quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 544, 545, 546 - Da Doação – VARGAS, Paulo S. R. - vargasdigitador.blogspot.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 544, 545, 546
- Da Doação – VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

(art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação

Seção I – Disposições Gerais

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Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.

Observa Nelson Rosenvald, a norma possuir conexão com o direito de família e sucessões. Ascendente, descendente e cônjuge são herdeiros necessários (CC 1.845), pertencendo-lhes de pleno direito a legítima, como metade indisponível do patrimônio do de cujus.

A fim de evitar qualquer ofensa à necessária igualdade entre os herdeiros necessários, o legislador ressalta que qualquer doação de um ascendente a um descendente ou de um cônjuge a outro será considerada adiantamento da legítima, por ínfimo que seja o valor. A colação será a forma de o sucessor favorecido conferir o que lhe foi adiantado em vida, com o que o falecido deixou de patrimônio, repondo-se a igualdade das legítimas dos herdeiros reservatários (CC 2.003).

Com relação às doações de ascendentes em prol de um ou alguns descendentes, excluem-se os gastos ordinários com educação, saúde e outras despesas essenciais para benefício (CC 2.010), bem como as doações remuneratórias (CC 2.011) e as doações em que se dispensou a colação no próprio título da liberalidade ou em testamento, desde que não excedam a metade disponível (CC 2.005 e 2.006).

Outrossim, o termo “descendente” apenas abrange liberalidades em prol daquele que estiver na ordem de vocação hereditária em condições de suceder por direito próprio ou por direito de representação. Exemplificando, não haverá colação quando a doação foi feita a um neto, quando todos os filhos eram vivos.

Porém, as doações de descendentes a qualquer dos ascendentes não se incluem na norma. Ou seja, tudo aquilo que uma pessoa doa a alguém que não seja o descendente ou o cônjuge será passível de controle somente quanto à parte que exceder a de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento (CC 549). Em suma, haverá redução de doações inoficiosas, mas não a colação.

Quanto aos cônjuges, a doação de um ao outro só acarreará adiantamento da legítima no que disser respeito aos bens particulares de cada cônjuge, pois nos bens comuns os cônjuges não são herdeiros reciprocamente. Assim, no regime da separação absoluta, todos os bens são particulares e qualquer liberalidade será colacionada. Já nos demais regimes, será necessário aferir a divisão entre bens comuns e particulares.

O regime da doação entre familiares é distinto daquele aplicado à compra e venda. Nesta, a venda de ascendente a descendente é anulável quando não conta com o consentimento dos outros descendentes e cônjuge. Já na doação, o consentimento dos descendentes é despiciendo para fins de aferição do plano de validade, haja vista que qualquer controle apenas será exercitado ao tempo da abertura da sucessão. (Rosenvald Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 597 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico, apresentado por Ricardo Fiuza, o presente dispositivo, em relação ao texto do projeto, sofreu, por parte do Relator Ernani Satyro, apenas uma alteração para substituir “pais e filhos” por “ascendentes e descendentes” e “legítima” por “herança”. Corresponde ao art. 1.171 do CC de 1916, onde apenas se contemplava a doação “dos pais aos filhos”.

Em relação à Doutrina, apresentada por Fiuza, o artigo introduz no instituto a doação de bens de um cônjuge a outro, não tratada no CC de 1916. Harmoniza-se com a regra do art. 1.829, I, pela qual é reconhecido ao cônjuge sobrevivente direito sucessório em concorrência com os descendentes. Decorre lógica a conclusão de que a doação versará sobre os bens particulares de cada cônjuge, certo que, no regime de comunhão universal, o acervo patrimonial é comum a ambos, o que seria ocioso doar; no de separação obrigatória de bens, o cônjuge não concorre na sucessão, e no da comunhão parcial, apenas concorre se o autor da herança não houver deixado bens particulares.

A doação de ascendentes a descendentes representa adiantamento da legítima. A jurisprudência tem norteado as questões polêmicas em torno da matéria, bastando assinalar, por decisivo: “Civil. Doação de ascendente a descendente. Ausência de consentimento de um dos filhos. Desnecessidade. Validade do ato. Art. 1.171. Não é nula a doação efetivada pelos pais a filhos, com exclusão de um, só e só porque não contou com o consentimento de todos os descendentes, não se aplicando à doação a regra inserta no CC 1.132. Do contido no CC 1.171 deve-se, ao revés, extrair-se o entendimento de que a doação dos pais a filhos é válida, independentemente da concordância de todos estes, devendo-se apenas considerar que ela importa em adiantamento da legítima. (Como tal – e quando muito – o mais que pode o herdeiro necessário, que se julgar prejudicado, pretender, é a garantia da intangibilidade da sua quota legitimaria, que em linha de princípio só pode ser exercitada quando for aberta a sucessão, postulando pela redução dessa liberalidade até complementar a legítima, se a doação for além da metade disponível. Hipótese em que a mãe doou determinado bem a todos os filhos, com exceção de um deles, que pretende a anulação da doação, ainda em vida a doadora, por falta de consentimento do filho não contemplado. Recurso não conhecido” (STJ, 4~ T. REsp 124.220-MG, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DI de 13-4-1998). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 289 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo a trilha de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o fundamento deste dispositivo é a igualdade dos quinhões hereditários: herdeiros da mesma classe sucessória devem receber quinhões iguais da herança. Pressupõe o legislador que o doador tenha o interesse de manter a igualdade dos quinhões hereditários quando realiza doação a descendente ou a seu cônjuge e, por isso, tais bens devem ser colacionados pelo donatário quando da abertura da sucessão. O doador pode romper essa presunção ao dispensar o donatário de realizar a colação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 545. A doação em forma de subvenção periódica ao beneficiado extingue-se morrendo o doador, salvo se este, outra coisa dispuser, mas não poderá ultrapassar a vida do donatário.

No conhecimento de Nelson Rosenvald, aqui a liberalidade não se caracteriza mediante a entrega de um bem móvel ou imóvel ao donatário, mas pelo fato de o doador contrair a obrigação de periodicamente contribuir com determinada quantia em dinheiro em favor de uma instituição ou uma pessoa física.

Normalmente, a finalidade do doador é auxiliar o beneficiário a cumprir as suas finalidades, como a realização de curso superior, ou facilitar a entidade assistencial na realização dos seus trabalhos sociais. Sendo a subvenção uma espécie de doação que se protrai no tempo, não poderá ser arbitrariamente suprimida, sob pena de comprometimento dos objetivos do beneficiado.

O termo pra a subvenção é a morte do doador, pois a conveniência da liberalidade não pode ser transposta aos herdeiros, a não ser que assim o deseje o doador em ato de última vontade, desde que as forças da herança possam suportar o encargo. Caso os herdeiros decidam prosseguir com a subvenção, apesar da ausência de instruções do falecido, consistirá a conduta em uma nova doação.

O Código Civil inovou a matéria ao disciplinar na parte derradeira da norma que a subvenção não ultrapassará a vida do donatário, realçando o caráter intuitu personae da doação. Sendo o donatário pessoa jurídica, sugere-se que o limite temporal seja o cancelamento de seu registro ou, se a doação perdurar, o decurso de trina anos, em similitude ao usufruto (CC 1.410, III). (Rosenvald Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 597 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).


Guiando pela doutrina de Ricardo Fiuza, a doação em forma de subvenção periódica ou sucessiva é doação condicional resolutiva, i.é, constitui-se como pensão regular prestada pelo doador, extinguindo-se com a sua morte, salvo se houver disposição em contrário. Havendo convenção diversa da liberalidade, esta prolonga-se após o evento, ficando, porém, jungida ao limite temporal da vida do donatário. Significa constituição de renda, a título gratuito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 290 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo ensinamentos de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a obrigação de doar transmite-se aos herdeiros do doador, salvo se realizada na forma de subvenção periódica sem disposição expressa nesse sentido, i. é, a obrigação de subvencionar periodicamente o beneficiário pode ser transmitida aos herdeiros mediante disposição expressa nesse sentido. As referidas subvenções não podem ultrapassar o valor da herança.

Os herdeiros do donatário só não podem exigir a entrega do bem doado se a doção for estipulada em caráter personalíssimo (p. ex., doação remuneratória), ou se realizada na forma de subvenção periódica. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 546. A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar.

Conforme ensinamentos do mestre Nelson Rosenvald, a coação feita em contemplação de casamento futuro é uma espécie de doação condicional. A liberalidade tem a eficácia paralisada até que se realize a condição suspensiva do matrimônio com a pessoa indicada no título. Vale dizer que não se trata de uma doação condicional submetida ao evento futuro e incerto de alguém casar com qualquer pessoa, mas da exata determinação daquele que será o outro nubente, como motivo da liberalidade.

De forma semelhante à observada na doação em prol de absolutamente incapazes (CC 543), o legislador dispensou a aceitação do donatário, sem retirar a condição contratual do negócio jurídico. Ou seja, afasta-se o tradicional binômio proposta/aceitação, pois há a presunção de que toda doação visa a beneficiar o outro cônjuge.

O contrato poderá envolver os próprios nubentes – portanto, requerendo o termo a quo do noivado e o terceiro que preste a doação a um dos nubentes ou a ambos, ou mesmo em favor da prole que vier do casal.

Quando se tratar de doação entre os nubentes, realizar-se-á por escritura pública, no pacto antenupcial, sob pena de invalidade (CC 1.633). em sendo beneficiada a prole futura e ainda não concebida, a eficácia do ato se sujeita indefinidamente ao nascimento com vida do primeiro filho do casal. Indefinidamente até o período em que as chances da gravidez se esvaem, “houverem um do outro” exclui a liberalidade aos filhos adotivos, apesar da isonomia constitucional, salvo expressa referência do doador quanto a essa possibilidade.

Por fim, parece-nos atentar contra a cláusula geral da comunhão pela de vida (CC 1.511) a possibilidade de o terceiro contemplar um dos futuros cônjuges com a escolha de um parceiro sob a promessa de um benefício patrimonial. Sendo a família contemporânea formada pelo afeto e vínculo existencial baseado no princípio da dignidade da pessoa humana (CF 1º, III), haveria uma patrimonialização da autonomia privada do nubente que guiasse a sua escolha por critérios financeiros, desvirtuando a lógica que informa qualquer entidade familiar, à luz do CF 226. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual. p. 598 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, trata-se, a exemplo do art. 542, de doação sob condição suspensiva (si nuptiae sequuntur), que, na dependência de fato futuro e incerto, somente se aperfeiçoa com o evento. O casamento é a condição. A donatio propter nuptias pode ser feita pelos cônjuges entre si ou por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro. A dispensa da formalidade da aceitação – explica Clóvis Bevilaqua – “resulta, naturalmente, da realização do casamento”. Subordinados àquela condição, os donatários, ao celebrarem núpcias entre si, a estarão implementando, de tal modo, que tornando efetiva a doação, há de se entender tácita a aceitação. A doação, assim condicionada, ficará sem validade, se o casamento não se realizar.

Jurisprudência. A regra do CC 312 não é de ser entendida como significando que qualquer doação entre pessoas que pretendam casar-se deva fazer-se por instrumento público. Haverá de ser observada nas doações propter nuptias, que se sujeitam à regulamentação dos pactos antenupciais, de tal modo que se consideram desfeitas não sobrevindo o casamento (STJ, 3~ T., REsp 62.605-MG, rel. Min. Eduardo Riberio, DJ de 3-5-1999). (Clóvis Beviláqua. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1917 (p. 340). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 290 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No mesmo diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a doação propter nuptias ou doação feita em contemplação de casamento futuro é doação realizada sob a condição suspensiva de alguém vir a se casar com certa e determinada pessoa. O doador pode ser um dos nubentes ou terceiro. Donatários pode ser um dos nubentes, ambos ou os filhos que os nubentes tiverem.

O dispositivo acentua os efeitos meramente obrigacionais do contrato de doação, pois a transferência da propriedade somente poderá se realizar após o cumprimento da condição. Realizado o casamento, lícito é ao donatário reivindicar que lhe seja transferida a propriedade do bem doado pois, do contrário, nenhum efeito teria a promessa. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 02.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 541, 542, 543 - Da Doação – VARGAS, Paulo S. R. - vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 541, 542, 543 
Da Doação – VARGAS, Paulo S. R.
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digitadorvargas@outlook.com


Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

(art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação

Seção I – Disposições Gerais

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Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular.

 

Parágrafo único. A doação verbal será válida se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição.

 

Como alerta Nelson Rosenvald, o caput do artigo demonstra que a doação é contrato forma, não sendo aperfeiçoado apenas por manifestação verbal, sendo indispensável a forma escrita, como de substância do ato, sob pena de invalidação por nulidade da doação que lese o ora preceituado (CC 166, V).

 

 A forma escrita será da essência da doação de bens móveis, exceto no tocante a bens de pequeno valor, em que excepcionalmente se admitirá a forma verbal pela própria exigência de dinamicidade no tráfego jurídico. Justamente por isso, qualquer outro negócio jurídico que envolva a transmissão da posse ou propriedade de bens moveis de pequeno valor será realizado por escrito, sob pena de se presumir a doação na ausência de retribuição imediata (v.g., penhor, locação).

 

A chamada doação manual torna o contrato real, pois a tradição se torna elemento apto à própria configuração do contrato. Como a expressão pequeno valor é um conceito jurídico indeterminado, interpretar-se-á o seu significado à luz da diretriz da concretude. Ou seja, as circunstâncias do caso e as condições econômicas das partes determinarão o critério de razoabilidade para aferir se é ou não possível dispensar a forma escrita.

 

Tratando-se de doação de bens imóveis, aplica-se o CC 108, impondo o teto de trinta salários-mínimos como limite para a válida realização de uma doação por instrumento particular. Acima de tal valor, a escritura pública é de forma ad substantiam. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 595 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 01/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No comentário de Ricardo Fiuza, há um histórico cujo texto refere-se Relatório Ernani Satyro, apenas uma alteração para acrescer o parágrafo único ao art. 541, tratando sobre a doação verbal. O objetivo da emenda foi restabelecer a redação do art. 1.168 do CC de 1916, cujo parágrafo único fora injustificadamente suprimido do texto do anteprojeto.

 

A doutrina mostra que o contrato de doação deve revestir-se, de regra, da forma solene (caput do artigo), como essencial à validade do negócio jurídico, visto que prescrita pela dicção legal do artigo. É celebrado por escritura pública, se a coisa doada for bem imóvel, de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente do País (art. 108), dependendo do registro imobiliário para a translatividade dominial (aquisição da propriedade), prevalecendo, daí, o registro sobre qualquer outro negócio (REsp 260.051-SP) ou por instrumento particular, em caso de imóveis abaixo daquele valor ou de móveis de valor expressivo apenas alcançar bens moveis de pequeno valor e se lhe seguir incontinente a tradição. A jurisprudência tem, todavia, temperado a norma, como observamos: “Doação à namorada. Empréstimo. Matéria de prova. O pequeno valor a que se refere o art. 1.168 do Código Civil há de ser considerado em relação à fortuna do doador: se se trata de pessoa abastada, mesmo as coisas de valor elevado podem ser doadas mediante simples doação manual (Washington de Barros Monteiro) (...)” (STF, 3’ II, REsp 155.240-Ri, rei. Mm. Antonio de Pádua Ribeiro, DI de 5-2-2001). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 288 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 01/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Nos apontamentos de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a forma de doação é: a) livre, se tiver por objeto bem móvel de pequeno valor transferido imediatamente; b) por escritura pública, se de imóvel de valor superior a 30 salários mínimos (CC, 108); c) por escrito particular, nos demais casos (CC 541, caput). A exigência de forma escrita é da substância do ato, i.é, o negócio é nulo se desatendida (CC 166, IV).

 

Desse modo, se ocorre divergência entre herdeiro e terceiro que se diz donatário de bem pertencente ao de cujus, cabe ao pretenso donatário realizar a prova da doação mediante a apresentação de escrito de autoria do de cujus, sob pena de não poder se considerar realizada doação válida. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 01.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 542. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal.

 

Suporte interessante trazido por Nelson Rosenvald, relacionado ao nascituro já possuir direitos da personalidade, como atributo inerente a qualquer ser humano, desde a concepção. Porém, é carecedor de capacidade de direito, atributo apenas concedido àqueles que já nasceram com vida.

 

Ocorre que o direito eventual que lhe assiste para a aquisição de direitos patrimoniais (extensivo à transmissão causa mortis, CC 1.798) é suficiente para permitir a validade do negócio jurídico de doação em período anterior ao nascimento, mas posterior à concepção.

 

Contudo, apesar de válido o negócio jurídico, a condição suspensiva do nascimento com vida provoca a ineficácia temporal do contrato (CC 125), ao aguardo do evento futuro e incerto. Como não se pode falar em invalidade superveniente pois o negócio nasce valido ou inválido, o nascimento sem vida provoca a definitiva ineficácia do negócio jurídico. Só se cogitará de invalidade caso a doação tenha sido realizada sem que a concepção realmente tivesse ocorrido. A nulidade resultará da impossibilidade do objeto do contrato (CC 166, II).

 

A menção à aceitação do representante legal significa que a anuência deste se insere no plano de validade. Ou seja, sem a concordância do curador do nascituro, mesmo que o nascimento se produza com vida, não haverá a doação pela falta da representação. (Rosenvald Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual, p. 595 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 01/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Confirma a doutrina de Ricardo Fiuza, ser possível a coação feita ao nascituro (o infans conceptus, cujo nascimento se aguarda como fato futuro certo), visto que a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro (art. 2º, segunda parte do CC/2002). O contrato de doação tem a sua validade, desde que já concebido o donatário ao tempo em que é estabelecida a liberalidade e não do momento em que se dá a aceitação, segundo doutrina João Luiz Alves. Trata-se de doação sob condição suspensiva: caducará a doação, se o nascituro for natimorto, ou seja, dado à luz sem vida, o que há de se distinguir do feto que, nascido não viável, de vida efêmera, morre imediatamente após o nascimento. Pelo ato instante e fugaz de vida obtém direitos, tomando-se definitiva a doação. A aceitação, necessária para aperfeiçoar o contrato, dar-se-á pelo seu representante legal (v. art. 1.779, sobre a “curadoria do ventre”). Ela é condicional ao nascimento com vida do nascituro (João Luiz Alves, Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil anotado, Rio de Janeiro, E Briguiet, 1917; Sérgio Abdala Senúão. Os direitos do nascituro — aspectos cíveis, criminais e do biodireito, 2. ed. Belo Horizonte, Dei Rey, 2000.) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 288 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 01/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Como esclarece Marco Túlio de Carvalho Rocha, a personalidade tem início com o nascimento com vida, mas, como tradicionalmente é afirmado, a lei resguarda os interesses do nascituro. A proteção dos interesses do nascituro é utilizada por grande parte da doutrina brasileira para a defesa da tese Concepcionista, i.é, a que considera a personalidade a partir da concepção ou da nidação (sabe-se, ela é um passo fundamental no processo de gestação, pois permite o início do desenvolvimento do embrião. A nidação acontece quando o zigoto, o óvulo fecundado pelo espermatozoide, se desloca até o útero e se fixa em sua parede interna. A parede interna do útero é chamada de endométrio – Nota VD).

 

O fato de a lei assegurar a proteção de interesses significa o reconhecimento de que a dignidade humana não respeita as fronteiras da existência autônoma; desde antes do nascimento e mesmo após a morte há elementos da pessoa que merecem proteção jurídica. Do mesmo modo que a proteção de traços da personalidade após a morte não significa que esta se estenda para além do marco final, a proteção de elementos próprios da personalidade não justifica a tese Concepcionista.

 

Em regra, o nascituro não é admitido nas relações jurídicas; não pode vender, comprar, alugar, doar... A lei admite, no entanto, que seja feita doação sob a condição suspensiva de o donatário vir a nascer com vida. Implementada a condição, a obrigação assumida pode ser cobrada; se não vier a ser implementada, o negócio resta ineficaz.

 

Conforme o dispositivo em comento, o representante legal do nascituro é a pessoa legitimada a realizar tal negócio sob condição suspensiva.

 

Os representantes do nascituro são, ordinariamente, seus pais. Na falta ou em caso de incapacidade destes, será o nascituro representado pelo curador da mãe, se houver, ou, se não houver, por curador ad hoc (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 01.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 543. Se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa-se a aceitação, desde que se trate de doação pura.

 

Sob o prisma de Nelson Rosenvald, o Código Civil de 2002 inovou substancialmente com essa regra. Agora, dispensa-se a aceitação do absolutamente incapaz nas doações puras, posto serem elas realizadas em beneficio exclusivo. Quer dizer, não se trata de aceitação presumida ou ficta do incapaz. Simplesmente se aperfeiçoa a doação com a tradição do bem ao incapaz e com o registro da escritura de doação dobem imóvel, sem a participação do absolutamente incapaz e de seu representante legal. O consentimento do incapaz deixa de ser elemento integrativo do contrato.

 

Certamente, em se tratando de doação em prol de incapaz com encargo, a necessidade de aceitação através do representante será imperiosa, pois o modo produz obrigações para aquele. Mesmo na doação pura, provado ao juiz pelo representante que a liberalidade é desvantajosa ao incapaz, será ela reputada como ineficaz perante este. (Rosenvald Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual, p. 596 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 01/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Já em sua doutrina, Ricardo Fiuza aponta a doação pura, desprovida de encargos, vindo em benefício do absolutamente incapaz, desobrigando, por tais razões, a aceitação. A dispensa, em verdade, arrima-se em lógica jurídica, posto que a norma tem finalidade protetiva, dando ensejo de ele poder receber doações. A aceitação, no caso, não é mais ficta ou presumida. Deixa de ser exigida, como elemento integrativo à formação do contrato.

 

Revela notar o tratamento diferenciado dado pela lei ao nascituro (CC 542) para o qual se exige a aceitação do representante legal. E o nascituro não é, sequer, absolutamente incapaz, porque ainda não nasceu. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 289 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 01/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Voltando ao Código de 1916 conta Marco Túlio de Carvalho Rocha, admitia que incapazes aceitassem doações puras. Realizava, com essa autorização, recorte na incapacidade civil dessas pessoas. A doutrina brasileira, no entanto, via na referida autorização uma contradição entre a capacidade para aceitar doações e o estado de incapacidade do donatário, como se a incapacidade civil devesse ser rígida e igual para todos os atos. A inovação do artigo em comento pretendeu, portanto, eliminar essa suposta antinomia eliminando a necessidade de aceitação. A regra, em sua literalidade, permite o absurdo de se poder tornar o incapaz proprietário de bens perigosos e inadequados por mero ato unilateral do doador. A supressão da consulta aos interesses do incapaz atenta contra sua dignidade, tal como constitucionalmente protegida e, pois, em tais casos, impõe-se a recusa da aplicação da regra em seu sentido literal, permitindo-se considerar nulo o ato de doação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 01.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Direito Civil Comentado - Art. 538, 539, 540 - Da Doação – VARGAS, Paulo S. R. Vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 538, 539, 540
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

(art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação

Seção I – Disposições Gerais

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Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.

 

No magistério de Nelson Rosenvald, mantendo a opção legislativa do Código Civil de 1916, o legislador atual definiu a doação expressamente como contrato, ou seja, negócio jurídico bilateral resultante do consenso entre doador e donatário acerca de uma liberalidade que resulta na transferência de um patrimônio, bens ou vantagens.

 

Correta a percepção do Código Civil com base na concepção contratualista alemã, pois, ao contrário do negócio jurídico testamente, o aperfeiçoamento da doação requer o acordo de vontades com a aceitação do donatário. Aliás, comprando a letra do art. 538 com a dicção do antigo art. 1,165 do Código Bevilaqua, vê-se acertada a supressão da parte final “que os aceita”, eis que tal expressão se torna redundante na medida em que o próprio dispositivo define a doação como um contrato, sendo o consenso um pressuposto de existência.

 

Frise-se, porém, que nem toda liberalidade resultante de um ato jurídico se monopoliza no contrato de doação. Aqui não se ajusta a figura da “doação indireta”. A remissão (negócio bilateral) e a renúncia (negócio unilateral) provocam atribuições patrimoniais gratuitas em benefício de devedores ou outras pessoas. Contudo, apenas na doação localizamos o deslocamento de um bem de um patrimônio a outro, gerando o justificado empobrecimento do doador e correlativo enriquecimento do donatário. Nas duas figuras citadas não se percebe aquela transferência que acarreta o empobrecimento. Aliás, daí é possível perceber a distancia entre a renúncia e a cessão gratuita de herança. Na primeira, o renunciante abdica de um patrimônio que não lhe pertence em prol do acervo hereditário (apenas um fato gerador tributário); na cessão, o cedente aceita a herança e, em seguida, transfere-a gratuitamente a um ou mais herdeiros ou terceiros, gerando o seu empobrecimento pela disponibilização de bens que já lhe pertenciam.

 

Destarte, o animus donandi requer a intenção de transferir a propriedade sem nenhuma contraprestação ou atribuição patrimonial. Também se afastam da doação os atos de cortesia, como o gesto de presentear amigos por ocasiões especiais. Esses costumes sociais se excluem do âmbito maior de uma doação. De qualquer maneira, é fundamental frisar que não há que investigar os motivos da doação. Ou seja, se a liberalidade decorreu de uma atitude despojada do doador ou de uma vaidade apenas com efeitos promocionais. A reserva mental não gera significado jurídico em nosso ordenamento, exceto quando conhecida pela outra parte (CC 110),

 

Será difícil perquirir o animus donandi em contratos tidos como “doações mistas”. São situações em que há o pagamento de um preço bem superior ao valor do que está sendo adquirido (v.g., adquirir apartamento de R$ 50.000,00 por R$ 150.000,00), sem que o excesso decorra de uma lesão ou qualquer vício de consentimento, mas sim de uma liberalidade. Para saber se o negócio se cuida de uma doação ou de uma compra e venda, será imprescindível aferir a proporção da liberalidade e da contraprestação na espécie, buscando-se aquela que tenha sido dominante, para então caracterizar o contrato e as normas que serão seguidas no tocante à evicção, vícios redibitórios e outras consequências próprias de cada instituto.

 

Não obstante a caracterização como negócio jurídico bilateral ínsita a qualquer contrato, a doação é um contrato unilateral, pois gera obrigações apenas para uma das partes, o doador. Também é um contrato gratuito, eis que todos os sacrifícios recaem sobre a pessoa do doador, na medida em que o donatário apenas obtém vantagens. Por fim, é um contrato consensual, dispensando-se a entrega do bem pra o seu aperfeiçoamento, sendo suficiente o acordo de vontades. A tradição e o registro do título funcionam como modos aquisitivos do direito real de propriedade (CC 1.226 e 1.227). (Rosenvald Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual, p. 592-593 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo o histórico apresentado por Ricardo Fiuza, o presente dispositivo, em relação ao texto do anteprojeto, sofreu, por parte do Relatório Ernani Satyro, apenas uma pequena alteração de ordem redacional. Houve a substituição da frase “se obriga a transferir”, pela expressão verbal “transfere”. O objetivo da emenda, conta qual se opôs o Prof. Agostinho Alvim, foi restabelecer a redação do art. 1.165 do Código anterior. A redação prevista no Código de 1916, que não falava em obrigação, jamais foi obstáculo ao entendimento de que o contrato de doação é de per si obrigatório. Como bem enfatizou o Deputado Siqueira Campos, “mais certa é a linguagem empregada pelo Código atual. A doação induz ato realizado. É a denominação do instituto. Quando se pretende doar, não se integra ainda a figura. Mero pressuposto ou mera pretensão não se enquadra na figura. Esta se subentende realizada. Por isso a doação é a transmissão gratuita da coisa. Ao dizer-se que a doação é o contrato pelo qual alguém se obriga a transferir, dar a entender que se trata de pré-contrato ou promessa de doação, mas não é doação realizada, que é o que cogita o capítulo”.

 

Na doutrina exposta o dispositivo conceitua o contrato de doação, translativo de domínio, pelo qual o doador, em ato espontâneo e de liberalidade (animus donandi), transfere, a título gratuito, bens e vantagens que lhes são pertencentes ao patrimônio de outrem que, em convergência de vontades, os aceita expressa ou tacitamente. É contrato unilateral (obrigação unicamente exigida ao doador, salvo modal ou com encargo), gratuito, consensual e, em geral, solene (forma escrita).

 

O contrato serve de título de aquisição, a rigor não “transfere”. A translatividade do domínio ocorre pela tradição (coisa móvel) ou pelo registro (coisa imóvel), tal como sucede nos contratos de compra e venda e de troca ou permuta.

 

Direito comparado: Código Civil português (art. 940, alínea I); italiano (art. 769), espanhol (art. 618) e argentino (art. 1.789). O Código francês não a determina como contrato por ser ele unilateral, figurando a doação junto aos testamentos. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 287 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, ao afirmar-se que a doação é um contrato, o dispositivo visa a superar a antiquíssima polêmica em relação aos efeitos da doação, pois, se no direito romano ela possuía efeitos meramente obrigacionais, no direito francês tornou-se modo de aquisição da propriedade e, portanto, dotada de efeitos reais.

 

No direito brasileiro, Agostinho Alvim admitiu efeitos obrigacionais às doações (Direito das obrigações: exposição de motivos. Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, Rio de Janeiro, 1972, ano VI, n. 24, p. 58). Para Pontes de Miranda e Paulo Luiz Neto Lobo, entre muitos outros, a doação é contrato real. Baseia-se essa segunda doutrina no fato de o dispositivo estabelecer que a doação “transfere” bens. Entende, por isso, que não resulta da doação a mera “obrigação de transferir”. Como a transferência da propriedade por doação depende da tradição, a consequência desse raciocínio é a de recusar o caráter vinculativo a qualquer contrato de doação ao qual não se siga, imediatamente, a tradição e a de recusar a validade jurídica às promessas de doação.

 

A melhor solução, a que melhor se assenta na interpretação sistemática é a primeira. Contratos reais são somente aqueles a que a lei defere o efeito de criar direitos reais. Todos os demais contratos são obrigacionais. É o que deflui da teoria geral dos contratos positividade no Código Civil. De outro lado, a jurisprudência brasileira não apenas consagrou os efeitos obrigacionais do contrato de doação como também tem admitido adjudicações compulsórias baseadas em promessas de doação, como ordinariamente ocorrem em ações de divórcio. Neste sentido, confiram-se as doutrinas de Arnoldo Wald (Obrigações e contratos, 12.ed. São Paulo. Saraiva, 1995, p. 118-119) e o seguinte julgado:

 

É possível inserir cláusula de doação de bens aos filhos, no acordo celebrado em separação judicial consensual, não havendo necessidade de lavratura posterior de escritura pública para sua convalidação. Se o caso insere cláusula de doação de bens ao filho, no acordo realizado em separação judicial consensual, e tendo ocorrido sua homologação, com trânsito em julgado, o ajuste torna-se irretratável, porque o ato se tornou perfeito e acabado, motivo pelo qual não pode o ex-cônjuge unilateralmente, pretender sua revogação, à alegação de fato superveniente, decorrente de ter constituído nova família, vindo a ter outro filho, máxime quando o nascimento deste tiver ocorrido tempos depois da sentença homologatória (TJMG-AC 328000-5, RDBFam 27/141).

 

Doação é contrato típico, unilateral (obriga apenas o doador), gratuito, de execução continuada ou instantânea, imediata ou diferida. Pode ser consensual ou formal. Não é contrato real.

 

O art. 5.1 da lei espanhola n. 14/2006 estabelece que a doação de gametas e de pré-embriões é um contrato gratuito, formal e confidencial. A doação é revogável se o doador vier a necessitar, para si, dos gametas doados (art. 5.2). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 30.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.

 

No entendimento de Nelson Rosenvald, aqui o legislador cuida da doação sob a forma da aceitação presumida pelo donatário. Tratando-se de doação pura, sendo fixado um prazo para declarar a sua aceitação, o seu silêncio será qualificado como anuência à liberalidade.

 

Certamente, o nascimento do contrato requer a demonstração da ciência da existência do prazo pelo donatário. Outrossim, enquanto o donatário não se manifestar, é possível que dentro do prazo assinalado possa o doador revogar a liberalidade. Aliás, se o doador falecer dentro do prazo, o óbito não impedirá que o donatário aceite, pois o primeiro já havia manifestado a vontade de realizar a liberalidade, sem que tivesse retirado a proposta.

 

Relativamente à doação com encargo (modal), somente se admite a aceitação pela maneira expressa, manifestada de forma escrita, verbal ou por um comportamento concludente socialmente típico (v.g., sinal afirmativo com o polegar). Na doação modal, o silêncio provoca a recusa da doação.

 

Por fim, é fundamental frisar que o dispositivo se aplica tão somente à aceitação do donatário capaz. As doações em favor de nascituros (CC 542), incapazes (CC 543), filhos não concebidos (CC 546) e entidades futuras (CC 554) são apartadas da figura em estudo, na medida em que as pessoas capazes possuem liberdade pra avaliar se a doação efetivamente lhes beneficia, ou poderá não ser realmente vantajosa subjetiva ou objetivamente. Cuida-se de motivos pessoais, repita-se, não aferíveis pelo sistema. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 593 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Diferente para Ricardo Fiuza, a aceitação é pressuposto necessário para aperfeiçoar, pela consensualidade, o contrato. Cabe ao donatário declarar que aceita o ato de liberalidade do doador, e, no seu silêncio, presume-se o consentimento (aceitação tácita), quando a doação é pura, feita sem encargos ou condições, i.é, inteiramente benéfica, sem quaisquer ônus para o favorecido. Dispensa-se a aceitação quando o donatário for absolutamente incapaz (art. 544). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 287 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na versão dada por Marco Túlio de Carvalho Rocha, como contrato, a doação exige a aceitação do donatário para se aperfeiçoar, exceto se pura e feita a absolutamente incapaz (CC 543), quando configura negócio jurídico unilateral. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 30.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 540. A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto.

 

Seguindo o ritmo de Nelson Rosenvald, em princípio, a doação será pura e simples, pois a liberalidade não estará sujeita aos elementos acidentais do termo, condição e encargo. Explica-se: o que distingue o negócio jurídico do ato jurídico lícito (CC 185) é justamente a presença da autonomia privada no primeiro, concedendo à vontade humana a possibilidade de criar os efeitos desejados ao ato, nos limites dados pelo ordenamento. Isso permite ao doador restringir a eficácia da liberalidade por modalidades de doações, sem prejudicar a validade do negócio jurídico, posto que são atendidos os seus elementos essenciais (CC 104).

 

Para além de tais hipóteses, é possível que o doador queira justificar o motivo da liberalidade. Cuida-se da doação contemplativa, enunciada na primeira parte do dispositivo. Portanto, poderá o doador anunciar que a doação decorre do fato de o donatário ser o melhor aluno da classe e merecer um incentivo em seus estudos.

 

A segunda parte da norma ressalva a chamada doação remuneratória. Aqui a liberalidade se conecta com serviços prestados anteriormente pelo donatário ao doador. O serviço poderá ser caracterizado como aquele em que normalmente haveria cobrança de valores (v.g., cirurgia realizada por amigo do paciente) ou por conduta que pela essência não possua patrimonialidade (v.g., aconselhamento afetivo). Em qualquer caso, aproxima-se das obrigações naturais em que há um débito moral, mas inexiste responsabilidade. Ou seja, podem ser pagas pelo devedor, mas não são exigíveis pelo credor (CC 882).

 

A parte derradeira do art. 540 é dedicada ao exame da doação com encargo ou modal (onerosa). Diversamente ao termo e à condição, salvo ressalva expressa, o encargo não suspende a aquisição ou o exercício do direito (CC 136). Quando o modo é inserido no contrato, perde a condição de elemento acidental e converte-se em elemento essencial do negócio jurídico. Com efeito, o seu descumprimento provoca a ineficácia superveniente do negócio jurídico por resilição unilateral ou resolução por inadimplemento (CC 555).

 

O encargo é uma restrição à liberalidade, pois não implica uma contraprestação do donatário ao doador (o que causaria o desvirtuamento do negócio), mas a imposição de um pequeno sacrifício ao donatário. Exemplificando: A destina gratuitamente um apartamento a B com o encargo de este auxiliar as obras de caridade da igreja local. A matéria será mais bem tratada o art. 553.

 

É muito importante operar a distinção entre a doação gratuita e a onerosa pelas várias consequências que as separam (v.g., possibilidade de discussão de vícios redibitórios na doação modal, CC 441, parágrafo único). (Rosenvald Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual, p. 594 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na esteira de Ricardo Fiuza, o dispositivo diz da doação feita em contemplação do merecimento do donatário aquela doação pura cuja liberalidade tem como motivo o reconhecimento ao mérito do donatário, exarado pelo doador, e que influi na decisão de doar (animus donandi). A rigor, é doação contemplativa por estímulo ou homenagem, proveniente da amizade ou admiração do doador, nada significando que o donatário venha obtê-la em virtude de seus méritos. O merecimento é formado pelo juízo de valor ou manifestação de sentimento que faz o doador em face do donatário.

 

Doação remuneratória é a efetuada pelo doador em retribuição a serviços prestados de forma graciosa pelo donatário, no que refere à parte excedente ao valor que poderia ter-lhe sido cobrado. É premiação ao devotamento profissional, em demonstração do interesse de recompensar.

 

A doação gravada com encargo, também denominada modal, é a que, embora atribuindo o doador encargos ao donatário, não afasta a liberalidade, por exceder esta ao encargo imposto e cuja execução do encargo representa simples fim acessório. A incumbência cometida há de ser cumprida em favor do próprio doador, de terceiro ou do interesse geral, constituindo obrigação de fazer do donatário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 287 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Estudando a cartilha de Marco Túlio de Carvalho Rocha, no direito romano havia 3 espécies de doações: reais; obrigatórias e liberatórias. No Código Civil, 9 espécies de doação: pura; com encargo (modal); condicional; propter núpcias; reversível; remuneratória; meritória; indireta e inoficiosa.

 

O dispositivo faz referência à doação remuneratória, que visa a compensar o donatário por serviços prestados ou por ato praticado, e à doação gravada com encargo.

 

A regra consagra a teoria das duas causas de Savigny, que entende serem a doação remuneratória e a com encargo negócios jurídicos onerosos até o valor dos serviços que se pretende remunerar e ao encargo imposto e gratuitos na parte excedente.

 

Assim, numa doação de R$ 50.000,00 em que se impõe encargo ao donatário equivalente a R$ 30.000,00, a lei somente considera como liberalidade, propriamente, a parte de R$ 20.000,00. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 30.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).