terça-feira, 27 de julho de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.833, 1.834, 1.835 Da Ordem da Vocação Hereditária - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.833, 1.834, 1.835
Da Ordem da Vocação Hereditária - VARGAS, Paulo S. R.
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Livro V – Do Direito das Sucessões - Título II – Da Sucessão Legítima
– Capítulo I – Da Ordem da Vocação Hereditária - (Art. 1.829 a 1.844)

 

Art. 1.833. Entre os descendentes, os em grau mais próximo excluem os mais remotos, salvo o direito de representação.

Este artigo corresponde ao art. 1.881 do Projeto de Lei n. 634/75. Não há preceito expresso no Código Civil de 1916, embora o princípio esteja implícito no art. 1.604.

Segundo a crítica do relator, é uma regra universal, no direito sucessório, a de que, dentro de cada classe, os parentes de grau mais próximo preferem aos de grau mais afastado (cf. Código Civil francês, art. 734; alemão ). 

Assim, se o de cujus deixou três filhos e nove netos, todos sobreviventes, esses netos (parentes do segundo grau) não serão chamados à sucessão, porque há os filhos do falecido (parentes do primeiro grau).

Mas na sucessão dos descendentes há o direito de representação (CC 1.852), e são chamados certos parentes do herdeiro pré-falecido a suceder em todos os direitos em que ele sucederia, se vivo fosse. O principio de que o parente de grau mais próximo afasta o de grau mais remoto sofre exceção.

Assim, se o falecido tinha três filhos, e um deles morreu antes dá abertura da sucessão, deixando, por sua vez, dois filhos, que são netos do de cujus, esses netos vão representar o pai na sucessão do avô. A herança será dividida em três quotas iguais: uma de um filho; outra do segundo filho; e a terceira caberá aos netos, que representam o herdeiro premorto (arts. 1.835, 1.854 e 1.855). A quota destinada aos netos será dividida entre eles, igualmente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 950, CC 1.833, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 27/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Talita Moia, a propósito, em artigo publicado em fevereiro de 2021, intitulado “Meu avô morreu e não deixou filhos”, no site Jusbrasil.com.br, o neto! Isso porque nosso sistema exclui o mais remoto e inclui o mais próximo na linha reta de descendência. Se houvesse bisnetos e netos, quem herdaria seriam os netos. Mas se existirem filhos e netos, quem herdam são os filhos.

Então, de acordo com o princípio do art. 1.833 do Código Civil Brasileiro, se não for caso de direito de representação o parente mais próximo do falecido é quem herda os bens sem dividir com os mais remotos. (Talita Moia, a propósito, em artigo publicado em fevereiro de 2021, intitulado “Meu avô morreu e não deixou filhos”, no site Jusbrasil.com.br, referenciando o CC 1.833, acessado em 27/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Assim, Guimarães e Mezzalira, primeiro os filhos, depois os netos, os bisnetos etc. Quando estão juntos, mesmo representados por direito de representação, a divisão é por cabeça e os representantes dividirão entre si o que os representados teriam direito. Sem filhos, os netos são chamados, recebendo por cabeça, e seguem-se as classes. Claro que o direito de representação altera a primitiva divisão, mas o representado se fará presente pela figura dos representantes, qualquer que seja o seu número, com o direito primitivo.


Jurisprudência: Ementa: Agravo regimental. Agrafo de instrumento. Inventário. Direito sucessório. Filhos pré-mortos. Netos. Mesmo grau de parentesco. Direito próprio. Partilha por cabeça. Artigo 1.835 do CC. Manutenção da decisão. Recurso manifestamente improcedente. 1. Infere-se que no direito sucessório, em regra, os herdeiros mais próximos excluem os mais remotos, salvo nos casos em que admitido o direito de representação, quando a herança é deferida ao herdeiro mais remoto, que é chamado a suceder em lugar do mais próximo, em razão deste ser pré-morto à abertura da sucessão, tendo por pressuposto a sobrevivência de outro herdeiro do mesmo grau do pré-morto para que ocorra a sucessão in estirpes. 2. Consoante o disposto no CC 1.835, herdeiros do mesmo grau fazem jus à fração equivalente, i.é, o quinhão hereditário é partilhado por cabeça, uma vez que herdam por direito próprio. 3. Negar provimento ao recurso. (TJMG – AG 1.0183.08.148896-1/002, Rel. Des. Teresa Cristina da Cunha Peixoto, 8ª CV, J. 11/09/2015, Publicação da Súmula em 21.09.2015. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.833, acessado em 27/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.834. Os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes.

 

Documentadamente, este artigo corresponde ao art. 1.882 do Projeto de Lei n. 634/75. que. todavia, mencionava descendentes “legítimos, legitimados ou ilegítimos”. No Senado, a emenda n. 475-R, do Senador Josaphat Marinho, riscou os qualificativos. Ver art. 1.605, caput, do Código Civil de 1916.

 

Embora a crítica do relator quanto não ser um primor de linguagem este dispositivo por serem os descendentes já de uma mesma classe, Na realidade o que o legislador quis dizer, atualizando a regra do art. 1.605 do Código Civil de 1916, é que estão proibidas quaisquer discriminações ou restrições baseadas na origem do parentesco.

 

Proclama a Constituição, enfaticamente, no art. 227, § 6º , que os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, o que este Código repete e reitera no CC 1.596. Obviamente, o princípio da discriminação, até por ser uma regra fundamental, se estende e projeta a todos os descendentes. Para efeitos sucessórios, aos descendentes que estejam no mesmo grau.


Sugestão Legislativa: Em face dos argumentos acima aludidos, encaminhou-se ao Deputado Ricardo Fiuza proposta para alteração do dispositivo, que passaria a contar com a seguinte redação: Art. 1.834. Os descendentes do mesmo grau, qualquer que seja a origem do parentesco, tem os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 950-951, CC 1.834, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 27/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, defesa de Mestrado, em junho de 2003, intitulada “Concorrência do companheiro e do cônjuge, na sucessão dos  descendentes”, no site ibdfam.org.br, destaca dois pontos de irrealização da experiencia jurídica à face da previsão contida na regra estampada no Código Civil de 2002.

Calca-se o artigo 1.834, citado no item 2.1 da Defesa – A sucessão do companheiro – arts. 1.790 e 1.834, embora o trabalho se estenda e o leitor terá o endereço para prosseguir por todo o Artigo publicado ao final.

O Código Civil traz, no CC 1.845, o elenco daquelas pessoas que o legislador selecionou para que ocupassem a categoria de herdeiros necessários. Diz o dispositivo: São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Entende-se por herdeiros necessários aqueles herdeiros que não podem ser afastados da sucessão pela simples vontade do sucedido. Quer isso significar que apenas quando fundamentado em fato caracterizador de ingratidão por parte de seu herdeiro necessário, poderá o autor da herança dela afastá-lo, e, ainda assim, apenas se tal fato estiver previsto em lei como autorizador de tão drástica consequência.

A nova legislação não se refere ao fato de serem tais herdeiros, sucessíveis efetivos, no que anda bem. Com efeito, tanto o excluído por indignidade quanto o deserdado são herdeiros sucessíveis que, tendo cometido ato atentatório previsto em lei, veem-se, posteriormente, afastados da sucessão. Mas até que sejam afastados, são herdeiros sucessíveis e gozam da proteção legal da reserva dos bens que comporão a legítima. 

Mas, nesta sede agora em exame, i.é, a categoria dos herdeiros necessários, certamente a modificação de maior monta que deve ser referida, e que já há muito tempo era reivindicada pela doutrina nacional é, indubitavelmente, a inclusão do cônjuge na classe dos herdeiros obrigatórios. E nem poderia ser diferente, diante da nova ordem de vocação hereditária instituída pelo legislador civil e que traz o cônjuge concorrendo tanto na primeira quanto na segunda classe dos chamados a suceder. Assim, consequência lógica de tal modificação era a proteção da legítima também em seu favor, impedindo que a simples feitura de um testamento que dispusesse sobre a totalidade do acervo viesse a prejudica-lo.

Apesar destas benéficas modificações, perdeu o legislador a oportunidade de prever, de forma expressa, tal proteção também para o companheiro supérstite, já que garantirá a este, por força do CC 1.790, a concorrência com os filhos do de cujus; na falta destes, com os ascendentes e colaterais do mesmo; e, por fim e na falta de parentes sucessíveis, o recolhimento do total da herança. Tal ordem de vocação, especial para as hipóteses de abertura da sucessão no decorrer de união estável, em muito se assemelha à ordem de vocação do cônjuge supérstite, não se vislumbrando motivo para que as condições do cônjuge e do companheiro não se equiparassem também na proteção da legítima, como, aliás, seria de bom alvitre em face das disposições constitucionais a respeito da equivalência entre o casamento e a união estável. 

No item 2.1, a autora fala da concorrência do companheiro com descendentes comuns e com descendentes só do autor da herança – CC 1.790, I e II e CC 1.834.

No CC 1.790 A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Quando da aprovação do projeto pelo Senado Federal, foi acrescido ao Capítulo I do Título I do Livro V um artigo que não constava do anteprojeto de 1975, por força da Emenda n. 358. Este artigo, ora sob comento, dispõe acerca da sucessão em caso de união estável, sendo certo que o projeto finalmente aprovado modificou a redação original e atribuiu ao artigo o n. 1.790, que encerra o presente capítulo.

Não obstante sua importância, parece, todavia, que a regra está topicamente mal colocada. Trata-se de verdadeira regra de vocação hereditária para as hipóteses de união estável, motivo pelo qual deveria estar situado no capítulo referente à ordem de vocação hereditária.

Sem firmar atenção ao histórico por que passou a união estável ao longo das últimas décadas em busca de reconhecimento social, judicial e legal, de resto cabível em outra sede, qual seja, a relativa ao direito de família, parece ser mais condizente e necessária uma análise das relações sucessórias entre o companheiro falecido e o supérstite, sem, no entanto, deixar de fazer referencias outras que se tornem necessárias à elucidação do tema.

Assim é que, anteriormente a 1988, quando ainda se falava em concubinato e a reação social era no sentido, ainda que cada vez mais tímido, de se recriminar as uniões de fato entre homens e mulheres desimpedidos de contrair matrimonio, a jurisprudência foi, aos poucos e com base na Lei 6858/80, garantindo ao companheiro supérstite direito sucessório (tratava-se, em verdade, de reconhecer o estatuto de dependente) sobre os bens de origem previdenciária, bem como sobre os bens do pequeno valor.

Quando a atual constituição Federal entrou em vigor e garantiu, legitimando, uma verdadeira revolução de costumes em que as uniões de fato passaram a ser cada vez menos recriminadas, para serem, já hoje, uma constante, da qual muitas vezes, nem se pergunta a origem da relação entre os membros da família – tudo como parece ter querido o constituinte -, não era demasiado propugnar uma ampla e total igualdade de direitos e deveres entre os companheiros relativamente aos direitos e deveres exigidos dos membros de um casal unido pelo matrimonio.

[...]

Por extenso que se faz o assunto, porém de grande conteúdo e valor para o tema “Direito de Família e da Sucessão”, e para não fugir ao artigo em comento, que é o CC 1.834, passa-se aqui, a cuidar do mesmo, voltando, entretanto, ao assunto em algumas vezes necessárias. (Nota VD).

Por esta via, continua a autora, a divisão patrimonial obedeceria a seguinte regra: somar-se-ia o número total de filhos comuns e de filhos exclusivos do autor da herança, acrescentando mais um e meio (uma quota deferida ao companheiro sobrevivente, no caso de concorrência com filhos comuns e meia quota deferida ao mesmo sobrevivo, no caso de concorrência com filhos exclusivos do falecido), dividindo-se, depois, a herança por esse número obtido, entregando-se quotas de valores iguais aos filhos (comuns e exclusivos), o que atenderia ao comando de caráter constitucional do CC 1.834 (que determina que descendentes da mesma classe tenham os mesmos direitos relativamente à herança de seu ascendente), e uma quota e meia ao companheiro sobrevivente, o que atenderia aos comandos dos incisos I e II do CC 1.790.

Pode parecer, à primeira vista, que esta solução resolveria – com exemplar facilidade – o problema da partilha, aparentemente atendo a todas as regras do Código Civil atual de regência sobre o assunto. Contudo, a pergunta difícil de responder que fica é a seguinte: Se esta for a solução  buscada, onde residiria, dentro dela, aquele princípio que norteou o espírito do legislador, ao dar diferentes variáveis de concorrência do companheiro sobrevivo com descendentes de um e de outro grupo (comuns ou exclusivos)? Porque, afinal, o que se vê das quotas hereditárias e partilháveis entre os filhos todos é que efetivamente elas são iguais, mas a quantia que se abateu da herança, para compor a quota do companheiro concorrente, foi retirada do montemor a todos eles idealmente atribuível, sem atentar para a diferença entre os filhos (como pretendeu diferenciá-los, para esse efeito, o legislador de 2002, nos incisos I e II do CC 1.790), diminuindo, igualmente, o quinhão de cada um deles, afinal de contas, para compor a quota hereditária do companheiro concorrente.

O que restou considerar, num caso como esse, e sob essa solução é que o tratamento dado ao companheiro sobrevivo foi muito mais privilegiado que em qualquer das duas hipóteses singulares (incisos I e II do CC 1.790) previstas pelo legislador e vistas cada uma de per si. Confira-se: a) se concorresse apenas com filhos comuns, o companheiro sobrevivo herdaria quota igual à que coubesse a cada um deles; b) se concorresse apenas com descendentes exclusivos do autor da herança, o companheiro sobrevivo herdaria quota equivalente à metade da que coubesse a cada um deles; c) mas, nessa derradeira, problemática e não prevista hipótese de concorrência com filhos de ambos os grupos (comuns e exclusivos), o companheiro se beneficiaria, por herança, com maior quinhão, qual seja o quinhão equivalente a uma quota e meia, enquanto que cada um dos filhos (comuns ou exclusivos) herdaria uma única quota, cada um deles.

Não me parece, - diz a autora -, que seja isto que tenha querido o legislador, uma vez que diferenciou as espécies de herdeiros descendentes, para efeito dessa concorrência e, em nenhuma das formulações legislativas, deferiu, ao companheiro sobrevivo, uma quota hereditária maior do que a que coubesse a qualquer dos herdeiros com quem concorresse. Na melhor das hipóteses (inciso I), o legislador pensou em igualar o quinhão do companheiro sobrevivo ao quinhão do herdeiros, desde que fosse filho seu e do autor da herança, mas nunca pensou em privilegiar o companheiro com quota maior do que a deferida ao herdeiro.

Assim - segundo parecer – se aplicado esse critério aqui desenhado, o resultado obtido ao final de uma partilha seria um resultado absolutamente dissociado do espírito do legislador de 2002. Penso, diz ela, não ser possível produzi-lo assim simplesmente, tout court.

Em 4ª proposta: Composição dos incisos I e II pela subdivisão proporcional da herança, segundo a quantidade de descendentes de cada grupo: a divisão patrimonial obedeceria a seguinte regra: primeiro se dividiria a herança a ser partilhada entre filhos comuns e filhos exclusivos em duas partes (suberanças) proporcionais, cada uma delas, ao número de filhos de um ou de outro grupo. A seguir se introduziria, em cada uma dessas suberanças, a concorrência do companheiro, conforme a determinação do inciso I ou do inciso II do CC 1.790, respectivamente. Depois disso, se somariam a quotas do companheiro supérstite – obtidas em cada uma dessas suberanças – formando o quinhão a ele cabível. 

Aos filhos herdeiros caberia a quota que houvesse resultado da aplicação das regras legais em cada uma das suberanças, conforme proposto. É fácil verificar, se esse fosse o critério a ser utilizado, que os quinhões dos filhos de um grupo seriam proporcionalmente maiores que os quinhões dos filhos do outro grupo. Quinhões desigualados equivalem, entretanto, ao desatendimento do CC 1.834, dispositivo de caráter constitucional.

“Além disso, a atribuição ao companheiro de uma quota relativa à suberança dos filhos comuns e de meia quota da suberança dos filhos exclusivos do falecido, acabaria por resultar numa somatória de valor superior ao que caberia ao companheiro, se estivesse a concorrer somente com filhos comuns (p.ex.: herança de 50, com 2 herdeiros filhos, sendo um, em comum e outro, exclusivo; cada filho teria a suberança de 25; concorrendo com o primeiro, o companheiro concorrente teria uma quota igual à do filho, ou seja, 12,5; concorrendo com o segundo, o companheiro concorrente teria a metade de sua quota, ou seja, 8,3; a soma das quotas do companheiro sobrevivo resulta em 20,8, superior, portanto, à quota de 16,6 à qual ele teria direito, se estivesse concorrendo com dois filhos, havidos em comum com o falecido)”.

Assim, nesta nova proposta de partição da herança, se aplicado o critério matemático aqui desenhado, o resultado obtido ao final de uma partilha seria um resultado absolutamente dissociado, não apenas do espírito do legislador de 2002, mas também da principiologia constitucional de fundo – diz a autora. 

Depois de tratar das regras gerais respeitantes à sucessão, no sentido de serem regras que se aplicam tanto à sucessão testamentária, quanto àquela que se processa tendo falecido o de cujus ab intestato, passa o legislador a editar regras especialmente desenhadas para aqueles casos em que a morte se dá com ausência de testamento ou de testamento válido, com testamento incompleto, enquanto um testamento que não abrange a totalidade do acervo hereditário disponível, ou mesmo com um testamento que, não obstante completo, encontra limitação na existência de herdeiros necessários, que são aqueles que necessariamente devem ser chamados a herdar ou, ao menos, deliberar a respeito da quota que lhes é deferida. Esta chamada se organiza em níveis de preferência por certas classes de pessoas consoante a regra do CC 1.829 (dp qual vamos abrir lacuna, por já exaustivamente ter sido comentado anteriormente, juntamente com os CC 1.830, 1.831, 1.832 e 1.833, concentrando o estudo no objeto de comento, conforme determina o CC 1.834, de caráter constitucional. Quer dizer, nem se conseguiria obter – por esta proposta imaginada conciliatória – iguais quinhões para os herdeiros da mesma classe (comuns ou exclusivos), nem seria razoável que a quarta parte garantida ao cônjuge fosse complementada por subtração levada a cabo tão-somente sobre a parte do acervo destinada aos descendentes comuns.

De qualquer das formas, ao que parece, na ocorrência de uma hipótese real de sucessão de descendentes que pertencessem aos dois distintos grupos (comuns e exclusivos) em concorrência com o cônjuge sobrevivo, não haveria solução matemática que pudesse atender a todos  os dispositivos do Códex, o que parece reforçar a ideia de que, para evitar uma profusão de inadequadas soluções jurisprudenciais futuras, o ideal mesmo seria que o legislador ordinário revisse a construção legal do novo Diploma Civil/2002, para estruturar um arcabouço de preceitos que cobrissem todas as hipóteses, inclusive as hipóteses híbridas, evitando o dissabor de soluções e/ou interpretações que corressem exclusivamente ao alvedrio do julgador ou do hermeneuta, mas desconsiderando tudo aquilo que, a princípio, norteou o ideal do legislador, formatando o espírito da norma. [...]  (Talita Moia, a propósito, em artigo publicado em fevereiro de 2021, intitulado “Meu avô morreu e não deixou filhos”, no site Jusbrasil.com.br, referenciando o CC 1.834, acessado em 27/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Fechando o artigo 1.834 com Guimarães e Mezzalira, aqui está a Constituição da República. A igualdade de direitos se faz presente de forma expressa neste artigo. Descendentes, irmãos ou netos ou bisnetos, concorrendo entre si, devem colacionar as doações recebidas para que a igualdade se estabeleça. 

Evidentemente, o titular do patrimônio pode estabelecer uma desigualdade, beneficiando, em testamento, um filho, não o fazendo com os demais. Tratando-se de direito patrimonial não fere a Constituição, prevalecendo, nas outras hipótese, o texto do artigo 227, § 6º da CF, merecendo pesquisa a Lei 8.560/92, Lei 10.317/2001 e Lei 11.804/2008. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.834, acessado em 27/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.835. Na linha descendente, os filhos sucedem por cabeça, e os outros descendentes, por cabeça ou por estirpe, conforme se achem ou não no mesmo grau. 

Este artigo corresponde ao art. 1.883 do Projeto de Lei n. 634/75. Ver art. 1.604 do Código Civil de 1916. 

No entender do relator, até para atender ao princípio da igualdade, na linha descendente, os filhos sucedem por cabeça (per capita). Falecendo alguém que deixou três filhos, a herança será dividida entre os filhos, em partes iguais. 

Os outros descendentes sucedem por cabeça ou por estirpe, conforme se achem ou não no mesmo grau. Se todos os herdeiros do falecido são os netos, tratando-se, portanto, de descendentes do mesmo grau (segundo), herdarão por cabeça. O espólio será dividido, em partes iguais, entre os netos. Mas, se houver descendentes de graus diferentes, por exemplo, filhos do de cujus e netos deste (filhos de outro filho premorto), ou netos e bisnetos (filhos de outro neto pré-falecido), esses filhos de filhos ou de netos premortos concorrerão à herança, e, como são chamados descendentes de graus diversos, incide o direito de representação. A sucessão ocorrerá por cabeça e por estirpe. 

Se o que couber aos herdeiros é do valor de nove mil, e o de cujus teve três filhos, um deles premorto, que, por sua vez, deixou dois filhos, portanto. netos do falecido, os dois filhos sobreviventes receberão, cada um, três mil (por cabeça) e os dois netos, representando o pai, premorto, herdarão por estirpe, dividindo entre si, em partes iguais, os três mil restantes (art. 1.855). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 950-951, CC 1.835, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 27/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Thiago Baldo, em artigo publicado em abril de 2021, intitulado “Multiparentalidade e direito sucessório dos ascendentes”, aborda o art. 1.835  no site Jusbrasil.com.br, no item 3.1 – Sucessão dos Descendentes, e a Parentalidade Socioafetiva, como denota o CC 1835  Na linha descendente, os filhos sucedem por cabeça, e os outros descendentes, por cabeça ou por estirpe, conforme se achem ou não no mesmo grau”. Conforme o professor Carlos Roberto Gonçalves (2019 p 198):

 

Sendo três os filhos herdeiros, por exemplo, todos recebem quota igual (sucessão por cabeça ou direito próprio), porque se acham à mesma distância do pai, como parentes em linha reta. Se um deles já faleceu (é premorto) e deixou dois filhos, netos do de cujus, há diversidade em graus, e a sucessão dar-se-á por estirpe, dividindo-se a herança em três quotas iguais: duas serão atribuídas aos filhos vivos e a última será deferida aos dois netos, depois de subdividida em partes iguais. Os últimos herdarão representando o pai premorto.

 

Com isso, há aos descendentes o direito à legítima, pertencendo-lhes, pleno jure, metade da herança; havendo na doutrina há possibilidade do reconhecimento da dupla parentalidade ou da multiparentalidade, baseada na socioafetividade (GONÇALVES 2019).


De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2019 p 200), a multiparentalidade, que “pode não ser assim tão benéfica, seja à pessoa do filho, seja à própria sociedade, visto que, através desta, poderia o filho pleitear pensão alimentícia de dois pais ou duas mães, aumentando os recursos de sua sobrevivência, e também poderia pleitear direitos sucessórios aumentados, tendo em vista a duplicação de genitores. Entretanto, tendo em vista a bilateralidade das ações de família, o filho também teria dever de sustento de um maior número de genitores, os quais poderiam também requerer a guarda do filho e ainda teriam direitos sucessórios quando de sua pré-morte.” [...] (Thiago Baldo, Universidade Unaerp, Ribeirão Preto em artigo publicado em abril de 2021, intitulado “Multiparentalidade e direito sucessório dos ascendentes”, no site Jusbrasil.com.br, menciona o artigo 1.835, acessado em 27/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Lecionando Guimarães e Mezzalira, entre os descendentes, primeiramente são chamados os filhos, por serem os parentes mais próximos, i.é, primeiro grau de parentesco com o de cujus, em seguida, faltando filhos serão chamados os netos, depois os bisnetos, trinetos, tetranetos etc., ad infinitum, quer dizer que os descendentes serão chamados enquanto existir um deles vivo, excluindo as demais classes. 

Em se tratando de descendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto; assim os filhos sucedem por cabeça, enquanto os outros descendentes, por cabeça ou por estirpe, conforme se achem, ou não, no mesmo grau. (CC 1835).

Se tem quatro filhos, a divisão será de um quarto para cada um. Se um deles for premorto, os filhos deste receberão por direito de representação, o mesmo que o ascendente teria direito, i.é, a herança dividida em 4 partes e uma das partes entre os filhos do falecido. Não havendo qualquer filho, os netos receberão por cabeça, porque estão no mesmo grau. A propósito, vale transcrever lição de Clóvis Beviláqua. 

“... não é o mais justo o sistema adotado pelo Código Civil, neste artigo, mandando que os outros descendentes, além dos filhos, sucedam por cabeça, quando se acharem no mesmo grau. É certo que a força do direito hereditário é igual; porém, não obstante, é iníqua a distribuição por cabeça, nesse caso, porque faz da inexistência de herdeiros da linha mais próxima uma desvantagem econômica para uns e uma fonte de lucros para outros. 

Se concorrerem seis netos à sucessão do avô, quatro precedentes de um filho premorto, e dois de outro, pelo sistema da sucessão in capita, os quatro primeiros terão as duas cotas aumentadas, pela intercorrência do falecimento de seu tio, antes da abertura da sucessão; os dois últimos, por motivo idêntico, terão as suas cotas diminuídas”. (Beviláqua, Clóvis. Código Civil comentado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1958, v. 6, p 46). 

Hoje, decorridas poucas décadas de vigência da Constituição da República, tornou-se inútil e estéril discutir direitos de filhos legítimos e adotivos etc. Cada vez mais haverá o bom senso e os filhos do primeiro casamento aceitarão, com naturalidade, os do segundo ou de uma união estável. Os atritos surgem, quase sempre, com os mais idosos, das primeiras núpcias, que não querem igualdade com os irmãos do segundo casamento.

Jurisprudência: Agravo de instrumento. Arrolamento. Óbito ocorrido quando os dois únicos filhos já eram falecidos. CC 1.835. Inteligência. Partilha por cabeça. Divisão da herança em quatro partes iguais atribuídas aos quatro netos. Recurso improvido. “A partilha é por cabeça quando a herança é dividida em tantas partes iguais quantos são os herdeiros que concorrem a ela, em igualdade de grau de parentesco, desde o momento da abertura da sucessão. Assim, a sucessão tem lugar por direito próprio e a herança é partilhada por cabeça. O que ocorre na representação é exatamente o oposto. É a desigualdade de grau de parentesco que a desencadeia”. (TJSP, AI: AG 6157504600 SP Relator: Jesus Lofrano, DJ 27/01/2009, 3ª CDP). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.835, acessado em 27/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.832 Da Ordem da Vocação Hereditária - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com

 

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Livro V – Do Direito das Sucessões - Título II – Da Sucessão Legítima
– Capítulo I – Da Ordem da Vocação Hereditária - (Art. 1.829 a 1.844)

 

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso 1) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Este artigo corresponde ao art. 1.879 do Projeto de Lei n. 634/75. Sem paralelo no Código Civil de 1916.

Atente para a doutrina do relator: Quando o cônjuge concorrer com os descendentes — e isso vai depender do regime de bens do casamento, como enuncia o CC 1.829, I —, caberá a ele quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça. Mas a quota do cônjuge sobrevivente não pode ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Se o falecido deixou até três filhos, a partilha se faz por cabeça. dividindo-se a herança, em partes iguais, entre os filhos e o cônjuge. No caso de o de cujus possuir quatro filhos, ou mais, e tendo de ser reservada a quarta parte da herança à viúva ou ao viúvo, os filhos repartirão o restante, e, portanto, o cônjuge sobrevivente fica com um quando da herança, e os três quartos restantes são destinados aos filhos.

Mas essa reserva hereditária mínima (1/4) conferida ao cônjuge sobrevivente pressupõe que ele seja também ascendente dos herdeiros com que concorrer. Se o de cujus deixou descendentes dos quais o cônjuge sobrevivente não é ascendente, será obedecida a regra geral: ao cônjuge caberá um quinhão igual ao dos descendentes que sucederem por cabeça

E se o falecido possuía filhos com o cônjuge sobrevivente, mas tinha-os, também, com outra pessoa, é hipótese não resolvida, expressamente. Não é o cônjuge sobrevivente ascendente de todos os herdeiros descendentes do falecido. Parece que, assim sendo, a quota hereditária mínima (1/4) não é cabível.

Observe-se que, se o de cujus vivia em união estável, o companheiro sobrevivente participará da sucessão, concorrendo com filhos comuns e com descendentes só do autor da herança, na forma do art. 1.790, caput, I e II. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 949-50, CC 1.832, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 26/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Flavio Tartuce, publicado no site migalhas.com.br, atualizado em 26 de fevereiro de 2020, fala sobre “A reserva da quarta parte da herança (CC 1.832) e a sucessão híbrida”.

Complementando as regras básicas relativas à ordem de sucessão legítima e à vocação hereditária, com especial tratamento quanto à sucessão dos descendentes em concorrência com o cônjuge, o CC 1.832 – sem correspondente na codificação anterior – trata da chamada reserva da quarta parte da herança. Conforme a sua exata redação, “em concorrência com os descentes (CC 1.829, I), caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer”. O objetivo é assegurar um patrimônio mínimo ao cônjuge sobrevivente, papel que era exercido, no Código Civil de 1916, pelo chamado usufruto vidual.

Como primeira observação a respeito do comando, diante d equiparação sucessória feita pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento encerrado no ano de 2017 e que reconheceu a inconstitucionalidade do CC 1.790 (decisum publicado no Informativo n. 840 do STF), passa ele a ter plena incidência para a união estável, o que foi reconhecido em 2019 pelo STJ, em julgado que ainda será aqui melhor explicado.

Como se pode perceber, a norma de codificação privada em vigor enuncia que o cônjuge – e agora também o convivente ou companheiro – recebe o mesmo quinhão que recebem os descendentes. Ademais, em continuidade, o preceito consagra a citada reserva da quarta parte da herança ao cônjuge ou ao companheiro se ele for ascendente dos descendentes com quem concorrer, geralmente pai ou mãe do filho do falecido, de cuja herança se trata. Assim, se por outro lado o cônjuge ou companheiro concorrer somente com descendentes do falecido, não haverá a referida reserva. Na verdade, o principal debate a respeito do comando somente ganha relevo se houver a concorrência com mis de três descendentes do falecido, situação em que a reserva da quarta parte seria alvo de dúvidas.

Observa-se, portanto, que a principal discussão que o dispositivo desperta tem relação com a chamada sucessão ou concorrência híbrida, expressão criada pela Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, presente quando o cônjuge ou convivente concorre com descendentes comuns – de ambos -, e com descendentes exclusivos do autor da herança (Hironaka, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil. 2. ed. Coord. Antonio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 20, p. 235-36). Isso porque tal hipótese não foi prevista pelo legislador, presente uma lacuna normativa, a ser sanada pelo intérprete. A propósito, a jurista citada tem procurado analisar a polêmica que forma o cerne principal deste artigo em suas aulas e palestras sobre a sucessão legítima. 

Duas foram as correntes fundamentais que surgiram sobre essa controvérsia, conforme consta de tabela doutrinária elaborada por Francisco José Cahali, em obra de grande expressão, lançada nos  anos iniciais de vigência do Código Civil de 2002 (Direito das sucessões, 3 ed. São Paulo: RT, 2007, p. 189-192). 

Para uma primeira corrente, tida desde o início como majoritária, em havendo a sucessão híbrida, não se deve fazer a reserva da quarta parte ao cônjuge ou ao companheiro, tratando-se todos os descendentes como se fossem exclusivos do autor da herança. Assim entendem – conforme menções constantes na citada tabela doutrinária – Caio Mário da Silva Pereira, et al, além do presente autor.

Esse entendimento prestigia os interesses e direitos dos filhos em detrimento dos do cônjuge, sendo essa a opção constitucional, como apontam os juristas et al, encontrados na página do Migalhas citado.

Adotando a premissa, na V Jornada de Direito Civil, evento promovido pelo conselho da Justiça Federal no ano de 2011, aprovou-se o seguinte enunciado: “na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no caso de filiação híbrida” (Enunciado n. 527). Reitero que a destacada ementa doutrinária e todas essas afirmações têm incidência, agora, para a concorrência do companheiro com os descendentes, eis que foi incluído no art. 1.829 do Código Civil pela decisão do Supremo Tribunal Federal antes mencionada, com repercussão geral.

Por outra via, para uma segunda corrente doutrinária, tida como minoritária, em havendo sucessão híbrida, deve ser feita a reserva da quarta parte ao cônjuge, tratando-se todos os descendentes como comuns, como pensam Francisco José Cahali, José Fernando Simão e Sílvio de Salvo Venosa. Essa corrente está baseada em uma interpretação literal do CC 1.832, pois a reserva da quarta parte deve ocorrer em havendo descendentes de ambos, não sendo relevante para afastar tal subsunção a presença também de filhos exclusivos somente do falecido.

Tentando resolver esse dilema, em 2019 surgiu o antes citado precedente d a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que menciona obra de minha autoria (Tartuce), especialmente o debate doutrinário aqui exposto. Seguindo a primeira corrente, o aresto conclui que não deve ocorrer a reserva da quarta parte em havendo a sucessão ou concorrência híbrida. Pontue-se que o caso dizia respeito à união estável, e não a casamento, fazendo incidir a equalização sucessória entre as entidades familiares, conforme a tão citada decisão do STF.

Como consta da primeira parte da sua ementa, “o Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do e. MM Luis roberto Barroso, quando do julgamento do RE 878.694/MG, reconheceu a inconstitucionalidade do CC 1.790, tendo em vista a marcante e inconstitucional diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união estável” (STJ, REsp 1.617.501/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, J. 11/06/2019, REP DJe 06/09/2019. DJe 01.07.2019).

Na sequência é enfrentado o dilema relativo à concorrência do companheiro com os descendentes no regime da comunhão parcial de bens, sendo citado o julgado a respeito da consolidação de pensamento que seu no âmbito da Segunda Seção da corte, no sentido de que,  “nos termos do CC 1.829, I, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os desdentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus” (STJ, REsp 1.368.123/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Rel. p/Acórdão: Ministro Raul Araújo, Segunda seção, J. 22/4/2015, DJe 8/6/2015).    

E, por fim, enfrentando o tema principal deste texto – e com base nos entendimentos doutrinários de Paulo Lôbo, Carlos Roberto Gonçalves, Mario Luiz Delgado e Mairan Mais -, deduziu-se que “a interpretação mais razoável do enunciado normativo do CC 1.832 é a de que a reserva de 1/4 da herança restringe-se à hipótese em que o cônjuge ou companheiro concorrem com os descendentes comuns. Enunciado 527 da Jornada de Direito Civil. A interpretação restritiva dessa disposição legal assegura a igualdade entre os filhos, que dimana do Código Civil (CC 1.834) e da própria Constituição Federal (art. 227, § 6º, da CF), bem  como o direito dos descendentes exclusivos não verem seu patrimônio injustificadamente reduzido mediante interpretação extensiva de norma” (STJ, REsp 1.617.501/RS, Rel. MM Paulo de tarso Sanseverino, 3ª Turma, J 11/06/2019, DJe 1/7/2019). 

Como se pode perceber, o acórdão traz em seu conteúdo respostas a muitas questões que eram pendentes no passado sobre o Direito das Sucessões Brasileiro e resolve mais um dilema, qual seja a não reserva da quarta parte da herança em  favor do cônjuge ou companheiro em havendo a sucessão híbrida.

Espero – conclui o autor – que outros julgados estaduais e mesmo da 4ª turma do STJ sigam esse entendimento que traduz a mais correta e prevalecente interpretação doutrinária do vigente sistema sucessório brasileiro. Sobre essa temática, como se pode perceber, doutrina majoritária e jurisprudência estão em sintonia, o que é sempre louvável na realidade contemporânea, para trazer estabilidade às relações privadas. (Flavio Tartuce, publicado no site migalhas.com.br, atualizado em 26 de fevereiro de 2020, fala sobre “A reserva da quarta parte da herança (CC 1.832) e a sucessão híbrida. Acessado em 26/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No mesmo diapasão, Guimarães e Mezzalira exalçam ser essa uma regra nova, que veio para ficar. O sobrevivente, naqueles três regimes que está habilitado a concorrer com os descendentes, recebe parte igual, independentemente da sua meação. Aliás, cada um tem uma meação e a parte da herança a ser dividida está dentro dessa meação, com os bens particulares.

Na hipótese de serem quatro ou mais descendentes, ao cônjuge sobrevivente será assegurada uma quarta parte da herança (25%). Depois de retirada a herança do sobrevivente, far-se-á o cálculo para os descendentes. Essa inovação não encontra similar nos outros Códigos europeus, especialmente naqueles que inspiraram os redatores do projeto.

O cônjuge sobrevivente é chamado a recolher a herança, qualquer que seja o regime de bens adotado no casamento, à falta de descendentes e ascendentes, se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato, há mais de 2 (dois) anos, salvo prova, nesse caso, de que o rompimento não se deu por culpa do sobrevivente (CC 1.838 e CC 1.830).

Importante elucidar que há diferença entre meação e herança do cônjuge. Quando o regime de bens adotado no casamento, é de comunhão total, vindo a falecer um deles, dissolve-se a sociedade conjugal e os bens são repartidos, meio a meio, a que se chama de meação; se o regime adotado for de comunhão parcial, comunicam-se somente os aquestos, i.é, os bens que foram adquiridos na constância do casamento, excluída a comunhão daqueles havidos na forma do CC 1.659. O citado artigo exclui da comunhão, principalmente, os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar. Excluídos, também, os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares e, também, os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, bem como as aquisições feitas com o produto desse trabalho pessoal. 

Os aquestos adquiridos pelo trabalho de ambos, em benefício do lar, serão repartidos metade para cada um dos cônjuges. justifica-se um estudo do Direito de Família no título que trata dos direitos patrimoniais (CC 1.639 a 1.693), com as subdivisões em capítulos os regimes de bens entre os cônjuges. foram substanciais as modificações introduzidas pelo Código de 2002, introduzindo novas regras à praxe que vigorou dezenas de anos, destacando-se que “é admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges” (CC 1.639, § 2º).

O cônjuge, como herdeiro, não é forçado a formar concorrer na formação do patrimônio, nem do regime de bens no casamento, mas, tão somente, por força do dispositivo legal, que outorga ao sobrevivente a herança, nos termos do CC 1.838, em combinação com o CC 1.829.

A Lei Feliciano Pena, em homenagem a seu autor, Decreto n. 1.839, de 31 de dezembro de 1907, que introduziu profundas modificações no sistema sucessório pátrio, tornou-se pioneira, chamando o cônjuge sobrevivente em terceiro lugar, antes dos colaterais.

Sabe-se que o Código de Justiniano representa a primeira compilação de legislação, reconhecendo o direito à mulher de participar da sucessão do marido, outorgando-lhe a quarta parte da propriedade, na falta de filhos, e usufruto, se filhos havia. Até então, era permitido à mulher adquirir seus próprios bens, porém não recolhia herança vinda do esposo. No Brasil, mesmo depois da Independência de Portugal, permaneceram em vigor as Ordenações do Reino, e o cônjuge sobrevivente ocupava o quarto lugar entre os sucessíveis.

O Código Civil de 2002, similar ao Código de 1916, adotou a disposição da Lei Feliciano Pena, “atribuindo-lhe a herança do cônjuge falecido, sob duplo pressuposto: a) ausência de descendentes e ascendentes; b) não estarem os cônjuges legalmente separados” (Pereira, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 132). O novo diploma estabelece a separação de direito e/ou separação de fato há mais de 2 (dois) anos. Criou uma nova regra, e a lei permitiu beneficiar o casal em união estável, a despeito da relação jurídica criada pelo casamento, cujos vínculos permanecem, sob o aspecto legal, impedindo, inclusive, novas núpcias, mas separados os cônjuges de fato, constituindo cada qual sua família concubinária.

É irrelevante o regime de bens, na data da celebração do casamento, para o chamamento do cônjuge como terceira classe. Desde que inexistam herdeiros necessários, a herança é deferida ao cônjuge supérstite. (RT, 614/82; 525/106).

Também, nesse sentido, “o cônjuge é, por força de lei, herdeiro pré-morto, independentemente do regime de bens, bastante apenas a inexistência de descendentes ou ascendentes e a inexistência de dissolução conjugal pelos modos expressos nos incisos II a IV do art. 2º da Lei n. 6.515/77”. (Jurisprudência Mineira, 105/156).

Essa regra insere conteúdo da maior importância prática: o homem ou a mulher, ambos os nubentes ou qualquer deles, com 70 (setenta) anos (CC 1.641, II), só pode casar-se, adotando o regime de separação de bens; no entanto, se ele não tiver herdeiros necessários, a jovem donzela de 20 anos será chamada para recolher a totalidade da herança, alijando da sucessão todos os demais parentes. “Tratando-se de casal sem herdeiros necessários”, decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, “tem o viúvo precedência à ordem de vocação hereditária, estabelecida no art. 1.603 do Código Civil de 1916, pouco importando ser de separação de bens o regime de seu casamento com a esposa falecida”. (RT, 525/106. Note-se que, em princípio, o cônjuge supérstite não recolhe meação – por inexistente, em decorrência do regime adotado).

Famoso é o acórdão do STJ, sendo relatora a Min. Nancy Andrighi, sobre o regime de separação de bens. Justifica fazer pesquisa na internet ou no STJ.

No Código atual o CC 1.838 não faz qualquer distinção de regime de bens mas, tão somente, subordina o recolhimento da herança pelo cônjuge supérstite à convivência dos dois, na época do óbito, sob o mesmo teto. No mesmo sentido, idêntica manifestação jurisprudencial, revelando que “a legitimação do cônjuge à herança do cônjuge falecido independe do regime patrimonial de bens”. (Lex, 189/230). 

Receberá, também, o cônjuge, uma participação em concorrência com os descendentes, desde que o regime de casamento não tenha sido o da comunhão universal, o da separação obrigatória de bens, ou, em se tratando de comunhão parcial, se o autor da herança não tiver deixado bens particulares. Essa nova posição reflete uma tendência do mundo ocidental, beneficiando o cônjuge que ajudou na construção da família, do patrimônio, na criação dos filhos e no sucesso do lar em sua totalidade. 

Embora o acórdão do STJ, sendo relatora a Min. Nancy Andrighi, pedimos venia à ilustre Ministra, mas houve uma completa confusão de sua parte, ao considerar que o regime de separação convencional é parte integrante da separação obrigatória. São dois regimes distintos, com leis próprias, dentro de uma nova realidade social. O mesmo pensamento esposam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. Dizem referidos autores, que “trata-se de uma argumentação, data venia, completamente descabida. Não tem sentido considerar-se “obrigatório” o regime de separação convencional – aquele em que a separação de bens é livremente escolhida – pelo simples fato de se tratar de um regime de bens previsto por lei.” (Gagliano, Pablo Stolze; Pamplona Filho, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2012, v. 6, p 376).

Caberá ao cônjuge, quando concorre com os descendentes, quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se o cônjuge estiver concorrendo com filhos próprios. A redação dada pelo CC 1.829 pode dar motivo a diversas interpretações, tendo sido objeto de diferentes pensamentos, exposições feitas por doutrinadores em seminários sobre o Código Civil de 2002. A matéria tem sido constantemente apreciada pelos Tribunais, existindo julgados frontalmente contrários. Os Magistrados interpretam os artigos do Código, segundo seus entendimentos, embora, a nosso ver, os textos legais poderiam ser interpretados mais facilmente, como norma geral, sem sofrer a interferência dos fatos que envolvem as sucessões. Salvo modificação da lei, jamais será pacífica a interpretação pelos julgadores. 

Em rápidas pinceladas, poder-se-ia dizer que o cônjuge sobrevivente terá esse quinhão mínimo, estabelecido no CC 1.832, concorrendo com descendentes seus; s, ao contrário, os descendentes não são comuns ao cônjuge supérstite, haverá a concorrência, sem quota destinada, preservando, unicamente, a intenção do legislador ao estabelecer no inciso I do CC 1.829 a concorrência do cônjuge com os descendentes.

O Sr. Antonio, falecido, era pai de Primus, Secundus e tertius, filhos do primeiro casamento, e em segundas núpcias, com Maria, não teve filho. Retirada a meação (se houver, dependendo do regime de bens do casamento e da existência de aquestos – se era da comunhão parcial) a herança será dividida para quatro cabeças, i.é, os três filhos e o cônjuge supérstite.

Se Antonio é casado com Maria e tiveram dois filhos, Primus e Secundus, a herança será dividida por três, igualmente; sendo quatro os filhos, Maria – viúva – receberá 1/4 da herança e os 3/4 serão divididos entre os quatro filhos.

Se Antonio, falecido, teve filhos (2) do primeiro casamento e filho (1) do segundo casamento, ainda assim a herança será dividida por 4 (quatro), i.é, entre os três filhos e a viúva.

Digamos que o Sr. Antonio, pai de cinco filhos, divorciado, case de novo com Maria e tenha quatro filhos do novo casamento.

Falecendo o Sr. Antonio, é arrecadado o patrimônio de R$ 600.000,00, sendo R$ 200.000,00 de bens particulares. Dessa forma, a meação seria de R$ 200.000,00 (R$ 600.000,00 – R$ 200.000,00, restando R$ 400.000,00 ٪2 = R$ 200.000,00). A meação do de cujus, somando com os bens particulares (R$ 200.000,00), perfazem, portanto, R$ 400.000,00, para dividir entre os herdeiros necessários. 

São os herdeiros necessários: cinco (5) filhos do primeiro casamento, quatro (e) filhos do segundo casamento e o cônjuge (1), somando, assim, 10 (dez) pessoas. 

Como os herdeiros necessários receberão legítimas iguais, toma-se os R$ 400.000,00 e divide-se por 10 (dez), obtendo o resultado R$ 40.000,00 para cada um deles.

Os filhos do primeiro casamento recebem por cabeça, i.é, R$ 40.000,00 cada um; os filhos do segundo casamento são descendentes do cônjuge sobrevivente, ao qual o novo Código (segunda parte do CC 1.832) assegura uma quota não inferior à quarta parte da herança, devida a ele e a seus filhos. Assim, quatro filhos mais o cônjuge é igual a cinco, ou seja, R$ 40.000,00 X 5 = R$ 200.000,00. 

Como a lei assegura ao cônjuge 1/4, o cônjuge receberá R$ 50.000,00 de herança; os restantes R$ 150.000,00 serão divididos entre os quatro filhos, ou seja, R$ 37.500,00 para cada um deles.

Não há igualdade? Sim, há. Mas há, como se demonstrou nos primeiros cálculos. Quando Maria vai tirar 1/4 que lhe outorga o CC 1.832, prejudica a seus filhos.

Alguns autores entendem que o cônjuge, no regime de comunhão de bens, tendo o falecido bens particulares, o cônjuge sobrevivo concorreria com os descendentes somente em relação aos bens particulares. A outra parte destinar-se-ia aos descendentes. Há julgado em todos os sentidos. Defrontando-se o leitor com caso prático, aconselha-se pesquisar a jurisprudência vigorante à época, independentemente das opiniões doutrinárias.

Resta acrescentar que não se vislumbra essa separação no texto vigente, que é genérico. Os filhos do primeiro casamento não podem ser prejudicados, porque não são descendentes do cônjuge-ascendente sobrevivo. A igualdade está no princípio da operação.

Os filhos do segundo leito são prejudicados por força da redação do CC 1.832, nada mais, uma vez que concorrerão com o cônjuge-ascendente sobrevivo. Na prática, esse caso deverá ser menos usual, porque as famílias do segundo matrimonio são, em sua maioria, constituídas do casal e de um ou, no máximo, dois filhos. 

Se os filhos do segundo casamento forem três, não haverá tanta operação, porque a divisão será por cabeça simplesmente.

Quando o cônjuge sobrevivo concorre com os ascendentes, diferentes são os cálculos: se o cônjuge concorrer com ascendente em primeiro grau, tocar-lhe-á 1/3 da herança, sendo 2/3 aos ascendentes; caber-lhe-á 1/2 da herança se houver um só ascendente de primeiro grau, ou se maior for aquele grau, i.é, se houver só a mãe viva ou concorrendo com os bisavós (CC 1.837).

Vale destacar que o CC 1.787 impõe que serão chamados a suceder, e receberão, os herdeiros constantes da lei vigente na data do óbito. Significa, portanto, que qualquer óbito ocorrido antes de 10 de janeiro de 2003 deverá obedecer aos ditames do Código Civil de 1916, revogado.

No Código revogado, p. ex., o cônjuge não era herdeiro necessário, mas unicamente herdeiro legítimo. A diferença é substancial, tanto que como herdeiro legítimo poderia ser excluído da sucessão, sem causa aparente, desde que o autor do patrimônio assim o decidisse em testamento, uma vez que o herdeiro legítimo não tem garantia de “legítima”. 

No Código vigente, o herdeiro necessário, por sua vez, faz jus a uma parcela da legítima e não poderia ser excluído salvo nos casos previstos nos arts. 1.814, 1.962 e 1.963 feita a prova em juízo, em ação própria, com amplo direito de defesa.

O assunto merece uma monografia, explorada por diversos autores. Finalmente, ressalte-se a opinião de Miguel Reale, que afirma ter o legislador prestigiado o cônjuge, protegendo-o, criando novas regras, já existentes em outras nacionalidades. (Reale, Miguel. O projeto do novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 1999). 

[...]

Jurisprudência: (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.832, acessado em 26/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).