sexta-feira, 1 de abril de 2022

Código Civil Comentado – Art. 112, 113, 114 Dos Fatos Jurídicos - Do Negócio Jurídico Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R. paulonattvargas@gmail.com – digitadorvargas@outlook.com - Whatsap: +55 22 98829-9130

 
Código Civil Comentado – Art. 112, 113, 114
Dos Fatos Jurídicos - Do Negócio Jurídico
Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.
paulonattvargas@gmail.com
digitadorvargas@outlook.com -  
Whatsap: +55 22 98829-9130 
Livro III – Dos Fatos Jurídicos-
Título I Do Negócio Jurídico –
Capítulo I – Disposições Gerais
(art. 104 a 114)

 

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

 

Na visão do relator Ricardo Fiuza, a interpretação declaratória do negócio jurídico: A interpretação do ato negocial situa-se na seara do conteúdo da declaração volitiva, pois o intérprete do sentido negocial não deve ater-se, unicamente, à exegese do negócio jurídico, ou seja, ao exame gramatical de seus termos, mas sim em fixar a vontade, procurando suas consequências jurídicas, indagando sua intenção, sem se vincular, estritamente, ao teor linguístico do ato negocial. Caberá, então, ao intérprete investigar qual a real intenção dos contratantes, pois sua declaração apenas terá significação quando lhes traduzir a vontade realmente existente. O que importa é a vontade real e não a declarada; daí a importância de desvendar a intenção consubstanciada na declaração. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 112, (CC 112), p. 77, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 29/12/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Carlos Alberto Martins, em artigo intitulado Princípio da primazia da realidade aplicável ao Direito do Trabalho, artigo super atual, apenas 3 meses publicado site: martinscarlos724583.jusbrasil.com.br/artigos, comentários ao art. 112, quando fala do Direito do Trabalho não se pode deixar de falar de seus princípios, que evoluíram de meras fontes de integração para adquirirem força normativa, de modo que integre a norma jurídica auxiliando no preenchimento de lacunas quando a lei for omissa.

 

Com o direito do trabalho tem que se falar do princípio da primazia da realidade e sua efetiva aplicabilidade, como um mecanismo essencial para a proteção do trabalhador, uma vez que o princípio visa dar preferência à realidade fática verificada na prática da prestação de serviço ao invés do que possa emergir de documentos.

 

Princípio da boa-fé e princípio da dignidade humana no vínculo empregatício: Ao falar da matéria de Direito do Trabalho, consoante aos seus princípios norteadores, eles constituem as linhas diretrizes ou postulados que inspiram o sentido das normas trabalhistas tendo como fundamento a tutela do empregado e configuram a regulamentação das relações de trabalho, conforme critérios distintos dos albergados por outros ramos do Direito.

 

Os princípios de Direito, em qualquer ramo da Ciência Jurídica, desempenham três funções básicas de informadora afim de orientar o legislador na confecção das e leis e de fundamentar as normas jurídicas estatuídas; função normativa para caso haja lacunas e omissões na lei, atuando como fonte supletiva de direito; e a função interpretativa no qual tem como critério a orientação na interpretação e compreensão das normas jurídicas positivadas. Sendo assim, a ciência que representa o conhecimento sistematizado do homem a respeito de um determinado objeto, necessita dos seus princípios a fim de analisar e captar a realidade inerente ao seu campo de estudo. (Martins Filho, 2018, p. 45).

 

Segundo Martins Filho, o princípio da boa-fé não é exclusivo do Direito do Trabalho, nem distintivo do ramo da Ciência Jurídica, mas norteiam todas as relações contratuais, sendo uma delas os contratos trabalhistas. O princípio da boa-fé no ramo do direito do trabalho é de extrema importância para a manutenção do vínculo jurídico, devendo as partes agir com lealdade e honestidade em suas atitudes e comportamentos, sendo na conduta, quer processual, quer negocial, no Direito e no Processo do Trabalho devendo ser interpretadas como um agir de boa-fé, até que se demonstre, por provas ou indícios concretos que agiu de má-fé. (Martins Filho, 2018, p. 54).

 

Vólia Bomfim acrescenta que os princípios da proteção aos trabalhadores têm fundamento na desigualdade, diferentemente do Direito Civil, no qual teoricamente as partes contratantes possuem igualdade patrimonial. Deve ser garantido aos negociantes o direito ao acesso de informações, para que os trabalhadores tenham a exata noção da contabilidade da empresa e os empregadores dos reais problemas enfrentados pelos empregados. (Cassar, 2018, p. 28).

 

Quando analisado o histórico-cultural do direito do trabalho percebe-se a grande evolução que havida. O trabalho era tido como algo pejorativo e com o passar dos anos viu-se a necessidade de cada vez mais proteger a integridade e a dignidade do empregado.

 

A República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana como consta no artigo I, III da Constituição Federal de 1988, tendo um conceito jurídico indeterminado. (Brasil, 1988). Segundo Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, apesar de o princípio da dignidade humana ter um conceito jurídico indeterminado, pode-se afirmar que implica em um conjunto de direitos como o da paz, prosperidade, educação, moradia, igualdade de direitos e oportunidades, segundo eles “a dignidade da pessoa humana é a plenitude concreta de todos os direitos fundamentais para que todos os seres humanos gozem de um tratamento idêntico e realístico quanto às condições de vida em sociedade”. Nesse contexto tem-se o Direito do Trabalho, como um conjunto de normas, princípios e institutos que visam atenuar os antagonismos decorrentes da relação trabalho e capital, estabelecendo regras de proteção ao trabalhador”. (Jorge Neto; Cavalcante, 2018, p. 187).

 

O Princípio da primazia da realidade no ordenamento jurídico brasileiro tem como fundamento a proteção do trabalhador, já que seu empregador poderia com relativa facilidade, obrigá-lo ou coagi-lo assinar documento contrários aos fatos e aos seus interesses. (Cassar, 2018, p. 34).

 

Para o Direito do Trabalho prevalece os fatos reais sobre as formas, sendo importante o que de fato aconteceu e não o que está escrito. No que pese a relação empregado e empregador, o empregado infelizmente muita das vezes se submete às ordens do empregador mesmo que contra sua vontade, abdicando de seus direitos. Quando observada tal situação o referido princípio foi inspirado no art. 112 do Código Civil: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”, indicando que a verdade é mais importante que a formalidade. (Cassar, 2018, p. 34). Vólia Bomfim Cassar aponta que com a reforma trabalhista trazida pela Lei 13.467/2017 mudou bastante o cenário favorável aos trabalhadores na aplicação do princípio da primazia da realidade, pois dentre as modificações realizadas deixou-se claro que prevalece o ajustado individualmente ou coletivamente sobre a realidade, mesmo que o contrato ou norma coletiva seja menos favorável e diferente da realidade. (Cassar, 2018, p. 34).

 

Observe-se o princípio da primazia da realidade na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em seu artigo 442 “Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”, em seu artigo 9º “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”, e artigo 461 “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade”, ou seja, as normas têm forte ligação com o princípio da primazia da realidade. (Brasil, 1943).

 

Segundo Mauricio Godinho Delgado, o princípio da primazia da realidade, no âmbito do Direito do Trabalho, deverá preferencialmente estar relacionada com a “a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade eventualmente manifestada pelas partes na respectiva relação jurídica. A prática habitual — na qualidade de uso — altera o contrato pactuado, gerando direitos e obrigações novos às partes contratantes (respeitada a fronteira da inalterabilidade contratual lesiva)”. (Delgado, 2018, p. 224). Ainda, segundo Delgado, o princípio da primazia da realidade, constitui um poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real em uma situação de litígio trabalhista. Contudo, tal princípio não deve ser apreciado unilateralmente pelo operador jurídico. Desde que a forma não seja da essência do ato, o intérprete e aplicador do Direito deverá investigar e aferir se a substância da regra protetiva trabalhista foi atendida na prática concreta efetiva entre as partes, ainda que não seguida estritamente a conduta especificada pela legislação. (Delgado, 2018, p. 225). (Carlos Alberto Martins, em artigo intitulado Princípio da primazia da realidade aplicável ao Direito do Trabalho, artigo super atual, apenas 3 meses publicado site: martinscarlos724583.jusbrasil.com.br/artigos, comentários ao art. 112, acessado em 29/12/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

O testemunho da Equipe de Guimarães e Mezzalira a respeito da interpretação da declaração de vontade, diferentemente do que uma leitura apressada desse dispositivo poderia transmitir, ao dizer que, “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”, o legislador acabou mais uma vez prestigiando a vontade declarada em detrimento da vontade real do agente. O conteúdo do negócio jurídico é determinado pela declaração de vontade e pelas circunstâncias com que ela foi declarada, não pelo animus subjetivo e íntimo do agente que a declarou. Basta ver que o legislador expressamente conferiu importância interpretativa à intenção do agente que foi de algum modo consubstanciada na declaração de vontade. A vontade íntima do agente que de forma alguma chegou a ser exteriorizada, que não foi consubstanciada na declaração permanece irrelevante para o direito. O parâmetro interpretativo consagrado pelo artigo 112 é o de evitar-se o apego literal ao sentido da linguagem, insensível às circunstâncias que lhe dão significado. De maneira bastante didática, as regras de interpretação dos contratos foram sistematizadas pela doutrina em três diferentes planos, dos quais o intérprete pode valer-se (i) do sentido literal da linguagem (ponto de partida necessário, porém insuficiente); (ii) da contextualização verbal do contrato (interpretação de determinado comando em consonância com a inteireza da avença), e (iii) de sua contextualização situacional. (Francisco Paulo de Crescenzo Marino, Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2009, p. 146). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 112, acessado em 29/12/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

Segundo a reticência do relator em sua doutrina, devido à adição ou complementação da Lei, posteriormente à data promulgação da nova Lei nº 13.874, de 2019, que manteve o caput da Lei inaugurada em 2002, a doutrina de Ricardo Fiuza ficou, dessa forma. (Nota VD):

 

Interpretação baseada na boa-fé e nos usos do local de sua celebração: O princípio da boa-fé está intimamente ligado não só à interpretação do negócio jurídico, pois segundo ele o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração da vontade das partes, mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes devem agir com lealdade e também de conformidade com os usos do local em que o ato negocial foi por elas celebrado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 113, (CC 113), p. 78, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/01/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019);

I - For confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019);

II - Corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019);

III - Corresponder à boa-fé; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019);

IV - For mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019);

V - Corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019).

§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019).

Na visão mais recente, zum Beispiel, Gisele Leite, publicado há apenas 7 dias, no site jusbrasil.com.br/topicos/10722821/artigo, comentários ao artigo 113, o artigo intitulado “O exercício do poder, medida por medida”, apesar da peça ser considerada uma comédia, há um intenso drama e aborda os atos de um senhor corrupto deixado no cargo de governador de Viena, quando, então, o Duque finge que viaja e, ainda, se disfarça para descobrir a parca moral que vige em sua cidade. E, assim, conclui que Viena está em apuros seja moral como espiritualmente.

 

A peça tem final feliz para quase todos os personagens, exceto, para o preso que fora sacrificado no locus de Claudius. Todo enredo, enfim, gira em torno de conceitos como ética, justiça, corrupção, equidade, e abuso de poder. Os crimes de abuso de autoridade descrevem situações de abuso do poder realizadas por agente público (servidor ou não) no exercício das funções ou a pretexto de exercer tais funções. Logo, se o crime é definido como abuso do poder no exercício de funções, é necessário esclarecer o conceito de função e, depois, o conceito de abuso do poder no exercício da função - uma pesquisa que precede a análise dos novos tipos de crimes de abuso de autoridade instituídos, cuja aplicação pressupõe esses conceitos. (Aristóteles. Ética à Nicômaco. São Paulo. Nova Cultural, 1996, revelando-se muito contemporâneo e, ainda, tão carentes de perorações mais racionais e práticas.

 

“Medida por medida” foi a primeira peça de William Shakespeare logo depois que o Rei Jaime I (Jaime VI foi Rei da Escócia e Rei a Inglaterra e Irlanda devido a União de Coroas, quando assumiu como Jaime I. Ele sucedeu ao trono escocês com apenas treze meses, logo após sua mãe Maria da Escócia ter sido forçada a abdicar em seu favor. Quatro regentes governaram o país durante sua menoridade, que se encerrou oficialmente em 1578, apesar de ele apenas ter assumido total controle de seu governo em 1583. Em 1603, ele sucedeu a Isabel I de Inglaterra como o monarca da Inglaterra e Irlanda, reinando nos três países por mais 22 anos até sua morte, em 1625, aos 58 anos, no período conhecido como Era jacobina, em sua homenagem. Após a União das Coroas, ele passou a viver na Inglaterra, voltando para a Escócia apenas em 1617 e se intitulando "Rei da Grã-Bretanha e Irlanda". Jaime foi um grande defensor de um parlamento único para a Inglaterra e Escócia. Durante seu reinado, começaram o Plantation de Ulster e a colonização britânica da América. (Beccaria, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1998.), assumiu o trono inglês, em 1603, sucedendo a Rainha Virgem, Elizabeth I. Segundo os estudiosos, o autor desejava afagar o rei, enquanto outros, acreditavam que apenas queria testá-lo.

 

No contexto da peça, há Vivêncio, o Duque de Viena que não se sentia um bom fiscal das leis, como realmente, não era. Porém, o nobre duque se preocupava de fato de a lei não ser cumprida.

 

O governante reconhece a lei e, até a considera severa (Na opinião da doutrina e jurisprudência pátrias o Direito Penal brasileiro é muito brando com os criminosos. Tanto que nosso país já galgou a reputação internacional de ser um verdadeiro paraíso para bandidos. Alguns juristas apontam que o que reduz a violência é a certeza da punição e, não, propriamente as penas duras. (Bobbio, Norberto; Matteucci, Nicola; Pasquino, Gianfranco. Dicionário de Política. Volume 2. Brasília: Editora UnB, 1998).

 

Nessas condições, a liberdade abusa da justiça, pois, de fato, a liberdade sem limites redunda mesmo em plena injustiça. O duque aponta para Lorde Ângelo, um puritano que era exemplo de retidão, assim como, seu representante. Enquanto o nobre viajava, era Ângelo que devia garantir o fiel cumprimento das leis. Porém, o Duque não viajava realmente, e, ainda se fantasiava de frade para vigiar seu substituto e verificar, se a lei estava sendo devidamente velada.

 

De certa feita, Ângelo desejando fazer jus a sua fama de moralista e moralizador, ressuscitou uma antiga lei que apesar de estar em vigor formalmente, estava totalmente esquecida, era a que proibia terminantemente as relações sexuais e íntimas antes do casamento, sob pena de morte do infrator. Nessa toada, fecharam-se todos os bordeis.

 

Convém, destacar interessante diálogo que relatou um sábio burguês que se meteu em defesa dos bordeis. Evidentemente, Shakespeare já denunciava o sistema jurídico, no qual os bons advogados poderiam livrar seus clientes do cumprimento das leis. Por ter desrespeitado Julieta, Claudius, seu noivo, vai para prisão e, aguarda a execução da pena capital. O fato é que Claudius ainda não havia casado com sua noiva, apenas, por mera questão formal.

 

Já na época do bardo, existia o contrato pré-nupcial (O pré-nupcial ou pacto antenupcial é o contrato firmado entre os nubentes antes da celebração do casamento, ele serve para estabelecer o regime de bens a ser adotado durante a união entre ambos e também trata das questões patrimoniais do casal. Importante ressaltar que a assinatura do pacto pré-nupcial deve anteceder a união do casal, mas o pacto somente terá eficácia com a realização do casamento. Inclusive, o casal homoafetivo pode fazer o pacto pré-nupcial para assegurar seus direitos e livre planejamento matrimonial. O contrato pré-nupcial, além de determinar o regime de bens, os noivos podem especificar o patrimônio que cada um tinha antes de se casar e, estabelecer regras sobre administração dos bens em conjunto do casal, quem irá arcar com quais despesas, dessa forma evita brigas futuras referente às questões patrimoniais.) e, portanto, Claudius já era materialmente marido de Julieta, para que o casamento se aperfeiçoasse apenas faltava a declaração oficial, o que não foi feito somente para obter a majoração do dote (Regime dotal era aquele em que conjunto de bens designado dote é transferido pela mulher, ou alguém por ela, ao marido, para que este, dos frutos e rendimentos desse patrimônio, retire o que for necessário para fazer frente aos encargos da vida conjugal, sob a condição de devolvê-lo com o término da sociedade conjugal. O regime dotal deixou de existir com a vigência do Código Civil brasileiro de 2002, que passou a viger em 10 de janeiro de 2003, encontrando-se atualmente dezoito anos em vigência. O Ministério Público Estadual recorreu ao STJ por entender que não é possível a alteração do regime de bens de casamento celebrado antes da entrada e vigência do Código Civil de 2002.),  de Julieta.

 

Atualmente, é cediço que a união estável (A União Estável é uma relação jurídica que se dá com a união de duas pessoas que convivem como se tivessem vínculo matrimonial. Para que ela ocorra, é preciso que um casal tenha convivência duradoura, contínua e pública, com a intenção de constituir uma família. Para declarar a união estável é preciso comprovar que há uma relação afetiva entre duas pessoas que seja duradoura, pública e com o objetivo de constituir família. Ou seja, um casal de namorados que não vive sob o mesmo teto, não tem filhos ou alguma outra prova de constituição familiar simplesmente não pode declará-la. Mas um casal que já está junto há algum tempo, tem filhos, mas não vive sob o mesmo teto, pode. Parceiros que vivem juntos, dividem as despesas e têm o relacionamento reconhecido pelos demais – ainda que não tenham filhos — também podem declarar união estável.) e o casamento praticamente se equiparam e os direitos dos cônjuges não discrepam da verdade prática da realidade das relações humanas e conjugais.

 

Admite-se, portanto, defender duas situações, Claudius era ou não casado com Julieta? Tal questão ganha repercussão diante da pena severa cominada pelo decreto. Se Claudius fosse casado, então, não cometera ilícito. Se não o fosse, deveria morrer, pois essa era a sanção estabelecida por ter relações sexuais e íntimas fora do casamento.

 

Ângelo quer usar Claudius como exemplo, apesar de lamentar, mas age no deslumbramento do poder. Como bem assinalou Aristóteles, o exercício do poder revela o homem. Aristóteles ressalta que; “O pior dos homens é aquele que exerce a sua deficiência moral tanto em relação a si mesmo, quanto em relação aos seus amigos”. Ainda definiu o melhor dos homens; “não é o que exerce a sua virtude em relação a si mesmo, mas em relação a um outro, pois esta é a tarefa difícil.

 

A norma é boa e válida apenas porque advém da autoridade? Seria razoável discutir se a lei traz algum benefício social? A discussão sobre a discrepância entre legalidade e legitimidade é tema ainda atual. A relação entre legalidade e legitimidade é bem estreita, tanto que alguns doutrinadores chegam até as confundirem. Em outra relação é, em geral, feita é a da legitimidade com o poder. (O conceito de poder, é talvez a maior questão política da atualidade e, transcende aos limites do Direito, bem como o das relações econômicas, segundo Foucault, o poder é uma relação de força que existe, essencial, como o que reprime, sendo por isso útil para garantir as relações de produção econômicas, especialmente, através do Direito). Posto que seja uma qualidade do poder, enquanto legalidade se refere ao exercício do mesmo.

 

Ensinam Bobbio et al.in litteris: "Na linguagem política, entende-se por legalidade um atributo e um requisito do poder, daí dizer-se que um poder é legal ou age legalmente ou tem o timbre da legalidade quando é exercido no âmbito ou de conformidade com leis estabelecidas ou pelo menos aceitas. Embora nem sempre se faça distinção, no uso comum e muitas vezes até no uso técnico, entre legalidade e legitimidade, costuma-se falar em legalidade quando se trata do exercício do poder e em legitimidade quando se trata de sua qualidade legal: o poder legítimo é um poder cuja titulação se encontra alicerçada juridicamente; o poder legal é um poder que está sendo exercido de conformidade com as leis. O contrário de um poder legítimo é um poder de fato; o contrário de um poder legal é um poder arbitrário". (Norberto Bobbio, Matteucci e Pasquino Dicionário de Política, V. 2, Editora UnB, p. 674).

 

É preciso tomar cuidado com esta vinculação da legalidade com a legitimidade, dado que é por aí que se inicia a considerar que a lei jamais deve ser contestada, não obstante sua injustiça, sua inconstitucionalidade e sua antijuridicidade possíveis. Além do que há o problema da legitimidade da própria lei. Realmente são figuras distintas, conquanto bastante ligadas.

 

Afinal, a lei não pode ser encarada apenas como mero ato de vontade do legislador, (O legalismo é utilizado, muitas vezes, como estratégia autoritária, de impor uma ação estatal justificada apenas na necessidade de cumprimento da lei. Aliás, o legalismo é ideologia jurídica caracterizada a partir do dogma do monismo estatal (o Estado é a única fonte mediata do Direito, tendo não apenas o monopólio da jurisdição, mas também o monopólio do direito de punir. O legalismo coloca as normas legais estatais como verdade absoluta, inerentemente de qualquer evidência ou fato social, argumento ou interpretação extensiva que possa colocar em prova aquelas normas.), porém, como sendo reflexo de consenso social, forjado pela inteligência e pelo tempo.

 

Outro ponto relevante, é a evidente ausência de proporcionalidade entre o ato ilícito cometido (a relação sexual fora do casamento) e a pena (morte), nesse caso, avulta a disparidade existente entre o preceito e sanção. Afinal, a pena deve ser compatível com o dano social causado pelo infrator e o ilícito. Enfim, até para garantir o caráter preventivo da lei, de forma que as penalidades sejam proporcionais aos crimes e, também, para que não sejam menores castigos aos maiores delitos.

 

Cesare Beccaria em sua obra intitulada “Dos Delitos e Das Penas”, escrita em 1763 e, publicada no ano seguinte, referia-se à limitação do poder punitivo do Estado bem como sobre a necessidade de humanizar as penas. Já, o doutrinador italiano no século XVIII, sustentava a necessidade de haver proporção entre os delitos e as penas. Mais tarde, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, veio estabelecer que a lei não deve estabelecer mais do que penas estritamente e evidentemente necessárias, em seu artigo 8º.

 

De acordo com a concepção garantista (No que se refere à pena máxima cominada, segundo Ferrajoli sustenta que a mesma, qualquer que seja o crime, não deveria ultrapassar de dez anos. Uma redução deste gênero suporia uma atenuação não apenas quantitativa, senão também, qualitativa da pena dado que a ideia de retornar à liberdade, depois de um breve e não após longo ou indeterminável tempo tornaria sem dúvida mais tolerável e menos alienante a pena de reclusão. Ferrajoli aponta que a pena de prisão perpétua e as penas pecuniárias pelas suas essências, são contrárias ao princípio de proporcionalidade e da igualdade das penas. A primeira porque se revela desumana e não graduável segundo a equidade do julgador. A segunda, por sua vez, revela-se desproporcional por inexistir qualquer proibição penal informada pelo princípio de economia ou de necessidade. A sanção não visa apenas punir ao infrator, mas servir de desestímulo para futuros descumprimentos.

 

Claudius tem uma irmã, a formosa Isabela que está prestes a entrar para um convento. Claudius solicita a Lúcio, seu amigo, que peça a Isabela, uma noviça, para interceder a seu favor perante Ângelo. Claudius acredita que a beleza e a pureza de sua irmã poderiam corromper a autoridade, subvertendo a ordem. E, Lúcio tenta convencer Isabela a procurar Ângelo.

 

Alerta-se do perigo que é o literalmente considerar, o rigor da lei. Por outro lado, pode haver um costume contrário à norma? Não se admite o costume contra legem (Em análise do STF em ação direta de inconstitucionalidade 4.277 que atribui às uniões homoafetivas, igual tratamento jurídico que o destinado às uniões estáveis heteroafetivas, busca-se demonstrar, o efeito reconhecimento da Suprema Corte, especialmente as relações sociais da pós-modernidade, que se encontram em permanente transformação, fato que não pode ser desprezado pela jurisprudência, nem pelo sistema jurídico oficial, pois resultaria em insegurança social decorrente do descompassado entre o sistema normativo formal e a realidade ética-social brasileira. O julgamento conjunto da ADPF 132 e da ADI 4277 representou uma genuína quebra de paradigmas e um avanço para o nosso Direito das Famílias. Assim, as uniões homoafetivas foram equiparadas às uniões estáveis.).

 

No Direito Romano era admitido que a lei caísse em desuso é o desuetudo, perdendo eficácia. Tratando do Direito Romano, o costume podia “não apenas criar direito como também derrogar o já existente”. Para avaliar o desuetudo em nosso ordenamento jurídico, é indispensável conceituar os atributos que fornecem a sua validade, assegurando que a norma importada do mundo jurídico fará material a sua vontade no seio da sociedade.

 

Enfim, o derradeiro atributo da norma jurídica, conforme leciona Paulo Nader, não obstante a menor importância dada a estes pelos positivistas, é a legitimidade, nesta residindo a posição do povo em relação a uma regra, questionando-se o atendimento da norma ao justo ou ao injusto segundo a sua mens legis.

 

Conclui-se que a consuetudo obligatio é uma repetição constante e uniforme de uma prática social, porém, diversa da prescrição emanada do Direito vigente, também é direito positivo, corroborando a expressão romana de que o costume é um direito fundamental sobre os direitos e que o costume negativo, ou seja, o desuso apartando da norma o elemento essencial para a sua existência que é a eficácia, invalida a regra, ceifando a sua permanência no ordenamento jurídico-positivo.

 

O sistema jurídico brasileiro não admite que possa uma lei perecer pelo desuso, porquanto assentado no princípio da supremacia da lei escrita (fonte principal do Direito). Sua obrigatoriedade só termina com sua revogação por outra lei. Noutros termos, significa que não pode ter existência jurídica o costume contra legem. (Brasil - STF, 1995). Atualmente, a lei apenas pode ser revogada por outra lei.

 

Isabela é, outro exemplo, de retidão e, até reclama com uma freira que desejaria maior disciplina e mais estrita para a congregação. Ou seja, em termos de correção, era mais realista do que o rei. Ângelo, em seguida, faz categórica afirmação sobre a lei e da sua aplicação. Como paladino da correção Ângelo não nega que o homem tenha as suas fraquezas. O homem deve manter sua retidão, até porque, se falhar, sofrerá as penalidades da lei ditada pelo Estado.

 

Isabela pede o perdão de Ângelo, ao governador em exercício. Primeiro, ela compreende e concorda com a lei e, ainda, reconhece que a justiça do comando legal, mas defende que a sanção, seja exagerada. Depois, tenta a persuadir Ângelo e o atrai por sua vaidade e, pedindo, copiosamente, por clemência.

 

Ângelo, no entanto, se mostra inflexível às súplicas de Isabela em favor de seu pobre irmão, Claudius. Afinal, a lei deve valer para todos. Entretanto, esse discurso do governador em exercício difere da conversa dos jurisdicionados, antes narrada, na qual se indica a possibilidade de aplicação desigual da lei, favorecendo os mais afortunados, aqueles com amigos influentes e auxiliados por “bons e convincentes advogados”. Isabela reclama que a lei, embora, existente, não era aplicada por muitos anos, e, com isso, condenar o seu irmão seria injusto. E, clama que a norma deixa de ter força por conta do longo desuso.

 

H.L.A. Hart comenta um caso de uma mulher, em 1944 que fora condenada por prática de quiromancia, com base em lei inglesa contra feitiçaria de 1735, norma esquecia e sequer era suscitada. (Na órbita do Direito anglo-saxão, o referencial de Hart, os padrões gerais de conduta são comunicados através dos precedentes e da legislação. O fazem, respectivamente, com um uso máximo e um uso mínimo de palavras.  O precedente constitui-se, por assim dizer, em exemplos dotados de autoridade. Essa comunicação de padrões de conduta através do precedente traz consigo uma grande zona de imprecisão, no tocante aos sujeitos atingidos e quanto às condutas pretendidas. Ao contrário, aparentemente, a regra de conduta comunicada através da lei (usando formas explícitas de linguagem) seria, nas palavras de Hart, “clara, certa e segura”.

No entanto, a evolução do pensamento jurídico tem possibilitado a compreensão de que em ambos os casos as regras de conduta não nos são comunicadas de forma absolutamente segura ou clara. Neste momento, uma conclusão mais apressada poderia fazer crer que a “interpretação” da lei e dos precedentes bastaria para aclarar seu conteúdo. Hart refuta tal possibilidade, uma vez que a própria maneira de os interpretar está submetida aos limites gerais da linguagem (ou seja, em certos casos, até mesmo as regras de interpretação poderiam necessitar ser interpretadas).

De fato, a medida em que mudam os costumes da sociedade, a lei deve adaptar-se às várias situações da humanidade. Assim, a lei não pode dissociar-se completamente dos costumes. (Não se confundem com os costumes, regras consuetudinárias dotadas de convicção de obrigatoriedade em um dado âmbito. Mas a distinção não tem maior relevância para o presente tema, pois tanto os usos quanto os costumes podem qualificar o silêncio como declaração, a teor dos arts. 111 e 432, ambos do CC/2002. Vistos esses aspectos sobre as circunstâncias qualificadoras do silêncio, é importante tratar de algumas circunstâncias que não são suficientes para qualificá-lo como declaração de vontade, apesar da existência de fatores que ensejam dúvidas a respeito. A lei não estava morta, apesar estivesse dormindo. Eis a finalidade preventiva da norma jurídica, promover a profilaxia social. A lei repele o ato que lhe seja contrário, mas também visa que essa repulsa vai atingir a quem se desviar de seu comando.


Isabela, vem a insistir novamente, mas foi rechaçada por Ângelo que lhe avisou: - Vosso irmão morrerá amanhã, resignai-vos. Acontece que Ângelo, por fim, mostrou fragilidade posto que foi derrubado por sua beleza e encanto. A humanidade tem as suas fraquezas e reconhece sua debilidade moral.

Evoca Ângelo um conceito de justiça: se os juízes são corruptos, como poderão punir alguém por corrupção? (Corrupção ativa: quando um indivíduo oferece dinheiro a um funcionário público em troca de benefícios próprios ou de terceiros; Corrupção passiva: quando um agente público pede dinheiro para alguém, em troca de facilitações para o cidadão. O Código Penal brasileiro, em seu artigo 317, define o crime de corrupção passiva como o de “solicitar ou receber, para si ou para outros, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem. Faltar-lhes-ia legitimidade.

Isabela, a linda moça tão pura e casta cogita em clemência, num discurso de elevados valores. Enfim, dominado e seduzido Ângelo insinua a Isabela que pode trocar a vida de Claudius pelos favores íntimos com Isabela. A vida do irmão por sua pureza, eis a proposta.

Horrorizada, a casta criatura, Isabela relata ao irmão Claudius sobre a proposta indecente feita por Ângelo. E, em seu desespero, pede à sua irmã que deve mesmo entregar a sua virgindade a fim de salvá-lo da morte.

 

Percebe-se que Isabela fora exposta à imoralidade do julgador e, depois, a do próprio irmão que com torpeza sustentou que os fins justificam os meios. (Não foi Maquiavel que proferiu esse lema. Maquiavel participou de missões diplomáticas na Espanha, França e, até no Vaticano. Quando a facção Médici tomou o poder na Itália, foi preso, torturado e exilado da cidade. Entre muitos conselhos, destacam-se este: “Não se afaste do bem, mas saiba valer-se do mal, se necessário”. Portanto, inaugurou a ideia de valores políticos mensurados pela prática e utilidade social. Os fins justificam os meios é frase que não consta da obra de Maquiavel e nunca fora escrita por ele. Com relevante adendo: a política talvez, seja um fim em si mesma.

 

Isabela, porém, não é tão inocente, e ao rogar por clemência ao julgador, pedindo que desconsidere a lei tão esquecida. Quem estará mais errado? O Estado, os jurisdicionados (Claudius e Julieta) ou a noviça casta? Conclui-se que todos, de uma forma ou de outra, agridem as leis e também a moral. O Duque, ainda disfarçado pelo frei, reconhece a decrepitude do sistema jurídico.

 

É trajado de frade que reaparece para Isabela. Tenta resolver o imbróglio. Sugere a Isabela que finja consentir com Ângelo, trocando sua virgindade pela liberdade do irmão. Porém, na hora de deitar-se na cama, deve ser substituída por outra moça, chamada Mariana, a noiva que no passado fora renegada por Ângelo (fora abandonada, porque ficara sem dote). E, o plano é levado adiante e, Ângelo tem amoroso encontro com Mariana, acreditando ter se deitado com Isabela. E, apesar disso, descumpre o prometido à Isabela, e não suspende a execução de Claudius. Afortunadamente, o Duque ainda, fantasiado de frade, esconde-se de Claudius e, faz com que outro prisioneiro seja executado no lugar do irmão de Isabela.

 

Todos, no entanto, inclusive a linda Isabela, pensam que Claudius morreu. Na cena final da peça teatral, todos vão às portas da cidade, aguardam o retorno do Duque. Este, já sabe de tudo, porque sempre esteve presente, apesar de se passando por frade. Entretanto, as personagens ignoram que o Duque conhece os fatos. E, Isabela, então, perante o Duque acusa Ângelo de corrupção moral e do assassinato de Claudius.

 

O Duque finge não acreditar. E, pior, determina a prisão de Isabela e sugere que Ângelo a processe. Ocorre, então, o julgamento e, o próprio Duque e governador, novamente, vestido de frade, vai depor a favor da Isabela. Uma vez confrontado no seu testemunho, o Duque revela, finalmente, a sua identidade. No veredicto final, Ângelo é condenado a casar-se com Mariana, e, depois a morrer pelo assassinato de Claudius. Isabela, contudo, intercede por Ângelo e apresenta o conceito de cogitatio, isto é, a mera cogitação, não representa um crime. Embora, Ângelo tenha expressado que sua vilania não foi consumida com Isabela. A lei não alcança os pensamentos nem intenções. Isabela demonstra com lucidez e, pede clemência para Ângelo, o que é concedido pelo Duque.

 

Para alegria geral, descobre-se que Claudius está vivo e determina o Duque que ele se case com Julieta, reparando o mal através do casamento. Para que ninguém fique sem par, o Duque propõe desposar Isabela. Há, contudo, um enigmático silêncio de Isabela e, a peça termina sem que saiba se aceitou casar-se com o Duque. No direito, o silêncio pode obter especial relevância e, ao contrário do adágio popular, quem cala nem sempre consente.

 

Tanto é assim, que o artigo 111 do Código Civil Brasileiro afirma que: “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”.

 

Uma das inovações decorrentes da denominada comercialização do direito privado, aponta para o artigo 113 do CC/2002 que faz referência à boa-fé e aos usos como parâmetro de interpretação de negócios jurídicos e, ainda, o artigo 138 que passou a exigir a perceptibilidade do erro para anulação do negócio jurídico e, também, o artigo 110 do mesmo diploma legal, que dispõe que a reserva mental não macula o negócio.

 

O artigo 111 do CC/2002 ao referir que o silêncio importa anuência nos casos em que os usos ou as circunstâncias do caso o autorizarem, também constitui um ótimo exemplo. Reconhece-se, portanto, que o silêncio como força capaz de gerar obrigações relacionada intimamente com o âmbito comercial. E, liga-se com a celeridade de relações comerciais.

 

Particularmente, quanto ao casamento, há de haver uma manifestação positiva e inequívoca, além de expressa dos noivos. Pode-se interpretar o silêncio como uma forma de Shakespeare dizer, indiretamente, que as pessoas podiam ir contra o Duque, que representava o Estado. Por outro lado, como não há negativa e o Duque simbolizava o poder, admite-se a interpretação de que o duque e Isabela, ao final, se casam.

 

A brincadeira etimológica sobre os nomes dos personagens, pois Claudius, irmão de Isabela, que significa aquele que claudica, ou seja, manca. Pois, é essa a situação do personagem, que se casa de fato, mas não se casa formalmente, e que viola a lei, mas, ao mesmo tempo, não a viola, e que pede que sua irmã cometa uma imoralidade para salvar-lhe a vida.

 

Vicêncio, o nome do Duque de Viena, é nome predominantemente masculino, de origem latina e que significa literalmente "aquele que vence". Ao passo que Isabela, é nome de origem hebraica e que significa casta e pura.

 

O mesmo jogo de palavras, igualmente, se aplica a Senhora Overdone que em inglês seria quando se fala sobre o ponto de fritura do bife. Correspondendo ao bem passado, quase esturricado. Nota-se, a crítica à hipocrisia dos legisladores e dos governantes. Porém, tudo é feito de forma inteligente, até porque o Duque acaba sendo o grande herói e restaurador da ordem.

 

Afinal, a norma jurídica deve ser vista com os olhos de seu tempo e, deve servir à sociedade, e não o contrário. A sociedade e seus valores se modificam e, a lei não está imune a tal fenômeno. O direito contemporâneo tem se dedicado a análise dos casos concretos, atribuindo relevância secundária à vontade, eivada de subjetivismos e aos desejos não revelados pelas partes.

 

Mais que a intenção da parte, deve-se avaliar o intérprete o ponto de vista objetivo, para identificar se houve um comportamento correto, legal e transparente.

 

Visando atingir o verdadeiro, o significado da norma jurídica para o aplicador do Direito, não se baseia apenas na letra da lei, mas em uma série de fatores, que podem ter se modificado quando da sua criação. O sistema distingue os quatro elementos básicos da interpretação (gramatical, lógico, histórico e sistemático), não sendo quatro espécies distintas e, sim, devem atuar em conjunto.

 

Merecedora de destaque, a Escola do Direito Livre nasceu na Alemanha, ao final do século XIX, no pensamento de François Geny e também, de Eugen Ehrlich desenvolvendo-se no sentido de melhor garantir ao juiz, a função criadora sempre que não se depare com preceito legal específico ao caso concreto, sendo que o objetivo único do Direito é a Justiça e, portanto, havendo ou não uma lei escrita, o julgador estará autorizado a se nortear por essa finalidade primacial.

 

Desta forma, defender-se, até mesmo, a decisão judicial contra legem, nos casos em que o juiz reputar necessário. A máxima dessa Escola é fiat justitia pereat mundus (faça-se justiça, ainda que o mundo pereça). Essa escola apresenta ainda duas tendências uma moderada, que defende apenas a atividade criadora do juiz diante da lacuna da lei, e a mais radical, que defende a atividade criadora quando uma norma for considerada injusta. O que se parece muito com o que fez o Duque de Viena na peça do bardo.

 

Refere-se à boa-fé objetiva que se manifesta concretamente nos atos. Na peça “Medida por medida”, o duque no julgamento cogita em temperar a justiça com clemência e, no equilíbrio na aplicação da lei. Não façamos da lei um espantalho. (Ato II, Cena II). (Gisele Leite, publicado há apenas 7 dias, no site jusbrasil.com.br/topicos/10722821/artigo, comentários ao artigo 113, o artigo intitulado “O exercício do poder, medida por medida”, acessado em 01/01/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Conclui-se nos comentários da Equipe de Guimarães e Mezzalira, o artigo 113, que tem a boa-fé como critério de interpretação de negócio jurídico. No Código Civil de 2002 diversos valores sociais foram expressamente reafirmados, dentre os quais o princípio da boa-fé, de extrema relevância para o direito privado. A doutrina moderna capitaneada no Brasil por Judith Martins-Costa costuma afirmar que a cláusula geral de boa-fé apresenta uma tripla função, ora funcionando como um cânone hermenêutico dos contratos, ora como uma norma geral criadora de deveres jurídicos acessórios e ora como uma limitação ao exercício de direitos subjetivos. O art. 113 cuida da importância da boa-fé como elemento de interpretação dos negócios jurídicos. Por força dessa regra interpretativa, dentre as diversas e variadas possíveis interpretações de um negócio jurídico deve o intérprete privilegiar aquela que corresponda aos padrões ditados pela boa-fé. Ou seja, à conduta justa e correta que se espera que alguém adote naquelas circunstâncias.

 

Os usos do lugar de sua celebração. Os usos do lugar em que o contrato é celebrado são de extrema relevância para a interpretação dos negócios jurídicos na medida em que ajudam a determinar a forma como a declaração de vontade é socialmente vista naquela circunstância. Naturalmente, entretanto, tais usos podem variar de acordo com o lugar em que o negócio é celebrado. Basta pensar na medida de área denominada alqueire, que varia de lugar para lugar. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 113, acessado em 01/01/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.

 

Baseado nos comentários do relator Ricardo Fiuza em sua doutrina. Interpretação restritiva de negócio jurídico benefício e de renúncia: Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia deverão ser interpretados restritivamente, i.é, o juiz não poderá dar a esses atos negociais interpretação ampliativa, devendo limitar-se, unicamente, aos contornos traçados pelos contraentes, vedada a interpretação com dados alheios ao seu texto.

 

Interpretação dada por Heloísa Rocha, relativo aos comentários do art. 114, publicado em 2021, no site helojusgr.jusbrasil.com.br/artigos, com o título de “A capacidade civil da pessoa com deficiência pós Lei 13.146/15”, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPCD) adentrou em nosso ordenamento com força de Emenda Constitucional respeitando o disposto no art. 5º, § 3º da CF/88 e demonstrou estar em grande sintonia com os novos contornos do direito internacional nos últimos anos.

 

O texto legal traz, sem dúvidas, grandes mudanças que entram em consonância com os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Embora a lei em si tenha sido alvo de algumas críticas, no que tange as inovações acerca da capacidade civil entende-se que elas foram muito acertadas.

 

Basicamente o artigo 114 do Estatuto altera o artigo 3º e 4º do Código Civil pátrio, passando a compreender como incapazes civilmente tão somente aqueles que são menores de 16 anos ou menores impúberes. Em outras palavras, a lei enxuga os demais incisos e passa a estabelecer que todas as pessoas com deficiência que eram enquadradas no antigo artigo 3º passam a ser, em regra, plenamente capazes. Diz-se em regra, pois aquelas pessoas que se encontrarem por causa transitória ou permanente sem condições de exprimirem sua vontade, poderão ser consideradas relativamente incapazes em relação a certos atos.

 

Veja, tratar-se de um avanço inestimável. O legislador finalmente distingue a pessoa com deficiência da falta de capacidade de gerir atos da vida civil por própria vontade, elucidando assim toda a confusão que existia na redação anterior.

 

O EPCD não para por aí, pois elenca uma série de direitos onde a deficiência não é mais um impeditivo para realização de atos, ou seja, ela por si só não tem o poder de afastar a capacidade civil. Dentre eles, destaca-se o direito de se casar; direitos sexuais e reprodutivos; filhos e planejamento familiar; fertilidade; direitos relativos a guarda, tutela curatela e adoção. Tudo isso em pé de igualdade com as demais pessoas.

 

Vale dizer que eventualmente é possível utilizar os institutos de curatela e da tomada de decisão apoiada para atos negociais/patrimoniais ou atos da vida civil, respectivamente. Concluindo, há um claro desejo no ordenamento jurídico preservar a dignidade da pessoa com deficiência colocando-a em pé de igualdade com as demais pessoas para a vida em sociedade. (Heloísa Rocha, relativo aos comentários do art. 114, publicado em 2021, no site helojusgr.jusbrasil.com.br/artigos, com o título de “A capacidade civil da pessoa com deficiência pós Lei 13.146/15” acessado em 01/01/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Sob a visão da Equipe de Guimarães e Mezzalira, - Interpretação restritiva dos negócios benéficos e da renúncia. Os negócios jurídicos benéficos são aqueles em que apenas uma das pessoas obtém vantagem com sua celebração, não existindo equilíbrio entre os benefícios e as obrigações assumidas pelas diferentes partes. Basta pensar na doação, em que apenas um dos contratantes recebe todas as vantagens de sua celebração enquanto que à outra contraparte cabem todas as obrigações. Por sua vez, renúncia é um ato de disposição e abandono de um direito em favor de outrem.  Em ambos os casos, como se vê, há expressa vantagem de uma pessoa em detrimento da outra. Para evitar que esse desequilíbrio seja ainda maior, o legislador estabeleceu um critério interpretativo restritivo para tais negócios jurídicos. Assim, verba gratia, numa situação em que alguém tenha doado um imóvel guarnecido por diversos móveis, sem nada dizer sobre eles, a regra de interpretação restritiva dos negócios jurídicos benéficos força a conclusão de que tais móveis não foram contemplados no objeto da doação. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et alapud Direito.com, nos comentários ao CC 114, acessado em 01/01/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 


Para evitar que esse desequilíbrio seja ainda maior, o legislador estabeleceu um critério interpretativo restritivo para tais negócios jurídicos. Assim, verba gratia, numa situação em que alguém tenha doado um imóvel guarnecido por diversos móveis, sem nada dizer sobre eles, a regra de interpretação restritiva dos negócios jurídicos benéficos força a conclusão de que tais móveis não foram contemplados no objeto da doação. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 114, acessado em 01/01/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

quarta-feira, 30 de março de 2022

Código Civil Comentado – Art. 109, 110, 111 Dos Fatos Jurídicos - Do Negócio Jurídico Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R. digitadorvargas@outlook.com – paulonattvargas@gmail.com - Whatsap: +55 22 98829-9130

 

Código Civil Comentado – Art. 109, 110, 111
Dos Fatos Jurídicos - Do Negócio Jurídico
Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.
digitadorvargas@outlook.com
paulonattvargas@gmail.com -  
Whatsap: +55 22 98829-9130 
Livro III – Dos Fatos Jurídicos-
Título I Do Negócio Jurídico –
Capítulo I – Disposições Gerais
(art. 104 a 114)

 

Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato.

 

O comentário da doutrina do relator fala da Previsão contratual de forma especial: A emissão da vontade é dotada de poder criador; assim sendo, se houver cláusula negocial estipulando a invalidade do negócio jurídico, se ele não se fizer por meio de escritura pública, esta passará a ser de sua substância. Logo, tal declaração de vontade somente terá eficácia jurídica se o ato negocial revestir a forma prescrita contratualmente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 109, (CC 109), p. 76, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 27/12/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Na visão clara de Sebastião de Assis Neto et al, os atos jurídicos stricto sensu ou não negociais, são atos que, embora decorrentes da ação e da vontade humanas, não são cometidos, precipuamente, com a finalidade de realizar o efeito previsto na forma para o respectivo ato. Equivale dizer que a pessoa tem a vontade dirigida somente à prática do ato, mas não ao seu efeito, que ocorre, automaticamente, dos ditames da lei. Não exige a lei, na prática de atos jurídicos stricto sensu, a declaração de vontade para a geração de seus efeitos.

 

Podem ser exemplificados os atos jurídicos stricto sensu em vários atos da vida comum, como: aceitação de herança, fixação e transferência de domicílio, recebimento de citação, ocupação, achado de tesouro, especificação, pagamento indevido, reconhecimento de filho fora do casamento etc.

 

Para aceitar uma herança, por exemplo, basta a vontade de querer praticar esse ato, entretanto, uma vez aceita a herança, os efeitos jurídicos dela decorrentes (assunção dos ônus deixados pelo falecido) dependem da vontade declarada pelo herdeiro, no momento da aceitação.

 

O mesmo ocorre, v.g., com o reconhecimento de filho fora do casamento: não existe margem de negociação para a ocorrência dos efeitos jurídicos do ato. uma vez assumida a paternidade, decorrem, automaticamente, todos os efeitos previstos pela lei, como a obrigação alimentar, o direito à legítima etc.

 

Observe-se, portanto, que, ao disciplinar que os atos jurídicos não negociais submeter-se-ão às regras dos negócios jurídicos no que couber, o legislador impõe importante norma de integração, pois admite que, para certos efeitos jurídicos, não é possível aplicar-se determinadas normas destinadas exclusivamente aos negócios.

 

Isto se deve justamente ao fato de que, nos atos jurídicos não negociais, a vontade é dirigida somente à sua prática, surgindo os efeitos independentemente do querer do agente. Assim, por exemplo, é incompatível com a natureza dos atos não negociais a imposição de elementos de eficácia, como no caso dos termos e condições. (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em   Manual de Direito Civil, Volume Único. Cap. V – Fatos Jurídicos, verificada, atual. e ampliada, item 3.2.1. Atos jurídicos stricto sensu ou não negociais, comentários ao CC 109. Editora JuspodiVm, 6ª ed., p. 316, consultado em 27/12/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No dizer da Equipe de Guimarães e Mezzalira, Forma especialmente eleita pela vontade das partes. Por ser mais formal, a utilização da escritura pública garante maior segurança jurídica às partes. Em contrapartida, a opção pela utilização da escritura pública acresce custos de transação ao negócio jurídico, já que torna a celebração do negócio mais cara e demorada. Têm as partes, entretanto, liberdade para escolher celebrar um negócio jurídico utilizando-se de uma forma mais simples, célere e menos onerosa, ou optar por utilizar uma forma mais segura e custosa. De todo modo, tendo optado pela utilização do instrumento público, a utilização dessa forma será um requisito indispensável para a validade do negócio jurídico. E nem poderia ser diferente, sob pena de esvaziar a própria garantia de segurança jurídica a que buscaram as partes. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 109, acessado em 27/12/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.

 

A posição do relator aponta para Reserva mental lícita: A reserva mental é a emissão de uma intencional declaração não querida em seu conteúdo, nem tampouco em seu resultado, pois o declarante tem por único objetivo enganar o declaratário. Logo, se conhecida da outra parte, não torna nula a declaração da vontade, pois esta inexiste, e, consequentemente, não se forma qualquer ato negocial, uma vez que não havia intentio de criar direito, mas apenas de iludir o declaratário. Se for desconhecida pelo destinatário, subsiste o ato, e, a

 

Reserva mental ilícita conhecida do declaratário: Se, além de enganar, houver intenção de prejudicar, ter-se-á vício social similar à simulação, ensejando nulidade do ato negocial. É preciso esclarecer que o conhecimento da reserva mental que acarreta a invalidade do negócio somente pode ser admissível até o momento da consumação do ato negocial, pois se o declaratário comunicar ao reservante, antes da efetivação do negócio, que conhece a reserva, não haverá esta figura, que tem por escopo enganar o declaratário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 110, (CC 110), p. 77, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 27/12/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Fontes donsultadas: Nelson Nery Jr., Vícios do ato jurídico e reserva mental, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1983; Scuto, Riserva mentale, Novissimo Digesto Italiano, Torino, UTET, 1969, v. 16 (p. 111); Moacyr de Oliveira, Reserva mental, Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 65 (p. 266 e s.); M. Helena Diniz, Curso, cit., v. 1 (p. 307-8).

 

Nos comentários ao artigo 110, Felipe Quintela, decodificando o Código Civil com o trabalho intitulado: Vontade real X vontade declarada, publicado em 18 de julho de 2017 no site Genjurídico.com.br, explana:

 

No negócio jurídico, ocorrem situações em que a vontade efetivamente declarada pelo sujeito é diversa da sua vontade real. Isso ocorre, em geral, ou porque o sujeito mentiu ao manifestar sua vontade, ou porque errou espontaneamente, ou porque foi induzido a erro, ou, ainda, porque foi coagido. Para resolver o conflito entre a vontade declarada e a vontade real, algumas teorias foram propostas, dentre as quais se destacam a teoria da vontade e a teoria da declaração.

 

Por terem se desenvolvido primeiramente no Direito germânico, costumam ser feitas referências a elas por meio de suas denominações em alemão: Willenstheorie e Erklärungstheorie, respectivamente (Teoria da vontade e teoria da declaração – Nota VD). Em síntese, a teoria da vontade propõe que prevaleça a vontade real, e a teoria da declaração propõe que prevaleça a vontade declarada.

 

Na comparação entre as duas soluções, se, por um lado, a teoria da vontade tem a vantagem de proteger o que o sujeito realmente quer, a teoria da declaração, por outro lado, tem a grande vantagem da objetividade. Afinal, um dos desafios da teoria da vontade é justamente a prova da vontade real, em razão da sua subjetividade.

 

No Direito brasileiro, adotou-se, como regra geral, a teoria de declaração. É o que consta na primeira parte do art. 110 do Código Civil: “a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou”.

 

Pode-se entender como “reserva mental” o fato de o sujeito mentalizar o que realmente quer e declarar o que não quer. Em outras palavras, a reserva mental é a omissão da verdade consciente, que foi substituída, na manifestação da vontade, por uma mentira. Imagine, zum Beispiel, que Maria responde “sim” ao pedido de casamento de Caio, muito embora não queira, efetivamente, casar-se com ele. Há, todavia, algumas exceções à regra geral da primeira parte do art. 110.

 

A primeira aparece ainda na parte final do dispositivo: “salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”. Ou seja, quando aquele a quem se declara a vontade conhece a vontade real do sujeito, a qual é diversa da vontade efetivamente declarada, prevalece a vontade real.

 

Por essa razão é que mesmo contratos orais, que não exigem qualquer formalidade além da pronúncia das palavras, não se consideram celebrados entre atores em uma peça, ou por um professor ao dar um exemplo em sala de aula. Isso porque os demais atores, bem como os estudantes com quem o professor encena seu exemplo, sabem que o sujeito, na verdade, não quer realmente aquilo que foi dito. Nesses casos, aplica-se a regra da parte final do art. 110, e não prevalece a vontade declarada. (Felipe Quintela, decodificando o Código Civil, com o artigo 110, intitulado Vontade real X vontade declarada, publicado em 18 de julho de 2017 no site Genjurídico.com.br, acessado em 27/12/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na toada da Equipe de Guimarães e Mezzalira, A vontade e sua manifestação. Não é a vontade do agente que determina o conteúdo do negócio jurídico e sim a forma como essa vontade é externada socialmente. O ordinário é que a vontade real do sujeito coincida com a vontade que foi publicamente manifestada. Pode ocorrer, entretanto, um descompasso entre a vontade real e a vontade manifestada. Enfrentando essas situações de descompasso duas teorias extremas surgiram. A teoria subjetiva, que funda toda a essência do negócio jurídico na vontade real do sujeito, protegendo-a ante sua exteriorização errônea e a teoria objetiva, mais moderna, a qual reconhece como elemento essencial do negócio jurídico, e não a vontade íntima do sujeito, que não vindo a ser exteriorizada, não adquire relevância jurídica. Eduardo Ribeiro bem observou que o legislador do Código Civil buscou amenizar os extremos dessas duas teorias ora privilegiando a vontade real (CC, art. 167), ora protegendo a vontade declarada (CC, art. 143). Observa-se de todo modo, que prepondera no Código Civil a chamada teoria da confiança, segundo a qual deve-se preservar a confiança legitimamente criada no destinatário da declaração  de vontade de que a vontade declarada corresponde à vontade real do agente. (Eduardo Ribeiro de Oliveira, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Comentários ao Código Civil: das pessoas, (arts. 79 a 137) Vol. II, Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 229-230).

 

Reserva mental. Esta ocorre quando o agente voluntariamente declara sua vontade em descompasso com sua vontade real. É a divergência propositalmente causada entre o animus e a declaração. Em tal caso, como regra geral, prevalece o conteúdo da vontade que foi exteriorizada pelo agente. É ela que irá produzir efeitos jurídicos. A vontade real, que o agente voluntariamente guardou para si, será irrelevante para o direito. A situação será diferente, entretanto, se o destinatário dessa declaração tiver conhecimento de que ela não corresponde a real intenção de quem a declarou. Isso porque, neste caso, entende a doutrina que sequer há declaração de vontade, caracterizando verdadeira hipótese de inexistência de negócio jurídico. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 110, acessado em 27/12/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 111.  O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.

 

O relator Ricardo Fiuza apresenta o Silêncio como fato gerador de negócio jurídico: O silêncio pode dar origem a um negócio jurídico, visto que indica consentimento, sendo hábil para produzir efeitos jurídicos, quando certas circunstâncias ou os usos o autorizarem, não sendo necessária a manifestação expressa da vontade. Caso contrário, o silêncio não terá força de declaração volitiva. Se assim é o órgão judicante deverá averiguar se o silêncio traduz ou não, vontade. Logo, a parêmia “quem cala consente” não tem juridicidade. O puro silêncio apenas terá valor jurídico se a lei à determinar, ou se acompanhado de certas circunstâncias ou de usos e costumes do lugar, indicativos da possibilidade de manifestação da vontade, e desde que não seja imprescindível a forma expressa para a efetivação negocial. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 111, (CC 111), p. 77, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 29/12/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Antonio Evangelista de Souza Netto, em artigo bem atual publicado com o título “Direito de informação nas relações de consumo: indenização por danos decorrentes de operação de investimento de risco sem autorização do investidor, aborda o direito de informação nas relações de consumo e a reparação de danos causados por operação de investimento de risco sem autorização do investidor.

 

As normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) incidem sobre as relações jurídicas estabelecidas entre consumidores e fornecedores, segundo os conceitos assinalados nos arts. 2º/ 3º do CDC. Enquanto consumidor é o sujeito, com ou sem personalidade jurídica, que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, fornecedor é o sujeito, com ou sem personalidade jurídica, que desenvolve atividades econômicas de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

 

Serviços são todas as atividades desse gênero prestadas mediante remuneração no mercado de consumo. Incluem-se no conceito de serviços as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária (art. 3º, § 2º, do CDC). É adequado reconhecer, nesse caso, que as regras do CDC se aplicam aos negócios jurídicos celebrados entre instituições financeiras e os seus clientes consumidores, inclusive os relativos a aplicações e investimentos em fundos.

 

Nesse sentido, o consumidor, cliente da instituição financeira, tem o direito de receber informações adequadas sobre os serviços prestados, com dados precisos sobre os critérios, preço e riscos das operações (art. 6º, III, do CDC). A apresentação e a oferta dos serviços prestados pelo banco devem ser objetivas, claras e ostensivas, de modo que seja permitido ao consumidor ter ampla ciência das condições e dos riscos envolvidos (art. 31 do CDC).

 

De outra parte, vale acrescentar que a prestação adequada das informações é essencial para que o consumidor possa exercer de maneira correta a autonomia da vontade. Destaque-se que a jurisprudência já se manifestou no sentido de que se considera adequada a informação simultaneamente completa, gratuita e útil, não se admitindo, contudo, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer utilidade ao consumidor.

 

Segundo o princípio da identificação, o fornecedor deverá assegurar que na veiculação a finalidade da publicidade possa ser claramente identificada pelos consumidores destinatários da mensagem, não se admitindo publicidades subliminares ou clandestina. A publicidade dos produtos e serviços das instituições financeiras pode ser desenvolvida, entre outras, com o emprego das técnicas de merchandising, teaser e puffing (ou puffery). Em todo caso, o merchandising, consistente na inserção do produto ou do serviço em produções audiovisuais, como em filmes, programas de televisão ou rádio, só será admitido se houver advertência ao consumidor sobre o emprego da técnica, ou seja, se o consumidor for cientificado de que está exposto ao merchandising. Ekzemple de merchandising é o pagamento de uma conta de um restaurante por um ator de uma telenovela com utilização do cartão de crédito de um determinado banco. Zum Beispiel, ainda que o emprego do cartão de crédito seja feito no contexto da telenovela, sem ostensiva intenção publicitária, o consumidor está sendo objeto da publicidade do produto e do serviço.

 

Vejam alguns conceitos relativos ao tema: O teaser, técnica de marketing que busca aumentar o interesse do consumidor por um determinado produto ou serviço mediante a criação de expectativas, como no caso em que o anunciante estimula a curiosidade do consumidor por meio de anúncios parciais que serão posteriormente completados, também é admitido, mas desde que não implique publicidade clandestina, i.é, desde que o consumidor possa ter acesso integral à informação e plena ciência das condições do produto ou serviço anunciado.

 

A técnica de publicidade consistente em elogios exagerados, conhecida como puffing ou puffery, de outro passo, é permitida desde que o consumidor possa aferir o verdadeiro sentido e alcance da informação. Os elogios exagerados ou a publicidade espalhafatosa potencialmente capaz de induzir o consumidor em erro, entretanto, podem ser considerados publicidade enganosa ou abusiva. Por exemplo, não haverá abuso ou engano se a instituição financeira anunciar que seus investimentos figuram entre os mais seguros do mercado.

 

Entretanto, se a instituição financeira anunciar que os seus fundos de investimento são os melhores do mundo, haverá propaganda enganosa. Não obstante essas ponderações acerca da publicidade, o consumidor só ficará vinculado às obrigações perante o banco se os instrumentos contratuais fornecidos pelas instituições financeiras contiverem todos os dados essenciais do contrato e permitam a ampla compreensão do sentido e alcance dos termos do negócio por parte do consumidor. Logo, a omissão de quaisquer informações que suprimam o conhecimento do cliente do banco e interfiram negativamente na livre manifestação da sua vontade dispensará o cumprimento da correspondente obrigação por parte do consumidor (art. 46 do CDC).

 

Deve-se saber que, no relacionamento que mantiver com os seus clientes investidores, sob pena de praticar conduta abusiva, a instituição financeira não poderá fornecer qualquer serviço ou entregar qualquer produto sem que tenha havido prévia autorização ou solicitação do cliente. O banco, por exemplo, sob a alegação de que os recursos estão parados na conta sem rendimento, não pode fazer aplicações dos valores depositados sem expressa solicitação ou consentimento do consumidor. Nesse caso, considerando a natureza consumerista de relações jurídicas dessa natureza, todas as aplicações e investimentos que envolvam recursos do cliente só poderão ser realizadas pela instituição financeira nos limites da autorização do consumidor, previamente esclarecido dos riscos e condições da operação (art. 39, III, IV e VI do CDC).

 

A propósito, nos negócios jurídicos em geral, mesmo fora da incidência do CDC, o silêncio não importa anuência nem vincula a parte. Assim, apenas em caráter excepcional, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa, o silêncio poderá configurar assentimento (art. 111 do Código Civil). É indispensável notar, no mesmo sentido, que a instituição financeira fornecedora de serviços, nos termos do art. 3º, caput, e § 2º, do CDC, é responsável pela reparação de quaisquer danos experimentados pelos consumidores, causados por defeitos relativos à prestação dos serviços, por oferta de informações insuficientes ou de informações inadequadas acerca da fruição e riscos decorrentes dessa atividade. A responsabilização do fornecedor, nessas hipóteses, é fundada no risco e, portanto, independe da demonstração de culpa (art. 14, do CDC).

 

Não obstante a responsabilização civil, a omissão de informação relevante sobre a segurança e outros dados relativos a serviços ou produtos, assim como a prestação de informação falsa ou enganosa, mesmo que sem a intenção de prejudicar o consumidor, configura crime punível com detenção de um a seis meses ou multa (art. 66 do CDC).

 

Para reafirmar o que foi dito, salientem-se algumas regras estabelecidas na Resolução nº 3.694/2009 do Banco Central do Brasil (Bacen) sobre esse problema. A Resolução nº 3.694/2009 estabelece que as instituições financeiras devem fornecer informações necessárias à liberdade de escolha e à tomada consciente de decisões dos consumidores, com explicação objetiva e clara sobre direitos, deveres, responsabilidades, custos, ônus, penalidades e riscos das operações e dos serviços. No mesmo sentido, estipula-se que os bancos devem prestar serviços e oferecer produtos que sejam adequados às necessidades e objetivos dos consumidores. Além disso, as instituições financeiras, conforme assinalado nos artigos 1º a 3º da citada Resolução do Bacen, entre outras obrigações, devem: i) assegurar aos seus clientes e usuários integridade, confiabilidade, segurança e sigilo de dados e informações relativas às operações e serviços prestados aos consumidores; ii) empregar redação clara, objetiva e adequada à natureza e à complexidade dos serviços e negócios jurídicos, não apenas nos instrumentos negociais propriamente ditos, mas em todos os documentos que possam trazer informações relevantes sobre as condições dos serviços e operações; iii) fornecer aos consumidores instrumentos contratuais e documentos com antecedência necessária à tomada esclarecida de decisões; iv) garantir que os consumidores possam, nos termos previamente assentados, desistir da operação ou renunciar à prestação do serviço; v) formalizar de modo padronizado e adequado os títulos que confiram direitos e atribuam deveres nas aberturas, utilizações e manutenções de contas de pagamento; vi) encaminhar, apenas com prévia solicitação, por meio físico ou eletrônico, boletos, ou outros documentos equivalentes, para pagamento de contas pelo consumidor; vii) divulgar nos seus estabelecimentos físicos, de maneira ostensiva e clara, todos os esclarecimentos acerca das hipóteses de recusas de pagamentos, de recebimentos de contas, cheques ou outros documentos; e viii) garantir ao consumidor pleno acesso aos canais de atendimento presencial, como caixas e guichês, mesmo que haja previsão de atendimento eletrônico alternativo. Essas regras só poderá ser excepcionada nos casos de serviços prestados exclusivamente por meios eletrônicos ou nas hipóteses de cobranças e recebimentos decorrentes de convênios com previsão de canais específicos.

 

À vista de todas essas considerações, é correto afirmar que o investimento de risco realizado pela instituição financeira sem autorização expressa do consumidor afronta as normas que integram o sistema normativo de defesa do consumidor e, por conseguinte, configura ato ilícito apto a ensejar eventuais danos material e moral.  (Antonio Evangelista de Souza Netto, em artigo bem atual publicado com o título “Direito de informação nas relações de consumo: indenização por danos decorrentes de operação de investimento de risco sem autorização do investidor, há 4 meses no site aesn.jusbrasil.com.br/artigos, referência aos comentários do art. 111, acessado em 29/12/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No mesmo sentido a Equipe de Guimarães e Mezzalira ao falar em O silêncio como manifestação da vontade. Expressão máxima do princípio da liberdade das formas é que até mesmo o silêncio pode ser reconhecido como forma de exteriorização da vontade. Usualmente, entretanto, o silêncio corresponde à mais absoluta ausência de declaração de vontade. Em situações excepcionais, entretanto, se as circunstâncias negociais assim permitirem, ou mediante previsão expressa da lei, o silêncio pode ser visto como uma forma de anuência e, portanto, de manifestação de vontade. É o que ocorre, por exemplo, com a assunção de dívida. Diz o parágrafo único do art. 299 que: “qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa” (CC, art. 299, parágrafo único). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 111, acessado em 29/12/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).