terça-feira, 3 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 827, 828, 829 - continua - DOS EFEITOS DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R.



Direito Civil Comentado - Art. 827, 828, 829 - continua
- DOS EFEITOS DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XVIII – Da Fiança
 – Seção II – Dos Efeitos da Fiança (art. 827 a 836) –
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Art. 827.  O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.

Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.

Dentre os efeitos da fiança, leciona Claudio Luiz Bueno de Godoy, que o Código Civil se dá a tratar na seção presente e, de resto, tal como o fazia o Código anterior, está o benefício de ordem ou de excussão, vale dizer, a prerrogativa que ao fiador se defere de exigir, uma vez demandado pelo débito afiançado, que primeiro sejam excutidos os bens do devedor. a ideia fundamental é que, se a fiança é garantia acessória e subsidiária, então primeiramente devem responder pela dívida afiançada os bens do devedor principal. Mas veja-se, a propósito, que o benefício implica a possibilidade, que ao fiador se confere, de opor uma exceção à cobrança que lhe é endereçada, o que significa dizer que ao credor não se põe uma obrigação de primeiro acionar o devedor.

Reclama o dispositivo, porém, que o fiador deduza a exceptio excussionis até a contestação da lide. Se se cuida de ação de conhecimento, há quem sustente deva o fiador efetivar o chamamento ao processo do devedor, na forma do art. 130, I, do Código de Processo Civil, a fim de que, na execução de título judicial, possa nomear à penhora, na forma do art. 794 do CPC, bens do afiançado, integrado ao processo de que emanado o título executivo (Oliveira, Lauro Laertes de. Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 49; Carneiro, Athos de Gusmão. Intervenção de terceiros. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 96). Se a execução se faz por título executivo extrajudicial, citado o fiador, incumbe-lhe, então, já diretamente, por descaber o chamamento, nomear bens do devedor principal à penhora. Deverá fazê-lo, pois, e ao que se entende, no prazo do art. 829 do Código de Processo Civil, inexistente prévia fase de conhecimento, inclusive sem possibilidade de alegação em embargos, a pretexto de que a tanto o induza a expressão contestação da lide (malgrado a existência de forte posição nesse sentido, valendo conferir, por exemplo, Santos, Gildo dos. “A fiança”. In: O novo Código Civil, coord. Domingos Frauciulli Neto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho. São Paulo, LTr, 2003, p. 729-79). Athos Gusmão Carneiro sustenta até que, se o devedor principal não é parte na execução de título extrajudicial e o fiador nomeia seus bens à penhora, deverá mesmo o credor aditar a execução (op. cit., p. 97). Talvez melhor considerar, seja a execução de título judicial ou extrajudicial, que a nomeação envolva apenas questão de responsabilidade patrimonial e não de obrigatória integração do afiançado no processo.

É fato, porém, que o exercício do benefício de ordem, a rigor, se consuma justamente por meio da indicação de bens do devedor principal que possam, antes, ser excutidos. Por isso o parágrafo único do artigo em comento, de um lado, impõe ao fiador eu deduza a exceção de excussão a nomeação de bens do devedor. e, de outra parte, impõe ainda que essa indicação recaia sobre bens que possam suportar a execução, de sorte a fazê-la proveitosa. Assim é que os bens indicados devem ser livres e desonerados, além de suficientes a fazer frente ao crédito cobrado. A despeito de críticas que a propósito já se faziam sob a égide do anterior Código Civil, repetiu-se – o que não continha o art. 595 do CPC/1973 com correspondência no art. 794 do Livro atual, CPC/2015 – a exigência de que esses mesmos bens se situem no município.

Impende, por fim, anotar que, para as fianças mercantis, o Código comercial, nessa parte revogado (Código Civil – CC 2.045), impunha solidariedade entre o fiador e o devedor afiançado, razão pela qual se sustentava que nelas descaberia o benefício de ordem. Mas, mesmo à luz da lei comercial, interpretação diversa do citado dispositivo se procurava fazer, no sentido de que tal solidariedade se impunha entre cofiadores, e que, na verdade, o benefício de ordem, ainda nas fianças comerciais, se poderia inferir da regra do art. 261 (revogado) do Código Comercial, quando permitia ao fiador demandado antes do devedor indicar à penhora bens deste, se desembargados. Porém, a questão hoje se supera pelo tratamento unificado que o Código Civil de 2002 reservou ao direito obrigacional em si e, nessa esteira, ao contrato de fiança, como já se salientou, de resto, no comentário ao CC 822. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 851 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, é duvidoso que, nas relações entre o credor e fiador, o segundo não poderá opor ao primeiro as exceções resultantes do seu vínculo para com o devedor afiançado, mas poderá invocar as decorrentes da própria fiança, a exemplo do chamado “benefício de ordem” ou “de excussão”, pelo qual ao credor é vedado optar, sponte sua, entre o fiador e o devedor principal, para exigir o pagamento de qualquer um deles.

O credor somente poderá acionar o devedor afiançado quando o devedor principal se quedar inerte quanto ao adimplemento da obrigação assumida, ou quando seus bens não forem bastantes para atender ao cumprimento desta última, exceto se contrataram sob condições menos onerosas.

Trata-se de um direito/privilégio instituído em favor do fiador, opor demais lógico e razoável, de não ser ele compelido a pagar a dívida afiançada, sem que primeiro sejam executados os bens do devedor principal, simplesmente porque a acessoriedade e a subsidiariedade são duas das características ais marcantes da fiança, que, desrespeitadas, a desfigurariam por completo.

A invocação do benefício de ordem não se opera pleno iure, de imediato, sem a manifestação do fiador nesse sentido; exige-se, como corolário lógico de admissibilidade, a expressa arguição pelo beneficiário (fiador), tão logo seja ele acionado pelo credor, aliada à inequívoca indicação dos bens do afiançado, quantos bastem para solver o débito e, desde que livres e desembargados de qualquer ônus, situado no mesmo município onde tramita o processo.

Para que se admita validamente o benefício de ordem, o fiador deverá reclamá-lo até a contestação da lide, se demandado em ação de cobrança, ou no prazo da nomeação de bens à penhora, se demandado em execução. Acolhida a exceção representada pelo benefício de ordem, o juiz “suspenderá” a execução contra o fiador, ordenando que se penhorem e executem os bens do devedor principal.

Segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o fiador tem direito ao benefício de ordem, que deve ser alegado na contestação juntamente com a apresentação de bens do devedor que bastem para solver o débito. A solidariedade entre fiador e o devedor não se presume, deve ser expressa no contrato. Se for expressa, o fiador não tem direito ao benefício de ordem, conforme o CC 828.

O fiador citado deve valer-se do chamamento ao processo (art. 130 do CPC), se quiser que a sentença contemple seu direito de regresso contra o devedor principal de quem poderá cobrar o valor total da dívida e demais fiadores para o pagamento de suas respectivas cotas. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador:

I – se ele o renunciou expressamente;
II – se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário;
III – se o devedor for insolvente, ou falido.

Conforme comentário de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a regra do artigo presente, de redação idêntica à do art. 1492 do CC/1916, estabelece hipóteses em que não terá lugar o benefício de ordem. Certo que, além desses casos, importa não olvidar os próprios requisitos para dedução do benefício, examinados no artigo antecedente, que, se ausentes, impedem seu manejo. Mas, como está no dispositivo em tela, também descaberá o benefício, em primeiro lugar, se a ele tiver renunciado, expressamente, o fiador.

É o que muito corriqueiramente acontece nos contratos de locação, inclusive pré-  impressos. Apenas se exige que a renúncia seja explícita, ademais igualitariamente manifestada (CC 426); muitos, porém, cogitam de renúncia tácita quando o fiador deixa de alegar o benefício até a contestação da lide ou quando, na execução, deixa de nomear à penhora bens do devedor. Todavia, como observa Lauro Laertes de Oliveira, se esses casos são mesmo de renúncia tácita ou de preclusão, o efeito é o mesmo, impeditivo do benefício (Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 56).

Em segundo lugar, também não terá cabimento manifestação da exceção de excussão quando o fiador se tenha obrigado como principal pagador, não sendo compatível asserção dessa espécie com a subsidiariedade que está na base do benefício de ordem, como visto no comentário ao artigo anterior. Ainda quando o fiador se declare devedor solidário, ter-se-á por inviabilizado o mesmo benefício se, afinal, a solidariedade passiva confere ao credor a prerrogativa de demandar toda a dívida de qualquer dos codevedores, isoladamente (CC 275). Para alguns, de resto, essas hipóteses em que o fiador se obriga como principal pagador ou como devedor solidário são mesmo formas de renúncia tácita (ver Washington de Barros Monteiro. Cursos de direito civil, 34.ed. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 383).

Por último, afasta a possibilidade do benefício de ordem a insolvência ou falência do devedor, dado que, nesses casos, não teria o fiador como indicar bens desonerados, àquele pertencentes, e que fossem suficientes para solver o débito afiançado. A discussão toda que se coloca é se a insolvência ou falência precisariam ser judicialmente decretadas para que se operasse a hipótese excludente em comento, ou se bastaria a incidental prova da insuficiência patrimonial do devedor. por exemplo, sustentando a primeira posição, vale conferir José Augusto Delgado, em Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. II, p. 224; sustentando a segunda, cite-se Lauro Laertes de Oliveira, op. cit., p. 57. Quer parecer, porém, que só a declaração judicial imponha a indisponibilidade dos bens do devedor, de modo a, automaticamente, impedir a nomeação de bens livres e desembaraçados. Outra é a questão de provar, para exercício do benefício de ordem, que os bens nomeados sejam suficientes à satisfação do débito. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 852 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua doutrina Fiuza aponta que, em regra, quando nula estipula as partes em contrário, todo fiador tem o direito de gozar do benefício de ontem, desde que: a) ele não tenha renunciado expressamente, seja por cláusula inserta no instrumento mesmo da fiança, seja em documento apartado (inciso I); b) não tenha assumido o ônus de pagar a dívida como principal pagador, ou seja, não tenha pactuado fiança com cláusula de solidariedade (RT, 204/497) (inciso II), ou c) o devedor principal não seja insolvente ou falido, pois – é curial – se instaurada a falência do devedor ou contra ele instaurado concurso de credores, fica afastada, em ambas as hipóteses, a possibilidade de ser feita a indicação de bens livres e desembargados, indicação esta requisito inseparável do privilégio (inciso III). Em tais hipóteses, independentemente de o afiançado possuir patrimônio capaz de responder pelo pagamento do débito, primeiramente serão constritos os bens do dador da garantia. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 435 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo diz respeito ao benefício de ordem a que, em geral, tem direito o fiador e que significa que ele, ao ser citado pelo credor, pode requerer na contestação que os bens do devedor sejam executados em primeiro lugar.

O benefício de ordem é renunciável mediante declaração expressa nesse sentido ou no sentido de que o fiador é solidariamente responsável com o devedor ou que tenha se obrigado como principal pagador.

Ainda que o contrato declare que o fiador é devedor principal ou solidário, a alegação do benefício de ordem deve ser afastada se o devedor principal for insolvente ou falido. A insolvência não decorre, necessariamente, de prévia decretação judicial; pode ser conhecida no próprio processo em que se faz a cobrança do fiador. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 829. A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa, importa o compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente não se reservarem o benefício de divisão.

Parágrafo único. Estipulado este benefício, cada fiador responde unicamente pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento.

Na clareza de Claudio Luiz Bueno de Godoy, outro dos efeitos da fiança, tratado na seção presente, é o benefício de divisão. Trata-se, porém, ao contrário do benefício de ordem, de prerrogativa que as partes que prestam fiança em conjunto devem explicitar, porquanto não encerra a regra geral. Ao revés, como explicita o artigo em comento, e já o fazia seu correspondente no art. 1.493 do CC?1916, quando duas pessoas prestam, mercê de um mesmo ato, fiança para garantir uma idêntica dívida, obrigam-se solidariamente se nada ressalvaram. Isso significa, nos exatos termos do CC 264, que a garantia fidejussória concorrerão fiadores responsáveis, cada qual deles, indistintamente, pelo total do débito afiançado.

Impende destarte, à incidência da norma, que haja pluralidade de fiadores, obrigados por um mesmo ato, já que bem pode haver várias fianças prestadas autônoma e separadamente, sem relação interna entre os fiadores que, pagando, somente terão regresso contra o afiançado, mas nunca entre si. já é diversa a situação da fiança conjunta, em que, como regra, os fiadores respondem solidariamente pelo débito perante o credor, e, havendo pagamento, com regresso também perante os cofiadores, mas pelas suas respectivas cotas, de novo conforme previsão genérica para a solidariedade passiva, prevista no CC 283, e consoante previsão específica do CC 831, adiante examinado. Mas, e disso cuida o benefício de divisão, permite-se que os cofiadores conjuntos se reservem à garantia, cada qual, de sua cota-parte da dívida garantida. O que implica admitir que, nesse caso, cada fiador somente responderá, então, pela parte proporcional do débito a cuja garantia tiver se obrigado, conforme seja o número de fiadores.

Bem de ver que, erigindo-se um benefício, a divisão deve ser alegada no instante em que o fiador seja cobrado, até então – mas não depois – respondendo todos, perante o credor, pelo risco da eventual insolvência de um dos cogarantes, de tal arte que a cota-parte do fiador insolvente acresce à dos demais, ou seja, reparte-se entre os fiadores solváveis. Em diversos termos, havendo falência ou insolvência de um dos fiadores conjuntos, mesmo estipulado o benefício, sua parte fica excluída da divisão (Lauro Laertes de Oliveira. Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 61; J. M. de Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 469).

Por fim, se, como se disse, o benefício de divisão deve ser deduzido pelo devedor demandado, e impassível, assim, de reconhecimento de ofício, nada impede que o beneficiário deixe de fazê-lo, respondendo, pois, pelo total do débito. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 853 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

À doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a rigor, o fiador deve o adimplemento em nome do devedor principal, e não o objeto por este devido em face do credor. Assim, quando for a fiança prestada por dois ou mais fiadores, sem se especificar a parte da dívida a que cada qual responde individualmente, a garantia por eles prestada lhes estabelece o vínculo da solidariedade entre si, ou seja, o credor que acionou, ineficientemente, o devedor principal pode ir, indistintamente, contra qualquer deles, exigindo o total da dívida. Assim se sucede somente se inexistir manifestação expressa em contrário, dispondo que cada fiador responda, apenas, por uma parcela certa e determinada da obrigação por ambos assumida, caso em que se configurará o chamado “benefício da divisão”.

A referida solidariedade não se apresenta entre os fiadores e o devedor principal, mas apenas entre os primeiros, uns com os outros. Sem a limitação, portanto, da responsabilidade de cada fiador, isoladamente considerado, todos responderão integral e solidariamente pela dívida total, porque isoladamente considerado, todos responderão integral e solidariamente pela dívida total, porque cofiadores se presumem solidários; estipulando-se, porém, no contrato, que cada qual responde apenas por parte dele, cada fiador não poderá vincular-se a mais do que o valor por ele afiançado, respondendo apenas pro rata.

Como observado, o “benefício de divisão”, pressupondo pluralidade de fiadores, afasta a solidariedade, tornando divisível a obrigação, e só existirá se houver estipulação para tanto, quando, de plano, já se pode determinar a parte do quantum debeatur que caberá a cada fiador. Dessarte, se a parcela da fiança, relativa a um deles, por qualquer motivo, se extingue, ou se prescreve a pretensão a ela correspondente, a fiança cessa em seu favor, desonerando-lhe da obrigação.

Entre o credor e todos ou alguns dos cofiadores, podem ser estabelecidos graus para as garantias, bem como prazos em que cada um, alguns ou todos tenham de cumprir o prometido.

A jurisprudência já assentou entendimento pela qual “a fiança prestada por marido e mulher, se inexiste a reserva do benefício de divisão, cai na regra da solidariedade estipulada no CC 1.493. Assim, a morte de um fiador não limita a garantia até a data de seu falecimento, já que não incide a norma do CC 1.501, quanto ao garante solidário” (RI’, 635/268). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 436 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, diferentemente do que ocorre entre fiador e devedor, havendo pluralidade de fiadores a solidariedade entre eles é presumida. Pode, no entanto, ser afastada se eles se reservarem o benefício de divisão, i. é, que cada um somente responderá por uma fração da dívida inversamente proporcional ao número de fiadores. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 2 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 824, 825, 826 - DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 824, 825, 826
- DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XVIII – Da Fiança
 – Seção I – Disposições Gerais (art. 818 a 826) –
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Art. 824. As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor.

Parágrafo único. A exceção estabelecida neste artigo não abrange o caso de mútuo feito a menor.

Como leciona Claudio Luiz Bueno de Godoy, por encerrar uma obrigação acessória, dependente de outra principal, dispõe o artigo em comento, sem diferença do que continha o CC/1916, que a fiança não pode ser dada para garantir obrigação nula, ou seja, nula a obrigação principal, como regra, nula a fiança.

Desde a anterior legislação, porém, já ressalvava Clóvis Beviláqua o que, a seu ver, era uma impropriedade da lei, porquanto de nulidade não se pretendeu tratar no texto projetado, eis que óbvia, sendo dispensável dizê-lo, na verdade tendo se tencionado aludir à obrigação anulável, também impassível de fiança, salvo quando sua causa fosse a incapacidade do devedor (Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 253).

O fato, porém, é que ambos os Códigos, anterior e atual, acabaram mencionando a impossibilidade de afiançar obrigação nula, exceto se proveniente a nulidade da incapacidade do devedor. sendo assim, sustenta Lauro Laertes de Oliveira, por exemplo, que as obrigações anuláveis, até porque passiveis de confirmação e convalidação, são afiançáveis, mas ressalvando que, uma vez anuladas, anula-se, por conseguinte, a fiança (Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 11).

De qualquer forma, quando a invalidade da obrigação principal resultar da incapacidade pessoal do devedor, então aí a fiança subsistirá, mesmo invalidade a obrigação principal. Ou, por outra, não pode então se escusar o fiador a pretexto de que é inválida a obrigação principal. Isso porque, na verdade, nesses casos tem-se, de novo na lição de Clóvis (op. cit.), que o fiador garante o credor contra os riscos da incapacidade do devedor, não integrante, como se viu no comentário ao CC 820, do contrato fidejussório, consumável sem sua oitiva ou contra sua vontade. Uma questão, porém, se coloca caso o fiador desconheça a incapacidade do devedor cuja dívida afiança, tanto mais pela impossibilidade de alegar isso em seu favor, consoante regra do CC 837. Nessa hipótese, sustenta-se somente deduzível pelo fiador, diante do credor, eventual vício de vontade que a respeito tenha ocorrido, com a contingência da prova dos requisitos respectivos (v.g., Oliveira, Lauro Laertes de. Op. cit., p. 11).

Por fim, o parágrafo único do artigo em questão estabelece, a rigor, uma exceção à exceção que já se contém no caput. Ou seja, a fiança se invalida se nula ou se, anulável, vem a ser anulada a obrigação afiançada. Isso não ocorrerá, todavia, se a causa da invalidade for a incapacidade do devedor afiançado. Mas, aí a norma do parágrafo, mesmo nessa hipótese de incapacidade do devedor, a fiança não subsistirá se dada a menor a quem concedido um mútuo. Em diversos termos, se se afiança um mútuo feito a menor, então também a fiança, nessa hipótese, seguirá o mesmo caminho da obrigação principal, de resto como corolário da regra textual do CC 588, segundo a qual o mútuo feito a menor, sem devida autorização, não pode ser reavido do mutuário e nem dos fiadores, frise-se, salvo nas hipóteses do CC 589.

Quanto às obrigações naturais, desde que decorrentes de dívida ou aposta, vige a regra prevista no CC 814, § 1º, a cujo comentário se remete o leitor. No que toca às obrigações prescritas, por isso que igualmente despidas de ação, prevalece o entendimento de que não são afiançáveis, porquanto uma forma de dotar de exigibilidade uma dívida que não a possui, mercê de obrigação acessória que não se pode dissociar da principal (ver, em sentido contrário, e referindo também os juros não convencionados: Oliveira, Lauro Laertes. Op. cit., p. 14). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 848 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, a norma evidencia, aqui, mais uma vez, o princípio da acessoriedade, porquanto a fiança subordina-se à validade da obrigação principal. É natural que assim seja, por se constituir a fiança em obrigação acessória. A ressalva da norma tem seu conduto no fato de o Código admitir obrigações naturais.

Explica, a propósito, o mestre Clóvis Beviláqua: “São susceptíveis de fiança as obrigações anuláveis por incapacidade pessoal do devedor. a razão, que se costuma dar para justificar esse preceito, é que há, neste caso, uma obrigação natural, portanto, não falta, inteiramente, uma base à fiança. O fiador garante o credor conta os riscos decorrentes da incapacidade do devedor”. E, adiante, esclarece: “Abstraindo da obrigação natural, haverá, em todo caso, um dever de pagar, porque a obrigação, torna-se devedor direto e único, se o obrigado se escusa, sob o fundamento de sua incapacidade” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado; obrigações. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1919, v. 5, t. 2, p. 240).

Ressalte-se, afinal, o disposto no CC 588, em exame do parágrafo único do presente artigo. A fiança somente será válida se o mútuo feito a pessoa menor tiver a prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 433 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a redação do dispositivo não é boa. É obvio que obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, porquanto a lei as destitui de seus efeitos jurídicos. A nulidade, no entanto, é uma sanção que decorre, pois, da violação de determinados preceitos legais. Vale dizer: a nulidade não é uma característica intrínseca do ato, mas uma sanção que é imposta quando o ato viola preceito legal. Desse modo, a interpretação adequada do dispositivo é: a declaração de nulidade da obrigação principal nulifica, igualmente, a fiança que a garante.

O dispositivo estabelece uma exceção à regra geral de nulidade da fiança em decorrência da nulidade da obrigação principal: se a nulidade da obrigação principal for consequência da incapacidade civil do devedor a fiança permanece válida. O que inspirou essa exceção foi a consideração de que o fiador conhece ou tem a obrigação de conhecer o devedor e suas qualidades pessoais, uma vez que a garantia fidejussória, como a própria etimologia da palavra demonstra, significa a existência de confiança do fiador na pessoa do devedor. desse modo, presume a regra que a incapacidade do afiançado, não é desconhecida pelo fiador e que este seria beneficiado por um venire contra factum proprium se viesse a se isentar em razão de fato que já conhecia ou que tinha obrigação de conhecer.

O parágrafo único estabelece uma exceção à exceção: nulifica-se a fiança se a obrigação principal for nula, ainda que a nulidade seja baseada na incapacidade civil do afiançado, se se tratar de mútuo feito a menor. Esta regra coaduna com diversas outras regras do sistema jurídico privado relativas ao mútuo. É da tradição do direito civil, em consonância com o direito canônico o tratamento severo ao mútuo, em razão da proibição bíblica da usura. O mútuo feito a menor é nulo e não pode ser reavido pelo mutuante, salvo nos casos elencados no CC 589, que dizem respeito a benefício efetivo ao menor. Desse modo, em regra o mútuo feito a menor não pode ser cobrado deste nem de seus fiadores (CC 588), mas pode sê-lo se houver prova de que o empréstimo acarretou proveito efetivo ao menor, conforme o CC 589. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 02.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 825. Quando alguém houver de oferecer fiador, o credor não pode ser obrigado a aceita-lo se não for pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha de prestar a fiança, e não possua bens suficientes para cumprir a obrigação.

Na medida de Claudio Luiz Bueno de Godoy, repetindo regra do Código Civil anterior, o dispositivo em comento sempre teve sua aplicação muito mais restrita às hipóteses de fiança legal ou judicial (ver comentário ao CC 818), ou seja, quando imposta por lei ou pelo juiz, no processo, cumprindo então ao devedor oferecê-la e podendo recusá-la o credor nas hipóteses previstas no dispositivo em exame. Isso se afirma porque, a rigor, na fiança convencional já nem mesmo se firmará o contrato se recusá-lo o credor. Apenas haverá lugar à aplicação do preceito, se a fiança é convencional, como lembra Lauro Laertes de Oliveira (Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 44), se já havido prévio ajuste obrigando o devedor a apresentar fiador.

De qualquer modo, em todos esses casos o credor poderá recusar o fiador indicado, em primeiro lugar se não se tratar de pessoa idônea. A referência se faz a pessoa que, por sua conduta, possa dificultar a efetivação da garantia. Pense-se no indivíduo renitente no cumprimento de suas obrigações, sempre envolvido em demandas de cobrança, emitente ou sacador de inúmeros títulos protestados, enfim sobre quem pese séria dúvida quanto à idoneidade nas relações econômicas, no tráfico negocial.

Da mesma forma, pessoa indicada que resida em município diverso pode representar obstáculo ou dificuldade maior à excussão da garantia fidejussória, por isso também se erigindo, aqui, motivo para a recusa.

Finalmente, alguém com patrimônio livre e desembaraçado, mas que seja insuficiente se confrontado com o valor do débito a ser garantido, pode ser recusado pelo credor quando indicado à fiança. Veja-se, portanto, que as hipóteses figuradas têm todas em comum a nota da preocupação do legislador com a higidez da garantia a ser prestada. Em diversos termos, abre-se a possibilidade de o credor recusar fiador indicado, quando o imponha a lei, o juiz ou mesmo um acordo, sempre que dúvida justificada houver acerca de sua aptidão a fazer cumprir a função garantidora que a fiança, afinal, possui. O que, ao revés, significa também que a recusa do credor não pode ser injustificada, destarte abusiva, com o que não se compadece o novo sistema civil, desde a parte geral do Código (ver CC 187). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 849 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Fiuza, obrigado a dar fiador, por lei ou por convenção das partes, o devedor principal não pode, todavia, impor a escolha do garante ao credor. A recusa ao fiador indicado é autorizada por lei, nas hipóteses que menciona. Assim, não estará obrigado o credor a aceitar o fiador, quando se tratar de pessoa sem idoneidade moral ou financeira que não residir no município onde tenha de prestar a fiança ou, ainda, que não apresentar acervo patrimonial satisfatório ao cumprimento da obrigação acessória que aceita assumir. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 433 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nos apontamentos de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, embora o afiançado não seja parte do contrato de fiança, nada obsta e frequentemente ocorre que ele se obrigue a apresentar um fiador ao credor. Essa obrigação pode decorrer de lei, como prevê o CC 826 e, no caso das locações de imóveis, o art. 40 da Lei n. 8.245/91 nas hipóteses de morte do fiador, ausência, interdição, recuperação judicial, falência ou insolvência do fiador etc.

O dispositivo obriga que nesses casos o credor poderá recusar o fiador apresentado pelo afiançado que não for idôneo ou domiciliado no município onde a fiança deva ser prestada ou não possua bens suficientes para cumprir a obrigação.

A lei não estabelece expressamente sanção para o descumprimento dessa obrigação. Ela não é uma obrigação contida no próprio contrato de fiança, mas que se encontra entre os deveres legais de qualquer ato em que a fiança seja devida. Os efeitos de seu descumprimento devem ser buscados na teoria geral das obrigações e dos contratos. A violação de obrigação contratual sujeita o devedor a indenizar o prejuízo causa e, se for considerado substancial, à resolução contratual. O caso não sujeita o afiançado à execução específica da obrigação, pois tal sanção não é compatível com a fiança que deve ser sempre voluntariamente assumida pelo fiador. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 02.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 826. Se o fiador se tornar insolvente ou incapaz, poderá o credor exigir que se já substituído.

Estendo a aula, Claudio Luiz Bueno de Godoy, na mesma senda da disposição do artigo antecedente, i.é, atentando-se à necessidade de que a fiança seja e permaneça íntegra, suficiente a desempenhar seu papel de garantia de uma obrigação principal, prevê a lei que pode o credor exigir a substituição do fiador quando ele já não se mostrar apto a cumprir essa função. Assim que, de maneira geral, poderá ser exigido novo fiador quando o anterior tiver caído em insolvência ou se tornado incapaz. Tudo porque, repita-se, nesses casos, terá a fiança perdido sua aptidão à mais efetiva garantia do débito.

Bem ressalva Washington de Barros Monteiro, porém, que essa prerrogativa só se defere ao credor se a fiança não foi por ele diretamente firmada sem a ciência do devedor, vale dizer, se a fiança não se convencionou, na forma permissiva do CC 819, à revelia ou mesmo contra a vontade do devedor, afinal então ao credor imputando-se o risco de sua escolha (Curso de direito civil, 34. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. V, p. 379-80). Ou, como salienta Pontes de Miranda, e tal como sucede com relação ao artigo anterior, o artigo em comento somente terá aplicação naqueles casos em que o devedor esteja adstrito a dar fiador (Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 19984, t. XLIV, § 4.788, n. 8, p. 158).

De resto, ao menos a insolvência do fiador, só que lá desde que judicialmente declarada, constitui mesmo uma causa de vencimento antecipado da obrigação, tal como está no CC 333, III. O que significa dizer, então, que, postulada a substituição do fiador e inerte o devedor em substituí-lo, quando isso lhe competir (v. comentário ao artigo anterior), poderá o credor, de imediato, cobrar a dívida, considerada antecipadamente vencida. Também é hipótese de vencimento antecipado, não a insolvência, a ensejar substituição do fiador, mas o que, genericamente, se alude no CC 333, III, como redução da garantia pense-se no fiador que não cai em insolvência mas, mesmo assim, tem seu patrimônio sensivelmente reduzido. Nessa hipótese, poderá ser exigido pelo credor, de novo quando ao devedor incumba fazê-lo, o reforço da garantia, persistindo, todavia, o fiador originário. e ainda aí, no caso de inércia, com possibilidade de vencimento antecipado, frise-se, perante o devedor principal.

Tem-se discutido sobre se, da mesma maneira que o domicílio em município diverso é causa de recusa da fiança, a mudança do fiador para domicílio diferente pode dar azo a pleito de sua substituição, afinal, para uns, por igual motivo da dificuldade de excussão da garantia, mas obtemperando-se, de outra parte, e ao que se acede, que dificultar não é o mesmo que impossibilitar, como no caso de insolvência ou incapacidade, então sendo exigível reforço (no sentido da admissão da substituição, ver Oliveira, Lauro Laertes de. Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 46; no sentido contrário, ver Miranda, Pontes de. Op. cit., p. 161).

É evidente que, em todos os casos em que são preenchidos os requisitos para a substituição, além da cobrança pelo vencimento antecipado, pode o credor se valer da ação de execução específica.

A insolvência, que autoriza a substituição do fiador, deve ser tomada em sentido amplo, como a situação de superação das dívidas do fiador, se confrontadas com seu ativo (CC 955). Não importa a causa da insolvência, desde que seja posterior à contratação da fiança, dado que, se o quadro lhe era preexistente, e da insciência do credor, a este só restará a anulação por eventual vício de vontade. Da mesma forma, a incapacidade, por qualquer de suas causas, enseja a possibilidade de substituição do fiador se manifestada após a contratação.

Por fim, vale anotar que, no Código Comercial, nesta parte revogado (CC 2.045), havia também previsão de substituição do fiador quando este viesse a falir, aí sem grande diversidade para a legislação civil, mas também quando o fiador viesse por qualquer motivo a se desonerar ou quando morresse (CC 263). A rigor, contudo, já não havia, como apontava Lauro Laertes de Oliveira (op. cit., p. 45-6), maior incompatibilidade com o anterior Código Civil, portanto aplicando-se a mesma regra ao novo, dado que, sempre que for obrigado o devedor a dar fiador, a desoneração deste, por causa não imputável ao credor, ou sua morte, extintiva da fiança, destarte sem garantir débitos posteriormente surgidos, ensejará pleito de indicação de outro garante. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 850 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 02/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Fiuza, cuida-se de prerrogativa do credor a de exigir a substituição do fiador que se tornou insolvente ou incapaz, porque em tais casos não mais se apresenta em condições hábeis de responder pela obrigação acessória. Compete-lhe, entretanto, provar a arguição desse fato superveniente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 433 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 02/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Finalizando o capitulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo obriga o afiançado a apresentar novo fiador ao credor se o anterior tornar-se insolvente ou incapaz.

O dispositivo é lacunoso, pois só é admissível que o afiançado tenha tal obrigação se o fiador anterior tiver sido por ele apresentado ao credor, não tendo aplicação se a fiança tiver sido contratada sem a sua intervenção, como expressamente autoriza o CC 820.

Há, igualmente, lacuna quanto aos fatos que determinam a substituição do fiador, pois o artigo não cuida das hipóteses de morte do fiador, alienação ou gravação de todos os bens imóveis do fiador, previstas no artigo 40 da Lei n. 8.245/91 que regula as locações de imóveis urbanos. Tais hipóteses são análogas às duas expressamente previstas no dispositivo e devem ser aplicadas na generalidade dos negócios garantidos por fiança.

Outras hipóteses previstas no artigo 40 da lei n. 8.245/91 não são análogas às expressamente previstas no artigo em comento, tais como a mudança de residência do fiador sem prévia comunicação ao locador, a exoneração do fiador, a prorrogação da locação por prazo indeterminado etc., não sendo aplicáveis por analogia. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 02.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 821, 822, 823 - continua - DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 821, 822, 823 - continua
- DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XVIII – Da Fiança
 – Seção I – Disposições Gerais (art. 818 a 826) –
vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 821. As dívidas futuras podem ser objeto de fiança; mas o fiador, neste caso, não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, as obrigações, ao contrário dos direitos reais, que são marcados pela característica da atualidade – ressalvadas as hipóteses de aquisição de unidade incorporada, em construção, e do penhor de safra -, podem se referir a crédito futuro. Assim, na observação de Fernando Noronha, uma prestação obrigacional de dar, por exemplo, pode se referir a coisa futura, às vezes indicada só pelo gênero e pela quantidade, como está no CC 243 (Direito das obrigações. São Paulo, Saraiva, 2003, v. I, p. 292). Pois nessa hipótese já se admite a fiança, sempre subordinada, contudo, à determinação que se venha fazer do objeto da obrigação, antes do que não caberá demanda contra o fiador.

Com efeito, preceitua o dispositivo em tela que o fiador somente poderá ser demandado depois de a obrigação garantida ter se tornado líquida e certa.

Vai mais além a doutrina, assentando que a fiança pode ser contratada separadamente da obrigação principal, antes ou depois dela. Contratada antes, também haverá o contrato de garantia já aperfeiçoado, mas na dependência de uma obrigação principal que se venha constituir e tornar-se líquida e certa. Nesse sentido, exemplifica Washington de Barros Monteiro com a fiança prestada para garantir a futura gestão de alguém à frente de um caixa bancário, somente sendo exigível a fiança se e quando essa obrigação principal se fixar com exatidão, com preciso conhecimento de seu alcance (Curso de direito civil, 34. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. V. p. 380). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 845 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 28/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Fiuza, é certo que a responsabilidade do fiador, por força do disposto neste artigo, atinge a dívida futura (STJ, 9. T., REsp 216.704-SR relator Min. Edson Vidigal. DJ de 29-11-1999), mas na hipótese se torna imprestável o documento contratual da fiança como título executivo extrajudicial relativo a dívida futura, diante do seu montante incerto. O fiador, em tal circunstância, somente poderá ser demandado depois de certa e líquida a obrigação do devedor principal.

Em se tratando, pois, de obrigação em caráter rotativo, incide a presente norma, exigindo-se a certeza e liquidez das obrigações afiançadas. Mais precisamente, o princípio da acessoriedade é que impõe a eficácia da fiança quando somente resultar assente e afirmada a obrigação que determinou a garantia. Nesse sentido: STJ, 4’ 1., REsp 2.069-SP, rel. Mm. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 11-6-1990. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 431 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na orientação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, como contrato que visa a garantir obrigações, a fiança, ordinariamente, tem por objeto dívidas futuras, pois o fiador tem obligatio, i.é, a responsabilidade pelo pagamento de eventual dívida inadimplida pelo devedor, mas não possui o debitum, a menos que seja solidariamente responsável. Salvo a cláusula expressa de solidariedade, o fiador somente será devedor após o inadimplemento do devedor principal.

Em razão disso, não possui natureza de fiança o negócio jurídico em que uma pessoa se obriga a pagar dívida de outra, já constituída, líquida e certa. Neste caso, o negócio é o de assunção de dívida e rege-se pelos CC 299 a 303. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 28.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 822. Não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador.

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy a exemplo do que já fazia o CC/1916, a atual lei civil, no artigo em comento, distingue a fiança limitada da ilimitada. Em diversos termos, permite o Código Civil que fiança seja limitada, por exemplo, a determinado valor máximo, ou a determinadas verbas devidas pelo afiançado, assim excluindo-se os respectivos acessórios. São limitações quantitativas ou qualitativas. Pense-se em um contrato de locação, em que o fiador somente se tenha responsabilizado por garantir um valor máximo do débito locatício ou apenas o pagamento dos aluguéis.

Certo porém que, inexistindo ressalva expressa que limite a fiança, ela como regra implicará a responsabilidade pelo pagamento dos acessórios da obrigação principal garantida e não honrada. Assim, responderá o fiador pelos acréscimos que vêm dispostos no CC 389, quais sejam os juros, a atualização monetária e os honorários. Veja-se, estes devidos ao credor pela atuação extrajudicial de um advogado ou pela contratação particular, não sucumbencial. Também a cláusula penal será de responsabilidade do fiador.

No caso do contrato de locação, é comum ilimitar-se a fiança, dizendo ser ela dada para a garantia de todas as obrigações oriundas do pacto, então abrangendo despesas de condomínio, tributos e mesmo danos provocados ao imóvel locado pelo inquilino. E aqui diferencia Lauro Laertes de Oliveira a inclusão de acessórios na garantia e a interpretação extensiva de seus termos, o que não se permite, exemplificando com a restrição da fiança a aluguel, mas incluindo-se juros e atualização monetária, específicos acréscimos de seu não pagamento decorrentes, a não ser que textualmente excluídos, o que não se dá, porém, com os danos causados ao imóvel (Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 41), já quanto às despesas resultantes da demanda que o credor tenha se visto na contingência de propor contra o afiançado, apenas por elas se responsabilizará o fiador se for de seus termos cientificado (v., quanto às despesas do despejo, Súmula n. 268 do STJ).

Especificamente no caso da locação, entende-se que o fiador responda por qualquer reajuste legal do aluguel, tanto quanto por aqueles contratuais previamente ajustados. Porém, somente responderá por reajustes convencionais posteriores se a eles tiver anuído, tal como sedimentado no enunciado da Súmula n. 214 do STJ.

Conforme já salientado quando dos comentários aos artigos destinados ao tratamento de contratos que, tradicionalmente comerciais, foram regrados, hoje, no Código Civil (v.g., comentário ao CC 710), pretendeu-se, com a nova legislação, um regramento unificado para as obrigações civis e comerciais. Daí, inclusive, a revogação, pelo Código Civil de 2002, de toda a primeira parte do Código Comercial e, no que agora interessa, incluindo a fiança. Unificadamente tratadas, algumas divergências de previsão que antes se punham entre a fiança civil e a comercial precisam ser enfrentadas. Assim quanto à disposição de que ora se cuida. Isso porque, no Código Comercial (art. 257, revogado), se previa que a fiança necessariamente abrangia os acessórios do débito, sem a ressalva, que no CC/1916 se encontrava, acerca da possibilidade de limitá-la. acentuava Waldírio Bulgarelli, sobre a fiança comercial, que ela sempre compreendia os acessórios (Contratos mercantis, 3. ed. São Paulo, Atlas, 1984, p. 513). Pois hoje, expressamente revogada toda essa parte do Código Comercial (CC 2.045), é lícito entender que também a fiança comercial possa ter sua extensão limitada. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 846 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 28/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, os encargos da fiança são os originalmente pactuados, fixando a esfera da responsabilidade do fiador. Mas é preciso que a fiança se apresente limitada no ato de sua prestação, para que o fiador não responda pela integralidade das obrigações decorrentes do contrato, bem como pelas indenizações decorrentes do descumprimento de qualquer delas.

Em outras palavras, prestada a fiança, sem que não conste do instrumento as restrições, ter-se-á a fiança como prestada em caráter universal, o que faz o fiador corresponsável por todo e qualquer prejuízo causado pelo afiançado. Nesse sentido: 511, 6’ T., REsp 49.568-SP, Rel. Mm Anselmo Santiago, DJ de 16-2-1998. Assim, não limitada, expressamente, a fiança, esta compreenderá todos os acessórios da dívida principal, aí incluídos os juros moratórios, a cláusula penal, os acréscimos legais da locação etc., e, na hipótese de demanda judicial, o fiador responderá pelas despesas judiciais, a partir de sua citação. Veja-se, neste último caso, que “a citação do fiador na ação de despejo visa, consoante a disposição (...) a responsabilizá-lo pelas despesas judiciais ou ensejar-lhe oportunidade de evitar o agravamento de sua obrigação” (RJ’ 489/240). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 432 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na fala de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, embora o contrato de fiança deva ser interpretado restritivamente, como determina o CC 819, mesmo que não contenha previsão expressa, os acessórios (juros, multas, despesas judiciais, honorários de sucumbência) consideram-se incluídos no principal. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 28.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 823. A fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas, e, quando exceder o valor da dívida, ou for mais onerosa que ela, não valerá senão até ao limite da obrigação afiançada.

No dizer de Claudio Luiz Bueno de Godoy, depois de reiterar que a fiança pode ter sua extensão limitada à parte da dívida afiançada, tanto quanto pode ser contratada em condições menos onerosas que as da obrigação afiançada, de resto, tal como se prevê no dispositivo anterior, estabelece a nova lei, não em diverso sentido do que continha o CC/1916 (art. 1.487), que essa modalidade de garantia, pela sua acessoriedade, possui uma inerente limitação, que é ao valor máximo da obrigação garantida, da mesma forma que sua contratação nunca se pode dar de maneira mais onerosa que as condições da obrigação principal. Ou seja, nada impede que, para uma obrigação de cem, se contrate uma fiança limitada a cinquenta. De igual maneira, também nada impede que se contrate a fiança a juros menores que os da obrigação principal nem a condição ou termo menos onerosos que os da obrigação principal, que inclusive pode ser simples, não condicionada. A rigor, o contrário é que a lei proíbe, impedindo que a fiança seja mais onerosa que a obrigação garantida. Não se pode é contratar fiança simples quando a obrigação principal seja condicional; a juros maiores que os da dívida afiançada; ou em valor maior que o garantido. Se isso ocorrer, vale dizer, se a fiança for pactuada de forma mais onerosa – quanto a valor, modo, lugar, tempo, condição ou encargos – que a obrigação principal, a despeito de inocorrer causa de invalidade, ela será reduzida aos limites quantitativos e qualitativos daquela dívida afiançada. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 847 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 28/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para Fiuza, na fiança, a responsabilidade do garante pode ser por valor aquém ao da obrigação principal, ou seja, por parte da dívida podendo ser inclusive prestado em condições menos onerosas dos que aquela. Pelo princípio da acessoriedade não poderá, outrossim, a fiança superar o valor da obrigação afiançada ou a sua onerosidade. Nesse caso a eficácia da fiança será havida até o limite da obrigação principal. Do contrário, o fiador estaria respondendo em proporções mais extensas que as suportadas pelo próprio afiançado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 432 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o contrato de fiança pode estabelecer limites para a garantia que não alcançam toda a amplitude da obrigação principal. Os limites mais frequentes dizem respeito ao valor garantido e ao prazo da garantia nos contratos de trato sucessivo.

Em razão de ser contrato acessório, em nenhuma hipótese o fiador pode vir a ser chamado a responder por valor superior ao que é devido pelo devedor principal. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 28.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).