personalidade.
Chegou-se, então, em um ponto crucial de distinção entre pai e genitor/procriador. O famoso clichê quanto vê-se por aí é verdadeiro: pai é quem cria. Quem gera é genitor.
Dessa forma, o direito à origem genética não se confunde com investigação de paternidade, e não significa, necessariamente, direito à filiação. A origem genética apenas poderá interferir nas relações familiares como meio de prova para reconhecer judicialmente a paternidade/maternidade. Ainda, apenas será admitida como meio de prova para contestação, nos casos em que não houve estado de filiação constituído. Caso exista, a origem genética jamais irá negá-lo. (Camila Lavaqui, Advogada inscrita na OAB/SP sob nº 429.001. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito. Publicado em ago/2020, com o título “Direito à filiação e à origem genética”. Em referência o CC 1.605, acessado em 05.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.
Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continua-la, salvo se julgado extinto o processo.
No dizer de Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a princípio, o CC 1.606 dirige-se aos filhos não matrimoniais, porque, tradicionalmente, os filhos matrimoniais gozam da presunção de filiação em relação ao marido da mulher que o deu à luz. A consequência prática dessa presunção é a de permitir que o filho da mulher casada tenha a paternidade declarada por quem vier a solicitar o seu registro. O filho matrimonial, portanto, não tem a necessidade de fazer prova da sua paternidade.
O dispositivo restringe a legitimidade para a ação de investigação ao próprio suposto filho e a seus herdeiros. Estes, no entanto, somente são legitimados para o exercício da ação se o suposto filho tiver morrido menor ou incapaz.
Há razão ética para tanto. Os vínculos de filiação são normativos. Não são de natureza biológica nem tampouco socioafetiva. Os elementos biológicos, sociais e afetivos são sopesados pelo legislador segundo valores relevantes da vida social.
No caso, importa o respeito ao direito de o suposto filho recusar vínculo de filiação que não foi assumido voluntariamente pelo suposto pai durante a sua menoridade. Decorre da dignidade da pessoa humana o direito de recusar vínculo que não foi estabelecido durante uma longa fase da vida em que a pessoa mais necessita dos cuidados de seus genitores e que é a mais propícia para a formação do vínculo socioafetivo. Desacompanhado de vínculo socioafetivo, na ausência de interesse do genitor e do próprio suposto filho, resta o vínculo genético destituído de significado humano, próprio do Direito de Família. Restam os efeitos meramente patrimoniais, relacionados à herança. É, por isso, constitucional a restrição feita pelo artigo à legitimidade ativa dos herdeiros do suposto filho para ajuizar ação que visa ao reconhecimento jurídico do vínculo de filiação, somente o permitindo se o suposto filho tiver morrido em estado de incapacidade, por qualquer de suas causas, e, portanto, sem o poder de manifestar por si o interesse no referido reconhecimento.
Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça já admitiu a investigação judicial pelos netos contra o avô, após falecido o filho (REsp n. 269-RS, Relator Min. Waldemar Zveiter, DJU, 07.06.90). A referida decisão foi reafirmada no julgamento da Ação Rescisória n. 336 (STJ, AR 336-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 24.08.2005, RBDFam 32/130).
Cautelar. Ilegitimidade ativa e impossibilidade jurídica de pretensa neta, com pai vivo e já sucumbente em outras demandas, postular a realização de exame de DNA para instrução de futura demanda voltada à constituição de Relação de Parentalidade.
A Turma, por maioria, entendeu aplicar o CC 1.606 ao caso, concluindo pela ilegitimidade ativa da neta para ajuizar ação de produção antecipada de provas, em detrimento de pretenso avô, por se encontrar vivo o seu genitor, ausente legitimação concorrente entre classes de graus diferentes para postularem o reconhecimento de parentalidade, havendo apenas legitimação sucessiva e a partir da extinção da geração mais próxima do investigado. A turma também concluiu pela impossibilidade jurídica do pedido, tendo em vista a expressa proibição legal à sua dedução, conforme se retira do mencionado art.. 1.606, parágrafo único, do CC, em ração de o progenitor da investigante ter promovido demandas anteriores nas quais não conseguiu provar a relação de descendência biológica, não afasta a aplicação do dispositivo, pois os descendentes mais remotos não estão autorizados a promover ação própria voltada ao reconhecimento do parentesco quando, em anterior processo, ascendente imediato e integrante de geração mais próxima não foi reconhecido como parente do investigado. No entender da maioria, a ausência de prova cabal legitima o pai da recorrente a ajuizar uma nova ação para relativizar os provimentos jurisdicionais que não o reconheceram como filho do ora recorrido, uma vez que suas ações foram julgadas improcedentes, sem a realização do exame de DNA, e, segundo o entendimento mais recente da Suprema Corte, pode ser reinaugurada essa discussão, exatamente nos casos em que, nos julgados de improcedência anteriores, não foi efetuado o exame do DNA. (STJ. REsp 876.434-RS, Rel. originário Min. Raul Araújo, rel. para o acórdão Min. Marco Buzzi, julgado em 01/12/2011). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, comentários ao CC 1.606, acessado em 05.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Historicamente, o presente dispositivo, no texto original do projeto, mantido inicialmente pela Câmara dos Deputados, correspondia a dois artigos, pelos quais “A ação de prova de filiação legítima compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz”, e, “Se tiver sido iniciada a ação pelo filho, poderão continuá-la os herdeiros, salvo se o autor desistiu, ou a instância foi perempta”. Durante a tramitação no Senado foram fundidos esses dispositivos, que passaram a ter a seguinte redação: “A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz. Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se tiver ocorrido desistência, ou se julgado extinto o processo”. Posteriormente, quando do retorno do projeto à Câmara, foi acolhida a supressão da referência à “desistência” do feito, já abrangida pela “extinção do processo”, conforme proposta do Deputado Ricardo Fiuza.
Em sua doutrina, o Deputado Ricardo Fiuza, nos termos do art. 485, VII, do Código de Processo Civil, realmente havia redundância na referência à desistência, quando o dispositivo previa a extinção do processo.
Se qualquer pessoa, com justo interesse, pode contestar a ação de investigação da paternidade, nos termos do CC 1.615, às pessoas com legítimo interesse deve ser facultada a propositura de ação de investigação da paternidade (v. Regina Beatriz lavares da Silva, Reflexões sobre o reconhecimento da filiação extramatrimonial, Revista de Direito Privado coord. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 1, jan./mar 2000, p. 76).
• É evidente que a ação de investigação da paternidade ou da maternidade não pode caber, indiscriminadamente, a qualquer pessoa. No entanto, a legitimidade ativa não pode ficar restrita ao filho uma vez que sua relação é estabelecida com outra pessoa, o seu genitor, que também deve ter essa legitimidade.
• Por essas razões, deve tal ação caber a quem tem legítimo interesse na demanda: filho e também pai e mãe biológicos.
• Sugestão legislativa: Pelos fundamentos expostos, apresentou-se ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para alteração deste artigo, o qual, uma vez aprovada a proposta pela Câmara dos Deputados, passaria a redigir-se: CC 1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz, e também cabe ao pai e à mãe biológicos.
Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho ou pelo genitor biológico, os seus herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.
Bibliografia • Luiz Edson Fachin, Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1999; Zeno Veloso, Direito brasileiro da filiação e paternidade, São Paulo, Malheiros Ed., 1997; Yussef Said Cahaji, Dos alimentos, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999; Regina Beatriz lavares da Silva, Responsabilidade civil do médico na inseminação artificial, in Responsabilidade civil médica, odontológica e hospitalar coord. Carlos Alberto Bittar, São Paulo, Saraiva, 1991; Monica Sartori Scarparo, Fertilização assistida, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1991; Joaquim José de Souza Diniz, Filiação resultante de fecundação artificial humana, in Direitos de família e do mepoc: Belo Horizonte, Bel Rey, 1993; Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, São Paulo, Saraiva, 1995; Silvio Rodrigues, Direito civil, 26. ed., São Paulo, Saraiva, 2001; Regina Beatriz lavares da Silva, Reflexões sobre o reconhecimento da filiação estranha relativa de Direito Privado, coord. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Autade Nery, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 1, jan./mar. 2000. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 820, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 05/04/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Segundo artigo publicado em agosto de 2014 por Jeferson Coelho Santos e Elenilza da Conceição Costa Sales, no site jus.com.br/artigo, intitulado “Reconhecimento de filiação – um direito constitucionalmente garantido”, no item 2.4 – as famílias e a constituição Federal de 1988, a história da humanidade revela, sem dúvida, que a entidade familiar tornara-se o instituto de maior relevância para o indivíduo desenvolver-se como pessoa humana, razão pela qual fora instituída como alicerce elementar da sociedade, abraçada por ampla e especial tutela estatal.
Insta salientar, que o surgimento de fatos novos, sobretudo, a partir do fenômeno da globalização, tais como a evolução técnico-cientifica (reprodução assistida e exame de DNA) e a elevação do indivíduo como sujeito de direitos (e de desejos), foram eventos cruciais para influenciar esse novo tratamento dado às famílias.
A respeito dessa moderna acepção de família, tutelada pela norma constitucional, Gagliano e Pampolha Filho (2012, p.58) afirmam que: "Hoje, no momento em que se reconhece à família, em nível constitucional, a função social de realização existencial do indivíduo, pode-se compreender o porquê de a admitirmos efetivamente como base de uma sociedade que, ao menos em tese, se propõe a constituir um Estado Democrático de Direito calcado no princípio da dignidade da pessoa humana."
A partir disso, infere-se que a família tem uma função a ser desempenhada no meio societário, qual seja, ser o núcleo central para estabilização de seus integrantes. E não se trata de resguardar apenas as relações calcadas à base do matrimônio, mas, ir além, de forma a tutelar todo grupo de pessoas que convivem, na intenção de constituir família, independentemente de registro civil para tanto.
Dentre as inovações apresentadas pela Lei Fundamental em voga, destaca-se a mitigação da autonomia particular, vez que a ingerência do Estado ensejou na redução de sua hegemonia, passando este a tutelar de maneira crucial as famílias, nos termos do caput do artigo 226, da CF, bem como legitimou a união estável e a família monoparental como verdadeiras entidades familiares.
A filiação, por seu turno, encontrou guarida no art. 227, § 6º, da Lei Maior, o qual amparou efetivamente a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais individuais, findando com a desigualdade filial, e por consectário, dando igualdade de tratamento – direitos e qualificações – para os filhos, sejam eles havidos ou não da relação do casamento, ou ainda que sejam adotados.
Sendo assim, não
obstante a Carta Magna tenha se mantido inerte sobre a tutela de alguns
institutos, a exemplo da união homoafetiva, inexiste vedação constitucional
quanto a esse tipo de relação, uma vez que, fundado no respeito à dignidade da
pessoa humana, o referido diploma legal proíbe expressamente qualquer forma de
discriminação.
Por outro lado, a norma constitucional não referendou explicitamente o afeto como fator primordial para base da família, mas é nítido que os laços afetivos estão também reverenciados na dignidade da pessoa humana, dando ensejo a vínculos decorrente da convivência familiar afetiva, que, agora, vem ganhando espaço, deixando de ser, o vínculo biológico, a única forma de parentesco, conforme será analisado oportunamente.
Acerca disso, segue a lição de Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 29): "Todas as mudanças sociais havidas na segunda metade do século passado e o advento da Constituição Federal de 1988, com as inovações mencionadas, levaram à aprovação do Código Civil de 2002, com a convocação dos pais a uma “paternidade responsável” e a assunção de uma realidade familiar concreta, onde os vínculos de afeto se sobrepõem à verdade biológica, após as conquistas genéticas vinculadas aos estudos do DNA. Uma vez declarada a convivência familiar e comunitária como direito fundamental, prioriza-se a família socioafetiva [...]. (grifo nosso)."
Assim sendo, ainda que o Estado estabeleça normas para regular o
instituto em apreço, são seus membros familiares que irão decidir de que forma
conduzir as suas vidas, visto que é por meio da família que irão desenvolver
suas personalidades, tornando-se o centro das atenções jurídicas
constitucionais. E dizem mais, os autores, nos tópicos seguintes, que devem
interessar a qualquer estudioso do Direito de Família, e novas regras, no
sentido de direitos e dignificação da pessoa humana. (Jeferson Coelho Santos
e Elenilza da Conceição Costa Sales, em artigo publicado em agosto de 2014 no
site jus.com.br/artigo, intitulado “Reconhecimento de filiação – um direito
constitucionalmente garantido”, acessado em 05.04.2021,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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