Art. 1.612. 0 filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob a guarda do genitor que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram e não houver acordo, sob a de quem melhor atender aos interesses do menor.
No lecionar dos autores Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo é excessivo. A guarda cabe aos pais. Enquanto não há reconhecimento da filiação não há o vínculo de filiação. A guarda cabe aos pais. Devem ser observados na sua fixação o princípio do maior interesse da criança e as regras relativas a ela, o disposto nos CC 1.583 e seguintes. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, comentários ao CC 1.612, acessado em 08.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Historicamente, o texto original do projeto era o seguinte: “O filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob o poder do genitor que o reconheceu, e, se ambos o reconhecerem e não houver acordo, sob o de quem demonstrar melhores condições para educá-lo”. Durante o período inicial de tramitação o artigo foi alterado pela Câmara dos Deputados, passando a redigir-se: “O filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob o poder do genitor que o reconheceu, e, se ambos o reconhecerem e não houver acordo, sob o de quem melhor atender aos interesses do menor”. Durante a passagem pelo Senado Federal foi novamente emendado, passando a dispor: “O filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob a autoridade do genitor que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram e não houver acordo, sob a de quem melhor atender aos interesses do menor”. Retomando, em seguida, o projeto à Câmara, promoveu o Deputado Ricardo Fiuza a substituição da palavra “autoridade” por “guarda”, proposta que restou acolhida em definitivo.
Então, ficando dessa forma a Doutrina de Ricardo Fiuza: • O Código Civil anterior estabelecia no Art. 360 que “O filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob poder do progenitor que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram, sob o do pai”. O Decreto Lei n. 5.582/70 estabeleceu que “O filho natural enquanto menor ficará sob o poder do genitor que o reconheceu e, se ambos o reconheceram, sob o poder da mãe, salvo se de tal solução advier prejuízo ao menor”.
• A redação original do projeto já corrigia o erro da legislação anterior, consistente na prefixação do genitor com o qual deveria permanecer o filho se reconhecido por ambos os genitores. Descabe à lei prever qual é o genitor mais adequado à prestação dos cuidados de que o filho necessita, se o pai ou a mãe, sendo necessário verificar, caso a caso, quem deve permanecer com o filho, conforme os seus elevados interesses.
• A modificação operada pela Câmara dos Deputados na fase final de tramitação do projeto foi também relevante porque corrigiu outra falha da legislação anterior, substituindo a palavra “pode?’ ou “autoridade” por “guarda”. Na hipótese de ambos os genitores reconhecerem o menor, aquele que não detiver a guarda não deixará de ter o “poder familiar” de que tratam os ais. 1.630 e ss. deste Código, cabendo-lhe o direito-dever de visitar e ter o filho em sua companhia, fiscalizar sua educação e demais direitos e deveres daí decorrentes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 823, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 08/04/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Luiz Jorge Valente Pontes Costa, em artigo publicado no site Jus.com.br, em dezembro de 2009, como título: Guarda conjunta: em busca do maior interesse do menor, assim dispõe: A guarda no Direito brasileiro segue, desde suas origens, duas linhas: a primeira, é aquela proveniente da quebra do vínculo conjugal, e a segunda é regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (para fins de colocação em família substituta). A guarda visa primordialmente dar proteção ao menor indefeso. A seguir, veremos o conceito desse instituto.
O conceito de guarda não é dos mais simples. Waldyr Grisard Filho
oferece a seguinte disposição: A
guarda não se define por si mesma, senão através dos elementos que a asseguram.
(...) surge, através dos artigos 231, IV e 379 a 383 do CC, como um direito-dever
natural e originário dos pais, que consiste na convivência com seus filhos,
previsto no art. 384, II do CC e é o pressuposto que possibilita o exercício de
todas as funções paternas,.. .
Guilherme Gonçalves Strenger assim a conceitua: Guarda de filhos ou menores é o
poder-dever submetido a um regime
jurídico legal, de modo a facultar a quem
de direito prerrogativas para o exercício da proteção e amparo daquele que a
lei considerar nessa condição.
Já para Edgard de Moura Bittencourt, “Não se pode dizer que constitua apenas um munus, num sentido exclusivo de obrigação, cuidado, proteção e zelo. Pois é certo que envolve, em contraposição aos deveres que acarreta, algumas vantagens materiais e imateriais em favor de quem a exerce, que podem ser erigidas na qualificação de direitos. Direitos morais, como o desfrute da companhia da criança, mantendo-a ou integrando-a na própria família, orientando-lhe a educação; direitos materiais, com proveitos patrimoniais diretos ou indiretos, como, em alguns casos, o usufruto dos bens do menor, a faculdade de reclamar restituição de gastos da pessoa que deva alimentos àquele. Quanto aos proveitos materiais indiretos, poderão ser lembrados os serviços que o menor venha a prestar, no lar ou no trabalho, aos quais nem sempre deva corresponder uma pretensão salarial.”
J. M. Leoni Lopes de Oliveira oferece o seguinte conceito: Em nosso entender, a guarda é um conjunto de direitos e deveres que certas pessoas exercem, por determinação legal, ou pelo juiz, de cuidado pessoal e educação de um menor de idade. A guarda para os genitores, é um direito e um dever.
[...]
A guarda, no Direito brasileiro, é prevista desde o final do século XIX, através do Decreto 181, de 1.890, art. 90, segundo o qual: A sentença do divórcio mandará entregar os filhos comuns e menores ao cônjuge inocente e fixará a cota com que o culpado deverá concorrer para a educação deles, assim como a contribuição do marido para a sustentação da mulher, se esta for inocente e pobre.
O Código Civil de 1916 cuidou dos
casos de separação judicial consensual, caso em que o juiz observará o que os
separandos decidiram a respeito da guarda de filhos,
e separação judicial litigiosa, caso em que surgiam três hipóteses:
a) havendo cônjuge inocente, a ele era deferida a
guarda;
b) se ambos os cônjuges eram considerados culpados, então a guarda das
filhas e dos filhos até os seis anos era concedida à mãe, e os filhos após a
idade de 6 anos ficavam com o pai;
c) havendo motivos graves, o juiz regulava de maneira diferente, sempre
a bem dos filhos.
A próxima espécie legislativa a tratar do assunto foi o Decreto-lei nº 3.200, de 19-4-1941, que dispõe sobre a organização e proteção da família, sendo que em seu art. 16 mandava que o filho ficasse sob o poder do genitor que o reconheceu ou se ambos o reconheceram, sob o poder do pai.
A Lei nº 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada) introduziu algumas
modificações no que diz respeito à dissolução litigiosa, mantendo inalterado o
regramento sobre a dissolução consensual. Assim, o Código Civil passou a reger
o assunto da seguinte maneira:
a) havendo cônjuge inocente, sob o poder deste ficariam os filhos;
b) se ambos os cônjuges fossem culpados, a prole ficaria sob a guarda da
mãe, não mais persistindo a determinação pelos critérios da idade e do sexo;
c) verificando que os menores não poderão ficar sob a guarda do pai nem da mãe, pois nesse caso aqueles incorreriam em sérios prejuízos, então a guarda seria deferida a terceira pessoa da família ou não dos pais.
Em seguida, a Lei nº 5.582, de 16 de junho de 1970, introduziu algumas alterações no Decreto-lei nº 3.200/41, mais especificamente em relação ao art. 16, acrescentando-lhe dois parágrafos. Destarte, a redação ficou assim:
Art. 16. O
filho natural enquanto menor ficará sob o poder do genitor que o reconheceu e,
se ambos o reconheceram, sob o poder da mãe, salvo se de tal solução advier
prejuízo ao menor.
§ 1º. Verificado que não deve o filho permanecer em poder da mãe ou do pai, deferirá o juiz a sua guarda a pessoa notoriamente idônea, de preferência da família de qualquer dos genitores.
§ 2º. Havendo motivos graves, devidamente comprovados, poderá o juiz, a qualquer tempo e caso, decidir de outro modo, no interesse do menor.
A próxima criação legislativa foi a Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, conhecida como Lei do Divórcio, que além de manter as disposições acrescentadas pela Lei nº 5.582/70, ainda previu novas situações. Assim é que:
a) em caso de dissolução da sociedade conjugal consensual, observar-se-á o que os cônjuges acordaram a respeito da guarda de filhos (art. 9º);
b) no caso de dissolução litigiosa, em que existe apenas um cônjuge responsável, ao outro será dada a guarda dos filhos (art. 10, caput);
c) se ambos forem responsáveis pela dissolução conjugal, então a guarda será dada preferencialmente à mãe, salvo se de tal solução advier prejuízo para os menores (art. 10, § 1º);
d) verificando o juiz que os filhos não devam ficar sob o poder da mãe nem do pai, a guarda será concedida a terceiro parente ou não (art. 10, § 2º);
e) em caso de separação fática há mais de um ano, a guarda será concedida àquele dos pais com quem já estava quando da separação (o legislador houver por bem manter o status quo – art. 11);
f) finalmente, na hipótese de separação ou divórcio consequente a doença mental de um dos cônjuges, os filhos ficarão sob a guarda daquele dos pais que estiver em condições normais de exercê-la (art. 12).
Não se pode deixar de salientar que o art. 13 reforçou o poder discricionário e moderador do juiz que deverá atuar sempre em busca do maior interesse do menor, pois de acordo com aquele dispositivo, o juiz poderá regular a situação dos pais para com os filhos de maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores, caso haja motivos graves que o autorizem a tanto, sempre no interesse dos filhos.
[...]
A guarda de filhos é um fenômeno em constante
crescimento, dado o aumento de cisões dos vínculos conjugais que a
desencadeiam. É fato comprovado por pesquisas [25] científicas que o divórcio e as
separações judiciais, em consonância com as mudanças de comportamento, cresceram
bastante nos últimos tempos, especialmente a partir da segunda metade do século
XX, dando origem a famílias monoparentais e a segundos casamentos, e até mesmo
a uniões livres de qualquer contrato ou vínculos matrimoniais como é
característico do casamento.
Diante desse crescimento vertiginoso do problema da
guarda, não nos podem passar despercebidos as consequências que esta sugere, as
suas causas, os seus efeitos e deveres correlatos como alimentos e visitas.
A guarda de filhos oferece as mais variegadas
facetas, principalmente nas últimas décadas, com o surgimento de novas espécies
de famílias nas sociedades, dentre as quais podemos citar as uniões
homossexuais, as quais não têm o condão de gerar descendentes, porém ainda
assim não podem ser desprezadas, em virtude da possibilidade de adoção ou
mesmo reprodução livre (sem compromissos) de filhos que poderão ser colocados
em meio familiar homossexual (quem não se lembra do caso do menino
"Chicão", que vivia com a cantora Cássia Eller e sua companheira
Eugênia), gerando novas situações que a orientação jurisprudencial custa
aceitar, mas que com o tempo, tendem a ter seus direitos reconhecidos.
A guarda não levanta dúvidas quando o casal se
encontra unido, pois nesse caso ela é exercida em comum. Aliás, oportuno trazer
ao papel o interessante paralelo que existe entre a guarda e o pátrio poder, de
um lado, e a posse e
a propriedade, de outro.
Enquanto a coisa não está sendo disputada, a posse
não levanta questões relevantes. É somente quando alguém alega ser possuidor de
uma coisa ou bem que surgirão disputas em torno deste. Da mesma forma, acontece
com a guarda. A guarda não apresenta maiores problemas quando o casal se
encontra unido. É somente quando ocorre a ruptura da vida em comum, que a
guarda adquire relevo para ser disputada entre os ex-cônjuges.
Podemos ir além, afirmando que da mesma forma que a
posse se destaca da propriedade, podendo ter sujeitos ativos diferentes, a
guarda também é destacável em relação ao pátrio poder, um não interferindo na
existência do outro. Assim, é perfeitamente possível que o pai, de um lado,
conserve seu pátrio poder, enquanto um terceiro (avô materno, por exemplo)
detenha a guarda.
Já afirmara Grisard Filho: A
guarda não é da essência do pátrio poder, sendo apenas de sua natureza, podendo
ambos conviverem pacificamente, ou seja, a primeira (a guarda) não exclui o
segundo (o pátrio-poder). A guarda é dos elementos do pátrio poder o mais
destacável, independentizando-se e ganhando desdobramento próprio.
Vale transcrever o reluzente ensinamento de Strenger,
segundo o qual: A guarda de filhos ou menores ocorre
sempre que se põem em confronto duas pretensões antagônicas, ou quando a
intervenção do Estado se faz necessária, como é o caso do menor abandonado.
Daí poder afirmar-se que o fato consoante da guarda é
de natureza anômala, pois as situações normais desconsideram o problema visto
que a família constituída, seja ela legítima ou natural, não comporta tais
incidentes, enquanto assim permanece.
Portanto, como se vê, podemos resumir a questão em
poucas palavras: o problema da guarda somente surge com o conflito em família
que causa a separação dos pais.
Já para o ECA, a guarda serve para colocação do menor
em situação irregular em família substituta, i.e., em família que não é a
originária, ascendente. Há posições que entendem que a guarda estatutária não
se limita a menor em situação irregular, sendo mais abrangente, mas sobre isso
discorreremos mais adiante (v. 2.8 infra).
Os critérios de determinação da guarda são os instrumentos que nortearão
o juiz a tomar uma decisão tão importante quanto é a guarda. São eles o
interesse do menor, idade e sexo, irmãos juntos ou separados, audiência do
menor, e comportamento dos pais.
O menor tem interesse em viver em uma família saudável, em ser educado,
alimentado física e psicologicamente, em ter acesso à cultura, à dignidade, ao
convívio familiar, ao lazer, à saúde, enfim (art. 227, CF/88 e art. 4º do ECA).
O conceito de melhor (ou maior) interesse do menor, embora necessário,
não é tarefa fácil. Alguns afirmam que ele deve ser verificado caso a caso, não
podendo, pois, ser definido em fórmulas estanques como se fosse uma forma de
bolo ou de gelo.
Juridicamente há dois níveis a considerar: o interesse do menor serve antes de mais nada de critério de controle, isto é, de instrumento que permita fiscalizar o exercício da autoridade dos pais, sem colocar em causa a existência dos seus direitos. Assim, na família unida, o interesse presumido do menor é ser criado por seus pais, mas se um deles abusa ou mal usa suas prerrogativas, o mesmo critério permitirá tirar-lhe essa autoridade ou controlar o seu exercício. Um segundo nível será identificado como critério de solução, no sentido de que, em caso de divórcio ou separação, a atribuição da autoridade dos pais e, pois, o exercício de suas prerrogativas, irá depender da apreciação que faça o juiz do interesse do menor.
Ainda assim, o conceito de interesse do menor não resta formulado. Eduardo de Oliveira Leite tenta fazê-lo demonstrando critérios a serem observados pelo juiz, tais como: o desenvolvimento físico e moral da criança, a qualidade de suas relações afetivas e sua inserção no grupo social, a idade, o sexo, a irmandade, o apego ou a indiferença manifestada pela criança a um de seus pais, a estabilidade da criança, como também as condições que cercam os pais, materiais e morais.
Para Grisard Filho, “... existem interesses individuais e concretos
sobre os quais se procede a uma avaliação individualizada. É desses interesses
concretos que se cuida na determinação da guarda de filhos, sendo o juiz o
intérprete dos particulares interesses materiais, morais, emocionais, mentais e
espirituais de filho menor, intervindo segundo o princípio de que cada caso é
um caso, o da máxima singularidade.”
Conclui-se, pois, que tal interesse constitui mais uma questão de fato (quaestio
facti) mesmo, longe de ser uma fórmula pronta a decidir as mais
particulares demandas sobre guarda.
No estágio atual de evolução da legislação brasileira, não cabe mais
fazer distinção de idade e sexo para a concessão da guarda, pois foi revogado o
dispositivo do antigo Código Civil que disciplinava a matéria, mandando que as
filhas e os filhos até seis anos de idade ficassem com a mãe, e os filhos, após
a idade dos 6 anos, ficassem com o pai.
No que se refere à idade, é consentâneo que a guarda de crianças novas (até 4 anos mais ou menos) e mais precisamente de bebês (até 24 meses) seja concedida à mãe, dado o caráter psicofisiológico que rege a relação mãe-filho. (Luiz Jorge Valente Pontes Costa, em artigo publicado no site Jus.com.br, em dezembro de 2009, como título: Guarda conjunta: em busca do maior interesse do menor, acessado em 08.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.613. São ineficazes a condição e o termo apostos ao ato de reconhecimento do filho.
Em sua Doutrina, Ricardo Fiuza explica que o ato de reconhecimento do filho, além de ser irrevogável, conforme o Art. 1.610, não pode estar sujeito a condições ou a prazo, ou seja, não se subordina a qualquer cláusula que tenha o condão de restringir ou alterar os efeitos da relação de filiação (v. Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 298). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 823, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 08/04/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No mesmo sentido Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, quando reflete ser o reconhecimento do ato jurídico em sentido estrito, cujos efeitos são demarcados pela lei. Não negócio jurídico e, portanto, não cabem disposições de vontade que modifiquem sua eficácia. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, comentários ao CC 1.613, acessado em 08.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Iaci Gomes da Silva Ramos Filha, em defesa de sua tese, com o título: “Paternidade socioafetiva e a impossibilidade de sua desconstituição posterior”, no Centro de Ensino Superior do Amapá, ano de 2008, já no item 3.5.2. “Do erro e o reconhecimento da paternidade” - Além da paternidade decorrente da incidência da presunção pater is est tem-se, ainda, a possibilidade de que o estado de filiação origine-se do reconhecimento voluntário.
Em muitos casos esse ato registral é realizado de boa-fé, ou seja, acreditando-se na existência do vínculo genético entre aquele que declara a paternidade e o perfilhado. Nessa situação, considerando-se a descoberta posterior de que a paternidade fora formalizada com base em uma situação irreal, não conhecida por quem fizera o registro, torna-se, em tese, juridicamente possível à propositura de ação de desconstituição, ainda que tenha decorrido lapso temporal considerável de convivência entre o pai registral e o filho.
Tal fato impõe uma certa consideração, tanto nos casos de filiação pela presunção como também nos casos de reconhecimento voluntário, porquanto deva ser explicitado se o vínculo criado entre os interessados deve ou não ser levado em conta para fins de solução do caso. Percebe-se, nessas hipóteses, que o direito do pai à desconstituição deriva do fato de o reconhecimento da paternidade ter decorrido de verdadeiro engano, constatando-se que, uma vez conhecida à realidade, não teria o pai procedido ao referido ato jurídico. No entanto, infelizmente, nenhuma atenção costuma ser dada pelos operadores do direito, neste mesmo
caso, à situação do filho, como se este fosse obrigado a sofrer todas as consequências do engano alheio. Assim é que verificado o erro, busca-se a anulação do reconhecimento, fato que diante das circunstâncias pode acarretar uma série de transtornos para o filho, que sofre a desconstituição do vínculo que o unia formalmente a seu pai. A solução desses problemas sempre foi vista através da ótica que protege os interesses do pai, bem ao gosto do Código Civil de 1916.
Analisando-se, a jurisprudência aos poucos foi inserindo em seu contexto o fenômeno da posse de estado de filho. De forma tímida em um primeiro momento, utilizava-a como prova subsidiária para o estabelecimento da filiação, introduzindo aos poucos no mundo jurídico a posse de estado de filho como prova autônoma e determinante para a determinação dos vínculos familiares.
Na atualidade, a expressão do estado de filiação é totalmente respaldada pelos julgadores pátrios, sua expressão é a que recebe maior valoração nos casos em que a determinação das relações paterno-filiais se mostra obscura.
Para uma melhor verificação da aplicação da teoria da paternidade socioafetiva nas decisões atuais, serão analisados alguns julgados dotados de características peculiares ao tema, buscando-se destacar a evidenciação dos elementos expostos no decorrer da averiguação científica.
Quando do ajuizamento de uma ação que contemple a ocorrência da paternidade socioafetiva, deve-se buscar o reconhecimento do vínculo afetivo existente entre o pai e o filho, na qual deve haver a comprovação (por quaisquer meio de prova admitidos pelo Direito) dos elementos constitutivos da posse de estado de filho. Senão veja-se:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA SOBRE O VÍNCULO BIOLÓGICO. DEMONSTRADA A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA, PELO PRÓPRIO DEPOIMENTO DA INVESTIGANTE, POSSÍVEL O JULGAMENTO DO FEITO NO ESTADO EM QUE SE ENCONTRA, SENDO DESNECESSÁRIA A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA OU INQUIRIÇÃO DE OUTRAS TESTEMUNHAS, QUE NÃO PODERÃO CONDUZIR À OUTRA CONCLUSÃO SENÃO DA IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. PRELIMINARES REJEITADAS E RECURSO DESPROVIDO, POR MAIORIA. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível Nº 70015562689, Sétima Câmara Cível, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 28/02/2007. Como se pode observar no referido acórdão, o próprio depoimento da parte apelante serviu de elemento convincente para que seu pedido fosse julgado procedente, tendo os julgadores se utilizado inclusive das declarações do próprio investigado para fundamentarem seus votos.
Em outra análise das decisões proferidas pelo 4º Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, extraiu-se a certeza de que em momento algum é promovida a banalização do instituto da paternidade socioafetiva. Uma vez não identificados os elementos caracterizadores do estado de filiação, os julgadores não demonstram dúvidas em expressar a realidade dos fatos em seus votos. Observe-se:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA E ANULAÇÃO DE PARTILHA. AUSÊNCIA DE PROVA DO DIREITO ALEGADO. INTERESSE MERAMENTE PATRIMONIAL. Embora admitida pela jurisprudência em determinados casos, o acolhimento da tese da filiação socioafetiva, justamente por não estar regida pela lei, não prescinde da comprovação de requisitos próprios como a posse do estado de filho, representada pela tríade nome, trato e fama, o que não se verifica no presente caso, onde o que se percebe é um nítido propósito de obter vantagem patrimonial indevida, já rechaçada perante a Justiça do Trabalho. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.RIOGRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, Apelação Cível Nº 70016362469, Sétima Câmara Cível, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 13/09/2006.
EMENTA:AÇÃO ANULATÓRIA DE RECONHECIMENTO. PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA NÃO CONFIGURADA. A paternidade não é apenas um mero fato, um dado biológico, e sim, uma relação construída na vida pelos vínculos que se formam entre o filho e seu genitor. Caso em que as evidências levam à conclusão de que o reconhecimento da paternidade foi decorrente de erro, e não de decisão consciente do autor, o que o levou a afastar-se da criança, tão logo soube que não era seu filho, entre ambos não se formando a relação socioafetiva que deve ser preservada. Negaram provimento, por maioria, vencido o Relator. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, Apelação Cível Nº 70000849349, Sétima Câmara Cível, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 20/08/2003.
Para um melhor conhecimento da realidade fática referente ao convívio das partes integrantes de uma apelação, não ousaram os Desembargadores da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em abrir mão de uma avaliação social, conforme podemos acompanhar nesta ementa.
EMENTA: APELAÇÃO. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. DESCONSTITUIÇÃO DO REGISTRO. ADEQUAÇÃO. Dois exames de DNA deixaram certo que não existe filiação biológica. O laudo de avaliação social concluiu que inexiste filiação socioafetiva. Ficou demonstrada a existência de erro substancial por ocasião do registro. Tudo isso leva à conclusão de que, no caso, a desconstituição da paternidade é mesmo de rigor. NEGARAM PROVIMENTO.RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, Apelação Cível Nº 70016771370, Oitava Câmara Cível, Relator: Rui Portanova, Julgado em 23/11/2006.
Aspecto destacado quando da apreciação dos elementos constitutivos da paternidade socioafetiva, se faz necessária à incidência de um lapso temporal razoável para que possa se solidificar a relação de afeto. Respalda-se a alternativa através de duas decisões em grau de apelação.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. Não obstante ter o exame de DNA afastado a paternidade, deve prevalecer a realidade socioafetiva sobre a biológica, diante da relação formada entre pai e filha ao longo de anos. RECURSO DESPROVIDO.58 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, Apelação Cível Nº 70007706799, Oitava Câmara Cível, Relator: Alfredo Guilherme Englert, Julgado em 18/03/2004.
O afeto sobressai ao vínculo genético,
veja-se: EMENTA: APELAÇÃO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE
REGISTRO. PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Embora filho biológico do
investigado, o investigante foi criado pelo pai registral por mais de 30 anos,
criando verdadeira paternidade socioafetiva, que prevalece sobre o vínculo
genético. NEGARAM PROVIMENTO. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, Apelação Cível
Nº 70017016908, Oitava Câmara Cível, Relator: Rui Portanova, Julgado em
30/11/2006.
Ao contrário da grande maioria das demandas que pretendem reconhecer a existência do vínculo socioafetivo, em que a relação afetiva alegada envolve o pai e uma criança, nos casos em tela são postulados liames afetivos por idosos em relação aos pais já falecidos.
EMENTA: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.
APELAÇÃO CÍVEL. IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA GENÉTICA. PROVA DO
VÍNCULO AFETIVO. Falecido o investigado, a ação dever ser movida contra todos os seus
herdeiros. Inexistência de falta de comprovação da maternidade da investigante
e irregularidade das informações constantes nas certidões de seu nascimento e
casamento. Inviabilidade de realização de prova pericial, por meio de exame de
DNA, uma vez que o material genético dos sucessores mais próximos do
investigado não serve ao fim
pretendido. Caso em que assume especial importância a prova documental e testemunhal produzida. Posto que a paternidade biológica não seja certa, a prova carreada assegura a confirmação da declaração da paternidade, porquanto revela ter a investigante assumido o estado de filha do de cujus. Consagração da paternidade socioafetiva, prestigiando a situação que preserva o elo da afetividade. NEGADO PROVIMENTO. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, Apelação Cível Nº 70016585754, Sétima Câmara Cível, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 29/11/2006.
EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA. ADOÇÃO INFORMAL. PRETENSÃO AO RECONHECIMENTO. PATERNIDADE AFETIVA. POSSE DO ESTADO DE FILHO. PRINCÍPIO DA APARÊNCIA. ESTADO DE FILHO AFETIVO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PRINCÍPIOS DA SOLIDARIEDADE HUMANA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ATIVISMO JUDICIAL. JUIZ DE FAMÍLIA. DECLARAÇÃO DA PATERNIDADE. REGISTRO. A paternidade sociológica é um ato de opção, fundando-se na liberdade de escolha de quem ama e tem afeto, o que não acontece, às vezes, com quem apenas é a fonte geratriz. Embora o ideal seja a concentração entre as paternidades jurídica, biológica e socioafetiva, o reconhecimento da última não significa o desapreço a biologização, mas atenção aos novos paradigmas oriundos da instituição das entidades familiares. Uma de suas formas é a "posse do estado de filho", que é a exteriorização da condição filial, seja por levar o nome, seja por ser aceito como tal pela sociedade, com visibilidade notória e pública. Liga-se ao princípio da aparência, que corresponde a uma situação que se associa a um direito ou estado, e que dá segurança jurídica, imprimindo um caráter de seriedade à relação aparente. Isso ainda ocorre com o "estado de filho afetivo", que além do nome, que não é decisivo, ressalta o tratamento e a reputação, eis que a pessoa é amparada, cuidada e atendida pelo indigitado pai, como se filho fosse. O ativismo judicial e a peculiar atuação do juiz de família impõe, em afago à solidariedade humana e veneração respeitosa ao princípio da dignidade da pessoa, que se supere a formalidade processual, determinando o registro da filiação do autor, com veredicto declaratório nesta investigação de paternidade socioafetiva, e todos os seus consectários. APELAÇÃO PROVIDA, POR MAIORIA.RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, Apelação Cível Nº 70008795775, Sétima Câmara Cível, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 23/06/2004.
Como se vê, na decisão acima, se pode comprovar a evolução operada pelos nossos tribunais no que diz respeito ao instituto da filiação, ao admitir expressamente a “posse de estado de filho” como elemento constitutivo da filiação. Evidentemente, que em nenhum momento é afastada totalmente a filiação jurídica e biológica, e sim, em casos e situações especiais, hierarquizada a relação socioafetiva, por ser a mais relevante na formação e socialização do ser humano.
Encerrando este capítulo, cujo propósito foi a análise da incidência da paternidade socioafetiva na jurisprudência nacional, destaca-se o importante papel desempenhado pelos operadores do direito na valorização da teoria da paternidade socioafetiva.
Os elementos fundamentais recebidos pelos filhos enquanto membros de uma família são a fonte de formação e desenvolvimento de suas personalidades. Assim, uma criança fora do seu meio familiar não terá condições psicológicas de se desenvolver plenamente. Verifica-se que o conceito de família sofreu inúmeras mudanças, diante de uma sociedade desvinculada de apelos sociais.
A entidade familiar tanto pode ser constituída pelo casamento, pela união estável ou pela comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, sobretudo construída pelo afeto. Modernamente e o mais aceitável na sociedade atual, é que a família deve valorizar o sentimento, uma vez que traduz a noção de afeto, elemento propulsor da atual relação de convivência, com a demonstração do desejo de estar junto a outrem, constituindo, pois, o alicerce de uma entidade familiar.
Na presente pesquisa averiguou-se que a
perspectiva hierarquizada da família sofreu ao longo do tempo uma profunda
metamorfose. Além de ter havido uma sintomática redução de seus componentes,
alternou ainda algumas atribuições.
A emancipação feminina e o ingresso no mercado de trabalho levaram a mulher para fora do lar. A inversão de prerrogativas fez com que o homem deixasse de ser o provedor exclusivo da família, no entanto, passou a ser partícipe nas atividades domésticas.
Dessa forma, a família patriarcal de concepção romana foi cedendo espaço a outros tipos de organizações familiares. A família moderna mudou. Hoje seu principal papel é de suporte emocional do indivíduo, em que há flexibilidade e, sem dúvida, mais intensidade no que diz respeito a laços afetivos.
O referido tema é relevante pois as relações de família devem ser decididas com base, principalmente, no valor constitucional da dignidade da pessoa humana, da proteção integral de crianças e adolescentes e também no princípio da igualdade.
Não se deve considerar tão somente a
repercussão da paternidade sobre a pessoa do pai, seja essa figura decorrente
da presunção pater is est ou da própria
manifestação de vontade em registrar
alguém como seu filho.
De todo o trabalho ficou claro que a paternidade não é um dado puramente biológico, ela é vista atualmente como exercício de uma função, na qual se inclui o tratamento, a convivência familiar e tem o escopo de propiciar ao filho um desenvolvimento sadio. Neste aspecto, a identidade de um para com o outro é mais relevante do que a descendência genética.
Num exercício de cognição é plausível
concluir que o conflito levado a juízo acerca da paternidade alusivo a relação
originária de reconhecimento voluntário,
exercitado por cônscio de geração biológica alheia, deve ser solucionado levando-se em conta que a criança não é um instrumento do qual dispõe o pai para consecução dos seus objetivos e que essa conduta não se coaduna com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).
A paternidade socioafetiva é irretratável, sobretudo quando a relação já se consolidou, tendo a criança, em relação ao pai, a posse de estado de filho; demonstrando trazer o patronímico do pai, ter no seio da família o tratamento dispensado a um filho e o reconhecimento pela família e da sociedade na qual esta se insere, da existência do vínculo de filiação. Aliás, essa paternidade é a verdade da filiação, sem a qual não há que se falar em pleno desenvolvimento dos filhos, é o elemento mais importante da relação paterno-filial, e a permissão dessa ruptura importa em grave afronta ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Todavia, depreende-se que a filiação socioafetiva possui lastro legal que se encontra na Constituição Federal de 1988, quando preceitua que todos os filhos são iguais independentemente de sua origem (art. 227,§ 6º); quando elege adoção como escolha afetiva, colocando-a no plano de igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); quando legitima como família a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, bem como os filhos adotivos (art. 226 § 4º); quando garante o direito à convivência familiar, e não a origem genética, quando constitui prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, caput), bem como quando impõe aos membros da família o dever de solidariedade, uns com os outros, dos pais com os filhos. Essa base legal não fica restrita ao texto Constitucional. Está também presente no atual Código Civil, no artigo 1.596 que reproduziu o disposto na Constituição, indicando que não deve haver nenhuma designação discriminatória em relação às espécies de filiação. De sorte que se não é possível revogar a filiação biológica e a adotiva, não é também permitida a revogação da socioafetiva amparada pelo art. 1.593, do Código Civil.
Então, falar-se em ação negatória de paternidade ou anulatória de registro civil, pressupõe a existência de um vício de consentimento que macula o ato da perfilhação. Assim, impossível visualizar tal circunstância quando alguém reconhece como seu, voluntariamente, o filho de outrem. As ações para desconstituição da paternidade socioafetiva não devem ser exitosas, principalmente quando a paternidade foi estabelecida por ato volitivo, não maculado por vício.
Entretanto, há situações em que o homem é induzido ao erro pela mulher, porém na hipótese de existir convivência familiar criando laços afetivos entre o pai e o filho reconhecido não se deve anular o registro desconstituindo a paternidade, sob essa alegação, pois o vínculo que se criou entre o pai e o filho reconhecido é indissolúvel, tendo no registro de nascimento apenas a exteriorização dessa união de laços afetivos, este, por sua vez, é base de toda a família e deve sempre prevalecer o princípio do melhor interesse da criança. (art. 27 ECA). Não é pela separação da mulher que o homem deve desconstituir a paternidade do filho reconhecido, sob a alegação de que ensejará o pagamento de pensão alimentícia, direito sucessório e outros.
Os conteúdos apresentados não esgotam inteiramente o assunto relativo à impossibilidade da desconstituição posterior da paternidade socioafetiva, mas certamente contribuirão para ampliar o debate acerca da problemática, formando uma síntese dessa questão, extremamente atual em nosso cotidiano. (Iaci Gomes da Silva Ramos Filha, em defesa de sua tese, com o título: “Paternidade socioafetiva e a impossibilidade de sua desconstituição posterior”, no Centro de Ensino Superior do Amapá, ano de 2008, postado no site mpam.mp.br/, acessado em 08.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.614.
0 filho maior não pode ser reconhecido
sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro
anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.
Em rápidos comentários, Luiz Fernando
Valladão Nogueira, publicou no site daniloborgescouto.jusbrasil.com.br/artigos,
artigo a respeito do CC 1.614, sobre Exclusão da Paternidade. Segundo o autor, filho maior,
para ser reconhecido eficazmente pelo pai, precisa manifestar seu
consentimento, o que torna tal ato bilateral. Essa exigência já constava do
art. 4º da Lei 8560/92.
Vale registrar que,
no caso de adoção, até por conta das exigências legais e procedimentais que
lhes são próprias, a exemplo do “estágio de convivência” (art. 46 ECA), impõe-se, por
opção legislativa, o consentimento também daquele que já for maior de 12 anos
de idade (art. 45 § 2º ECA – Lei 8069/90).
O filho menor poderá ser reconhecido, independentemente de seu consentimento. Isso acontece em virtude de sua ausência de compreensão, e mesmo porque, a princípio, esse ato vem em seu benefício. Acontece que o reconhecimento voluntário do filho menor – e que, portanto, não precisou ser ouvido – pode não lhe ser mais interessante, após atingida a maioridade.
Nessa hipótese poderá o filho impugnar o anterior reconhecimento espontâneo. E a referida impugnação não se lastreará no erro ou falsidade do registro, aludidos no CC 1604. Na verdade, por mera vontade do filho que atingiu a maioridade, poderá ser impugnado o reconhecimento.
A fim de que haja segurança jurídica nas relações de parentesco e mesmo em consideração aos vínculos socioafetivos que são criados, o legislador estabeleceu o prazo de 4 anos após a maioridade para o ajuizamento dessa ação impugnatória.
Naturalmente que o
referido prazo só se aplica para a impugnação pelo filho ao reconhecimento
voluntário. Diferente disso, se o filho quiser não só recusar o pai registral,
mas reconhecer o real vínculo biológico e parental com outro cidadão, aí sim
sua pretensão será imprescritível, a teor do CC 1606 e do
art. 27 ECA (Lei 8069/90).
Vale conferir o
entendimento do STJ, já pacificado, sobre o tema: “ … – A regra que impõe o prazo
de quatro anos para impugnar o reconhecimento da paternidade constante do
registro civil só é aplicável ao filho natural que pretende afastar a
paternidade por mero ato de vontade, com o objetivo único de desconstituir o
reconhecimento da filiação, sem contudo buscar constituir nova relação. – A
decadência, portanto, não atinge o direito do filho que busca o reconhecimento
da verdade biológica em investigação de paternidade e a consequente anulação do
registro com base na falsidade deste. …”.
Em síntese, a pretensão de ver reconhecida a ancestralidade continua imprescritível; contudo, submete-se ao prazo de quatro anos após a maioridade a pretensão do filho de afastar, apenas e tão só, o reconhecimento manifestado espontaneamente pelo pai. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 987987/SP. Rel. (a). Ministra Nancy Andrighi, julgamento em 21/08/2008, Terceira Turma, Diário de Justiça, Brasília, 05 setembro 2008). (Luiz Fernando Valladão Nogueira, publicou no site daniloborgescouto.jusbrasil.com.br/artigos, artigo a respeito do CC 1.614, sobre Exclusão da Paternidade. acessado em 08.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
O entendimento de Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, esta regra homenageia, com absoluta razão, o respeito às determinações pessoais que deriva do princípio da dignidade da pessoa humana. Eles sublinham, igualmente, o fato de ser a filiação um fenômeno normativo, da ordem do deve ser (sollen). Se a filiação fosse inerente a dados da ordem do mundo natural (sein), ela estaria inevitavelmente ligada ao vínculo genético ou ao vínculo socioafetivo e o suposto filho não poderia negá-la.
Como a filiação é fenômeno normativo, regulado pelo direito, sua determinação depende da incidência de princípios. Valores importantes incidem na matéria. Assim, é absolutamente jurídico e conforme o princípio da dignidade da pessoa humana que uma pessoa que tenha atingido a maioridade possa recusar o reconhecimento que um de seus genitores queira realizar.
Desde o nascimento até o atingimento da maioridade ou da emancipação um longo intervalo de tempo transcorre. Durante todo esse intervalo, pode o genitor manifestar sua vontade de reconhecer o suposto filho sem a interferência de qualquer pessoa. O fim desse prazo ocorre quando, o sistema jurídico, presumivelmente, passa a reconhecer a plena capacidade da pessoa para reger os seus interesses, quando, então, deverá ser consultada. A recusa é personalíssima. Assim, se a maioridade é atingida por alguém que não possua o necessário discernimento para os atos da vida civil, sua manifestação é desnecessária.
A segunda parte do dispositivo estabelece prazo para que o filho possa impugnar o reconhecimento do seu estado de filiação. O Direito Civil brasileiro usou a técnica da decadência para estabilizar os vínculos de filiação. A técnica mais adequada é a da posse de estado, moldada no direito francês, que impede a impugnação do vínculo se o reconhecimento tiver sido corroborado pela posse de estado de filho. É mais adequada, porque é mais realista. Impediria que o vínculo fosse impugnado em alguns casos, mas permitiria que o fosse além do prazo demarcado pelo CC 1.614, caso a posse de estado não tivesse existido. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, comentários ao CC 1.613, acessado em 08.04.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Segundo Helom Nunes – Meu mundo
sem limites, no site helomnunes.com/artigos em 10/04/2018, ocorre
que o prazo decadencial estipulado pelo dispositivo sobredito não pode ser
fatal, uma vez que a limitação temporal – quatro anos – entra em rota de
colisão com o art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Veja-se: Art. 27. O reconhecimento do estado de
filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser
exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado
o segredo de Justiça.
Ora, sendo a ação de impugnação uma ação negatória de paternidade
invertida, não pode haver limitação temporal ao filho, quando o ordenamento
estabelece imprescritibilidade ao direito do pai (CC 1601).
Como se vê, a leitura concatenada dos dispositivos afasta qualquer lapso
temporal, sobretudo quando estamos diante da identidade do indivíduo. A
doutrina brasileira orienta o afastamento do lapso decadencial para a impugnação
da paternidade.
Francismar Lamenza considera “odiosa a discriminação entre os filhos, de
forma contrária ao estabelecido pelo artigo 227, §6º, da Constituição da
República”.
Na mesma toada, Maria Berenice Dias afirma que “não há porque limitar o
direito de investigar a paternidade ao exíguo prazo da impugnação da filiação.
Não cabem dois pesos e duas medidas, uma vez que é imprescritível a ação
negatória de paternidade (CC 1601). O lapso decadencial não se amolda ao novo
de direito de filiação e não pode subsistir”
Por derradeiro, Cristiano Chaves diz que “não se deve perceber o prazo
de 4 anos como absolutamente peremptório”.
Sobre o afastamento da limitação temporal, o Superior Tribunal de
Justiça já se manifestou:
STJ – RESP 987.987/SP – 3ª Turma – Julgado em 21/08/2008 – Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade. Decisão interlocutória que rejeita preliminares arguidas pelo investigado. Agravo de instrumento que mantém a decisão. Decadência do direito do investigante. Não ocorrência. Litisconsórcio passivo necessário. Demais herdeiros do pai registral falecido. Imposição sob pena de nulidade processual – A regra que impõe o prazo de quatro anos para impugnar o reconhecimento da paternidade constante do registro civil só é aplicável ao filho natural que pretende afastar a paternidade por mero ato de vontade, com o objetivo único de desconstituir o reconhecimento da filiação, sem contudo buscar constituir nova relação. – A decadência, portanto, não atinge o direito do filho que busca o reconhecimento da verdade biológica em investigação de paternidade e a consequente anulação do registro com base na falsidade deste. – Em investigatória de paternidade, a ausência de citação do pai registral ou, na hipótese de seu falecimento, de seus demais herdeiros, para a consequente formação de litisconsórcio passivo necessário, implica em nulidade processual, nos termos do art. 47, parágrafo único, do CPC. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. STJ RESP 222.782-MG, 3ª Turma, 20/08/2001. CIVIL.
Investigação de Paternidade. Ação proposta por quem, registrada como filha legítima do marido de sua mãe, quer a declaração de que o pai é outrem. Inaplicabilidade do artigo 178, §9º, VI e do artigo 362 do Código Civil, que se referem à hipótese diversa: a de quem, nascido como filho natural, i.é, fora do casamento, foi reconhecido. Prescrição afastada. Recurso especial conhecido e provido. Como se percebe, diante de uma ação de estado, na qual o indivíduo deseja manifestar o seu direito de identidade, não deve haver qualquer limitação temporal, sobre tudo em razão da ação existencial em comento ser imprescritível. Por oportuno, imperioso ressaltar que é desnecessária qualquer prova de erro, inexistência ou falsidade biológica. Vale dizer, a impugnação é possível diante de uma denúncia vazia, em apreço ao direito constitucional da liberdade.
Assim, o
fato de ter havido o reconhecimento voluntário da paternidade, não pode afetar
o direito do filho de impugná-lo, pois trata-se do direito de não ter como
genitor quem o reconheceu como filho, demonstrando-se assim flagrantemente
inconstitucional a limitação temporal do art. 1.614 do Código Civil. (Helom
Nunes – Meu mundo sem limites, no site helomnunes.com/artigos em 10/04/2018. Acessado em 08/04/2021,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).