quinta-feira, 23 de agosto de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 834 a 836 Da Penhora, do Depósito e da Avaliação– VARGAS, Paulo. S. R.



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 834 a 836
Da Penhora, do Depósito e da Avaliação
VARGAS, Paulo. S. R.


LIVRO II – DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
 TÍTULO II – DAS DIVERSAS ESPÉCIES DE EXECUÇÃO – CAPÍTULO IV –
DA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA -  Seção III – Art 831 a 836
Da Penhora, do Depósito e da Avaliação – Subseção I –
Do Objeto da Penhora – vargasdigitador.blogspot.com
Esta Seção está dividida em 831, 832; 833 e 834 a 836
Art 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;
II – títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado;
III – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;
IV – veículo de via terrestre;
V – bens imóveis;
VI – bens móveis em geral;
VII – semoventes;
VIII – navios e aeronaves;
IX – ações e quotas de sociedades simples e empresárias;
X – percentual do faturamento de empresa devedora;
XI – pedras e metais preciosos;
XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;
XIII – outros direitos.
§ 1º. É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
§ 2º. Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro-garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.
§ 3º. Na execução de crédito com garantia real, a penhora recairá sobre a coisa dada em garantia, e, se a coisa pertencer a terceiro garantidor, este também será intimado da penhora.
Correspondência no CPC/1973, art 655 caput e incisos, art. 656 (...) § 2º e art. 655 (...) § 1º, nesta ordem e seguinte redação:
Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;
IX – (Este referente ao inciso II do art 835, do CPC/2015, ora analisado). Títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado.
X - (Este referente ao inciso III do art 835, do CPC/2015, ora analisado). Títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;
II - (Este referente ao inciso IV do art 835, do CPC/2015, ora analisado). Veículos de via terrestre;
IV - (Este referente ao inciso V do art 835, do CPC/2015, ora analisado). Bens imóveis;
III - (Este referente ao inciso VI do art 835, do CPC/2015, ora analisado). Bens móveis em geral;
V - (Este referente ao inciso VIII do art 835, do CPC/2015, ora analisado). Navios e aeronaves;
VI - (Este referente ao inciso IX do art 835, do CPC/2015, ora analisado). Ações e cotas de sociedades empresárias;
VII - (Este referente ao inciso X do art 835, do CPC/2015, ora analisado). Percentual do faturamento de empresa devedora;
VIII - (Este referente ao inciso XI do art 835, do CPC/2015, ora analisado). Pedras e metais preciosos;
XI - (Este referente ao inciso XIII do art 835, do CPC/2015, ora analisado). Outros direitos.
Art. 656. (...) § 2º. (Este referente ao § 2º do art 835, do CPC/2015, ora analisado). A penhora pode ser substituída por fiança bancária ou seguro garantia judicial, em valor não inferior ao do débito constante da inicial, mas 30% (trinta por cento).
Art. 655 (...) § 1º. (Este referente ao § 3º do art 835, do CPC/2015, ora analisado). Na execução de crédito com garantia hipotecária, pignoratícia ou anticrética, a penhora recairá, preferencialmente, sobre a coisa dada em garantia, se a coisa pertencer a terceiro garantidor, será também esse intimado da penhora.
Os itens referentes aos incisos VII, XII e § 1º do art 835, do CPC/2015, ora analisado, não encontraram correspondência no CPC/1973.
1.    ORDEM LEGAL DA PENHORA
O art 835 do CPC regulamenta a ordem de preferência da penhora, de forma que, havendo diferentes bens no patrimônio do executado e não sendo necessária a penhora de todos eles, alguns prefiram a outros, conforme a ordem estabelecida pelo legislador. É evidente que a ordem de penhora é tema que só tem relevância diante da pluralidade de bens passiveis de serem penhorados, porque, sendo necessária a penhora de todo o patrimônio penhorável do executado ou só havendo um bem em seu patrimônio, a questão da ordem de penhora torna-se irrelevante.
O dinheiro, em espécie ou em deposito ou aplicação em instituição financeira, é, conforme já apontado, o primeiro bem da ordem (I); os títulos da dívida pública da União, Estado e Distrito Federal com cotação em mercado estão em segundo (II); títulos e valores mobiliários com cotação em mercado estão em terceiro (III); veículos de via terrestre estão no quarto lugar (IV); bens imóveis estão em quinto (V); bens móveis em geral estão no sexto (VI); os bens semoventes, que não constavam do art 655 do CPC/1973, aparecem em sétimo na ordem (VII); navios e aeronaves estão em oitavo lugar (VIII); ações e quotas de sociedade simples e empresárias estão no nono lugar (IX); o percentual de faturamento está em décimo (X); as pedras e metais preciosos em décimo primeiro lugar (XI); os direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia, que não constavam da relação do art 655 do CPC/1973, aparecem na décima segunda posição (XII); e os outros direitos estão em último lugar (XIII).
A utilização do termo “preferencialmente” no art 835, caput, do CPC é suficiente para demonstrar que a ordem legal não é peremptória, podendo ser modificada pelo juiz no caso concreto, a exemplo do que ocorre com a ordem estabelecida pelo art 11 da LEF (Lei 6.830/1980) (STJ, 2ª Turma, REsp 939.853/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 11.11.2008, DJe 12.12.2008). O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, sumulou o entendimento de que a penhora de dinheiro na ordem de nomeação de bens não tem caráter absoluto (Súmula 417/STJ). Ainda que o entendimento confirme que a ordem não é peremptória, o teor da súmula poderia confirmar a incabível e histórica resistência do Superior Tribunal de Justiça à penhora de dinheiro. Isso, entretanto, não ocorreu, posicionando-se posteriormente aquele tribunal no sentido de o pedido de penhora de dinheiro on-line não precisar ser precedido de qualquer outra providência, confirmando, portanto, a preferência pela penhora de dinheiro (Informativo 447/STJ: Corte Especial, REsp 1.112.943-MA, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 15.09.2010).
É evidente que, existindo uma norma que prevê uma determinada ordem de bens, ainda que somente preferencial, sua alteração deve ser devidamente justificada, podendo-se entende-la como medida excepcional no processo executivo. O Superior Tribunal de Justiça reconhece a possibilidade de inversão da ordem de penhora, ressaltando, entretanto, que só pode ser imposta ao exequente em circunstâncias excepcionalíssimas, cuja inobservância acarrete ofensa à dignidade da pessoa humana ou ao paradigma da boa-fé objetiva (Informativo 531/STJ, 3ª Turma, REsp 1.186.327/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 10.09.2013, DJe 19.09.2013).
Entendo que a ordem legal pode ser alterada no caso concreto desde que para isso o juiz leve em conta dois princípios aparentemente conflitantes: a menor onerosidade do executado e a maior efetividade da execução STJ, REsp 982.515/SP, rel. Min. Carlos Fernando Mathias, j. 26.02.2008, DJe 24.03.2008).
Significa dizer que a alteração da ordem legal se justifica sempre que se mostrar no caso concreto mais eficaz para os fins buscados pela execução – satisfação do direito do exequente – a penhora de bem que legalmente só deveria ser constrito depois de outros bens do executado, sem que com essa alteração se crie uma excepcional oneração ao executado. O juiz não pode se esquecer de que a penhora é apenas um ato intermediário no procedimento executivo, sendo que o bem penhorado deve ter alguma liquidez, porque, caso contrário, o exequente não irá adjudica-lo e tampouco alguém se interessará em adquiri-lo (Informativo 360/STJ, 2ª Turma, REsp 976.357/RJ, rel. Min. Carlos Fernando Mathias, j. 19.06.2008, DJe 07.08.2008).
Por outro lado, a ordem estabelecida pelo legislador parte da premissa de que os bens localizados nos primeiros lugares serão aqueles capazes de gerar de maneira mais fácil e simples a satisfação do direito exequendo. Tudo leva a crer, portanto, que a ordem de penhora prevista pela lei seja algo que procura favorecer o exequente na difícil tarefa de ver seu direito satisfeito judicialmente. Dessa forma, tratando-se de norma que busca proteger os interesses do exequente, a penhora poderá sempre ser feita fora da ordem legal, desde que com isso concorde o exequente. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.329/1.330.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
2.    PENHORA “PREFERENCIAL” DE DINHEIRO
Nos termos do art 835, § 1º, do CPC, a penhora em dinheiro é prioritária, podendo o juiz alterar a ordem da penhora nas demais hipóteses de acordo com as circunstâncias do caso concreto. A redação do dispositivo não é das mais felizes, porque prioritário é o sinônimo de preferencial, mas, ao prever a possibilidade de alteração da ordem somente nas outras hipóteses, o objetivo do legislador é evidente: a preferência pela penhora do dinheiro é absoluta, prevalecendo em toda e qualquer execução, independentemente das particularidades do caso concreto.
A regra deve ser elogiada, porque evita que juízes se valham do termo “preferencialmente” consagrado no artigo ora comentado para admitirem penhora de outros bens quando possível a penhora do dinheiro. É natural que o dinheiro seja sempre o primeiro bem da ordem de qualquer penhora, porque é o que mais facilmente proporciona a satisfação ao exequente. Penhorado o dinheiro, o processo executivo não precisará passar pela fase procedimental de expropriação do bem penhorado, em regra, uma fase complexa, difícil e demorada. Tendo sido penhorado dinheiro, basta entrega-lo ao exequente, dispensada a prática de qualquer outro ato processual, o que obviamente facilita o procedimento de satisfação, isso sem falar nas dificuldades materiais encontradas para transformar outros bens penhorados em dinheiro, o que naturalmente não ocorre quando o próprio objeto da penhora já é o dinheiro.
Registre-se que a regra criada pelo art 835, § 1º, do CPC contraria entendimento consagrado em súmula pelo Superior Tribunal de Justiça, que considera que, “na execução civil, a penhora de dinheiro na ordem de nomeação de bens não tem caráter absoluto” (Súmula 417/STJ). Passará a tê-lo por imposição legal. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.330/1.331.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
3.    FIANÇA BANCÁRIA E SEGURO-GARANTIA
Ainda que o dinheiro não possa ser desbancado de sua primeira posição na ordem da penhora, o art 835, § 2º, do CPC admite a substituição da penhora em dinheiro pela fiança bancária ou seguro-garantia judicial em valor mínimo de 30% a mais que o valor do débito constante da inicial.
O dispositivo parece resolver uma importante questão, levantada desde que essas formas de garantia do juízo surgiram no art 15, I, da LEF. Afinal, o dinheiro tem o mesmo status da fiança bancária, e, mais importante que isso, se penhorado dinheiro do executado, esse bem poderia ser substituído pela fiança bancária? O Superior Tribunal de Justiça não tinha posição uníssona a esse respeito, havendo decisões em ambos os sentidos (permitindo a substituição de dinheiro penhorado por fiança bancária: REsp 643.097-RS, 2ª Turma, rel. Min. Castro Meira, j. 04.04.2006, DJ 08.06.2006; REsp 660.208-RJ, 2ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 10.10.2005. Em sentido contrário, REsp 801.550-RJ, 1ª Turma, rel. Min. José Delgado, j. 09.05.2006, DJ 08.06.2006; Informativo 437/STJ: REsp 1.049.760-RJ, rel. Min. Luiz Fux, j. 01.06.2010, DJe 17.06.2010), apesar de existir uma tendência pela admissibilidade da substituição da penhora de dinheiro desde que confiável a fiança bancária (Informativo 371/STJ, 4ª Turma, AgRg no Ag 952.491-RJ, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 07.10.2008, DJe 13.10.2008; Informativo 369/STJ, 2ª Turma, REsp 1.067.630-RJ, rel. Min. Humberto Martins, j. 23.09.2008, DJe 04.11.2008) e comprovando os pressupostos da menor onerosidade ao executado (Informativo 462/STJ: 1ª Seção, EREsp. 1.077.039/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, rel. p/acórdão Min. Herman Benjamin, j. 09.02.2011, DJe 12.04.2011; Informativo 466/STJ: 3ª Turma, REsp 1.116.647/ES, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 15.03.2011, DJe 25.03.2011).
A fiança bancária e, por extensão, o seguro-garantia judicial são formas de garantia do juízo que beneficiam todos os envolvidos na execução. Para o executado, a substituição será extremamente proveitosa porque, liberado o bem que havia sido penhorado, seu dinheiro poderá ser investido, o que certamente gerará dividendos, inclusive aumentando sua capacidade de fazer frente à cobrança enfrentada na execução. Essa circunstância verifica-se, inclusive, nos casos em que a penhora tem como objeto dinheiro, porque é notória a maior rentabilidade da maioria dos investimentos quando comparados com a correção dos depósitos em juízo. Na hipótese de utilização do dinheiro para financiar empreendimentos ou projetos, fica ainda mais nítida a importância da substituição ora defendida. Por outro lado, o exequente não terá nenhum prejuízo, porque o grande atrativo da penhora de dinheiro – liquidez imediata – será plenamente mantido com as duas espécies de garantia previstas pelo art 835, § 2º, do CPC.
O dispositivo ora comentado é claro ao prever que, ao menos para fins de substituição do bem penhorado, equiparam-se a dinheiro, a fiança bancária e o seguro-garantia. A equiparação prevista em lei coloca essas formas de garantia no mesmo patamar, respondendo ao questionamento a respeito de seus status dentro do sistema e da possibilidade de substituição de um pelo outro. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.331/1.332.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
4.    EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA
Na execução hipotecária, ou seja, na execução de crédito com garantia real, o § 3º do art 835 do CPC prevê que não se aplica a ordem de penhora sobre a coisa dada em garantia. Nos termos do dispositivo, trata-se de penhora direcionada a bem predeterminado, sendo irrelevante nesse caso em que ordem o bem estaria na ordem legal. A penhora da coisa dada em garantia é apenas preferencial, não sendo, portanto, obrigatória, de forma que a penhora poderá recair sobre outro bem se assim parecer mais adequado á satisfação do direito e à menor onerosidade do devedor (STJ, 3ª Turma, REsp 1.485.790/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 11.11.2014, DJe 17.11.2014).
Havendo a penhora da coisa dada em garantia, o terceiro garantidor deverá ser intimado da constrição judicial.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a penhora de bem hipotecado só é admissível quando a garantia for prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para assegurar empréstimo obtido por terceiro (STJ, 4ª Turma, AgRg no REsp 1.462.993/SE, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 19/05/2015; DJe 01/06/2015; STJ, 3ª Turma, AgRg no AREsp 654.284/RJ, rel Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 28.04.2015, DJe 01/06/2015. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.332.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

LIVRO II – DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
 TÍTULO II – DAS DIVERSAS ESPÉCIES DE EXECUÇÃO – CAPÍTULO IV –
DA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA -  Seção III – Art 831 a 836
Da Penhora, do Depósito e da Avaliação – Subseção I –
Do Objeto da Penhora – vargasdigitador.blogspot.com
Esta Seção está dividida em 831, 832; 833 e 834 a 836
Art 836. Não se levará a efeito a penhora quando ficar evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução.
§ 1º. Quando não encontrar bens penhoráveis, independentemente de determinação judicial expressa, o oficial de justiça descreverá na certidão os bens que guarnecem a residência ou o estabelecimento do executado, quando este for pessoa jurídica.
§ 2º. Elaborada a lista, o executado ou seu representante legal será nomeado depositário provisório de tais bens até ulterior determinação do juiz.
Correspondência no CPC/1973, artigo 659 §§ 2º e 3º, na ordem e redação a seguir:
Art. 659 (...) § 2º. (Este referente ao caput do art 836, do CPC/2015, ora analisado). Não se lavará a efeito a penhora, quando evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução.
Art. 659 (...) § 3º. (Este referente § 1º do art 836, do CPC/2015, ora analisado). No caso do parágrafo anterior e bem assim quando não encontrar quaisquer bens penhoráveis, o oficial descreverá na certidão os que guarnecem a residência ou o estabelecimento do devedor.
§ 2º. Sem correspondência no CPC/1973.
1.    NÃO REALIZAÇÃO DE PENHORA
Fundado no princípio da menor onerosidade do executado, o art 659, § 2º, do CPC/1973 determinava ao oficial de justiça não realizar a penhora quando evidente que o produto da execução dos bens encontrados fosse totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução. Trata-se de regra fundada no princípio da proporcionalidade, considerando que se esses são os únicos bens do executado, seu sacrifício com o ato de constrição seria considerável, enquanto a satisfação do exequente seria mínima, já que tais bens não seriam suficientes nem mesmo para o início do pagamento do principal da dívida.
A regra é mantida pelo art 836, § 1º, do CPC, inclusive quanto à exigência de o oficial de justiça, independentemente de determinação judicial, descrever os bens que guarnecem a residência da pessoa humana e o estabelecimento da pessoa jurídica devedor ao deixar de realizar a penhora nos termos do dispositivo legal analisado. O dispositivo pode ser de difícil aplicação porque pode impor, ao oficial de justiça, uma tarefa invencível, bastando imaginar um imóvel com centenas de bens. Caberá, no caso, a aplicação da razoabilidade pelo oficial de justiça.
O Superior Tribunal de Justiça entende que o dispositivo é inaplicável à Fazenda Pública, em razão de sua isenção ao pagamento de custas, de forma que qualquer valor que seja obtido já será destinado a pagar o principal (STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp 1.168.689/MG, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 12.04.2011, DJe 15/04/2011). Esse entendimento contraria a ratio da norma, que é evitar a penhora de bens de valor ínfimo diante do valor exequendo, sendo, portanto, criticável. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.333.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).   
2.    DEPOSITÁRIO
Há novidade no § 2º do dispositivo ora comentado ao indicar que o executado ou seu representante legal será nomeado depositário provisório de tais bens. A qualidade de depositário provisório justifica-se porque, não sendo realizada a penhora, o encargo de depósito deixa de existir, enquanto que, se se determinar a penhora, os bens ficarão com o depositário judicial, nos termos do art 840, II, deste CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.333.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO - Do Objeto da Penhora – Art 833



LIVRO II – DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
 TÍTULO II – DAS DIVERSAS ESPÉCIES DE EXECUÇÃO – CAPÍTULO IV –
DA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA -  Seção III Do Objeto da Penhora – Art 833



Da Penhora, do Depósito e da Avaliação – Subseção I –
Do Objeto da Penhora – vargasdigitador.blogspot.com
Esta Seção está dividida em 831 e 832; 833; e 834 a 836
Art 833. São impenhoráveis:
I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II – os imóveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou dos que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, a remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganchos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;
V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou úteis ao exercício da profissão do executado;
VI – o seguro de vida;
VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII – os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.
§ 1º. A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.
§ 2º. O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como ás importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art 528, § 8º, e no art 529, § 3º.
§ 3º. Incluem-se na impenhorabilidade prevista no inciso V do caput os equipamentos, os implementos e as máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural, exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária.
Correspondência no CPC/1973, art 649, na ordem e seguinte redação:
Art 649. São absolutamente impenhoráveis:
I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II – os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo de elevado valor;
IV – os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo;
V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários, ou uteis ao exercício de qualquer profissão;
VI – o seguro de vida;
VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X – até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança;
XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.
XII – sem correspondência no CPC/1973
§ 1º. A impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido para a aquisição do próprio bem.
§ 2º. O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia.
§ 3º. Sem correspondência no CPC/1973.
1.    PATRIMÔNIO MÍNIMO E DIGNIDADE HUMANA
É indubitável que as regras de impenhorabilidade de determinados bens têm estreita ligação com a atual preocupação do legislador em criar freios à busca sem limites da satisfação do exequente na execução, mantendo-se a mínima dignidade humana do executado. Nem sempre, entretanto, foi assim. No direito romano, a execução era extremamente violenta, permitindo-se a privação corporal e até mesmo a morte do devedor. A famosa Lei das XII Tábuas choca ao estabelecer que em determinadas condições seria possível “dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores”.
O próprio direito romano passou por uma tímida, mas nítida, humanização da execução a partir do momento em que passou a regular limites à atuação do exequente, em especial a limitação à morte e divisão do corpo do devedor. Apesar de certos avanços, enquanto não abandonou a ideia de vingança privada, o direito romano não conseguiu se desvincular do excesso nos meios executivos para a satisfação na execução.
A doutrina que enfrentou o tema é unânime em apontar que a Lex Poetelia Papiria, do ano 326 a.C., representou o início da transformação da responsabilidade pessoal para a patrimonial. Passou-se a proibir a morte e o acorrentamento do devedor, a prever de forma institucionalizada a satisfação do crédito mediante a prestação de trabalhos forçados; o que hoje em dia parece inaceitável, à época representou grande avanço. A ideia de vingança privada, entretanto, ainda continuava fortemente arraigada na mentalidade romana da época.
É interessante notar que, mesmo dentro da responsabilidade patrimonial, que veio a se firmar mais concretamente no período clássico e pós-clássico do direito romano, houve uma evolução. Basta lembrar que a honorum venditio representava uma execução universal e coletiva, na qual o devedor respondia por sua dívida com a integralidade de seu patrimônio, em procedimento muito parecido com a atual falência e insolvência civil. A partir do advento do período clássico (com os novos institutos aí previstos), passou a incidir em alguns casos a limitação patrimonial, com o valor dos bens expropriados correspondente ao valor da dívida, o que se aproxima de nosso atual esquema de responsabilidade patrimonial.
É nessa fase do direito romano que se passa a notar os primeiros traços de preocupação do legislador com a preservação do mínimo necessário para a manutenção do devedor. Ainda que de forma embrionária, percebe-se algo próximo à impenhorabilidade de certos bens como previsto atualmente.
Como se nota, a impenhorabilidade de bens é a última das medidas no trajeto percorrido pela “humanização de execução”. A garantia de que alguns bens jamais sejam objeto de expropriação judicial é a tentativa mais moderna do legislador de preservar a pessoa do devedor, colocando-se nesses casos sua dignidade humana em patamar superior à satisfação do direito do exequente. É corrente na doutrina a afirmação de que razoes de cunho humanitário levaram o legislador à criação da regra da impenhorabilidade de determinados bens. A preocupação em preservar o executado – e quanto existente também sua família – fez com que o legislador passasse a prever formas de dispensar o mínimo necessário à sua sobrevivência digna. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.315.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
2.    HIPÓTESES ESPECÍFICAS DE IMPENHORABILIDADE
O art 833 do CPC prevê o rol dos bens absolutamente impenhoráveis, entendidos como aqueles bens que em nenhuma hipótese responderão pela satisfação da dívida.
Apesar de entender o salário e demais vencimentos previstos no art 649, IV, do CPC/1973 como bens absolutamente impenhoráveis, o art 649, § 2º, do CPC/1973 abre duas execuções ao permitir a penhora no tocante à execução de alimentos, em percentual que possibilite a subsistência do executado-alimentante (STJ, 3ª Turma, REsp 770.797/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 29.11.2006, DJ 18.12.2006) e no valor excedente a 50 salários-mínimos mensais. Registre-se que por expressa previsão legal, essa exceção à impenhorabilidade não depende da origem do direito de alimentos, aplicando-se àqueles derivados da relação familiar, de casamento ou união estável, verbas trabalhista lato sensu e decorrentes de ato ilícito.
Também existe permissão para tal excepcional penhora no art 14, § 3º, da Lei 4.717/1965 ao prever que na ação popular, quando o réu condenado perceber dos cofres públicos, a execução far-se-á por desconto em folha até o integral ressarcimento do dano causado. Entendo que tal norma possa ser aplicável a todas as espécies de ação coletiva e não só na ação popular.
Também, o art 833, § 1º, do CPC abre exceção à regra de impenhorabilidade absoluta ao admitir a penhora em execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição. Sem previsão no Código de Processo Civil, mas na mesma situação está o bem de família, considerado absolutamente impenhorável ainda que excepcionalmente passível de penhora nas hipóteses legais (art 3º da Lei 8.009/1990)
Há dois entendimentos consolidados em Súmulas do Superior Tribunal de Justiça a respeito da impenhorabilidade do bem de família. Nos termos da Súmula 449, a vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora. Nos termos da Súmula 264, o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.
No tocante ao bem de família, o Superior Tribunal de Justiça entende que, independentemente do valor do imóvel, a impenhorabilidade será mantida (Informativo 456/STJ, 3ª Turma, REsp 1.178,469-SP, rel. Min. Massami Uyeda, j. 18.11.2010, DJe 10.12.2010) o que é lamentável e não encontra qualquer justificativa à luz do princípio do patrimônio mínimo da dignidade humana. Por outro lado, já decidiu que imóvel desocupado pode ser penhorado, ainda que seja o único do devedor (Informativo 453/STJ, 3ª Turma, REsp 1.005.546-SP, rel. originário Min. Sidnei Beneti, rel. p/acórdão Min. Nancy Andrighi, j. 26.10.2010, DJe 03.02.2011). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.316.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
3.    RENÚNCIA DO DIREITO À IMPENHORABILIDADE
O tema da renúncia da impenhorabilidade por ato processual é polêmico no Superior Tribunal de Justiça.
Há decisões que entendem que qualquer impenhorabilidade absoluta não pode ser objeto de renúncia, de forma que mesmo quando o próprio executado indica o bem à penhora, poderá alegar posteriormente a impenhorabilidade para afastar-se a constrição judicial sobre o bem (STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 1.381.709/PR, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 05/09/2013, DJe 11/09/2013; STJ, 2ª Turma, REsp 864.962/RS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 04/02/2010, DJe 18/02/2010) e até mesmo para anular a alienação judicial em sede de embargos à arrematação.
Outro entendimento consagrado no tribunal é a possibilidade de renúncia, contato que contemple patrimônio disponível e tenha sido indicado á penhora por livre decisão do executado, ressalvados os bens inalienáveis e os bens de família (STJ, 4ª Turma, REsp 1.365.418/SP, rel. Min. Marco Buzzi, j. 04/04/2013, DJe 16/04/2013; STJ, 3ª Turma, AgRg no AgRg no REsp 1.294.384/RS, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 26/06/2012, DJe 29/06/2012).
É mais tranquilo o entendimento quanto à não admissão da renúncia da proteção legal conferida ao bem de família (STJ, 3ª Turma, REsp 714.858/RS, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 08/11/2011, DJe 25/11/2011; STJ, 4ª Turma, Resp 875.687/RS, rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 09/08/2011, DJe 22/08/2011) e justamente em razão dessa realidade, o mesmo tribunal entende justificável a recusa do exequente a tal indicação (STJ, 2ª Turma, REsp 1.500.550/RS, rel. Min. Herman Benjamin, j. 19/03/2015, DJe 06/04/2015). Mas mesmo nesse tema, colhe-se decisão do Superior Tribunal de Justiça no sentido de não prestigiar o executado que agir em descompasso com o princípio nemo venire contra factum proprium, adotando comportamento contraditório, num momento ofertando o bem à penhora e, no instante seguinte, arguindo a impenhorabilidade do mesmo bem, o que evidencia a ausência de boa-fé (Informativo 558/STJ, 3ª Turma, REsp 1.461.301-MT. Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 5/3/2015, DJe 23/03/2015). Entendo que esse entendimento prestigia o art 5º do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.316/1.317.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
4.    BENS INALIENÁVEIS E OS DECLARADOS, POR ATO VOLUNTÁRIO, NÃO SUJEITOS À EXECUÇÃO
A penhora é ato preparatório de expropriação, de forma que não faz sentido permitir a penhora de um bem que não possa ser objeto de alienação ou adjudicação. A inalienabilidade pode ser tanto direta, quando proveniente da lei, como ocorre com os bens fora do comércio e os bens públicos, como indireta, quando decorrente de um acordo de vontade entre as partes e eficaz perante terceiros, como ocorre com os bens doados ou alienados com cláusula de inalienabilidade, comuns em testamentos. Registre-se que, nesse caso, a cláusula não afasta a permissão de penhora sobre o bem na satisfação de dívidas do de cujus (STJ, 3ª Turma, REsp 9998.031/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 11.12.2007, DJ 19.12.2007). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.317.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
5.    MÓVEIS, PERTENCES E UTILIDADES DOMÉSTICAS
O tema versado pelo art 833, II do CPC também é objeto de tratamento por outras normas legais, quais sejam os arts 1º do parágrafo único, e 2º da Lei 8.009/1990.
Parece haver uma plena compatibilidade entre as normas, considerando-se a singeleza do dispositivo da Lei 8.009/1990, que não especifica quais são os móveis que guarnecem a casa que podem ser objeto de penhora. Apesar da utilização de critérios indeterminados, o dispositivo processual ora comentado busca uma maior determinação, evitando-se que bens de alto valor e que não correspondam a um “médio padrão de vida” sejam excluídos da penhora. Realmente a questão envolvendo a penhora de bens que guarnecem a residência é tormentosa, devendo ser saudada a tentativa do legislador de uma maior sistematização da matéria.
Pé temeroso o entendimento de alguns doutrinadores de que as restrições patrimoniais estabelecidas pelo Código de Processo Civil e lei extravagantes se prestam a garantir a manutenção do padrão de vida do executado. Nada mais equivocado, já que é absolutamente natural que o devedor, no cumprimento de sua obrigação – voluntário ou forçado -, sofra sensível diminuição patrimonial e por consequência algumas privações, que podem ser temporárias ou definitivas. O que não se admite é a agressão demasiada à própria dignidade humana do executado, e tão somente isso.
O ponto de partida, portanto, não deve ser a manutenção da condição do executado, mas apenas a preservação de sua dignidade humana. Tal entendimento, entretanto, não torna menos tortuosa a escolha dos bens móveis encontrados em sua residência que podem ou não ser penhorados. O problema reside justamente no exato limite da legitimidade na impenhorabilidade de determinado bem. Ainda que por meio de norma de conteúdo indeterminado, a nova redação do art 833, II, do CPC procura contribuir para a solução desse problema.
A jurisprudência atual, na interpretação do art 1º, parágrafo único da Lei 8009/1990 vem se inclinando a incluir entre os bens impenhoráveis aqueles que, apesar de não serem imprescindíveis ao funcionamento da residência, já que é plenamente possível a continuação da vida sem eles, mostram-se necessários ao lazer do executado (STJ, 3ª Turma, REsp 198.370/MG, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 16.11.2000, DJ 05.02.2001). A justificativa estaria na própria Constituição Federal, que em seu art 6º prevê o lazer como um direito social do cidadão.
O problema, entretanto, persiste. Ainda que se admita que o lazer do executado e de sua família deva ser preservado, presume-se que se trata do lazer mínimo, significando aquele normalmente desfrutado na maioria das residências. Dessa forma, são corretas as decisões que excluem da penhorabilidade geladeira, fogão, televisões e aparelhos de som, desde que tais bens não se mostrem com a característica de suntuosidade, como televisores de tela plana que atingem valores estratosféricos ou ainda aparelhagem de som típica de casas noturnas, e não de residências. Diante de tais situações, e levando-se em conta o alto valor de tais bens, não resta dúvida de que a penhora deve ser realizada.
A situação se agrava quando se trazem à discussão outros bens, sobre os quais ainda não há posição pacificada nas decisões judiciais: aparelho de DVD, lava-louças, secadora, freezer etc. o que deve nortear o julgador, nesses casos, será sempre a garantia mínima de dignidade do executado, e não a manutenção de seu padrão de vida, já que o cumprimento de obrigações pode gerar- e inevitavelmente gera – certas privações e sacrifícios. Nesse sentido, parece fundamental a previsão legal quando se refere a um “padrão médio de vida”, o que só pode significar o padrão médio de vida da sociedade brasileira, sujeitos passivos da aplicação normativa.
Objetivando contribuir com o tema, fonte de eterna insegurança, há interessante proposta doutrinária a respeito de dados objetivos que poderiam ser levados em conta na determinação de quais bens móveis que guarnecem o imóvel podem ser penhorados. Nesse entendimento, seria possível estabelecer uma “média nacional de conforto” representativa do padrão médio da sociedade brasileira, tomando-se por base as conclusões dos índices apontados pelo IBGE. A proposta busca evitar que devedores mais abastados tenham proteção excessiva, com a manutenção de bens móveis que, embora incorporados ao seu dia a dia, não passam de um sonho distante para a grande maioria das famílias brasileiras. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.317/1.318.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
6.    VESTUÁRIOS E PERTENCES DE USO PESSOAL
 Quando o inciso III do art 833 do CPC consagra a impenhorabilidade de vestuários e de pertences de uso pessoal, certamente se preocupa com as roupas e bens necessários à própria sobrevivência digna do devedor. Sem roupas, escova de dente, produtos de higiene pessoal em geral etc., é realmente difícil garantir-se uma manutenção digna do devedor.
Sendo esse o propósito do legislador, não se deve interpretar literalmente o dispositivo legal, em especial quanto aos vestuários. Tudo aquilo que não for essencial à manutenção da dignidade mínima do devedor deve ser objeto de penhora para se garantir o direito fundamental do credor à satisfação de seu crédito. Assim, acredito que sejam penhoráveis, por exemplo, casacos voltados a temperaturas extremas que só justificam sua atualização em viagens ao exterior. Realmente seria um exagero em foros de clima quente, como é a maioria das comarcas e seções judiciárias no Brasil, tal impenhorabilidade. Ou ainda roupas apropriadas a determinados esportes, como o esqui.
Mas não é só a manutenção de vida minimamente digna do devedor que deve ser preservada com a impenhorabilidade ora analisada. Também bens de uso pessoal que tenham valor sentimental devem ser preservados. Não se pode, por exemplo, negar que efetivamente exista, ao menos na maioria dos casos, um valor sentimental no anel de núpcias, sendo entendimento praticamente uníssono na doutrina que os laços afetivos representados pelo anel nupcial e assemelhados, com as agradáveis lembranças que o mesmo traz, e ainda seu significado sentimental para o casal, sejam mantidos os laços afetivos entre os contraentes do matrimônio, o anel de núpcias é um dos pertences de uso pessoal do executado, como é o relógio que coloca em seu pulso todos dia ao acordar. Dessa forma, desde que não seja um anel propositalmente cravado de diamantes ou outras pedras preciosas para criar uma artificial impenhorabilidade, será impenhorável.
O legislador foi feliz ao indicar que, sendo de elevado valor, tanto o vestuário como os pertences de uso pessoal deverão ser penhorados. É natural que essa análise caberá ao juiz no caso concreto, que deverá valer-se do princípio da razoabilidade para a determinação de quais bens podem ser penhorados, até porque mesmo sendo de elevado valor, pode ser indispensável ao devedor. Basta imaginar um termo de marca famosa para o devedor que assim deve-se vestir para o exercício de seu ofício. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.319.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
7.    GANHOS APTOS A MANTER A SUBSISTÊNCIA DO EXECUTADO
Apesar de o inciso IV do art 833 do CPC ser tradicionalmente lembrado como o dispositivo que proíbe a penhora do salário, a norma legal é bem mais ampla que isso, prevendo, também a impenhorabilidade dos vencimentos, subsídios, soldos, remunerações, preventos da aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, as quantias recebidas por literalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos do trabalhador autônomo e os honorários do profissional legal.
Vencimentos são todos os valores que compõem a remuneração do servidor público. Soldos são os vencimentos dos militares, e salários incluem toda a remuneração advinda de uma relação empregatícia, abrangendo-se os adicionais, percentuais, participações, verbas em atraso etc.
Também são impenhoráveis as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, bem como os ganhos do trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. Na proteção do trabalhador autônomo e profissional liberal, consagra-se a irrelevância da espécie de relação mantida pelo trabalhador para a obtenção de seus ganhos.
A justificativa para a impenhorabilidade prevista no dispositivo legal ora comentado reside justamente na natureza alimentar de tais verbas, donde a penhora e a futura expropriação significariam uma indevida invasão em direitos mínimos da dignidade do executado, interferindo diretamente em sua manutenção, no que tange às necessidades mínimas de habitação, transporte, alimentação, vestuário, educação, saúde etc.
Registre-se, mais uma vez, o art 833, § 2º, do CPC, que prevê a inaplicabilidade da impenhorabilidade tratada pelo inciso IV desse dispositivo legal para o pagamento das prestações alimentícias, havendo decisão do Superior Tribunal de Justiça admitindo a penhora em execução de honorários advocatícios em razão de sua natureza alimentar (Informativo 488/STJ, 3ª Turma, REsp 948.492-ES, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 01/12/2011, DJe 12.12.2011). O superior Tribunal de Justiça entende que a excepcional penhorabilidade atinge também a gratificação de férias e natalina (décimo terceiro salário) (Informativo 427/STJ, 2ª Seção, REsp 1.106.654-RJ, rel. Min. Paulo Furtado, j. 25.11.2009, DJ 16.12.2009).
Também deve novamente ser lembrada como exceção a previsão contida no art 14, § 3º, da Lei 4.717/1965, que admite na ação popular que o réu condenado que perceber dos cofres públicos tenha desconto em sua folha de pagamento, se assim mais convier ao interesse público. Dependendo da disposição em se aceitar a ideia de microssistema coletivo, a norma poderá até mesmo ser aplicada a outras espécies de ação coletiva, como a ação civil pública e a ação de improbidade administrativa.
Sempre critiquei, de forma severa, a impenhorabilidade de salários consagrada no art 649, IV, do CPC/1973, que contrariava a realidade da maioria dos países civilizados, que, além da necessária preocupação com a sobrevivência digna do devedor, não se esquecem de que salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de sua subsistência digna. A impenhorabilidade absoluta dos salários, portanto, diante de situações em que um percentual de constrição não afetará a sobrevivência digna do devedor, era medida de injustiça e deriva de interpretação equivocada do princípio do patrimônio mínimo.
O Superior Tribunal de Justiça, mesmo que tenha decisões que desconsiderem qualquer circunstância fática e limite-se a aplicar a impenhorabilidade legal ora analisada, oferece interessantes exemplos de flexibilização da rigidez legal. E assim o faz ao analisar, no caso concreto, a inexistência de ofensa à dignidade mínima do devedor na hipótese de penhora de percentual de seu salário.
No caso de restituição de imposto de renda, ainda que reconhecida sua natureza salarial, determina que se analise concretamente o destino dos valores recebidos; caso se mostrem indispensáveis ao pagamento de necessidades básicas do devedor, serão impenhoráveis, e caso se mostrem apenas um reforço financeiro, serão penhoráveis (Informativo 409/STJ, 3ª Turma, REsp 1.059.781/DF, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 01.10.2009, DJe 14.10.2009; Informativo 435/STJ, 3ª Turma, REsp 1.150.738/MG, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.05.2010, DJe 14/06/2010). Em sentido aparentemente contrário, o mesmo tribunal já entendeu impenhoráveis verbas provenientes de rescisão de contrato de trabalho, ainda que alocadas em fundo de investimento (Informativo 485/STJ, 4ª Turma, REsp 904.774/DF, rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 18/10/2011, DJe 16.11.2011), embora haja decisão em sentido oposto, admitindo a penhora nesse caso (Informativo 523/STJ, 3ª Turma, REsp 1.330.567/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 16.05.2013).
Os honorários advocatícios, ainda que tenham reconhecidamente natureza alimentar, já foram considerados pelo Superior Tribunal de Justiça passíveis de penhora, quando a verba devida ao advogado ultrapassar o razoável para o seu sustento e de sua família. (Informativo 553/STJ, 2ª Turma, REsp 1.264.358-SC, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 25/11/2014, DJe 5/12/2014).
Outra tese que encontra repercussão no Superior Tribunal de Justiça é a da penhorabilidade do saldo do salário não gasto pelo devedor no momento em que recebe o salário seguinte. Segundo esse entendimento, caso o provento de índole salarial se mostre, ao final do período – isto é, até o recebimento de novo provento de igual natureza -, superior ao custo necessário ao sustento do titular e de seus familiares, essa sobra perde o caráter alimentício e passa a ser uma reserva ou economia, tornando-se, em princípio, penhorável (Informativo 554/STJ, 2ª Seção, EREsp 1.330.567/RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 10/12/2014, DJe 19/12/2014; STJ, 3ª Turma, REsp 1.164.037/RS, rel. Min. Sérgio Kukina, rel. p/acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 202.02.2014, DJe 09.05.2014).
Ainda que de inegável relevância para a efetividade da execução, as exceções apontadas, as decisões do Superior Tribunal de Justiça que mais chamam a atenção são aquelas que admitem a penhora de percentual de salário com o fundamento de que a constrição não afetará a dignidade humana do devedor e que tal medida extrema decorre de obstáculos criados pelo próprio executado ao bom andamento da execução e consequente frustração da satisfação do direito do exequente STJ, 3ª Turma, REsp 1.285.970/SP, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 27.05.2014, DJe 08.09.2014; STJ, 3ª Turma, REsp 1.326.394/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.03.2013, DJe 18.03.2012).
Havendo uma expressa pactuação em contratos bancários, é possível o desconto por consignação de até 30% das verbas salariais, situação diversa da penhora de salário (STJ, 4ª Turma, EDcl no REsp 1.284.388/MT, rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 24.04.2014, DJe 30.04.2014). Há inclusive permissão de penhora nesse caso se, por falha o valor não tiver sido retido pelo órgão pagador nem voluntariamente entregue ao credor pelo mutuário (STJ, 3ª Turma, AgRg no REsp 1.394.463/SE, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 17.12.2013, DJe 05.02.2014).
Poderia se alegar que, se uma instituição financeira pode se valer de parte do salário do devedor para satisfazer seu direito de crédito, com muito mais razão poderia o Estado-juiz determinar medida executiva no mesmo sentido.
Entendo que a analogia é imperfeita, porque, na hipótese do crédito consignado, o desconto decorre de um ato de vontade do devedor, que expressamente anui com tais descontos ao contrariar o empréstimo (STJ, 4ª Turma, RMS 37.990/DF, rel. Min. Isabel Gallotti, j. 03/12/2013, DJe 03.02.2014). No caso de penhora de salário, o ato é impositivo, independentemente da vontade do devedor, o que parece definitivamente afastar as duas circunstâncias de forma a impedir uma interpretação por extensão. Naturalmente, entretanto, que, concordando o devedor com tal desconto, não há qualquer empecilho para a adoção de tal medida executiva no caso concreto.
Com relação ao tema, há interessante novidade no art 833, § 2º, do CPC. A inovadora possibilidade de penhora de salários acima de 50 salários-mínimos mensais vem de encontro à percepção já presente em algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça de ser plenamente compatível tal espécie de penhora e a preservação do princípio do patrimônio mínimo. Assim se satisfaz o direito de crédito do exequente e preserva-se a dignidade humana do devedor.
Pode-se criticar o valor indicado pelo art 833, § 2º, do CPC, afinal, são poucos devedores que recebem valor superior a 50 salários-mínimos por mês. Ainda assim, é inegável o avanço da norma legal, que inclui o Brasil no rol dos países civilizados, tanto de tradição da civil law (por exemplo, Estados Unidos e Inglaterra). É um começo, que com o passar do tempo poderá ser aperfeiçoado.
Além da impenhorabilidade dos ganhos advindos do trabalho, o art 833, IV, do CPC, prevê como impenhoráveis os proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, o saldo de depósito em fundo de previdência privada complementar (PGBL) também é, ao menos em princípio, impenhorável (Informativo 535, 2ª Seção, EREsp 1.121.719/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.02.2014, DJe 04.04.2014). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.319/1.322.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
8.    BENS NECESSÁRIOS OU ÚTEIS AO EXERCÍCIO PROFISSIONAL
Mais uma vez, a preocupação do legislador é com a manutenção de meios para que o executado possa continuar a viver com mínima dignidade humana. Retirar-lhe os meios pelos quais produz o resultado de seu trabalho seria o mesmo que impedi-lo de obter o necessário para sua manutenção. Ainda referente ao próprio sustento do executado, a preservação de tais bens em seu patrimônio permite que o mesmo continue com seu trabalho, recebendo naturalmente os proventos de tal atividade que, por consequência, o manterão vivendo com a dignidade humana que se procurou preservar com a norma. Além da necessária manutenção de instrumentos que gerem a receita mínima para a sobrevivência do executado, parte da doutrina aponta outro motivo para a preservação de tais bens em seu patrimônio: a realização pessoal.
Ainda que se admitam esses dois naturais reflexos na manutenção de bens necessários ou uteis ao exercício da profissão no patrimônio do executado, deve-se mais uma vez atentar que a generalidade da previsão legal pode criar situações totalmente inapropriadas, com excessiva proteção do executado em injusto detrimento do exequente. Os problemas advêm da opção legislativa de não limitar a impenhorabilidade aos bens necessários, estendendo a limitação patrimonial também aos bens úteis ao exercício da atividade laborativa, ou seja, os instrumentos que ajudam, mas que sem eles o trabalho ainda poderia ser feito da mesma forma. Uma interpretação muito extensiva de tal utilidade poderá atentar até mesmo contra os motivos que levaram o legislador a criar tal proteção patrimonial.
É importante limitar a abrangência de referido dispositivo às pessoas físicas, e, quando muito, como faz o Superior Tribunal de Justiça, às microempresas e empresas de pequeno porte, sempre que a atividade destas se confundir com a do próprio sócio (STJ, 2ª Turma, REsp 760.283/RS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 12.08.2008, DJe 26.08.2008). Essa é uma limitação que se faz necessária, sob pena de a norma beneficiar indevidamente pessoas jurídicas inadimplentes que não merecem tal proteção, levando-se em conta as motivações do legislador ao estabelecer tal limitação patrimonial.
Quanto ao problema de determinar quais os instrumentos necessários ou úteis que não devem ser penhorados, Araken de Assis fixa critérios objetivos para tal aferição. Seriam quatro os critérios: uso total, quantidade razoável, utilidade ou necessidade e trabalho pessoal.
Os instrumentos primeiramente devem ser utilizados no dia a dia profissional do executado, e não apenas de forma esporádica e rara. A ideia está intimamente ligada à manutenção do trabalho nos moldes do realizado à época da penhora, e, sendo o instrumento muito raramente utilizado, não parece correto que, sendo valioso e podendo satisfazer o direito do exequente, fique alheio à penhora. Nesses casos, os bens valiosos e pouco utilizados deverão ser penhorados, já que representam bens supérfluos à continuação da atividade laborativa do executado.
Nessa situação, encontram-se as bibliotecas de profissionais liberais, em especial aquelas de elevado valor e pouca utilidade na prática diária. Muitas vezes, a biblioteca mais serve para impressionar a conhecidos e à clientela, ou, ainda, para mera satisfação pessoal, resultado não de uma necessidade premente na prática profissional, mas sim de compras feitas durante toda a carreira, ou algumas vezes até fruto de herança. Sem grande utilidade no dia a dia forense, parece admissível a sua penhora e futura expropriação. É claro que se deve atentar para a profissão principal do profissional executado, não se podendo admitir a penhora no caso daquele profissional que, apesar de ser membro ativo da Ordem dos Advogados, reserva maior parte de seu tempo para a vida acadêmica. Esses verdadeiros professores, que produzem ciência e ensinam os iniciantes na matéria, servem-se da biblioteca como forma direta de trabalho, não podendo, nesse caso, sofrer a penhora.
A quantidade razoável também deve ser levada em consideração, sendo inviável que a impenhorabilidade abranja uma série de bens do devedor quando este possuiu vários bens do mesmo gênero. É o que ocorre, por exemplo, com taxista que tenha diversos carros e tenha formado uma frota, alugando alguns deles – todos na verdade que não estejam com ele – e recebendo pagamento de seus “empregados” por tal atividade. Não resta dúvida de que nesse caso, a impenhorabilidade deverá se limitar ao carro objeto de trabalho direto do executado.
Imagine-se ainda, de forma exemplificativa, um número excessivo de computadores, num escritório de advocacia, ou ainda um número de suplementos de escritório bem superior às necessidades básicas de trabalho (caixas de canetas esferográficas, papel, toners etc.). A lembrança que deve seguir o aplicador da norma é de que esta não foi feita para brindar excessos, e sim para manter o devedor com o mínimo necessário para que possa continuar seu trabalho, como forma de geração de sustento e de ocupação.
Outro aspecto a ser levado em consideração é a imprescindível ligação entre os bens e a profissão exercida pelo devedor. Deve restar devidamente comprovado que a utilização de tais bens se presta à realização das tarefas compreendidas em seu trabalho, de forma direta. Assim, uma televisão ou um aparelho de som existente em escritório de advocacia ou consultório médico, geralmente voltados a momentos de lazer e relaxamento do profissional, devem ser normalmente penhorados, já que a sua ausência em absolutamente nada afetará seu exercício profissional. Trata-se, na verdade, de bem supérfluo, inexistente na avassaladora maioria dos escritórios e consultórios de profissionais liberais.
Por outro lado, deve-se também atentar que o trabalho deve ser o principal meio de sustento do devedor. A doutrina dá interessante exemplo de servidor público que nas horas vagas exerce, como “bico”, o ofício de músico, sendo que os valores obtidos como servidor público já são suficientes para a manutenção de um bom padrão de vida. Faz a ressalva, entretanto, que quando os valores obtidos com a atividade paralela forem necessários para o seu sustento, os instrumentos de trabalho deverão restar impenhoráveis.
Parece que a limitação da responsabilidade patrimonial somente poderá atingir os bens adquiridos antes do surgimento da dívida, já que entendimento em sentido contrário significaria a criação de um porto seguro aos devedores na pretensão de livrar seus bens de constrição judicial. Sabendo-me devedor, adquiro mais alguns computadores para meu escritório, ou então compro diversos livros para minha biblioteca etc. Não parece que tal ato reste tipificado por nosso Código de Processo Civil como fraude à execução, mas seria absurdo retirar tais bens do âmbito da penhora, ainda que ao menos nesse momento se mostrem úteis ou até mesmo necessários para o trabalho do executado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.322/1.324.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
9.    SEGURO DE VIDA
O seguro de vida se presta a criar em favor do beneficiado um fundo alimentar, sendo decorrência dessa natureza, a sua impenhorabilidade. E nem se fale que essa impenhorabilidade prejudica os credores ao desfalcar o patrimônio do falecido, porque o seguro de vida não é herança, não chegando a fazer parte do patrimônio do de cujus. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.324.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
10.  MATERIAIS NECESÁRIOS PARA OBRAS EM ANDAMENTO
A impenhorabilidade desse bem exige que o material já esteja afetado à obra, ou seja, que haja demonstração clara e inequívoca de que os materiais serão utilizados naquela obra. Existe exceção no próprio art 649, VII, do CPC/1973, admitindo-se a penhora desse material sempre que a própria obra tenha sido objeto de penhora. Além disso, também se aplica ao dispositivo o art 649, § 1º, do CPC/1973, admitindo-se a penhora na execução de dívida contraída na própria aquisição do material. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.324.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
11.  PEQUENA PROPRIEDADE RURAL TRABALHADA PELA FAMÍLIA
O problema para a aplicação do art 833, VIII, do CPC é a definição do que se deve entender por pequena propriedade, problema que não diz respeito propriamente ao Código de Processo Civil, mas à própria regulamentação da Constituição Federal.
A Constituição Federal, em ao menos dois dispositivos, refere-se expressamente á “pequena propriedade rural” – arts 5º, XXVI, e 185, I – sendo que ao menos em uma delas há previsão expressa de impenhorabilidade da pequena propriedade rural. A norma legal ora analisada é mais abrangente em termos de proteção ao executado do que a norma constitucional, visto que a única exigência para que a pequena propriedade rural seja impenhorável é que ela seja trabalhada pela família, pouco importando a natureza da dívida contraída pelo executado.
Segundo a Lei 8.629/1993, no seu art 4º, II, “a”, a pequena propriedade rural é a área compreendida entre um e quatro módulos fiscais, sendo que o cálculo do módulo fiscal é definido pelo INCRA, em cada Município, tomando-se por base o art 4º do Decreto 84.685/1980. Por sua vez, o art 4º, II, da Lei 4.504/1964 (Estatuto da Terra), prevê ser a “propriedade familiar” o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros. O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de afirmar que a primeira definição, dirigida à desapropriação para reforma agrária, é imprestável, para determinar o alcance da impenhorabilidade ora analisada, preferindo adotar o conceito de “propriedade familiar” (Informativo 488/STJ, 4ª Turma, REsp 1.018.635-ES, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 22.11.2011, DJe 01.02.2012). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.324/1.325.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
12. RECURSOS PÚBLICOS LIGADOS À APLICAÇÃO COMPULSÓRIA EM EDUCAÇÃO, SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL
O dispositivo legal ora comentado torna impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições privadas para a aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social, o que demonstra uma escolha do legislador entre dois valores: o direito de satisfação do exequente e o direito coletivo de sujeitos indeterminados que serão favorecidos pela aplicação dos valores na área da educação, saúde ou assistência social (art 833, IX, do CPC).
Como se nota da própria literalidade do dispositivo legal, a escolha do legislador foi pelo prestígio do direito coletivo, já tendo o Superior Tribunal de Justiça a oportunidade de afirmar que essa restrição à responsabilidade patrimonial do devedor justifica-se em razão da prevalência do interesse coletivo em relação ao interesse particular e visa a garantir a efetiva aplicação dos recursos públicos nas atividades elencadas, afastando a possibilidade de sua destinação para a satisfação de execuções individuais promovidas por particulares (Informativo 512/STJ, 3ª Turma, REsp 1.324.276-RJ , Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04/12/2012, DJe 11.12.2012).
O que certamente norteou o legislador nessa escolha foi a natureza dos recursos recebidos pela instituição privada e a obrigatoriedade de sua aplicação em importantes áreas tais como a educação, saúde e assistência social. Ainda que esses valores estejam temporariamente em poder da instituição privada, o legislador levou em conta que essa instituição é meramente intermediária entre o governo e a população que precisa de seus serviços. Esse sistema, criado pela nova visão de ajuda das instituições privadas em atender às demandas que deveriam ser cumpridas diretamente pelo Estado, faz com que os valores que tenham esse fim não possam ser penhorados, sendo nesse sentido o dispositivo legal ora comentado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.325.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
13. VALORES DEPOSITADOS EM CADERNETA DE POUPANÇA
Não feliz com a impenhorabilidade total de valores prevista no art 833, IV, do CPC, o legislador prevê no inciso X do mesmo diploma legal mais uma impenhorabilidade de valores, agora de forma relativa. Segundo esse dispositivo legal, o valor de até 40 salários-mínimos mantido em caderneta de poupança é impenhorável, o que cria uma estranha e injustificável proteção a uma espécie determinada de investimento financeiros, que, se não é o mais lucrativo entre todos os oferecidos no mercado atualmente, não passa de uma forma de fazer render dinheiro que não está sendo utilizado naquele momento pelo poupador.
A opção do legislador parece ter atendido a interesses governamentais, considerando-se ser a poupança a forma de investimento mais vantajosa para o Estado na medida em que, no mínimo, 65% dos recursos captados devem ser direcionados para operações de financiamento habitacional, sendo 80% desse percentual em operações ligadas ao Sistema Financeiro da Habitação. A injustificável distinção consagrada pelo dispositivo ora analisado foi afastada pelo Superior Tribunal de Justiça ao decidir que a impenhorabilidade aproveita a qualquer reserva financeira existente (STJ, 2ª Seção, REsp 1.250.060/PR, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 13.08.2014, DJe 29.08.2014).
É natural que, mantendo o devedor mais de uma poupança, a proteção limitar-se-á ao valor de 40 salários-mínimos na soma de todas elas, e nunca individualmente, sob pena de a norma legal transformar-se em arma de devedores pouco afeitos ao cumprimento de suas obrigações (Informativo 501/STJ, 3ª Turma, REsp 1.231.123-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.08.2012, DJe 30.08.2012). E mesmo sem disposição expressa nesse sentido, a impenhorabilidade oura tratada é afastada para a satisfação de execução alimentar (STJ, 3ª Turma, REsp 1.218.118/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 12.08.2014. DJe 25.08.2014).
Nos termos do § 2º do art 833 do CPC, a impenhorabilidade ora analisada não se aplica na execução de alimentos, independentemente da origem da obrigação alimentar, bem como para importâncias excedentes a 50 salários mínimos mensais.
Quanto à possibilidade de penhora de valores inferiores a 40 salários-mínimos mantidos em caderneta de poupança, na execução de alimentos, não há qualquer dificuldade de compreensão, devendo o dispositivo ser interpretado no sentido de penhora integral do valor para o pagamento do crédito do alimentante.
A tranquilidade interpretativa, entretanto, não se estende à possibilidade de penhora na hipótese de o executado receber vencimento lato sensu superiores a 50 salários-mínimos mensais. Não fica clara a vontade do legislador nesse caso, mas para se dar efetividade ao dispositivo legal, deve-se entender que o devedor com altos vencimentos não precisa ter a garantia de impenhorabilidade de valores mantidos em contra poupança, que passariam a ser totalmente penhoráveis. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.325/1.326.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
14. RECURSOS PÚBLICOS DO FUNDO PARTIDÁRIO RECEBIDOS, NOS TERMOS DA LEI, POR PARTIDO POLÍTICO.
A impenhorabilidade prevista no inciso XI do art 833 do CPC adota o entendimento de que os recursos públicos recebidos pelos partidos políticos do fundo partidário não perdem a natureza pública, porque teoricamente são empregados para o funcionamento dos partidos políticos, organismos essenciais ao bom funcionamento do Estado Democrático de Direito. Parece ser a mesma justificativa da impenhorabilidade prevista no art 833, IX, do CPC. A impenhorabilidade absoluta alcança, inclusive, valores que tenha origem nas atividades previstas no art 44 da lei 9.096/1995 (Informativo 562/STJ, 3ª Turma, REsp 1.474.605-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 7/4/2015, DJe 26/5/2015).
O sacrifício do credor seria justificado por vantagens à coletividade com o bom emprego dos valores existentes no fundo partidário. Evidentemente que em decorrência da notória “falência” dos partidos políticos em nosso país, que mais parecem um agrupamento de aproveitadores e larápios sempre prontos para tungar o erário público, a impenhorabilidade pode não parecer muito simpática. Num país sério, seria plenamente justificável, mas o Brasil, definitivamente, não é um país sério. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.326/1.327.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
15.  CRÉDITOS ORIUNDOS DE ALIENAÇÃO DE UNIDADES IMOBILIÁRIAS, SOB REGIME DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA, VINCULADOS À EXECUÇÃO DA OBRA
O último inciso do art 833 do CPC busca proteger o direito dos consumidores que adquirem imóveis pelo regime de incorporação imobiliária. A incorporadora recebe os pagamentos para a execução e regularização da construção no Registro de Imóveis, sendo assim vinculados tais créditos a essas finalidades.
Diante dessa realidade, uma eventual penhora desse crédito levaria à interrupção da obra ou a inviabilidade de sua regularização, em detrimento dos interesses dos consumidores adquirente que em nada contribuíram para a dívida exequenda da incorporadora. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.327.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).