segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 818, 819, 820 - Da Fiança - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 818, 819, 820
- Da Fiança - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com -

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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo XVIII – Da Fiança

 – Seção I – Disposições Gerais (art. 818 a 826) –

 

Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.

No lecionar de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a fiança, de que de se dá a tratar o Código Civil de 2002 a partir do artigo em comento, encerra contrato mercê do qual alguém, chamado fiador, se obriga a garantir o débito de outrem, o devedor-afiançado, perante o credor deste. É, portanto, um ajuste que se firma entre o fiador e o credor do afiançado. Sua função está na constituição de uma responsabilidade por débito alheio.

Como é sabido, no vínculo obrigacional imiscuem-se o débito, que liga o devedor ao cumprimento de uma prestação em favor do credor, mas também a respectiva responsabilidade, a garantia do adimplemento que, de maneira geral, recai sobre o patrimônio do devedor. nada impede, porém, que a responsabilidade seja assumida por um terceiro, assim que não se ostente devedor. é a garantia, enfim, prestada por um terceiro, que, sem ser devedor, se torna responsável.

Essa responsabilidade pode se efetivar com o oferecimento de algum bem específico do patrimônio do terceiro, sobre o qual se constitui um direito real, indutivo de sequela e preferência em favor do credor. Porém, a garantia prestada pelo terceiro poderá ser pessoa, na verdade reforçando-se a obrigação principal creditícia com outra acessória, que é a fiança, a chamada obrigação fidejussória (caução pessoal ou fidejussória). Ou seja, é uma obrigação acessória de garantia de uma obrigação principal, mediante a qual o fiador se vincula ao cumprimento da prestação devida pelo devedor, em regra, caso este não a cumpra. Daí dizer-se que o contrato de fiança é acessório, seguindo a sorte da obrigação por ela garantida.

O contrato de fiança é considerado unilateral, porque faz nascer prestação principal apenas ao fiador, mas não ao credor, cuja obrigação ativa se garante. Via de regra é gratuito, prestada a fiança de forma benéfica; por isso, inclusive, se interpreta de maneira restritiva. Não se impede, todavia, a fiança onerosa, portanto em que o fiador recebe pela fiança prestada. Nesse sentido se evidencia corriqueira a fiança profissional, prestada, por exemplo, por bancos ou agências que a tanto se dedicam. A propósito, ademais, vale anotar que o Código Civil de 2002, seguindo a tendência de unificação do direito obrigacional, e tal como já se salientou no exame dos contratos de mandato, comissão, agência e distribuição, a cujos comentários se remete o leitor, tratou de maneira assim unificada da fiança civil e mercantil, por vezes criando dificuldades que adiante serão mencionadas (ver, por exemplo, comentário ao CC 827).

Diferencia-se a fiança do aval, malgrado outra forma de garantia pessoa, porquanto especificamente atinente ao direito cambiário, mas que, além disso, envolve uma obrigação cambiária autônoma e indutiva de uma responsabilidade solidária do avalista, e não subsidiária, como em princípio a do fiador. Além dos requisitos normais de capacidade para contratar, a fiança reclama atendimento a regras de legitimação. Assim, por exemplo, a pessoa casa que não o seja nos regimes da separação de bens precisará da vênia conjugal para prestar a garantia (CC 1.647, III), sob pena de anulabilidade, como hoje se expressa, a ser deduzida em dois anos, conforme preceito do CC 1.649, e a despeito de tese, que na jurisprudência se levanta, como abaixo se verá, no sentido de que haja, nesses casos, mera ineficácia, antes relativa, agora total. O mesmo não se pode dizer, ao que se entende, com relação aos companheiros, não porque, como já se disse no comentário ao CC 812, a união estável possua dignidade inferior à do casamento, ambos ensejando a mesma constituição de família, mas porque, ao contrário do casamento, instituição formal cuja publicidade inerente enseja ciência sobre sua existência, início e término a quem quer que seja, bastando consulta ao registro civil, a união estável não propicia a terceiros o necessário e apriorístico conhecimento sobre se existente, sobre quando se iniciou e sobre seu fim, até de forma a exigir-se o placet do companheiro à outorga da fiança. De igual maneira, mesmo capazes, estão impedidas de prestar fiança algumas pessoas em virtude de sua função, como os leiloeiros. O tutor e o curador estão impedidos de prestar fiança pelo pupilo ou pelo curatelado. O mandatário, para fazê-lo, precisa de poderes especiais (CC 661, § 1º), da mesma forma que a pessoa jurídica somente poderá prestar fiança se não o vedarem seus atos constitutivos ou, no silêncio, se em seu benefício e de acordo com sua finalidade social.

Certo que, aqui tratada como contrato, a fiança pode também ter origem legal ou judicial. No primeiro caso, ter-se-á a fiança exigida por lei, como sucede quando se exige a caução para que cocredor de obrigação indivisível possa cobrar o débito do devedor, solitariamente, sem que seja acompanhado do outro credor (CC 260, II). ou quando a lei impõe caução ao vizinho que pretenda usar a parede do outro para fazer alicerce (CC 1.305, parágrafo único). Na mesma senda, outras vezes a garantia é determinada pelo juiz, no processo, como nos casos de execução provisória (CPC 520 – antigo CPC/1973, art. 475-O). Mas é regrada no capítulo em exame a fiança convencional, sobre a qual o Código Civil estatui, na primeira seção, disposições gerais, depois cuidando de seus efeitos e de sua extinção. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 842-43 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Ricardo Fiuza, a fiança é um contrato mediante o qual uma parte (fiador) assume para com outra, credor de determinada obrigação de terceiro (afiançado), a garantia de por ela responder caso aquele não venha adimpli-la. essa segurança oferecida constitui contrato acessório ao principal, onde subsiste a obrigação por este garantida. É garantia fidejussória, por tratar-se de garantia pessoal, e, como tal, uma espécie do gênero garantia. A doutrina o reconhece como um contrato unilateral, em regra não oneroso, acessório, solene, e intuitu personae. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 430 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, fiança é o contrato mediante o qual uma pessoa obriga-se a satisfazer obrigação alheia, caso o devedor não a cumpra. É o mesmo que caução fidejussória.

Distingue-se do aval (cf. CC 897 a 900), porque: a) o aval é restrito aos títulos de crédito; b) o avalista tem sempre responsabilidade solidária.

A fiança penal é, na técnica do Direito Privado, caução (cf. arts. 321-350 do CPP).

A fiança é contrato acessório, unilateral, formal, intuitu personae e, quase sempre, gratuito. São partes o fiador (pessoa capaz) e o credor da obrigação garantida. A vontade do devedor principal (afiançado) é irrelevante (CC 820) e ele não é, portanto, parte do contrato de fiança.

O fiador casado necessita de outorga conjugal, exceto no regime da separação absoluta (CC 1.647, III), sob pena de anulabilidade a ser requerida em até dois anos após o término da sociedade conjugal (CC 1.649).

Antes do Código Civil de 2002, a fiança prestada sem a outorga conjugal, não-anulada, não se comunicava (art. 263, X; Lei n. 4.121, art. 3º.

Apesar do silêncio do Código Civil vigente, deve prevalecer a não comunicabilidade, com base no art. 3º da Lei n. 4.121, por se tratar, em regra, de obrigação que não beneficia a família.

Há três espécies de fiança: a) Fiança legal: a que decorre de imposição legal (ex. CC 1.280 – Dos direitos de vizinhança); b) Fiança judicial: a que a lei exige para a garantia de certos atos do processo judicial (ex. CC 1.745, parágrafo único – Da Tutela) e c) Fiança convencional: a que decorre da vontade das partes. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, entendido o negócio jurídico formal como aquele não consumável por qualquer forma, tal qual em reg4ra acontece, porquanto prevalecendo, em geral, a informalidade, a fiança, somente aperfeiçoando-se por escrito, constitui contrato formal. Não exige a lei, porém, que a outorga se deva dar, necessariamente, por instrumento público. Poderá sê-lo, destarte, também por documento particular. Mas não se admite, na mesma esteira, fiança que seja prestada verbalmente, ainda que assim se tenha contraído a obrigação por ela garantida.

Na segunda parte, e a exemplo do que já fazia o CC/1916, estabelece o artigo em comento que a fiança deve ser interpretada restritivamente, razão, por exemplo, de, quanto à garantia de avenças locatícias, se ter sumulado o entendimento de que o fiador não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não haja anuído (Súmula n. 214 do STJ). Da mesma forma, a interpretação restritiva da fiança tem levado a jurisprudência, não sem certo vacilo, a decidir que o art. 39 da Lei n. 8.245/91, que cuida das locações prediais urbanas, quando impõe a permanência das garantias, salvo disposição em contrário, até a entrega das chaves, não implica a responsabilidade do fiador pelo tempo de prorrogação do contrato locatício a que não tiver anuído.

A disposição em tela, com efeito, ostenta perfeita consonância com a previsão genérica do CC 116, inserido na Parte Geral, sempre ao pressuposto de que, no mais das vezes, a fiança se concede gratuitamente, de forma benéfica. De resto não era diversa a disposição do art. 257 do Código Comercial, quando tratava da fiança mercantil, em parte hoje revogado pelo Código Civil, donde proveio regramento unificado para o contrato em questão. É bem de ver, entretanto, tal qual já se acentuou no comentário ao artigo precedente, que a fiança pode ser onerosa, muito embora, também nesse caso, sustente, por exemplo, Lauro Laertes de Oliveira (Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 24), que se imponha interpretação restritiva.

Na verdade, considera-se que a regra da interpretação restritiva não exclui a concorrência de regras outras de interpretação, como a do CC 113, mas servindo, aí sim, a impedir a extensão da fiança para dívida novada com novo devedor, ou, como se viu, para estender a garantia por período suplementar ao contratado, como também para abarcar o todo do débito só parcialmente garantido. Mas, ao revés, a imposição de uma interpretação restritiva da fiança não significa a irresponsabilidade do fiador pelos acessórios da obrigação garantida, consoante se verá ao exame do CC 822, infra. Ou seja, desde que não limitada, a fiança abrange os acessórios da dívida e, a partir de quando citado o fiador, até mesmo os consectários processuais que ocasionalmente se façam sentir na cobrança de débito afiançado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 843-44 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina de Fiuza mostra que pela sua natureza, depende da forma escrita, sem exigir, contudo, determinada forma especial para demonstrar efetivamente prestada a garantia, e o caráter benéfico de que se reveste a fiança não lhe permite lhe seja dada uma interpretação extensiva (RI’, 489/240). Sílvio Rodrigues sustenta que o contrato é solene, pela necessidade de ser escrito (Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27.ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 371); entretanto, segundo Ad Ferreira de Queiroz, “razão não o assiste, porém, porque não há solenidade alguma, como se exige com o casamento ou com as escrituras públicas em geral” (Direito civil: direito das obrigações, Goiânia. Ed. Jurídica. IEPC, 1999, p. 188).

A jurisprudência uníssona do STJ proclama a interpretação restritiva ao contrato de fiança. Bastante referir julgado paradigma da lavra do eminente Ministro Vicente Leal: A jurisprudência assentada nesta Corte construiu o pensamento de que, devendo ser o contrato de fiança interpretado restritivamente, não se pode admitir a responsabilização do fiador por encargos locatícios decorrentes de contrato de locação prorrogado sem a sua anuência, ainda que exista cláusula estendendo sua obrigação até a entrega das chaves” (STJ, 6’ T., REsp 200;154-MG. DJ de 15-10-2001). No mais, lembre-se, por oportuno, a Súmula 214 do STJ: “O fiador não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 430 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Direito.com aponta que a forma escrita é necessária sob pena de nulidade absoluta. O contrato de fiança deve ser interpretado restritivamente, mas os acessórios (juros, multas, despesas judiciais, honorários de advogado) consideram-se incluídos no principal (CC 822). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 820. Pode-se estipular a fiança, ainda que sem consentimento do devedor ou contra a sua vontade.

Continuando com Claudio Luiz Bueno de Godoy, como já se acentuou no comentário do CC 818, a fiança encerra contrato que é firmado entre o fiador e o credor da obrigação afiançada. Ou seja, o devedor dele não é partícipe e, assim, não precisa anuir à constituição de garantia da dívida que lhe toca. Isso ainda que, no mais das vezes, o fiador se apresente a seu pedido. Importa é que sua aquiescência é desnecessária, podendo-se mesmo consumar a fiança até contra sua vontade, o que agora, em acréscimo ao que constava do art. 1.484 do CC/1916, se explicita. Isso porquanto, ademais de estabelecer negócio jurídico bilateral de que não faz parte o devedor, a fiança se faz a benefício também da garantia do credor, pelo que ao afiançado não é dado a tanto se opor. Apenas que, aperfeiçoada a fiança sem o seu consentimento, haverá que discutir se lhe é importa a obrigação de substituição do fiador, de que cuida o CC 826, e o que lá se apreciará.

Vale, por fim, a ressalva que faz o Min. José Augusto Delgado quanto à abusividade de cláusula-fiança que subscreve, aí sim, o próprio devedor, nomeando a administradora de cartão de crédito para figurar como fiadora na assunção de financiamentos realizados para cobrir as despesas de uso do cartão, sempre à consideração de infração ao preceito do art. 39, I, do CDC, e da falta de informação sobre o exato custo dessa fiança, sempre onerosa (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. II, p. 182). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 845 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para Fiuza, o CC/2002, nesse particular, explicita que pode a fiança ser estipulada ainda que contra a vontade do devedor, referência inexistente no Código de 1916, que mencionava apenas a possibilidade de estipulação sem o consentimento daquele.

A relação jurídico-fidejussória envolve tão-somente o credor da obrigação de terceiro e aquele que a garante, daí tornando prescindível a intervenção do obrigado principal afiançado. Essa a razão pela qual não pode ele se opor à fiança, ou para a sua prestação ser necessário oferecer anuência, podendo, em consequência, o credor eleger o fiador que o afiançado interfira, porquanto a estipulação vem ao interesse exclusivo daquele. Forçoso reconhecer, entretanto, a aplicação residual da norma, sendo certo que, geralmente gratuita a fiança, em regra é concedida por quem favorece o devedor, atendendo-lhe à necessidade de ser afiançado, e, de outro modo, é a mais das vezes este obrigado, por lei ou por acordo das partes, a dar fiador. A fiança onerosa ocorre quando, por exemplo, nos casos das fianças bancárias, o afiançado oferece ao fiador uma devida remuneração pela garantia prestada. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 431 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em Direito.com, são partes no contrato de fiança o fiador (pessoa capaz) e o credor da obrigação garantida. A vontade do devedor principal (afiançado) é irrelevante. O contrato pode ser estabelecido até mesmo contra a vontade do devedor, uma vez que ele não cria nenhuma interferência na esfera jurídica deste. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comentários ao Código Penal – Art. 54 Penas restritivas de direitos – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 

Comentários ao Código Penal – Art. 54
Penas restritivas de direitos
 VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com –
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Parte GeralTítulo V – Das Penas –
Capítulo II – Da Cominação das Penas

 

Penas Restritivas de direitos (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)

 

Art. 54. As penas restritivas de direitos são aplicáveis, independentemente de cominação na parte especial, em substituição à pena privativa de liberdade, fixada em quantidade inferior a 1 (um) ano, ou nos crimes culposos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984).

Relacionando as apreciações de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários às: “Substituição das Penas privativas de liberdade – Art. 54 do CP, o autor aponta “Vide art. 44 do Código Penal, reintitulando o texto com “Execução da pena restritiva de direitos” e explica com o julgado:

Em sendo a pena privativa de liberdade substituída por pena restritiva de direito, a sua execução depende do trânsito em julgado do decisum condenatório, ex vi do art. 147 da Lei de Execuções Penais. (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso) (STJ, HC 7S145/MA, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJ 13/8/2007 p. 401).

Execução provisória - Ao contrário do que ocorre com a pena de privação de liberdade, em que a prisão cautelar do sentenciado pode ser considerada para efeitos de execução provisória da sentença, permitindo, inclusive, a concessão de “benefícios legais", a exemplo do livramento condicional e da progressão de regime, não será possível a execução provisória de pena restritiva de direitos, uma vez que poderá resultar em prejuízo para o condenado, caso este venha a ser absolvido, devendo-se, portanto, aguardar o trânsito em julgado da decisão condenatória. Existe controvérsia jurisprudencial sobre o tema, conforme se verifica pelos julgados adiante colacionados:

É legítima a execução provisória do cumprimento da pena restritiva de direitos. Precedentes do STJ e do STF (STJ, HC 47573/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5a T., DJ 10/4/2006 p. 250).

Em sentido contrário: Este Tribunal e o Pretório Excelso firmaram o entendimento de ser expressamente vedada a execução provisória de pena restritiva de direitos, o que deve ocorrer apenas após o trânsito em julgado da decisão condenatória, nos termos do art. 147 da Lei na 7.210/84 (LEP) (HC 89.504/SP, Relª. Minª. Jane Silva, DJU 18/12/2007 e STF HC 88.413/MG, Rel. Min. Cezar Peluso, DJU 23/5/2006) (HC 104.383/ SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maía Filho, 5ª T.. DJe 29/6/2009). SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª T.. DJe 29/6/2009).

As Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte, na linha dos precedentes do Supremo Tribunal Federal, têm entendido que as penas restritivas de direitos não podem ser executadas antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória (STJ, HC 53192/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., DJe 1/12/2006 p. 395). (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários às: “Substituição das Penas privativas de liberdade – Art. 54 do CP, p.150. Editora Impetus.com.br, acessado em 05/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

O artigo, de acordo com autores consultados indicam o artigo 44, tendo em vista o artigo em comento ter sido derrogado após inúmeras alterações legislativas, dessa forma: Art. 54. As penas restritivas de direitos são aplicáveis independentemente de cominação na parte especial, em substituição à pena privativa de liberdade, fixada em quantidade inferior a 1 (um) ou nos crimes culposos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984).

Como leciona Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 54 do Código Penal, trata sobre “Penas restritivas de liberdade publicado no site Direito.com: vide comentário artigo derrogado após inúmeras alterações legislativas. (Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 54 do Código Penal, trata sobre “Penas restritivas de liberdade” publicado no site Direito.com, acessado em 05/12/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo o autor Pedro Roberto Gemingnani Mancebo, publicou em 01/11/2000, artigo intitulado “Lei 9714/98: derrogação dos artigos 54 e 58 do Código Penal”, no site Jus.com.br. e explica:

Com o advento da Lei n.º 9.714/98, foram modificados alguns dispositivos do Código Penal, especificamente os seus arts. 43, 44, 45, 46, 47, 55 e 77, todos da Parte Geral.

São inovações no Código Penal, advindos desta Lei, os fatos da pena para substituição nos crimes dolosos, terem passado de 1 (um) para 4 (quatro) anos, desde que o crime não seja praticado com violência ou grave ameaça contra à pessoa, bem como o fato da reincidência ser somente em crime doloso, pois no texto anterior bastava o réu ser reincidente para impossibilitar a substituição de pena. Ao mesmo tempo, a Lei ainda abre espaço para que o juiz aplique a substituição ao reincidente quando em face da condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não seja específica.

São ainda inovações a criação das Penas de Prestação Pecuniária e a Perda de Bens e Valores; a inclusão dentre as penas de Interdição Temporária de Direitos da Proibição ao condenado de frequentar determinados lugares; a fixação de um mínimo de 6 meses de condenação para a substituição da pena de Prestação de Serviços à Comunidade ou a Entidades Públicas; fixação de um mínimo de 30 (trinta) dias de detenção nos casos de conversão.

Concedeu ainda o legislador a faculdade ao condenado de cumprir a Pena de Prestação de Serviços superior a 1 ano em menor tempo, porém, limitando-o à metade da pena privativa de liberdade fixada. Por fim criou o Sursis Humanitário.

Cominação das penas restritivas de direito – As Penas restritivas de Direitos compreendem: 1. Prestação Pecuniária; 2. Perdas de Bens e Valores; 3. Prestação de Serviço à Comunidade; 4. Interdição Temporária de Direito e 5. Limitação de fim de Semana.

De acordo como art. 44 as Penas Restritivas de Direito são aplicadas, em substituição à pena privativa de liberdade, fixada pelo juiz em quantidade inferior ou igual a 4 (quatro) anos nos crimes dolosos, ou qualquer que seja a quantidade de pena nos crimes culposos, desde que o crime não tenha sido praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, bem como, que o réu não seja reincidente em crime doloso, devendo o juiz também observar as circunstâncias judiciais objetivas e subjetivas a fim de julgar se a substituição é suficiente para reprimir e prevenir que o delinquente não volte a praticar delitos.

Quanto à cominação das Penas Restritivas, prevista no art. 54 do Código Penal, vemos que o legislador manteve o texto anterior, que diz:

“Art. 54 – As penas restritivas de direitos são aplicáveis, independentemente de cominação na parte especial, em substituição à pena privativa de liberdade, fixada em quantidade inferior a 1 (um) ano, ou nos crimes culposos.”

As penas restritivas de direitos continuam sendo aplicadas, independentemente de cominação na parte especial, em substituição à pena privativa de liberdade, porém não na quantidade estabelecida no art. 54 para os crimes dolosos, pois o art. 44 advindo da Lei 9.714/98, além de alterar a quantidade de pena, que era de penas inferiores a 1 (um) ano para penas iguais ou inferiores a 4 (quatro) anos, acrescentou que o crime não poderia ter sido cometido com violência ou grave ameaça contra a pessoa.

 Assim sendo, a Lei 9.714/98 derrogou o art. 54, uma vez que a nova redação dada ao art. 44, tornou possível a substituição da pena privativa em quantidade inferior ou igual a 4 (quatro) anos, desde que preenchidos os demais requisitos do referido artigo 44 e seus incisos, assim entendendo porque a cominação dessas penas ou seja o fato de serem aplicadas independentemente de cominação na parte especial está regulado no art. 54, o que não se tem referência no art. 44, porém a quantidade de pena será aquela regulada pelo artigo modificado pela Lei 9.714/98, que acrescentou ainda o fato do crime não ser praticado mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa para a possibilidade da substituição.

Substituições reguladas pelo art. 54: As substituições baseadas no artigo 54, compreendem a aplicação das seguintes penas restritivas: (1) Prestação pecuniária (art. 45, §§ 1º e 2º do CP); (2) – Perda de Bens e Valores (art. 45, § 3º do CP); (3) Prestação de Serviços à Comunidade (art. 46 do CP); (4) Limitação de Fim de Semana (art. 48 do CP); e (5) Proibição de frequentar determinados lugares (art. 47).

Já as penas de interdição temporária de direito, previstas no art. 47, incisos I e II, têm suas cominações reguladas pelo art. 56 do CP.

Quanto a pena de interdição prevista no art. 47, inciso III, aplicadas aios crimes culposos de trânsito, tem sua cominação regulada no art. 57 do CP.

Cominação da pena de multa – A cominação da pena de multa, prevista em cada tipo legal de crime, é calculada em dias-multa, que será, no mínimo de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, o qual será calculado na proporção de um trigésimo do maior salário-mínimo mensal vigente ao tempo do fato, até 5 (cinco) vezes esse salário, tudo de acordo com as condições econômicas do condenado.

A multa pode ainda ser aplicada independentemente de cominação quando a pena for igual ou inferior a um ano, nos termos do art. 44, § 2º do CP, sendo que esta possibilidade de substituição se encontrava regulamentada no art. 60, § 2º, o qual permaneceu com redação antiga, e segundo Luiz Flávio Gomes, Penas e Medidas alternativas à prisão, p. 120, referido dispositivo está revogado e, portanto, a multa substitutiva ou vicariante encontra-se regulada no art. 44, § 2º do CP, pois aquele dispositivo previa a substituição da pena privativa pela multa, quando a pena privativa fixada fosse igual ou inferior a 6 meses e, a nova redação do art. 44 § 2º, tornou possível a substituição por multa, quando a pena privativa não exceder a um ano. No mesmo sentido: Damásio E. de Jesus, Direito Penal, v. 1, p. 535.

É o art. 58 que regulamenta a cominação das penas de multa (isolada, cumulada e alternativa) e o seu parágrafo único regulamenta a comunicação das penas de multa substitutivas, onde descreve-se que independentemente de cominação na parte especial serão aplicadas em substituição a pena privativa de liberdade, porém remete ao antigo art. 44 e ao § 2º do art. 60, sendo que o primeiro foi modificado pela Lei nº 9.714 e o segundo, como dito acima, foi revogado pelo art. 44, § 2º.

Assim, conclui-se que o artigo 58, Parágrafo único, também foi derrogado, pois regulamenta a aplicação da cominação da pena de multa substitutiva, porém face aos argumentos acima, é complementado pelo art. 44 § 2º.

Diante das colocações, conclui-se que, quando da elaboração da Lei 9.714/98, o Legislador esqueceu-se de alterar os dispositivos comentados, inclusive pode-se notar que a mencionada Lei não revoga disposições em contrário. Assim sendo, entende-se que os arts. 54 e 58, Parágrafo Único, S.M.J., estão derrogados e passam a ser entendidos das formas abaixo:

Art. 54. “As penas restritivas de direitos são aplicáveis, independentemente de cominação na parte especial, em substituição à pena privativa de liberdade, fixada em quantidade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo.”

Parágrafo único. “As multas previstas no § 2º do art. 44 deste Código aplicam-se independentemente de cominação na parte especial.” (Pedro Roberto Gemingnani Mancebo, publicou em 01/11/2000, artigo intitulado “Lei 9714/98: derrogação dos artigos 54 e 58 do Código Penal”, no site Jus.com.br., acessado em 05/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Lecionando jovialmente o Professor Eduardo Tomasevicius Filho, em artigo intitulado “Finalmente entrou em vigor a LGPD”, publicado no site jusbrasil.com.br., em 01.08.2021, diz o seguinte:

O leitor deve estar estranhando a afirmação acima, uma vez que essa lei foi promulgada em 14/8/2018 e, após idas e vindas legislativas, entrou em vigor na sua quase totalidade em 18/9/2020.

 

Porém, faltavam os artigos 52, 53 e 54, pois a vacatio legis desses dispositivos foi alterada pela Lei nº 14.010, de 2020. Poucas vezes se viu uma lei que sofreu tamanhas alterações em termos de início de vigência.

 

Após três anos, a lição que se pode inferir desse caso é que todos os artigos da LGPD deveriam ter entrado em vigor na data da publicação em 2018. Mesmo com toda essa "benesse" legislativa para que houvesse tempo suficiente para a adequação das atividades de tratamento de dados às novas regras, parte das empresas mal sabe da existência desta lei. Até entre aquelas que conhecem, por terem condições de contarem com departamento jurídico próprio ou por contratarem serviços de escritórios de advocacia, parece que simplesmente fizeram tábula rasa do disposto na lei. Mais grave ainda é ver que há muitos operadores do Direito que desconhecem a LGPD até em suas próprias atividades profissionais.

 

“Por que pouca coisa se alterou desde então”, a resposta é simples: não era possível a aplicação dessas sanções administrativas previstas nos artigos 52 a 54 da LGPD. Inexistindo mecanismo de efetivação da aplicação da norma jurídica, deixou-se para o futuro o que já deveria ter sido feito desde 2018. É certo que se previu a responsabilidade civil pelo mau tratamento de dados pessoais nos termos do artigo 42 e seguintes da LGPD, mas estes não acrescentaram nada de novo no ordenamento jurídico brasileiro, a não ser o debate sobre ser subjetiva ou objetiva essa cláusula geral de responsabilidade civil. Tanto que incidentes de vazamentos de dados de grande magnitude vêm acontecendo com maios frequência desde 2020, e as ações judiciais movidas pelos titulares de dados pessoais nem sempre têm sido julgadas procedentes, sob o fundamento de que não houve dano, ou que os dados vazados poderiam ser descobertos de forma lícita, o que não é de todo equivocado de acordo com os fundamentos desse ramo do Direito, entre os quais a inexistência de responsabilidade civil sem danos.

 

Por isso, para contornar essas dificuldades inerentes ao sistema de responsabilidade civil, bastaria que houvesse em 2018 uma lei que tivesse estatuído sanções administrativas, tais como aquelas estabelecidas nos artigos 52 e 54 da LGPD, pois o restante, em linhas gerais, já estava garantido pela Constituição Federal e pela legislação vigente, como o Código Civil, o Marco Civil da Internet, e o Código de Defesa do Consumidor, além do Código Penal, que, inclusive, sofreu alterações para previsão de tipo penal de invasão de dispositivo informático em 2012, por meio da Lei Carolina Dieckmann, majorando-se a pena em maio de 2021.

 

Isso não quer dizer que a maior parte da LGPD é desnecessária, mas evidencia que a solução dos problemas decorrentes de tratamento de dados pessoais está mais na aplicação de sanções administrativas e, menos, nos fundamentos e princípios afirmados na LGPD.

 

A importância das sanções administrativas é que o bem jurídico tutelado não é o direito da pessoa, ou das pessoas coletivamente consideradas, mas a proteção do sistema de proteção jurídica instituído em lei. Dessa forma, independentemente da ocorrência de dano à pessoa, ou da culpa do agente, aplicam-se multas pela mera infração das regras vigentes, o que impõe um dever geral de cautela mais acentuado na realização da atividade. Basta considerar por analogia o que ocorrem com as leis de trânsito: não importa se trafegar acima da velocidade permitida, fazer ultrapassagens proibidas, passar com o sinal fechado, estacionar em local proibido, ou avançar a faixa de pedestres não tenha causado acidentes ou meros aborrecimentos: são simplesmente proibidas essas condutas, para que se evitem ao máximo a ocorrência desses fatos, o que traz mais segurança a todos pelo reforço do cumprimento da lei.

 

Quando as sanções administrativas forem devidamente aplicadas pela ANPD pelo mau tratamento de dados pessoais, serão perceptíveis os efeitos desejados pelo legislador quando se elaborou a LGPD. Assim, coletar-se-ão menos dados no preenchimento de formulários e na compra de produtos em estabelecimentos. Será revelada a finalidade da coleta e solicitado consentimento específico para compartilhamento de dados.

 

Aliás, a ANPD, criada sob desconfiança por conta da sua vinculação com a Presidência da República, em vez de ter sido estruturada na forma de órgão da Administração Pública indireta conforme previsto na LGPD, vem demonstrando muita seriedade, além de empenho e profissionalismo na condução dessas questões, mostrando-se seus diretores surpreendentemente abertos e solícitos para ouvir as contribuições dos diversos setores, entre os quais a academia.

 

Em atendimento ao disposto no artigo 53 da LGPD, está em discussão na ANPD o regulamento das sanções administrativas, disponível no site desse órgão no portal do governo federal. Ainda falta estabelecerem-se os parâmetros para a fixação das multas, nos termos do já mencionado artigo 53 e também do artigo 54, à semelhança dos regulamentos das agências reguladoras e, em especial, pelo Cade, com o intuito de evitarem-se recursos desnecessários ao Poder Judiciário com vistas à anulação da sanção por desconhecimento dos critérios usados em sua fixação nos casos concretos. Outro aspecto está na forma como se efetivará a fiscalização e aplicação de sanções administrativas a entidades e órgãos públicos. Certamente, essas questões estarão adequadamente solucionadas em breve.


Acerca dos parâmetros objetivos, econômicos e subjetivos para a elaboração de um regulamento administrativo sobre multas, um deles corresponde ao que se espera de um agente de tratamento de dados: a boa-fé (artigo 6º, caput). Afinal, na aplicação das sanções, deve-se levar em conta, diretamente, a observância ou não da boa-fé (artigo 52, § 1º, II). Nesse sentido, deve-se verificar em que medida o agente de tratamento de dados foi contraditório, desrespeitando o princípio da adequação, ou como se violou o princípio da finalidade, ao omitir-se informação relevante ao titular dos dados pessoais em sua política de privacidade, assim como se faltou consideração ou cooperação com o titular de dados pessoais ao ter coletado e armazenado dados desnecessários. No limite, se houvesse observância do princípio da boa-fé no tratamento de dados pessoais, talvez nem sequer fosse necessária a LGPD. Mas, infelizmente, as coisas não são bem assim na vida real. (Eduardo Tomasevicius Filho, em artigo intitulado “Finalmente entrou em vigor a LGPD”, publicado no site https://tomasevicius.jusbrasil.com.br/artigos, em 01.08.2021, acessado em 05/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

domingo, 4 de dezembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 814, 815, 816, 817 DO JOGO E DA APOSTA - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 814, 815, 816, 817
 DO JOGO E DA APOSTA - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com -
digitadorvargas@outlook.com

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo XVII – Do Jogo e da Aposta

 – Seção III - (art. 814 a 817) -

 

Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.

§ 1º. Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé.

§ 2º. O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos.

§ 3º. Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares.

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, antes tratada a matéria logo após o contrato de seguro, mas de que se diferencia porquanto a álea que lhe é inerente tem mesmo um intuito especulativo, ao revés do ajuste securitário, mercê do qual o risco se cobre calculando-se a probabilidade de sua ocorrência e formando-se um fundo mutualista a suportá-lo (ver comentário ao CC 757), tudo enquanto resultante de um propósito previdenciário, indenizatório, dá-se o Código Civil de 2002, no artigo em tela, a tratar do jogo e da aposta. Fá-lo com unidade de regramento, muito embora se diferenciem, conceitualmente, o jogo e a aposta. No primeiro, duas ou mais pessoas prometem, entre si, pagamento a quem um evento incerto, aleatório e de puro azar vier a favorecer. No segundo caso, promete-se igual pagamento, mas àquele, cuja opinião divergente vier a se mostrar consonante com o resultado de um mesmo evento incerto, aleatório. Costuma-se reservar aos contendores, no jogo, papel ativo, que interfere no resultado, ainda que a priori incerto. Já na aposta seu papel é passivo, de mera expectativa sobre o resultado de evento que lhes é estranho, mas sobre cuja ocorrência apostaram. Assim, nos exemplos citados por Caio Mário (Instituições de direito civil, 11.ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 483), um mesmo evento pode caracterizar-se como jogo ou aposta, dependendo da conduta dos participantes. Se duas pessoas disputam uma luta, prometendo-se, entre si, pagamento ao vencedor, jogam; se expectadores, porém, entre si prometem pagamento conforme quem seja o vencedor, apostam. Pois muito embora o legislador cuide e tipifique o jogo e a aposta como contratos, assim nominados, recusa-lhes efeitos normais, por não os reputar socialmente úteis. Neste sentido, dispõe serem incobráveis as dívidas resultantes de jogo ou aposta. Mas, em contrapartida, estabelece a Irrepetibilidade do quanto, voluntariamente, a esse título se pagou. Disso resulta que o credor pode reter o pagamento que voluntariamente lhe tenha sido feito (soluti retentio). É o clássico figurino das denominadas obrigações naturais.

Tradicionalmente, e em especial com fundamento na entrevisão de dois elementos essenciais no vínculo obrigacional, o débito e a responsabilidade (teoria dualista da obrigação), sempre foi costume definir a obrigação natural, também e por isso chamada imperfeita, todavia jurídica, como aquela com todos os seus elementos integrantes, ou seja, sujeito (credor e devedor), objeto (prestação) e a relação vinculativa, mas aqui, a despeito da existência de um débito, sem a responsabilidade do devedor, i.é, sem garantia efetivável por meio do direito de ação, assim sem a coercibilidade.

Certo que hoje, inclusive conforme preceitos expressos de outras legislações (v.g., art. 2.034 do Código Civil italiano e art. 402 do Código Civil português), se venha defendendo a ideia de que a obrigação natural represente mesmo um dever extrajurídico, mas a que o direito, porquanto integrado a outros sistemas normativos de conduta, parra além do subsistema jurídico, reconhece um efeito, justamente o da Irrepetibilidade do voluntário pagamento, tudo como imperativo de justiça, como corolário de uma regra social de conduta, segundo a qual se aceita um dever de honrar dívidas de jogo ou aposta, destarte quando adimplidas, pela vontade do devedor, operando o direito para evitar a repetição, desse modo preservando-se solução de equidade, impedindo o retorno a uma situação de injustiça (Ver Fernando Noronha. Direito das obrigações. São Paulo, Saraiva, 2003, v. I, p. 232-4). A aplicação da regra em comento, porém, pressupõe diferenciação inarredável à luz da respectiva sistematização. Afinal, são distinguíveis os jogos proibidos, autorizados ou tolerados. Jogos ou apostas autorizados, como as loterias – aqui subsumidas a seu conceito, muito embora alhures se sustente diferença conceitual – ou o turfe, são lícitos e geram efeitos jurídicos normais, erigindo-se em obrigações perfeitas. É o que se prevê no § 2º, segunda parte, do preceito em exame, e logo no § 3º, igualmente dizendo-se exigíveis prêmios oferecidos em competições de variada natureza, desde que nos moldes de norma autorizativa legal e regulamentar – verdadeiros concursos. Jogos ou apostas proibidos são, por exemplo, as loterias não autorizadas, como o jogo do bicho, ou os jogos de azar referidos pelo art. 50 da Lei das Contravenções Penais. Mas há também os jogos tolerados, de menor reprovabilidade, em que o evento não depende exclusivamente do azar, mas igualmente da habilidade do participante, como alguns jogos de cartas. Por isso a legislação não os proíbe, por considera-los uma diversão sem maior proveito, mas pelo mesmo motivo não lhes emprestando a natureza de obrigação perfeita. Pois como se expressa no Código Civil, no caput e nos parágrafos do artigo em comento, salvo se autorizados, os jogos e apostas não induzem obrigação coativa que possa ser judicialmente exigida, muito embora não caiba ao devedor que voluntariamente tenha pago dívida daí originária postular a repetição de quanto pagou, salvo se, como adiante se referirá, esse pagamento prejudicou menor ou interdito.

Bem de ver, todavia, que boa parte da doutrina, antes da edição do Código Civil de 2002, por exemplo tal qual já defendia Orlando Gomes (Contratos, 9.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 484), sustentava que os jogos proibidos não ensejavam nem mesmo uma obrigação natural, portanto inclusive sem o efeito da soluti retentio, ao revés, configurando contrato nulo de todo. De fato, acentua, já sob a égide do Código Civil de 2002, Fernando Noronha (op. cit., p. 233) que, a rigor, o regramento presente, no seu todo, aplica-se aos jogos tolerados, reservando-se ao pagamento de dívidas oriundas de jogos proibidos a concorrência da disposição do CC 883, destarte não se permitindo ao pagador recobrar, porém igualmente não se admitindo a retenção pelo recebedor.

Ressalva ainda a lei que, cuidando-se de dívida de jogo que tipifique uma obrigação natural, se o perdedor é menor, absoluta ou relativamente incapaz, ou interdito, veja-se, por qualquer causa, como o intuito é a sua proteção, eventual pagamento que tenha feito poderá, aí excepcionalmente, ser repetido, portanto descabendo ao credor retê-lo, de resto em sistemática diversa do adimplemento de obrigações perfeitas. Da mesma forma, se o pagamento da dívida de jogo foi feito mediante dolo, mas não erro, bem assim mediante coação, deve-se acrescentar, porque também o caso é de proteção da vítima, o pagador, perdedor do jogo ou aposta, terá direito à repetição. Por fim, explicita-se, no § 1º, tal como se fazia no CC/1916, que a disposição do caput, a respeito da obrigação natural que estipula, se aplica também a qualquer contrato que encubra ou envolva o reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo.

A ideia fundamental é que, nesse específico caso de obrigações naturais, porque despidas de conteúdo moral, e portanto socialmente inúteis, mesmo sua confirmação ou substituição por um negócio jurídico típico, como a entrega de um título de crédito, ou o estabelecimento de uma novação, da mesma forma não ensejará exigibilidade do devedor. assim, por exemplo, se o perdedor emite uma nota promissória tendo como causa a dívida de jogo, igualmente ela não será dele exigível. Apenas se preserva, no parágrafo em exame, eventual direito de terceiro de boa-fé, por exemplo u m endossatário, insciente da origem da cambial, quando a tenha recebido. Por identidade de motivos não terá cabimento, também, a novação dessa espécie de obrigação natural (não outras), ou a fiança que se tenha dado para sua garantia. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 838-39 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina espancada por Ricardo Fiuza, impende reconhecer, de pronto, na assertiva legal de as dívidas de jogo ou aposta não obrigarem ao pagamento, a negação da lei aos efeitos pretendidos pelas partes. Embora arrolados como contratos, Silvio Rodrigues aponta a contradição quando “o legislador proclama a inexigibilidade da dívida” (Direito civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27.ed., são Paulo, Saraiva, 2000, p. 364).

A norma tratou de sanar a falha do CC de 1916, acrescentando os §§ 2º e 3º do CC 814, os quais excetuam da regra geral prevista no caput do reportado dispositivo os jogos e apostas legalmente permitidos e os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares. Aliás, nesse sentido, a jurisprudência vinha se norteando, sendo suficiente citar: “O art. 1.477 não incide sobre a Loteria Esportiva” (Iff, 494/197).

Diante de tais consequências jurídicas, onde se torna inexigível a perda experimentada pelo jogador inexitoso, e, por outro lado, irrecuperável a quantia daquele que, vencido, satisfez voluntariamente a dívida, a lei fulmina de nulidade, de conseguinte, qualquer contrato que envolva o reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo, não alcançando, porém, o terceiro de boa-fé, a cujo respeito impõe-se uma aferição complexa de tal qualidade.

Submetidos aos mesmos preceitos, inclusive porque vinculados ao mesmo elemento sorte, jogo e aposta, todavia, merecem conceituações distintas. Essa distinção, recolhe-se, pela clareza do magistério de Maria Helena Diniz: ‘jogo é o contrato em que duas ou mais pessoas prometem, entre si, pagar certa soma àquela que conseguir um resultado favorável de um acontecimento incerto, ao passo que aposta é a convenção em que duas ou mais pessoas de opiniões discordantes sobre qualquer assunto prometem, entre si, pagar certa quantia ou entregar determinado bem àquela cuja opinião prevalecer em virtude de um evento incerto” (Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 16.ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3, p. 418). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 428 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, jogo e aposta são contratos, uma vez que resultam do encontro de vontades visando à produção de efeitos jurídicos. Diferenciá-los não é tarefa simples à luz da doutrina e da lei. jogo, para os romanos era alearum lusus e aposta sponsio.

Doutrinariamente há dois critérios distintivos: a) pelo critério da participação, no jogo os contratantes participam da atividade da qual depende o resultado; na aposta, não; b) pelo critério do motivo, o jogo é motivado pela distração ou ganho, enquanto a aposta visa a fazer prevalecer uma afirmação.

No Direito Penal, a Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei n. 3.688/1941) tipifica como contravenção a exploração e a participação em jogos de azar (art. 50). Neste conceito a Lei das Contravenções Penais inclui, expressamente as apostas, ao considerar como “jogos de azar”: a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.

A realidade social demonstra que esses termos são utilizados sem atenção ao rigor dogmático. Assim, nomeiam-se como jogos, a loteria, a rifa e o jogo do bicho, embora, em todos esses casos, a ausência de participação e o intuito de prevalecimento de palpites os insiram no conceito de aposta.

A ausência de critério distintivo claro perde o relevo na medida em que a lei os equipara.

Os jogos e as apostas podem ser proibidos, permitidos ou autorizados. Quando são legalmente autorizados, o contrato cria obrigação civil comum, que sujeita o devedor ao pagamento forçado em caso de inadimplemento. É o que ocorre em relação às loterias exploradas pelo Estado e com as apostas do turfe (Lei n. 2.220/1924; Dec. n. 24.646/1934; Decreto-lei n. 8.371/1945; Lei n. 2.820/1956; Decreto n. 41.561/1957; Lei n. 4.096/1962).

Também obrigam civilmente as promessas de prêmios ao vencedor de competição de natureza esportiva, intelectual ou artística.

Conforme disposto no § 2º do CC 814, os jogos e as apostas autorizados estão excluídos das disposições deste Capítulo do Código Civil, que se aplica, portanto, somente aos jugos e às apostas proibidos e meramente permitidos ou tolerados.

As dívidas de jogos proibidos ou meramente permitidos não podem ser cobradas pelo credor embora não possam ser repetidas, caso espontaneamente pagas, conformando obrigação natural, na qual há debitum mas não obligatio.

A repetição do pagamento é, no entanto, devida, se houve dolo por parte de quem recebeu ou se quem pagou for menor ou interdito. O dispositivo equipara, nos efeitos, a dívida resultante de negócios proibidos e, portanto, nulos, e a que resulta de jogo ou aposta permitidos ou tolerados.

São nulos os contratos que visem a encobrir a dívida de jogo ou de aposta, pois são negócios simulados. São, igualmente, nulos os negócios que impliquem o reconhecimento da dívida de jogo, tais como a confissão de dívida, novação, fiança e títulos de crédito. A nulidade não pode ser oposta a terceiro de boa-fé.

Caio Mário entende que são nulas a locação contratada e a sociedade constituída com a finalidade de exploração de jogo, ressalvando que OERTIMANN admite o mandato para jogos permitidos (Caio, M. da Silva, Pereira. Instituições de Direito Civil, v. III, 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 486). O dispositivo em comento não determina a nulidade desses atos, que somente serão nulos, segundo os preceitos da Parte Geral, em razão da ilicitude do objeto. Portanto, a ressalva de OERTIMANN estende-se à locação contratada e à sociedade constituída, pois tais negócios somente serão nulos uma vez que visem a promoção de jogos ou de apostas proibidos. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 815. Não se pode exigir reembolso do que se emprestou para jogo ou aposta, no ato de apostar ou jogar.

Entendendo o Código, o artigo em tela, para Claudio Luiz Bueno de Godoy, da mesma forma que o fazia o art. 1.478 do CC/1916, repele a contratação do mútuo, para o jogo ou aposta, no ato em que são efetivados. A ideia fundamental está em evitar contratação que favoreça ou facilite a prática do jogo ou aposta, quando não sejam devidamente autorizados, porquanto então lícitos e dotados de normal eficácia civil (em sentido diverso, sustenta Silvio Venosa que mesmo empréstimo concedido para jogo ou aposta lícitos, mas no ato do jogo ou aposta, é irregular que não permite cobrança. Direito civil, 3.ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 415).

Trata-se mesmo de uma hipótese em que o motivo da contratação, porque se revela no ato do jogo ou da aposta, assim necessariamente tornando-se comum às partes, prejudica a higidez do negócio praticado, na exata esteira do princípio que hoje contém o CC 166, III, malgrado aqui com diferente efeito. Ou seja, se se contrata mútuos, em função do jogo ou da aposta, veja-se, no momento em que se joga ou se aposta, evidencia-se motivação que o ordenamento rejeita, aqui vedando que possa ser cobrado o reembolso do quanto naquela circunstância se emprestou. Em outras palavras, tem-se mesmo uma extensão da regra do CC 814m antes examinado. Se não se pode cobrar dívida resultante de jogo ou aposta, quando não autorizados, da mesma forma não se pode cobrar o que, no ato do jogo ou da aposta, se emprestou para apostar ou jogar. Se, todavia, o empréstimo se fez antes ou depois do momento do jogo ou da aposta, ainda que em função deles, não incide a regra do artigo em comento, ao pressuposto de que então não exteriorizada a motivação irregular, ressalvada sempre a prova, especialmente no caso do jogo proibido, de que essa razão determinante se tenha ostentado comum, mesmo quando a contratação não seja simultânea ao jogo ou à aposta, aí por aplicação autônoma da regra geral, já citada, do CC, 166, III.

Por fim, pouco importa, ao influxo da regra em comento, que tenha o empréstimo, se efetuado no momento do jogo ou da aposta para que um ou outro se efetive, provindo de outro participante da empreitada ou de terceiro. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 840 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para Fiuza, uma das medidas implementadas pelo codificador brasileiro de 1916 e mantida pelo CC/2002 consiste em estender a mesma injuridicidade que estigmatiza a dívida de jogo ou aposta ao mútuo contratado pelo ato de apostar e jogar, “por constituir incremento ao vício e representar a exploração de um estado de superexcitação em que se encontra o jogador” (RI’, 147/690). Todavia, acrescenta Maria Helena Diniz que “se o empréstimo foi feito antes do jogo, para obter meios para fazê-lo, ou depois do jogo, para pagar o que nele se perdeu anteriormente, esse débito poderá ser exigido judicialmente” (Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 16.ed. São Paulo Saraiva, 2001, v. 3. P. 424). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 428 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a proibição de cobrar mútuo realizado para o fomento de jogo ou de aposta somente incide se o empréstimo é feito no ato da aposta ou do jogo, de modo a assegurar o conhecimento do mutuante quanto à finalidade que o mutuário pretende dar ao empréstimo. Assim, mesmo que o empréstimo seja feito no momento do jogo ou da aposta, se o mutuante, prova que não tinha conhecimento do motivo da tomada do empréstimo, pode cobrar a dívida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 816. As disposições dos CC 814 e 815 não se aplicam aos contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipulem a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste.

 

Para Bueno de Godoy, o artigo presente, em boa hora, reverteu a equiparação, ao jogo ou à aposta, que o CC/1916, no art. 1.479, impunha às operações com títulos, valores ou mercadorias cotáveis em bolsa. São o que sempre se chamou de contratos diferenciais, em que se negociam títulos, valores ou mercadorias, mas para sua liquidação pela diferença entre o preço convencionado e a cotação que eles tiverem no instante do vencimento. São as operações de mercado a termo, de bolsa de futuros, como a de mercadorias, por exemplo, em que não se quer, no vencimento, propriamente a entrega do produto, mas o pagamento da diferença entre seu preço de aquisição e o de sua cotação à época desse termo avençado. É de ver que esses contratos diferenciais, além de comuns na prática negocial, já vinham inclusive regrados por normatização especial, como lembra Jones Figueiredo Alves (Novo Código Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 738), pelo que cabia mesmo à nova legislação civil abolir sua equiparação ao jogo ou à aposta. Ressalva-se apenas a necessidade de devida correção gramatical, inexistente o plural no verbo estipular, utilizado corretamente na forma singular no CC/1916. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 840-41 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na toada de Ricardo Fiuza, o CC/2002 aboliu o princípio da equiparação. Efetivamente, equiparar as operações das bolsas de futuros a jogo ou aposta era algo que não podia permanecer no Código Civil. Observe-se que o Decreto-Lei n. 2.286, de 23-7-1986, já dispõe sobre a cobrança de impostos nas operações a termo de bolsas de mercadorias ou mercados outros de liquidações futuras, realizadas por pessoa física, tributando os rendimentos e ganhos de capital delas decorrentes. E no artigo 3º são definidos como valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei n. 6.385, de 7-12-1976, os índices representativos de carteiras de ações e as opções de compra e venda de valores mobiliários, sendo certo que o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil, através das Resoluções n. 1.190/86 e 1.645/89, respectivamente, referiam-se às bolsas, cujo objetivo é, justamente, a organização de um mercado livre e aberto para a negociação de produtos derivativos de mercadorias e ativos financeiros.

 

Isto já existe no Brasil desde 1986, quando foi criada a Bolsa de Mercadorias & Futuros, que realiza um volume de negócios equivalente a dez vezes o nosso Produto Interno Bruto. Tais bolsas existem na Alemanha, na França, na Itália, na Suíça, na Austrália, na Áustria, na Bélgica, em Luxemburgo, na Holanda, no Reino Unido e sobretudo nos Estados Unidos. Ser contra a existência dos negócios realizados nas Bolsas de Mercadorias e Futuros com base na afirmativa de eles terem por objeto negócios equiparados a jogo e aposta é despiciendo, porque nas clássicas Bolsas de Valores as ações compradas ou vendidas também variam de preço de um dia para o outro, sendo essa operação absolutamente aceitável e tributada.

 

Os negócios de mercadorias, derivativos e futuros, têm seu risco e a possibilidade sempre presente de, de um lado, alguém perder, e, de outro, alguém ganhar tal como ocorre nas Bolsas de Valores clássicas. E isso jamais foi considerado ilegal por constituir jogo ou aposta proibidos. Mutatis, mutandis, é o que ocorre nos negócios de títulos de bolsas de mercadorias, derivados e futuros, supracitados, mesmo quando a venda não é feita e o negócio se desfaz pelo pagamento da diferença, no preço, pelo que perdeu.

 

Afinal, só o volume negociado na Bolsa de Mercadorias & Fundos demonstra a sua importância, pois permite, entre outras coisas, a formação transparente dos preços futuros de commodities da pauta comercial brasileira, tais como o café, o açúcar, a soja e o algodão, facilitando as respectivas vendas a termo no Brasil e no exterior.

 

Apresentou-se imperativa, portanto, a adequação do texto à legislação superveniente, diante do que dispõe o Art. 1º da Resolução n. 01/2000 do Congresso Nacional. Este foi o escorço doutrinário que embasou a emenda na fase legislativa aditiva em sede da referida Resolução.

 

Jurisprudência: “A operação de compra de títulos e venda destreza, terceiro não se enquadra no art. 1.479 do Código Civil/1916” (RT, 51ü1146). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 428-9 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na balada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo cuida do contrato diferencial e explicita que as disposições sobre jogo e aposta a ele não se aplicam.

 

Contrato diferencial é aquele em que se convenciona o pagamento segundo a diferença entre o valor atual e o valor futuro de um título ou de uma mercadoria. É o contrato típico das operações de mercado a termo, de bolsa de futuros. É atividade financeira típica que somente tem de semelhante com os contratos de jogo e de aposta a aleatoriedade dos ganhos. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 817. O sorteio para dirimir questões ou dividir coisas comuns considera-se sistema de partilha ou processo de transação, conforme o caso.

 

Sob a luz de Claudio Luiz Bueno de Godoy, sem nenhuma alteração em relação ao CC/1916, o artigo em comento bem acentua não se considerar jogo ou aposta o sorteio que se faça para solução de impasses, divergências ou dificuldades. Recorre-se a uma álea que, porém, coloca-se muito distante do propósito do jogar ou apostar, valendo, conforme o caso, como transação ou partilha. Pense-se no exemplo, citado por José Maria Trepat Cases (Código Civil comentado, coord. Álvaro Vilaça Azevedo. São Paulo, Atlas, 2003, v. VIII, p. 381), em que duas pessoas vão comprar um carro em prestações, que dividirão, na ordem que um sorteio determinar, tanto quanto, acrescenta-se, podem solver divergência daí resultante pelo mesmo recurso. Ou, ainda, os casos de divisões de coisas comuns ou de partilha de quinhões hereditários, cuja escolha se pode fazer por sorteio. Também as loterias autorizadas o envolvem, tanto quando nos contratos de capitalização, de consórcio, também haverá sorteio, portanto nada estranho ao sistema positivo como um todo, mesmo nos lindes do Código Civil, de que é um exemplo o sorteio realizado na hipótese dos CC 858 e 859. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 841 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No lecionar de Ricardo Fiuza, a norma não considera essa espécie de sorteio como jogo e aposta, quando se trate de desate de pendências condominiais, não incidindo sobre ele as regras antes analisadas. É que, em tais hipóteses, não existem o lucro ou a perda, apenas elege-se o critério aleatório para o sistema de partilha, em relação aos bens comuns, ante a falta de outro critério que possa dirimir questões de interesse dos condôminos, havendo-se ainda, tal critério como um processo de transação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 429 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Encerrando o capítulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, do mesmo modo que o CC 816, o CC 817 cuida de retirar da incidência das disposições relativas aos contratos de jogo e de aposta o sorteio que visa à divisão de coisas comuns. Conforme expresso no dispositivo, tal sorteio pode representar sistema de partilha ou de transação. Tendo-se em vista a finalidade com que é realizado nada tem de jogo ou de aposta. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).