Direito Civil
Comentado - Art. 650, 651, 652
- Do
Depósito Necessário – VARGAS, Paulo S. R.
- vargasdigitador.blogspot.com
digitadorvargas@outlook.com
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
Capítulo
IX – Do Depósito – Seção II –
Do
Depósito Necessário
(Art. 647 a 652)
Art. 650. Cessa, nos casos do artigo antecedente, a responsabilidade dos hospedeiros, se provarem que os fatos prejudiciais aos viajantes ou hóspedes não podiam ter sido evitados.
Dentro da lógica do Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – comentários ao art. 650, p. 348 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado: A exclusão da responsabilidade do hospedeiro é referida pela norma diante da inevitabilidade do ato lesivo. Fatos inimputáveis são aqueles para os quais o hospedeiro não concorreu com negligência ou falta do dever de vigilância.
Por outro lado, tenha-se presente o art. 642: “O depositário não responde pelos casos de força maior; mas, para que lhe valha a escusa, terá de prová-los”. Diga-se, a propósito, que o caso fortuito não é de per si excludente de responsabilidade (RT 5791233). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – comentários ao art. 650, p. 348 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
O dispositivo em comento, conforme apreciação de Nelson Rosenvald, apud Código Civil Comentado, comentários ao art. 650, p. 665-666 cuida da isenção de responsabilidade dos hospedeiros pelos danos causados aos bens dos hóspedes é consequência da ocorrência de um fato inevitável e estranho à atividade do agente. Essa norma se coloca em consonância com o art. 642, que exonera o depositário de indenizar quando demonstrada a força maior.
Vimos que a força maior é associada ao fortuito externo, vale dizer aos eventos lesivos exteriores à atividade do depositário. Não é possível incluir nos riscos do hoteleiro a obrigação de indenizar pelos perigos que não foram por ele introduzidos, diante da ausência de nexo causal.
Assim, em não havendo ação ou omissão
concorrente pelo depositário, é temerário acioná-lo pela perda das bagagens cm
razão de fortes enchentes, deslizamentos de terra e outras catástrofes
incontroláveis. Não se esqueça de que o fato exclusivo da vítima também elide a
responsabilidade do hospedeiro, mas o mesmo não se diga do fato concorrente,
pois, em sede de relação de consumo, qualquer parcela de participação do
fornecedor para o resultado danoso já é suficiente para lhe impor a obrigação
de indenizar, à luz do art. 14, § 3", II, do Código de Defesa do
Consumidor.
A demonstração do evento externo recai sobre o depositário, até mesmo pela própria distribuição do ônus da prova, atribuída ao réu, tratando-se da existência de fato impeditivo ao direito do autor (art. 373, II, do CPC). (Nelson Rosenvald, apud Código Civil Comentado, comentários ao art. 650, p. 665-666, apud Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual. - Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado em 20/09/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No dizer de Marco Túlio de Carvalho Rocha et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 650: A regra deste dispositivo baseia-se na responsabilidade subjetiva. Fatos prejudiciais inevitáveis excluem a culpa por parte do hospedeiro. A regra vale para hospedagens que não conformam relação de consumo, isto é, nos casos em que o hospedeiro não exerça a atividade em caráter profissional e habitual. Se a hospedagem for caracterizada como relação de consumo, os artigos 14 a 17 do Código de Defesa do Consumidor incidem e tornam objetiva a responsabilidade do hospedeiro com relação a todos os riscos inerentes à sua atividade. Somente não responde se o dano às bagagens foi ocasionado por fato estranho à sua atividade, quando haverá a quebra do nexo causal. (Marco Túlio de Carvalho Rocha et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 650, acessado em 20/09/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 651. O depósito necessário não se presume gratuito. Na hipótese do art. 649, a remuneração pelo depósito está incluída no preço da hospedagem.
Na orientação que dá o Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – comentários ao art. 651, p. 348 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado: Ao contrário do que acontece com o depósito voluntário, o depósito necessário presume-se oneroso, somente se acolhendo a graciosidade mediante expressa previsão contratual. A onerosidade dos depósitos necessários, congregando tanto os legais quanto os miseráveis, tem arrimo na premissa de todos eles constituírem obrigações decorrentes de imposição legal ou de algum fato imprevisto e urgente, a ordenar não apenas a realização do depósito como também a escolha -não-livre do depositário, porquanto designado pelas circunstâncias e, em regra, entre pessoas estranhas ao depositante.
No caso do art. 649, o depósito da bagagem dos viajantes ou hóspedes igualmente se presume oneroso, já incluída a remuneração no preço da hospedagem. É que o hospedeiro assume a obrigação de zelar e defender a coisa guardada em seu estabelecimento, responsabilizando-se por eventuais prejuízos, salvo quando inevitáveis. Bem por isso os doutrinadores equiparam o negócio à prestação de serviços.
É importante salientar que a onerosidade presumida no depósito necessário acarreta maiores responsabilidades para o depositário, “pois quem recebe remuneração deve ser mais cuidadoso e mais atento do que a pessoa que só aceita encargo para servir a um amigo” (Silvio Rodrigues, Direito civil, 27 ed. São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3 — Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 267). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – comentários ao art. 651, p. 348 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No entender de Nelson Rosenvald, apud Código Civil Comentado, comentários ao art. 651, p. 666: Ao contrário do que ocorre no depósito voluntário (art. 628 do CC), nas hipóteses em que o depósito é necessário - seja por lei, seja pela situação de calamidade -, a presunção será a de onerosidade do negócio jurídico.
A distinção é explicada pelo fato de o depósito voluntário frequentemente contar com a cumplicidade dos parceiros contratuais e o ânimo do depositário de proteger graciosamente os bens do depositante. Todavia, no depósito necessário não há relação fraternal entre os parceiros, sendo a obrigação do depositário um risco relacionado à sua atividade profissional. Daí a imposição de uma remuneração àquele que cuida dos bens alheios em situações emergenciais, bem como do hoteleiro. Nesse caso, o valor do depósito já estará incluído (embutido) no preço da hospedagem, pois seria inconcebível uma cisão entre o ato de hospedar e o de depositar os pertences do hóspede, sendo essa uma espécie de obrigação inerente àquele contrato.
Caso as partes não alcancem um valor para o depósito necessário, será ele arbitrado judicialmente. Anote-se que, nas situações de calamidade, o negócio jurídico poderá ser anulado pelo depositante em função do vício da lesão (art. 157 do CC), quando o depositário exigir prestação manifestamente desproporcional para aceitar a custódia do objeto, aproveitando-se da situação de extrema necessidade do depositante. (Nelson Rosenvald, apud Código Civil Comentado, comentários ao art. 651, p. 666, apud Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual. - Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado em 20/09/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
A crítica de Marco Túlio de Carvalho Rocha et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 651 é que “O depósito necessário se presume oneroso. Tal presunção confere ao depositário o direito de requerer o arbitramento de remuneração pela atividade exercida. Será, no entanto, gratuito, se as partes estabelecerem voluntariamente a gratuidade ou quando a lei que institui a relação de depósito não estabelecer o dever de remunerar, como no caso das contribuições e tributos devidos à Fazenda Nacional. No caso de depósito necessário de bagagens, a remuneração do depósito inclui-se no preço da hospedagem. (Marco Túlio de Carvalho Rocha et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 651, acessado em 20/09/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.
Seguindo o Código Civil por conta da doutrina de Ricardo Fiuza – comentários ao art. 652, p. 349 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado: Em derivando de relação de mútua confiança — depósito voluntário —ou de obrigação legal ou de fato imprevisto e urgente decorrente de calamidade pública — depósito necessário — é certo que a lei pune severamente o depositário infiel, ou seja, aquele que se nega a restituir, quando reclamado pelo depositante, o objeto depositado sob sua guarda e conservação, com “a prisão não excedente de um ano e o ressarcimento dos prejuízos (...), pena corporal que será determinada na ação própria (Código de Processo Civil, arts. 901 e ss), ou em processo de que resultar o depósito judicial” (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 4. ed., Rio de Janeiro. Forense, 1978, v. 3, p. 322).
Tal penalidade encontra-se expressamente prevista na Constituição Federal de 1988, inciso LXVII do art. 9, constituindo um dos dois casos taxativos de prisão civil.
v. 2 — Direito das obrigações, p. 242). Por tal conduto, o legislador cuidou de fixar um prazo máximo para a duração da pena, não tratando do lapso temporal menor. “Esse mínimo está na própria vontade do depositário infiel. A qualquer momento pode este liberar-se da prisão, desde que satisfaça a obrigação de exibir o depósito” (Washington de Barros Monteiro, ob. cit., p. 242-3).
Por fim, é relevante e oportuna a anotação de Maria Helena Diniz: “De acordo com a sistemática introduzida pelo novo Estatuto processual civil, foi abolida a prisão, liminar do depositário infiel, para admiti-la somente depois de julgado procedente e não cumprido o mandado para entrega da coisa ou do equivalente em dinheiro, dentro do prazo marcado, em regra 24 horas” (Rt 422/78 e 519/164)”. (Curso de direito civil brasileiro, 16. ed. São Paulo, Saraiva, 2001. v. 3 — Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 297). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – comentários ao art. 652, p. 349 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
A crítica, segundo entende Nelson Rosenvald, apud Código Civil Comentado, comentários ao art. 652, p. 667-668: A relação de confiança que se estabelece entre depositante e depositário indica que aquele pretenderá reaver o objeto dado em depósito assim que o reclamar ou superado o termo contratual (art. 633 do CC). Destarte, a obrigação de restituir é algo ínsito ao contrato de depósito e o que o particulariza em relação a outros modelos negociais.
Atento ao art. 5º, LXVII, da CF, “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentícia e a do depositário infiel”, o legislador determinou que a sanção para o depositário infiel será a pena de prisão não excedente a um ano e o ressarcimento dos prejuízos. No fundo o que determina a prisão é a infidelidade, não a dívida.
A supressão da liberdade do devedor será uma consequência da quebra da fidúcia do depositante, pela recusa à restituição do objeto depositado. Trata-se de medida coercitiva que objetiva persuadir o devedor à devolução da coisa, pois no instante em que o depositário realiza a restituição a pena de prisão encerra, cumprida a sua finalidade. Aliás, o objetivo de constrangimento impõe a recusa aos benefícios normalmente concedidos ao condenado no sistema criminal (v. g., suspensão da pena; prisão domiciliar), pois eles frustrariam a própria intensidade da medida e a sua teleologia.
A pena de prisão civil é o desfecho da ação de depósito, que tem por finalidade a restituição do bem depositado (arts. 901 a 906, do CPC). A decretação da medida extrema só ocorrerá após a prolação da sentença, com o insucesso da expedição de mandado para entrega da coisa ou do equivalente em dinheiro.
A nosso viso, o artigo em comento já nasce sob o vício da inconstitucionalidade, pois a pena de prisão civil do depositário infiel é ofensiva ao Pacto de São José da Costa Rica, que penetrou no ordenamento jurídico interno mediante o Decreto federal n. 678/92. Em seu art. 7º autoriza a prisão civil apenas para o caso de inadimplemento da obrigação alimentar.
É cediço que o rol dos direitos fundamentais elencados no art. 5o da Constituição Federal não é numerus clausus, pois o art. 5º, § 2º, a eles acrescenta outros direitos e garantias provenientes de tratados internacionais. Portanto, as convenções subscritas pelo Brasil, quando versem sobre os direitos humanos, adentram nosso ordenamento com força de normas constitucionais, revogando a legislação anterior no que com ela conflitem. Assim, não se podendo mais cogitar de prisão civil em sede constitucional, perdem eficácia as normas editadas pelo legislador subalterno, como o presente dispositivo e o art. 902 do Código de Processo Civil.
Contudo, para aqueles que entendem que a convenção internacional avança na legislação positiva somente com força de norma federal ordinária, a edição do novo Código Civil traz um novo argumento, qual seja se o Pacto de São José havia revogado a pena de prisão inserida na legislação processual, o art. 652 acaba de restaurar a prisão civil, pois exclui o referido tratado de nosso sistema jurídico.
Tanto o Decreto-lei n. 911/69 como o Código Civil (art. 1.363) situam o devedor fiduciante na posição de depositário no contrato de alienação fiduciária, pois mantém a posse direta do bem pela tradição ficta (constituto possessório), cuja propriedade fora transferida em garantia ao credor fiduciário (art. 1.361 do CC). Pela equiparação do fiduciário ao depositário, caso seja ajuizada ação de busca e apreensão sem que o bem seja restituído - ou o equivalente em dinheiro -, sujeitar-se-á à pena de prisão após a conversão em ação de depósito (art. 4o do Decreto-lei n. 911/69) e a prolação da sentença condenatória.
Para além da motivação já apontada, contrária a qualquer pena de prisão no contrato de depósito em razão da subscrição pelo Brasil de convenção internacional de direitos humanos, some-se mais um argumento específico no que tange à supressão da liberdade na alienação fiduciária.
O contrato de depósito tipicamente requer a entrega da coisa com o objetivo de uma posterior devolução. Isso não ocorre na alienação fiduciária, pois desde o início o fiduciante (depositário) efetua pagamentos sucessivos com vistas à aquisição da propriedade, jamais no intuito de restituir a coisa. Vale dizer: cuida-se de depósito atípico, pois a propriedade do depositante é resolúvel e o depósito é apenas uma fase necessária para o depositário resgatar definitivamente a propriedade. Portanto, sendo a pena de prisão civil do depositário infiel uma sanção inserida no Capítulo “Dos Direitos e Deveres Individuais” (art. 5o), deverá ser interpretada restritivamente, apenas alcançando o contrato de depósito típico e não aquele apenas a ele equiparado.
Acreditamos ainda que o princípio da dignidade
da pessoa humana impede que alguém seja privado de sua liberdade em razão de
uma discussão meramente econômica (art. 1º, III, da CF). O limite que separa a
ideia de pessoa e de coisa é justamente aquele em que o ser humano é
instrumentalizado, coisificado, em razão da prevalência de questões
patrimoniais sobre as existenciais. Os critérios de legitimidade de qualquer
atividade econômica serão modelados e legitimados pelos direitos da
personalidade e pela proteção ao ser humano concreto que se insere por trás das
abstratas relações financeiras. O ordenamento jurídico deverá
criar garantias econômicas que tutelem o credor sem que o seu direito subjetivo
ao crédito seja exercitado de forma abusiva, desvirtuando a função para a qual
fora concedido e vulnerando os limites materiais e éticos do sistema (art. 187
do CC).
Enfim, tanto para os casos de prisão decorrente de depósito como de alienação fiduciária, caberá ao devedor impetrar o habeas corpus, em razão do desproporcional constrangimento ilegal pela invasão da esfera de liberdade como forma de prestigiar interesses patrimoniais. (Nelson Rosenvald, apud Código Civil Comentado, comentários ao art. 652, p. 667-668, apud Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual. - Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado em 20/09/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Como resolução lógica, na apreciação de Marco Túlio de Carvalho Rocha et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 652: A prisão do depositário infiel foi considerada revogada pelo STF, em razão da adesão do Brasil ao Pacto de San José da Costa Rica (RE 466343, HC 87585, julgados em 3-12-08).
O STF julga constitucional a prisão
civil em caso de depósito judicial (RHC n. 90.759; HC 92.541-PR, Rel. Min.
Menezes Direito, 19.02.2008), embora a Súmula n. 419/STJ estabeleça o
contrário: “Descabe a prisão civil do
depositário judicial infiel” (Rel. Min. Felix Fischer, em 3.3.2010). (Marco
Túlio de Carvalho Rocha et al, apud Direito.com, nos
comentários ao CC 652, acessado em 20/09/2022, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).