domingo, 23 de outubro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 752, 753, 754, 755, 756 - DO TRANSPORTE DE COISAS - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 752, 753, 754, 755, 756
- DO TRANSPORTE DE COISAS - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com -
digitadorvargas@outlook.com
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte – Seção III

Do Transporte de Coisas - (art. 743 a 756)

 

 

Art. 752. Desembarcadas as mercadorias, o transportador não é obrigado a dar aviso ao destinatário, se assim não foi convencionado, dependendo também de ajuste a entrega a domicílio, e devem constar do conhecimento de embarque as cláusulas de aviso ou de entrega em domicílio.

 

No entendimento de Claudio Luiz Bueno de Godoy, no contrato de transporte, o lugar da entrega da coisa transportada é aquele que tiver sido convencionado pelas partes, sem que, como regra, tenha o transportador o dever de avisar o destinatário sobre o desembarque, i.é, sobre a chegada da mercadoria a seu destino.

 

A entrega deverá ser procedida no domicílio do consignatário apenas se isso se ajustar, o que se deve explicitar no conhecimento de transporte emitido. Da mesma forma, é nesse conhecimento que se deve explicitar se o transportador assumiu o encargo de dar aviso de chegada das mercadorias, em bora esse dever não lhe toque, em princípio.

 

Porém, como já foi acentuado nos comentários ao CC 744, deve-se lembrar que a falta do conhecimento de transporte não prejudica a eficácia do contrato de transporte e, assim, a convenção sobre local de entrega e de aviso que de outra forma se tenha consumado. Todavia, é importante reiterar que o transportador somente estará adstrito a entregar a coisa no domicílio do consignatário e a dar aviso do desembarque da carga se isso se tiver convencionado.

 

Por fim, se a lei refere a necessidade de menção expressa à entrega no domicílio do consignatário, é lícito entender que, no silêncio do contrato, a entrega deve-se proceder no armazém do transportador, devendo ser de lá retirada pelo destinatário ou por quem se apresentar com o conhecimento endossável e endossado, conforme CC 754. Nesse sentido, José Maria Trepat Cases observa que, na verdade, qualquer outro local de entrega, que não o armazém do transportador, deve ser objeto de explícita estipulação (Código Civil comentado, Álvaro Vilaça Azevedo. São Paulo, Atlas, 2003, v. VIII, p. 195). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 774 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na doutrina de Ricardo Fiuza, é no conhecimento que devem constar as cláusulas de aviso ou de entrega em domicílio. O conhecimento é a prova do contrato de transporte, e o que nele for previsto deve ser cumprido.

 

Feita essa ressalva, quando a mercadoria chega ao destino, o transportador não é obrigado a dar aviso ao destinatário, nem a entregá-la em domicílio, se assim não foi convencionado ou ajustado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 395 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No enfoque de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o transporte pode ser contratado para que a coisa seja entregue no domicílio do destinatário ou em determinado local para a retirada do destinatário, como um aeroporto, estação ferroviária ou porto. Uma vez que a coisa seja depositada no local de entrega, desincumbe-se o transportador de sua obrigação contratual. Caso o destinatário não a receba, ficará em mora, responsabilizando-se pelos prejuízos que esta ocasionar.

 

Uma vez que o destino do transporte não seja o domicílio do destinatário, a obrigação de avisá-lo da chegada da coisa deve ser expressa no conhecimento. Não se presume. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 753. Se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, o transportador solicitará, incontinenti, instruções ao remetente, e zelará pela coisa, por cujo perecimento ou deterioração responderá, salvo força maior.

 

§ 1º. Perdurando o impedimento, sem motivo imputável ao transportador e sem manifestação do remetente, poderá aquele depositar a coisa em juízo, ou vende-la, obedecidos os preceitos legais e regulamentares, ou os usos locais, depositando o valor.

 

§ 2º. Se o impedimento for responsabilidade do transportador, este poderá depositar a coisa, por sua conta e risco, mas só poderá vende-la se perecível.

 

§ 3º. Em ambos os casos, o transportador deve informar o remetente da efetivação do depósito ou da venda.

 

§ 4º. Se o transportador mantiver a coisa depositada em seus próprios armazéns, continuará a responder pela sua guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém, uma remuneração pela custódia, a qual poderá ser contratualmente ajustada ou se conformará aos usos adotados em cada sistema de transporte.

 

Sob o prisma de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o dispositivo consagra importante e discutível inovação, para quando impossibilitado ou interrompido o transporte, e à falta de instruções do remetente, permitindo-se, então, a alienação da coisa transportada, que estava já aos cuidados do transportador.

 

Mas, em primeiro lugar, o caput cuida da hipótese de o transporte não se poder iniciar ou se interromper, impondo-se ao transportador o dever de, a uma, solicitar, de pronto, instruções ao remetente e, depois, velar pela coisa, à semelhança do depósito, tal qual já se viu nos comentários ao CC 751, portanto respondendo por perecimento ou avarias, salvo em caso de força maior, a propósito, no que toca às excludentes, valendo remisso ao quanto já expendido no exame do CC 749.

 

Não se estabeleceu prazo para que o transportador solicite informações quanto ao destino da mercadoria cujo transporte se impossibilitou ou se interrompeu, da mesma forma que não se especificou o tempo durante o qual a resposta do remetente deve ser aguardada. Certo que, para a solicitação das instruções, determinou o legislador que o transportador agisse incontinenti, i.é, desde logo, de imediato, sem qualquer retardo, tudo dentro do que é razoável para o caso concreto, sob pena de responder pela demora.

 

Da mesma forma, para esperar a resposta, deve-se considerar igualmente período razoável, conforme as condições e o domicílio das partes, bem como a forma de comunicação entre ambas. Importa é a razoabilidade para o caso concreto. Nada diverso do prazo moral, por exemplo, das obrigações, via de regra de fazer, constituídas sem termo final, mas cuja consecução exige tempo, portanto se afastando o vencimento à vista, como sucederia pela regra geral.

 

O § 1º acrescenta que, se o impedimento ao transporte ou à sua continuação persistir sem motivo que seja imputável ao transportador, como obstrução de caminhos, intempéries, fato do príncipe, desde que não recebidas instruções do expedidor, caberá o depósito judicial da coisa ou, eis o ponto, sua venda, depositando-se o respectivo produto.

 

Nada de novo na previsão de depósito da coisa. Sua venda, todavia, representa grande inovação, aqui autorizada mesmo quando não se trate de coisa perecível, portanto em risco de se perder. Pois, a respeito, acede-se à crítica de Roberto Senise Lisboa (Manual elementar de direito civil, 2.ed. São Paulo, RT 2002, v. III, p. 246) no sentido de que o CC/2002 criou uma prerrogativa perigosa, que atropela a devida e prévia intervenção judicial. Ou seja, permite-se uma venda extrajudicial com genérica condicionante a inespecíficos preceitos legais e regulamentares, quando menos devendo-se aí entender a cautela por que a alienação não se faça de maneira prejudicial ao expedidor. Talvez tivesse sido melhor a intervenção judicial precedente no lugar das instruções do remetente, que foram omitidas.

 

Veja-se que mesmo no depósito, cujo regramento no transporte de coisas serve de socorro (CC 751), não se prevê igual medida, dispondo-se, ao revés, sobre a consignação judicial da coisa quando, por motivo plausível, o depositário não puder mais dela se encarregar (CC 635). Não é só. No caso de depósito resultante do direito real de penhor, o credor pignoratício, especificamente diante do risco de perda ou deterioração da coisa empenhada, pode vendê-la, desde que, frise-se, mediante prévia autorização judicial. É, a rigor, o que melhor se adequaria à inteligência do artigo em comento, analogicamente ao que se prevê para caso similar, ainda que a consumação da venda não se faça judicialmente, mas segundo os usos locais.

 

Mais, com a prévia autorização judicial permitir-se-ia ao expedidor, como ao devedor, no penhor, se permite substituir a coisa empenhada, evitando sua venda, suprir a falta de informação sobre o destino da coisa, eventualmente, até, beneficiando o transportador com a cessação da custódia da res, dando-lhe algum outro destino.

 

Se, todavia, o impedimento ao transporte decorrer de fato imputável ao transportador, portando de sua responsabilidade, quer por culpa, quer por fortuito interno (CC 734 e 749), então só lhe caberá o depósito da coisa, restando a venda, com as contingências já examinadas, apenas para a hipótese de risco de perecimento (§ 2º do artigo em comento).

 

Corolário do princípio da boa-fé objetiva pelo que se pautam as relações contratuais (CC 422) e que, na sua função supletiva, cria deveres anexos que garantem o desenvolvimento do vínculo obrigacional de maneira mais leal, incumbe ao transportador sempre informar o expedidor sobre eventual depósito ou venda da coisa.

 

Por fim, somente quando não o faça por conta de impedimento a si imputável, por culpa ou risco, terá direito o transportador a remuneração suplementar por manter a coisa depositada em seus armazéns, se o transporte for impossibilitado ou interrompido, o que, à falta de consenso, arbitrar-se-á judicialmente. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 775-776 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Seguindo a Doutrina de Ricardo Fiuza, pode ocorrer o caso de, após ter sido entregue a mercadoria ao transportador, o transporte não poder ser feito ou sofrer longa interrupção. Por exemplo: se a rodovia está obstruída; se houve suspensão do tráfego ferroviário; se num trecho do itinerário está havendo uma conturbação, uma revolução; se um furacão se aproxima do lugar em que terá de passar o navio etc.

 

Em qualquer hipótese, o transportador deverá, incontinenti, solicitar instruções ao remetente, e zelará pela coisa, persistindo sua responsabilidade com relação ao perecimento ou deterioração daquela, salvo força maior.

 

Perdurando o impedimento, sem que haja culpa do transportador, e não havendo manifestação do remetente, que, solicitado, não deu instrução alguma, poderá o transportador sair do impasse depositando a coisa em juízo, ou vendendo-a, obedecidos os preceitos legais e regulamentares, ou os usos locais, depositando o valor.

 

A referência aos “usos locais” é sintomática. O contrato de transporte de coisas tem sido regulado na legislação comercial, que, como atesta Rubens Requião, mantém, tradicionalmente, o prestígio dos usos e costumes como regra subsidiária de suas normas (Curso de Direito Comercial, 18.ed. São Paulo, Saraiva, v. 1. n. 17, p. 27).

 

Mas o impedimento, pode ser por fato imputável ao transportador (por exemplo: por falta de manutenção, apresentou defeito o sistema hidráulico da caneta), e ele poderá depositar a coisa, por sua conta e risco, mas só poderá vendê-la – observado o § P – se for perecível.

 

Em ambos os casos (§1º e §2º), o transportador deve informar o remetente da efetivação do depósito ou da venda.

 

O § 4º prevê o caso de o transportador manter a coisa depositada em seus próprios armazéns, e continuará a responder por sua guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém, uma remuneração pela custódia, a qual poderá ser contratualmente ajustada ou se conformará aos usos adotados em cada sistema de transporte (terrestre, aéreo, aquaviário).

 

Como se sabe, a unidade básica e principal de articulação, nas leis, é o artigo. O parágrafo é um desdobramento, uma divisão, uma disposição secundária. Entre artigo e parágrafo há uma relação de principal e acessório. Ora, o § 4º está subordinado ao caput, que prevê a hipótese de o transporte não poder ser feito ou sofrer longa interrupção. Se o impedimento ocorrer sem motivo imputável ao transportador (~P), e se este mantém a coisa em seus próprios armazéns, é justo que receba remuneração pela custódia. Porém, se o impedimento for responsabilidade do transportador, não tem sentido que ainda vá cobrar pela guarda e conservação da mercadoria, e, neste caso, aplica-se o § 2~: o transportador poderá depositar a coisa, por sua conta e risco. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 396 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, muitos fatos podem impedir ou determinar a interrupção do transporte: fenômenos climáticos, acidentes, nas vias por onde o transporte deve ser feito, greves, desastres naturais, guerra. Nenhum desses fatos desobriga o transportador da guarda da coisa.

 

O transportador deve comunicar ao remetente a circunstância que impede ou interrompe o transporte, a fim de obter instruções. Caso a comunicação não seja possível, fica autorizado a depositar a coisa em juízo. Poderá, igualmente, vende-la, se esta for a solução que menos danos acarrete ao expedidor, depositando o preço em favor deste. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 754. As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos.

 

Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega.

 

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a entrega das mercadorias transportadas se faz, em geral, a quem o contrato indique como sendo o destinatário, chamado consignatário. Bem de ver, porém, que, conforme já se acentuou nos comentários ao CC 744, o contrato se instrumentaliza, em regra, por documento dotado de cartularidade, o conhecimento de transporte, de frete e de carga. Mas se a lei a ele atribui a natureza de título de crédito, posto que impróprio, porquanto representativo de mercadorias, possível seu endosse se não houver cláusula proibitiva (não à ordem). Se o endosso ocorrer, o endossatário passa a estar legitimado para o recebimento da mercadoria, sempre assentado que, na dúvida sobre quem deva receber, incumbe ao transportador a consignação.

 

Aquele que receber a carga, de toda a sorte, deve conferi-la e, nesse mesmo instante, apresentar, sob pena de decadência dos direitos resultantes, as reclamações que tiver quanto às avarias ou perdas, desde que parciais, porque a perda total é o desaparecimento da coisa, por qualquer causa, e que, assim, não se apresenta para entrega, destarte não sendo cogitáveis vistoria e protesto.

 

Não se exige forma especial para efetivação desse reclamo, que pode ser feito, inclusive, no próprio conhecimento, mas sempre com ciência ao transportador. Veja-se que o Código Civil não exigiu, tal qual se continha no Código de Processo Civil de 1939 (art. 756, § 2º), reclamo ou protesto pelo atraso da entrega, com prazo para seu exercício, embora se defenda, alhures, que o preceito citado permaneça em vigor (ver, por todos: Venosa, Sílvio da Salvo. Direito civil, 3.ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 489).

 

Há casos, todavia, de perda parcial ou avaria imperceptível desde logo, portanto que não permitem reclamo ou protesto imediato, por ocasião da vistoria, da conferência efetuada ao instante do recebimento. Nessas hipóteses, como o parágrafo do dispositivo em comento prevê, o destinatário tem o prazo decadencial de dez dias, contados da entrega, para denunciar ao transportador o dano à carga. É, pois, como um interregno que a lei fixa para que a perda parcial ou avaria de pronto imperceptíveis apareçam. Ao que se entende, o Código de Defesa do Consumidor andou melhor, ao fixar, no art. 26, § 3º, prazo decadencial para vícios não perceptíveis, contado desde o momento em que o defeito se evidenciar. Lembre-se de que a legislação consumerista é subjetivamente especial, no caso atendendo melhor ao escopo constitucional de proteção de parte vulnerável na relação negocial.

 

Com as mesmas observações deve-se interpretar o art. 9º, parágrafo único, da Lei n. 11.442/2007, aplicável ao transporte rodoviário de cargas em território nacional, e o art. 13, parágrafo único, da Lei n. 9.611/98, aplicável ao transporte multimodal (v. CC 756), os quais, identicamente, previram a cessação da responsabilidade do transportador logo que recebida a carga, sem qualquer protesto pelo destinatário, mas sem ressalvar danos imperceptíveis de pronto. Impende, destarte, recurso complementar ao parágrafo único do CC 754 do CC/2002, naquilo que se tem chamado de diálogo das fontes, a rigor a interpretação sistemática. De mais a mais, as próprias leis especiais, nos arts. 7º, parágrafo único (Lei n. 11.442/2007), e II, parágrafo único (Lei n. 9.611/98), e na esteira da Súmula n. 109 do STF (vide a seguir), estabeleceram direito de vistoria em caso de danos ou avarias, destarte sem que ela se condicione a indenização ocasionalmente devida.

 

Por fim, diga-se, parecer que o Código Civil, no artigo em exame, tencionou simplificar, de formalizar mesmo o procedimento de protesto ou reclamo por avaria, se comparado com aquele que se estabelecia na legislação anterior (v.g., art. 756, CPC antigo, sem correspondência no CPC/2015):

 

Art. 756. Nos embargos pode o devedor alegar: I - que não paga por ocorrer alguma das causas enumeradas nos arts. 741, 742 e 745, conforme o pedido de insolvência se funde em título judicial ou extrajudicial; Il - que o seu ativo é superior ao passivo. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 776-777 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No ritmo de Ricardo Fiuza, terminada a viagem, as mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado (CC 744), e quem as receber deve conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos.

 

Pode ocorrer, todavia, que, no ato de entrega e conferência, não tenha sido verificada perda parcial ou avaria, até porque não seria possível percebê-las à primeira vista. Conserva o destinatário sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 397 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Lecionando Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o conhecimento é documento que representa a propriedade da coisa transportada. A transferência do conhecimento transfere a propriedade da coisa transportada, operando-se a tradição ficta, segundo as regras da venda sobre documentos. Desse modo, a coisa deve ser entregue ao destinatário, podendo reclamá-la até a entrega o expedidor ou terceiro a quem tenha sido transferido o conhecimento.

 

O recebimento se faz mediante a conferência da coisa a fim de averiguar seu estado, se correspondente ao momento da entrega.

 

As avarias perceptíveis à primeira vista devem ser denunciadas de imediato; as não perceptíveis devem ser denunciadas no prado de 10 dias a contar da entrega. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 755. Havendo dúvida acerca de quem seja o destinatário, o transportador deve depositar a mercadoria em juízo, se não lhe for possível obter instruções do remetente; se a demora puder ocasionar a deterioração da coisa, o transportador deverá vende-la, depositando o saldo em juízo.

 

No raciocínio de Claudio Luiz Bueno de Godoy, conforme se asseverou nos comentários ao artigo antecedente, pode surgir dúvida sobre quem deva receber as mercadorias. Lembre-se, a respeito, de que o conhecimento de transporte, o qual habilita o portador a receber a carga, é dotado de cartularidade; pode, como regra, transferir-se por endosso, sendo, ademais, passível de perda ou extravio, de resto já antes se prevendo, em lei especial (art. 9º do Decreto n. 19.473/30), procedimento de aviso ao transportador, para retenção e deliberação judicial acerca do destino da coisa.

 

Pois o Código Civil de 2002 expressa que, sobrevindo dúvida a respeito de quem legitimamente deva receber a carga, impõe-se ao transportador a sua consignação em juízo. Ressalva, porém, o dispositivo em comento, a hipótese de se tratar de mercadoria perecível, sob risco de deterioração, em caso de demora, autorizando-se então o transportador a proceder à sua venda, depositando-se o preço. A propósito dessa prerrogativa de alienação, remete-se aos comentários já efetuados acerca de igual previsão contida no CC 753. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 777 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 28/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na toada de Ricardo Fiuza, pode chegar, a mercadoria ao destino e haver dúvida acerca de quem seja o destinatário. O transportador deve depositar a mercadoria em juízo, se não lhe for possível obter instruções do remetente. Se a demora puder ocasionar a deterioração da coisa, o transportador deverá vende-la – obedecidos os preceitos legais e regulamentares, é claro -, depositando o saldo em juízo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 397 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No tom de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o destinatário sempre deve ser indicado no conhecimento. Diversos fatos podem ocorrer que impeçam a clara e imediata identificação do destinatário, tais como a morte dele, o encerramento de pessoa jurídica, homonímia... Havendo dúvida quanto ao destinatário, deve o transportador esclarecê-las junto ao expedidor e, não lhe sendo possível, deve depositar a mercadoria em juízo. Se houver risco de deterioração, deve vender a mercadoria e depositar o preço em juízo, em favor do expedidor. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 28.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 756. No caso de transporte cumulativo, todos os transportadores respondem solidariamente pelo dano causado perante o remetente, ressalvada a apuração final da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento recaia, por inteiro, ou proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano.

 

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o transporte cumulativo é aquele em que vários transportadores cumprem o deslocamento, mercê de um único vínculo obrigacional, mas incumbindo-se cada qual de um trecho do trajeto total. A matéria vem também tratada no CC 733, alocado dentre as disposições gerais do capítulo destinado ao regramento do contrato de transporte.

 

Bem de ver, porém, que, no artigo em comento, específico para o transporte cumulativo de cargas, chamado intermodal quando se desenvolve por mais de um meio de transporte (ver, sobre essas distinções: Fran Martins. Contratos e obrigações comerciais, 7.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 276), pela Lei n. 9.611/98 chamado multimodal, o Código Civil estabelece uma responsabilidade solidária dos transportadores, pelos danos causados durante o deslocamento, ainda que, ao final, identifique-se um responsável e garanta-se direito regressivo que os demais transportadores exerçam perante ele. A este respeito, vale remissão aos comentários do CC 733, em que a matéria foi já examinada e discutida. Como vale, também, a observação de que, no confronto entre a Lei n. 9.611/98 e o CC/2002, o critério de solução das antinomias deve ser o cronológico, eis que o Código civil, malgrado geral no seu todo, aqui, no artigo em comento, prevê disposição especial, especialmente aplicável ao transporte multimodal. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 778 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 28/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

A doutrina de Ricardo Fiuza mostra que, no transporte cumulativo (CC 733) a responsabilidade dos transportadores – “todos os transportadores” – pelo dano causado é solidária, mas este artigo ressalva a apuração final da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento (indenização pelo prejuízo) recaia, por inteiro, ou proporcionalmente ~ naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 397 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Finalizando o Capítulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, para quem transporte cumulativo é o que se caracteriza pela unidade na prestação de serviços entre dois ou mais transportadores. Quando o expedidor se valer dos serviços de vários transportadores que atuam com independência, o transporte é sucessivo.

 

No transporte cumulativo de coisas – diferentemente do que ocorre no transporte cumulativo de pessoas (CC 733, § 1º) -, os transportadores respondem solidariamente por danos causados ao expedidor e, como nas obrigações solidárias, têm direito de regresso em relação ao responsável. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 28.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sábado, 22 de outubro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 12 Legislação especial – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com – Whatsapp: +55 22 98829-9130

 

Comentários ao Código Penal – Art. 12
Legislação especial – VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com
digitadorvargas@outlook.com
Whatsapp: +55 22 98829-9130

Parte Geral – Título I – Da Aplicação da Lei Penal

 

Legislação especial (Incluída pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.)

 

Art. 12. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.).

Seguindo com as apreciações de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao art. 12 do CP, p. 25: Aplicação das regras gerais do Código Penal:

À falta de regulamentação específica para os fatos incriminados pela legislação especial, aplicam-se as regras gerais do Código Penal. Contudo, quando o estatuto especial dispuser de modo diverso, suas regras prevalecerão sobre aquelas gerais previstas no Código Penal, a exemplo do que ocorre com a impossibilidade de ser reconhecida a tentativa na hipótese de contravenção penal, haja vista que a regra expressa no art. 4º do diploma especial (Lei das Contravenções Penais) diz não ser punível a tentativa de contravenção, razão pela qual ficará afastada a regra constante do art. 14, II, do Código Penal.

 

A alteração genérica da legislação, sem explicitação acerca das leis especiais, não pode revogar textos destas últimas (lex generalis non derogat lex speciaüs) ex vi, também, art. 12 do Código Penal (STJ, HC 10.440/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T. DJU 25/10/99, p. 10).

 

Princípio da especialidade e Lei nº 8.072/90: Como regra, o juiz, ao determinar o regime inicial de cumprimento de pena, deverá observar o disposto no art. 33, § 22, do Código Penal. Assim, por exemplo, aquele que for condenado a uma pena inferior a oito anos, presentes os demais requisitos legais, deverá cumpri-la, inicialmente, em regime semiaberto. No entanto, o § 1º do art. 2º da Lei n“ 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, assevera que a pena, por qualquer dos delitos previstos naquele artigo (crimes hediondos, a prática de tortura e o tráfico de drogas), será cumprida inicialmente em regime fechado.

 

Dessa forma, não importa, por exemplo, que o sujeito tenha sido condenado ao cumprimento de uma pena de cinco anos de reclusão por ter praticado o delito tipificado no art. 33, caput, da Lei na 11.343/2006, que não terá direito ao regime semiaberto, conforme determina o referido art. 33, § 2º, do Código Penal. Aplica-se, in casu, o princípio da especialidade, ficando a regra geral, constante do Código Penal, afastada pela regra especial, prevista na Lei n° 8.072/90. (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao art. 12 do CP, p. 25. Ed.Impetus.com.br, acessado em 22/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo Alberto Bezerra, nas apreciações da jurisprudência atualizada, postado em blog peticoesonline.com.br, comentários ao art. 12. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.

 

Jurisprudência e comentário a seguir: Apelação. Direito Administrativo. Improbidade Administrativa. Novatio Legis. Sucessão De Leis. Princípio Da Legalidade. Novatio Legis In Melius. Retroatividade Da Lei Nova Benéfica ao Agente. Novatio Legis In Malam Partem. Irretroatividade Da Lei Nova Desfavorável ao Agente. Prescrição. Natureza Jurídica. Norma De Conteúdo Material. Princípio Da Legalidade. Aplicabilidade. Termo a Quo. Alteração Pro Reu. Prazo. Suspensão. Interrupção. Alteração In Malam Partem. Irretroatividade. Princípios Gerais De Direito Penal. Aplicabilidade à Improbidade Administrativa. Direito sancionador.

 

Há estreita relação entre a improbidade administrativa, com consequências jurídicas sancionadoras, e o Direito Penal, que impõe àquela os seus princípios e normas gerais, com extensão do que consta do art. 12 do Código Penal. Precedente: Acórdão 1363030, 00215267520158070018, Relator: Mariozam Belmiro, Relator Designado: Diaulas Costa Ribeiro, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 18/8/2021, publicado no DJe: 25/8/2021. 2. A tese majoritária desse precedente (Acórdão 1363030) foi incorporada, expressamente, à Lei de Improbidade Administrativa por inovação da Lei nº 14.230/2021, que impôs a compensação de penas (detração) aplicadas em outras esferas (penal, civil etc.): Art. 21. § 3º As sentenças civis e penais produzirão efeitos em relação à ação de improbidade quando concluírem pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria. § 4º A absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). § 5º Sanções eventualmente aplicadas em outras esferas deverão ser compensadas com as sanções aplicadas nos termos desta Lei. 3. Uma das consequências do Princípio da Legalidade, que é um princípio jurídico-penal CP, art. 1º), jurídico-constitucional (CF, art. 5º, XXXIX) e de direitos humanos (Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 9º) é a retroatividade da Lei sancionadora (e não apenas da Lei Penal em sentido estrito) mais benéfica ao réu (Novatio legis in melius), que consta do art. 5º, XL da Constituição Federal e do art. 2º do Código Penal. 4. O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da Lei Penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a Lei mais benéfica retroage. Precedente: RESP 1153083/MT, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. P/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 06/11/2014, DJe 19/11/2014. 5. Há algumas Leis que disciplinando o processo têm natureza mista, processual e substantiva, e a essas Leis deve aplicar-se o regime substantivo, enquanto concretamente for mais favorável ao arguido. É o que se passa com as Leis sobre prescrição do procedimento criminal e sobre condições de procedibilidade. (...). No que respeita às normas sobre prescrição do procedimento criminal, é hoje quase pacífica a orientação de que têm natureza material e por isso são de aplicação retroativa quando mais favoráveis ao arguido. E são no porque, como ensinam Cavaleiro de Ferreira, Figueiredo Dias e Taipa de Carvalho, as normas sobre prescrição afetam a «delimitação da infração, necessariamente afetada pela extinção do direito de ação penal, constituem «causa de afastamento da punição, «condicionam a efetivação da responsabilidade penal». (Germano Marques da Silva. Direito Penal Português. Parte Geral. I. Introdução e Teoria da Lei Penal. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2020, pág. 247-248). 6. O Supremo Tribunal Federal decidiu que a prescrição é instituto de direito material, sujeita ao princípio da legalidade. Consequentemente, há irretroatividade da Lei nova desfavorável ao agente (Novatio legis in malam partem) e retroatividade da Lei nova benéfica a ele (Novatio legis in melius), conforme determinam a Constituição Federal (Art. 5º, XXXIX), o Código Penal (Art. 1º e Art. 107, III) E o art. 9º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, em vigor, para o Brasil, desde 25 de setembro de 1992 (Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992). 7. A Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, alterou a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dentre as alterações, foram revogados os incisos I, II e III do art. 23, que previam o termo inicial do prazo prescricional da pretensão punitiva por improbidade, que era de cinco (5) anos. O caput desse mesmo artigo fixou novo prazo prescricional de 8 (oito) anos, contado da data do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessar a permanência (tempus delicti), adotando disposição contida no art. 111, incisos I e III do Código Penal. 8. A Lei nº 14.230/2021, instituiu, ainda, causas de suspensão e de interrupção do prazo prescricional, temas que não constavam da Lei nº 8.429/1992 e que são prejudiciais ao agente acusado de improbidade administrativa, incidindo a irretroatividade da novatio legis in malam partem. Precedentes do STF: HC 74676, Relator (a): Ilmar Galvão, Primeira Turma, julgado em 04/03/1997, DJ 09/05/1997 pp. 18129; HC 75679, Relator: Maurício Corrêa, Segunda Turma, julgado em 03/03/1998, DJ 20/04/2001 p. 106; e HC 76206, Relator (a): Maurício Corrêa, Segunda Turma, julgado em 19/05/1998, DJ 14-08-1998 p. 3. 9 A averiguação da Lei Penal mais favorável [ao réu] só pode fazer-se em concreto. Na determinação da Lei mais favorável devem ter-se em consideração todas as Leis publicadas entre o momento da infração e do julgamento atendendo à totalidade do regime por cada estabelecido. O confronto faz-se entre as várias Leis que vigoraram, não sendo admissível a criação de uma norma abstrata, ou ideal formada com os elementos mais favoráveis de várias Leis que se sucederam no tempo. (Manuel Cavaleiro de Ferreira. Direito Penal Português. Parte Geral. I. 2 ED. Lisboa: Verbo, 1982, p. 125). 10. A pretensão punitiva da improbidade administrativa narrada nos autos está extinta pela prescrição, quer seja considerado o prazo de 8 (oito) anos fixado pela Lei nova, quer seja o prazo de 5 (cinco) anos da Lei antiga, não havendo necessidade de se analisar a ultra-atividade da Lei antiga nesse capítulo. Também não é caso de se aventar a mescla de Leis pelo Juiz. Não se construiu, com excertos da Lei revogada e da Lei revogadora uma terceira Lei, uma Lei transitória, sendo impositiva a retroatividade da Lei nova no que beneficia os réus, assim como sua irretroatividade no que os desfavorece. 11. A extinção da punibilidade da improbidade administrativa pela prescrição não compreende a prescrição da ação de ressarcimento do prejuízo causado, nos termos da decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral (Tema 897): São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. 12. Como houve pedido específico e destacado de ressarcimento do prejuízo causado ao erário, formulado pelo Ministério Público, com contraditório e ampla defesa na contestação, é cabível o conhecimento e a procedência do pedido de ressarcimento o dano devidamente comprovado, ainda que extinta a pretensão punitiva da improbidade administrativa pela prescrição. 13. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJDF; APC 07001.34-62.2020.8.07.0018; Ac. 139.7473; Oitava Turma Cível; Rel. Des. Diaulas Costa Ribeiro; Julg. 09/02/2022; Publ. PJe 16/02/2022). (Alberto Bezerra, nas apreciações da jurisprudência atualizada, postado em blog peticoesonline.com.br, comentários ao art. 12, acessado em 22/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entendimento de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 12 do Código Penal, publicado no site Direito.com: O princípio desse artigo é da especialidade que norma especial afasta a geral. A norma especial quando acrescentar pormenores, acrescenta elemento próprio à descrição típica.

 

O Código Penal é de 1940, na época somente foram incluídas figuras típicas que ocasionavam repulsa social. Mas, no decorrer do tempo surgiram novas condutas, como por exemplo, crimes ao meio ambiente, forte aparecimento de drogas nocivas à sociedade. Daí o legislador editou diversas normas especiais para adaptar o Código aos novos tempos e costumes diversos. São as leis especiais que acrescentam os antigos pormenores ou derrogam.

 

A Parte Geral do CP de 1984 e da Constituição federal de 1988 trouxeram mudanças que sempre prevalecem em confronto com regra geral.

 

Súmula 171 do Superior Tribunal de Justiça: “Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativas de liberdade e pecuniária, é defeso à substituição da prisão por multa”. (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 12 do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 22/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Encerrando o Título I, buscamos as apreciações de Cristiana Pereira Machado, em artigo intitulado “A investigação penal e o ministério público”, publicado no site Jusbrasil.com.br, comentários ao art. 12 do CP, que, em seu resumo, cujo não está completo aqui, embora considere-se atingidas as nossas expectativas:

 

Neste artigo buscou-se realizar uma análise sobre o que é a investigação penal, apresentando as principais características do inquérito policial, por se tratar da forma mais comum de busca de elementos de convicção. Em seguida traça-se um paralelo com a atuação do Ministério Público nesta função. Apresenta-se, ao final, para fins históricos a primeira investigação realizada pelo Ministério Público.

 

Na persecução penal tem-se a existência de duas instituições que, em conjunto, buscam aplicação da lei penal aos fatos criminosos apurados e denunciados. São a polícia judiciária e o Ministério Público.

 

Inicialmente, procura-se pontuar neste trabalho um breve apontamento histórico sobre a persecução penal pelo Estado até a fixação desse ônus ao Ministério Público. De outra banda, não se pode perder de perspectiva as nuances do inquérito policial dirigido pela polícia judiciária.

 

A par de outras discussões, apresenta-se a possibilidade do Ministério Público proceder diretamente às investigações de que tenha necessidade. Por fim, aponta-se ainda o que permeou a primeira investigação realizada pelo órgão ministerial.

 

O pensador pré-iluminista Jean-Jacques Rousseau acreditava que cada homem é portador de mais absoluta liberdade, mas que com as agregações de homens e de famílias surgiram pela necessidade de autopreservação, quando a força individual não era mais suficiente para prevenir agressões externas. Assim, pelo contrato social, cada indivíduo cedia parte de sua liberdade à coletividade em troca de segurança. O grande problema era garantir a convivência harmônica de um grupo formado por indivíduos que, por natureza, não se submetem uns aos outros. (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2000).

 

Já para Montesquieu, quando os homens passaram a viver em sociedade, cada uma delas passou a se sentir poderosa, o que gerou um estado de guerra. Ademais, cada indivíduo começou a buscar algum tipo de vantagem, gerando um estado de guerra entre os próprios membros. Essas duas espécies de guerra determinaram a necessidade de leis entre os indivíduos. (MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2002). Uma das primeiras expressões escritas do direito foi o Código de Hammurabi, que estabeleceu a vingança privada e a Lei de Talião, sendo o ofendido quem buscava punir o infrator. Por óbvio, havia infrações não punidas ou punidas com excessivo rigor, provocando um caos social.

 

Posteriormente, o Estado assumiu o jus puniendi das agressões aos bens jurídicos relevantes, utilizando o seu poder para punir o infrator, permanecendo restritivamente o ônus à vítima de promover a acusação.

 

Necessitava-se, então, de um órgão estatal capacitado para promover a acusação de forma eficiente, justa e independente. Tal missão foi conferida ao Ministério Público.

 

Muito bem asseverou sobre o tema o doutrinador Malatesta: (MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. Campinas: LZN, 2003, p. 11).

 

Assim como o código das penas deve ser a espada infalível para golpear os delinquentes, assim o código dos ritos, inspirado na teoria da lógica sã, sendo o braço que guia com segurança aquela espada contra o peito dos réus, deve também ser o escudo inviolável da inocência.

 

Neste sentido, o cidadão acusado de um crime tem o direito de ser acusado por um órgão independente, objetivo, técnico, que observará todos os seus direitos previstos na Constituição da República, sendo a pena aplicada, se for o caso, após um processo justo.

 

O ônus da acusação recai, em regra, sobre o Ministério Público. Órgão responsável por produzir as provas do fato criminoso, desonerando a vítima, que somente em casos muito específicos, em que sua intimidade é resguardada, é que terá que tomar certas iniciativas.

 

Por outro lado, embora o Ministério Público seja obrigado a propor a ação penal pública na presença de um fato típico, ilícito e culpável, não há que ser confundida com a necessidade de proposição, a qualquer custo, da ação penal.

 

O promotor de justiça se ficar convencido da falta de provas ou da inocência do acusado, pode, utilizando-se de sua independência funcional, pronunciar-se pela absolvição do réu. Do mesmo modo, há a possibilidade de recorrer em benefício do acusado quando observar falha na sentença do juiz.

 

Mais recentemente tem-se alargado as possibilidades de mitigação do princípio da obrigatoriedade de propositura da ação penal movimento que, dentre outros diplomas, iniciou com a suspensão condicional do processo, a composição civil e a transação penal previstas na lei n. 9.099/95, hoje ampliada pelo Acordo de Não Persecução Penal introduzido pelo Pacote Anticrime da Lei n. 13.964/19.

 

Na perspectiva da natureza jurídica deste órgão, diverge a doutrina se se trata de parte processual, pois quem é parte defende um interesse próprio, enquanto que o Ministério Público age como substituto processual da sociedade, para condenar o culpado e absolver o inocente.

 

A visão do Ministério Público como mero órgão acusador também não condiz com a feição dada pela Constituição da República de 1988, afinal, trata-se de promotor de justiça e não de promotor de condenação.

 

[...] No Brasil, a apuração de delitos é responsabilidade precípua da polícia judiciária, entretanto, a dispensabilidade do inquérito policial para o oferecimento da denúncia é questão pacífica na doutrina, desde que haja outros elementos de formação da opinio delicti.

 

O inquérito policial é peça meramente informativa. Nele se apuram a infração penal com todas as suas circunstâncias e a respectiva autoria. Tais informações têm por finalidade permitir que o titular da ação penal, seja o Ministério Público, seja o ofendido, possa exercer jus persequendi in judicio, i.é, possa iniciar a ação penal. Se essa é a finalidade do inquérito, desde que o titular da ação penal (Ministério Público ou ofendido) tenha em mãos as informações necessárias, ou seja, os elementos imprescindíveis ao oferecimento de denúncia ou queixa, é evidente que o inquérito será perfeitamente dispensável. (Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal. 22ª ed. V. 1, São Paulo: Saraiva, 2000).

 

A persecução de práticas criminosas pelo Estado foi idealizada pelo legislador atribuindo a investigação, como procedimento preliminar, à polícia judiciária, que ao final apresentaria os elementos de convicção relatando os fatos criminosos, em tese, praticados pelo indiciado.

 

Esses elementos seriam remetidos ao Ministério Público, órgão incumbido de propor a ação penal que apresentaria a denúncia, a qual se recebida pelo juiz iniciaria a fase judicial que poderia culminar com a condenação do indivíduo.

 

Não obstante, parecer se tratar de fases estanques, certo é que com a modernidade, a massificação da sociedade, a complexidade das relações jurídicas, o aumento da criminalidade organizada e especializada, o Ministério Público, que antes tendia a permanecer em uma posição inerte quanto a busca por elementos para propor a ação penal, viu-se instado a, por si só, proceder a investigações fora do bojo do inquérito policial.

 

Iniciando a investigação direta com o caso Fleury em 1973, alarga paulatinamente seu leque de atribuições com vistas a desempenhar sua função de titular da ação penal.

 

As tentativas de barrar o poder de investigação do Ministério Público foram freadas com a não aprovação da PEC n. 37, enquanto a Resolução n. 181 do CNMP continua estabelecendo as regras para o procedimento investigatório criminal.

Esta atribuição não é e não deve ser utilizada como forma de enfraquecer a polícia judiciária ou de restringir direitos fundamentais dos investigados, mas de outra banda cumprir a função do Ministério Público na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme preconiza o art. 127 da Constituição Federal. (Cristiana Pereira Machado, em artigo intitulado “A investigação penal e o ministério público”, publicado no site Jusbrasil.com.br, comentários ao art. 12 do CP, acessado em 22/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).