LIVRO II – DO
PROCESSO DE EXECUÇÃO
TÍTULO II – DAS DIVERSAS
ESPÉCIES DE EXECUÇÃO
– CAPÍTULO IV –
DA
EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA - Seção III Do Objeto da Penhora – Art 833
Da
Penhora, do Depósito e da Avaliação –
Subseção I –
Do Objeto da Penhora
– vargasdigitador.blogspot.com
Esta Seção está dividida em 831 e 832; 833; e 834 a
836
Art 833. São impenhoráveis:
I –
os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à
execução;
II –
os imóveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência
do executado, salvo os de elevado valor ou dos que ultrapassem as necessidades
comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III –
os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de
elevado valor;
IV – os vencimentos, os subsídios, os
soldos, os salários, a remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões,
os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de
terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganchos de
trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o §
2º;
V – os livros, as máquinas, as ferramentas,
os utensílios, os instrumentos ou úteis ao exercício da profissão do executado;
VI – o seguro de vida;
VII – os materiais necessários para obras
em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII – a pequena propriedade rural, assim
definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX – os recursos públicos recebidos por
instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou
assistência social;
X – a quantia depositada em caderneta de
poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI – os recursos públicos do fundo
partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII – os créditos oriundos de alienação de
unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à
execução da obra.
§ 1º. A impenhorabilidade não é oponível à
execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua
aquisição.
§ 2º. O disposto nos incisos IV e X do
caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação
alimentícia, independentemente de sua origem, bem como ás importâncias
excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição
observar o disposto no art 528, § 8º, e no art 529, § 3º.
§ 3º. Incluem-se na impenhorabilidade
prevista no inciso V do caput os equipamentos, os implementos e as máquinas
agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural,
exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam
vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza
alimentar, trabalhista ou previdenciária.
Correspondência no CPC/1973, art 649, na
ordem e seguinte redação:
Art 649. São absolutamente impenhoráveis:
I – os bens inalienáveis e os declarados,
por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II – os móveis, pertences e utilidades
domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor
ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de
vida;
III – os vestuários, bem como os pertences
de uso pessoal do executado, salvo de elevado valor;
IV – os vencimentos, subsídios, soldos,
salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e
montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao
sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os
honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo;
V – os livros, as máquinas, as ferramentas,
os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários, ou uteis ao
exercício de qualquer profissão;
VI – o seguro de vida;
VII – os materiais necessários para obras
em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII – a pequena propriedade rural, assim
definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX – os recursos públicos recebidos por
instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou
assistência social;
X – até o limite de 40 (quarenta) salários
mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança;
XI – os recursos públicos do fundo
partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.
XII – sem correspondência no CPC/1973
§ 1º. A impenhorabilidade não é oponível à
cobrança do crédito concedido para a aquisição do próprio bem.
§ 2º. O disposto no inciso IV do caput
deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação
alimentícia.
§ 3º. Sem correspondência no CPC/1973.
1.
PATRIMÔNIO MÍNIMO E DIGNIDADE HUMANA
É
indubitável que as regras de impenhorabilidade de determinados bens têm
estreita ligação com a atual preocupação do legislador em criar freios à busca
sem limites da satisfação do exequente na execução, mantendo-se a mínima
dignidade humana do executado. Nem sempre, entretanto, foi assim. No direito
romano, a execução era extremamente violenta, permitindo-se a privação corporal
e até mesmo a morte do devedor. A famosa Lei das XII Tábuas choca ao
estabelecer que em determinadas condições seria possível “dividir o corpo do
devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores”.
O
próprio direito romano passou por uma tímida, mas nítida, humanização da
execução a partir do momento em que passou a regular limites à atuação do
exequente, em especial a limitação à morte e divisão do corpo do devedor.
Apesar de certos avanços, enquanto não abandonou a ideia de vingança privada, o
direito romano não conseguiu se desvincular do excesso nos meios executivos
para a satisfação na execução.
A
doutrina que enfrentou o tema é unânime em apontar que a Lex Poetelia Papiria, do ano 326 a.C., representou o início da
transformação da responsabilidade pessoal para a patrimonial. Passou-se a
proibir a morte e o acorrentamento do devedor, a prever de forma
institucionalizada a satisfação do crédito mediante a prestação de trabalhos
forçados; o que hoje em dia parece inaceitável, à época representou grande avanço.
A ideia de vingança privada, entretanto, ainda continuava fortemente arraigada
na mentalidade romana da época.
É
interessante notar que, mesmo dentro da responsabilidade patrimonial, que veio
a se firmar mais concretamente no período clássico e pós-clássico do direito
romano, houve uma evolução. Basta lembrar que a honorum venditio representava uma execução universal e coletiva, na
qual o devedor respondia por sua dívida com a integralidade de seu patrimônio,
em procedimento muito parecido com a atual falência e insolvência civil. A
partir do advento do período clássico (com os novos institutos aí previstos),
passou a incidir em alguns casos a limitação patrimonial, com o valor dos bens
expropriados correspondente ao valor da dívida, o que se aproxima de nosso
atual esquema de responsabilidade patrimonial.
É
nessa fase do direito romano que se passa a notar os primeiros traços de
preocupação do legislador com a preservação do mínimo necessário para a
manutenção do devedor. Ainda que de forma embrionária, percebe-se algo próximo
à impenhorabilidade de certos bens como previsto atualmente.
Como
se nota, a impenhorabilidade de bens é a última das medidas no trajeto
percorrido pela “humanização de execução”. A garantia de que alguns bens jamais
sejam objeto de expropriação judicial é a tentativa mais moderna do legislador
de preservar a pessoa do devedor, colocando-se nesses casos sua dignidade
humana em patamar superior à satisfação do direito do exequente. É corrente na
doutrina a afirmação de que razoes de cunho humanitário levaram o legislador à
criação da regra da impenhorabilidade de determinados bens. A preocupação em
preservar o executado – e quanto existente também sua família – fez com que o
legislador passasse a prever formas de dispensar o mínimo necessário à sua
sobrevivência digna. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 1.315. Novo Código de Processo Civil Comentado
artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
2.
HIPÓTESES ESPECÍFICAS DE IMPENHORABILIDADE
O art
833 do CPC prevê o rol dos bens absolutamente impenhoráveis, entendidos como
aqueles bens que em nenhuma hipótese responderão pela satisfação da dívida.
Apesar
de entender o salário e demais vencimentos previstos no art 649, IV, do
CPC/1973 como bens absolutamente impenhoráveis, o art 649, § 2º, do CPC/1973
abre duas execuções ao permitir a penhora no tocante à execução de alimentos,
em percentual que possibilite a subsistência do executado-alimentante (STJ, 3ª
Turma, REsp 770.797/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 29.11.2006, DJ 18.12.2006)
e no valor excedente a 50 salários-mínimos mensais. Registre-se que por
expressa previsão legal, essa exceção à impenhorabilidade não depende da origem
do direito de alimentos, aplicando-se àqueles derivados da relação familiar, de
casamento ou união estável, verbas trabalhista lato sensu e decorrentes de ato ilícito.
Também
existe permissão para tal excepcional penhora no art 14, § 3º, da Lei
4.717/1965 ao prever que na ação popular, quando o réu condenado perceber dos
cofres públicos, a execução far-se-á por desconto em folha até o integral
ressarcimento do dano causado. Entendo que tal norma possa ser aplicável a
todas as espécies de ação coletiva e não só na ação popular.
Também,
o art 833, § 1º, do CPC abre exceção à regra de impenhorabilidade absoluta ao
admitir a penhora em execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive
àquela contraída para sua aquisição. Sem previsão no Código de Processo Civil,
mas na mesma situação está o bem de família, considerado absolutamente
impenhorável ainda que excepcionalmente passível de penhora nas hipóteses
legais (art 3º da Lei 8.009/1990)
Há
dois entendimentos consolidados em Súmulas do Superior Tribunal de Justiça a
respeito da impenhorabilidade do bem de família. Nos termos da Súmula 449, a
vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não
constitui bem de família para efeito de penhora. Nos termos da Súmula 264, o
conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel
pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.
No
tocante ao bem de família, o Superior Tribunal de Justiça entende que,
independentemente do valor do imóvel, a impenhorabilidade será mantida (Informativo 456/STJ, 3ª Turma, REsp
1.178,469-SP, rel. Min. Massami Uyeda, j. 18.11.2010, DJe 10.12.2010) o que é
lamentável e não encontra qualquer justificativa à luz do princípio do
patrimônio mínimo da dignidade humana. Por outro lado, já decidiu que imóvel
desocupado pode ser penhorado, ainda que seja o único do devedor (Informativo 453/STJ, 3ª Turma, REsp
1.005.546-SP, rel. originário Min. Sidnei Beneti, rel. p/acórdão Min. Nancy
Andrighi, j. 26.10.2010, DJe 03.02.2011). (Daniel Amorim Assumpção Neves,
p. 1.316. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo –
2016. Ed. Juspodivm).
3.
RENÚNCIA DO DIREITO À IMPENHORABILIDADE
O
tema da renúncia da impenhorabilidade por ato processual é polêmico no Superior
Tribunal de Justiça.
Há
decisões que entendem que qualquer impenhorabilidade absoluta não pode ser
objeto de renúncia, de forma que mesmo quando o próprio executado indica o bem
à penhora, poderá alegar posteriormente a impenhorabilidade para afastar-se a
constrição judicial sobre o bem (STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 1.381.709/PR, rel.
Min. Mauro Campbell Marques, j. 05/09/2013, DJe 11/09/2013; STJ, 2ª Turma, REsp
864.962/RS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 04/02/2010, DJe 18/02/2010) e
até mesmo para anular a alienação judicial em sede de embargos à arrematação.
Outro
entendimento consagrado no tribunal é a possibilidade de renúncia, contato que
contemple patrimônio disponível e tenha sido indicado á penhora por livre
decisão do executado, ressalvados os bens inalienáveis e os bens de família
(STJ, 4ª Turma, REsp 1.365.418/SP, rel. Min. Marco Buzzi, j. 04/04/2013, DJe
16/04/2013; STJ, 3ª Turma, AgRg no AgRg no REsp 1.294.384/RS, rel. Min. Sidnei
Beneti, j. 26/06/2012, DJe 29/06/2012).
É
mais tranquilo o entendimento quanto à não admissão da renúncia da proteção
legal conferida ao bem de família (STJ, 3ª Turma, REsp 714.858/RS, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 08/11/2011, DJe
25/11/2011; STJ, 4ª Turma, Resp 875.687/RS, rel. Min.
Luís Felipe Salomão, j. 09/08/2011, DJe 22/08/2011) e justamente em razão dessa
realidade, o mesmo tribunal entende justificável a recusa do exequente a tal
indicação (STJ, 2ª Turma, REsp 1.500.550/RS, rel. Min. Herman Benjamin, j.
19/03/2015, DJe 06/04/2015). Mas mesmo nesse tema, colhe-se decisão do Superior
Tribunal de Justiça no sentido de não prestigiar o executado que agir em
descompasso com o princípio nemo venire
contra factum proprium, adotando comportamento contraditório, num momento
ofertando o bem à penhora e, no instante seguinte, arguindo a impenhorabilidade
do mesmo bem, o que evidencia a ausência de boa-fé (Informativo 558/STJ, 3ª Turma, REsp 1.461.301-MT. Rel. Min. João
Otávio de Noronha, julgado em 5/3/2015, DJe 23/03/2015). Entendo que esse
entendimento prestigia o art 5º do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves,
p. 1.316/1.317. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por
artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
4.
BENS
INALIENÁVEIS E OS DECLARADOS, POR ATO VOLUNTÁRIO, NÃO SUJEITOS À EXECUÇÃO
A penhora
é ato preparatório de expropriação, de forma que não faz sentido permitir a
penhora de um bem que não possa ser objeto de alienação ou adjudicação. A
inalienabilidade pode ser tanto direta, quando proveniente da lei, como ocorre
com os bens fora do comércio e os bens públicos, como indireta, quando
decorrente de um acordo de vontade entre as partes e eficaz perante terceiros,
como ocorre com os bens doados ou alienados com cláusula de inalienabilidade,
comuns em testamentos. Registre-se que, nesse caso, a cláusula não afasta a
permissão de penhora sobre o bem na satisfação de dívidas do de cujus (STJ, 3ª Turma, REsp
9998.031/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 11.12.2007, DJ 19.12.2007).
(Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 1.317. Novo Código de Processo Civil Comentado
artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
5.
MÓVEIS, PERTENCES E UTILIDADES DOMÉSTICAS
O
tema versado pelo art 833, II do CPC também é objeto de tratamento por outras
normas legais, quais sejam os arts 1º do parágrafo único, e 2º da Lei
8.009/1990.
Parece
haver uma plena compatibilidade entre as normas, considerando-se a singeleza do
dispositivo da Lei 8.009/1990, que não especifica quais são os móveis que
guarnecem a casa que podem ser objeto de penhora. Apesar da utilização de
critérios indeterminados, o dispositivo processual ora comentado busca uma
maior determinação, evitando-se que bens de alto valor e que não correspondam a
um “médio padrão de vida” sejam excluídos da penhora. Realmente a questão
envolvendo a penhora de bens que guarnecem a residência é tormentosa, devendo
ser saudada a tentativa do legislador de uma maior sistematização da matéria.
Pé
temeroso o entendimento de alguns doutrinadores de que as restrições
patrimoniais estabelecidas pelo Código de Processo Civil e lei extravagantes se
prestam a garantir a manutenção do padrão de vida do executado. Nada mais
equivocado, já que é absolutamente natural que o devedor, no cumprimento de sua
obrigação – voluntário ou forçado -, sofra sensível diminuição patrimonial e
por consequência algumas privações, que podem ser temporárias ou definitivas. O
que não se admite é a agressão demasiada à própria dignidade humana do
executado, e tão somente isso.
O
ponto de partida, portanto, não deve ser a manutenção da condição do executado,
mas apenas a preservação de sua dignidade humana. Tal entendimento, entretanto,
não torna menos tortuosa a escolha dos bens móveis encontrados em sua
residência que podem ou não ser penhorados. O problema reside justamente no
exato limite da legitimidade na impenhorabilidade de determinado bem. Ainda que
por meio de norma de conteúdo indeterminado, a nova redação do art 833, II, do
CPC procura contribuir para a solução desse problema.
A
jurisprudência atual, na interpretação do art 1º, parágrafo único da Lei
8009/1990 vem se inclinando a incluir entre os bens impenhoráveis aqueles que,
apesar de não serem imprescindíveis ao funcionamento da residência, já que é
plenamente possível a continuação da vida sem eles, mostram-se necessários ao
lazer do executado (STJ, 3ª Turma, REsp 198.370/MG, rel. Min. Waldemar Zveiter,
j. 16.11.2000, DJ 05.02.2001). A justificativa estaria na própria Constituição
Federal, que em seu art 6º prevê o lazer como um direito social do cidadão.
O
problema, entretanto, persiste. Ainda que se admita que o lazer do executado e
de sua família deva ser preservado, presume-se que se trata do lazer mínimo,
significando aquele normalmente desfrutado na maioria das residências. Dessa
forma, são corretas as decisões que excluem da penhorabilidade geladeira,
fogão, televisões e aparelhos de som, desde que tais bens não se mostrem com a
característica de suntuosidade, como televisores de tela plana que atingem
valores estratosféricos ou ainda aparelhagem de som típica de casas noturnas, e
não de residências. Diante de tais situações, e levando-se em conta o alto
valor de tais bens, não resta dúvida de que a penhora deve ser realizada.
A
situação se agrava quando se trazem à discussão outros bens, sobre os quais
ainda não há posição pacificada nas decisões judiciais: aparelho de DVD,
lava-louças, secadora, freezer etc. o
que deve nortear o julgador, nesses casos, será sempre a garantia mínima de
dignidade do executado, e não a manutenção de seu padrão de vida, já que o
cumprimento de obrigações pode gerar- e inevitavelmente gera – certas privações
e sacrifícios. Nesse sentido, parece fundamental a previsão legal quando se
refere a um “padrão médio de vida”, o que só pode significar o padrão médio de
vida da sociedade brasileira, sujeitos passivos da aplicação normativa.
Objetivando
contribuir com o tema, fonte de eterna insegurança, há interessante proposta
doutrinária a respeito de dados objetivos que poderiam ser levados em conta na
determinação de quais bens móveis que guarnecem o imóvel podem ser penhorados.
Nesse entendimento, seria possível estabelecer uma “média nacional de conforto”
representativa do padrão médio da sociedade brasileira, tomando-se por base as
conclusões dos índices apontados pelo IBGE. A proposta busca evitar que
devedores mais abastados tenham proteção excessiva, com a manutenção de bens
móveis que, embora incorporados ao seu dia a dia, não passam de um sonho
distante para a grande maioria das famílias brasileiras. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 1.317/1.318. Novo Código de Processo Civil
Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
6.
VESTUÁRIOS E PERTENCES DE USO PESSOAL
Sendo
esse o propósito do legislador, não se deve interpretar literalmente o
dispositivo legal, em especial quanto aos vestuários. Tudo aquilo que não for
essencial à manutenção da dignidade mínima do devedor deve ser objeto de
penhora para se garantir o direito fundamental do credor à satisfação de seu
crédito. Assim, acredito que sejam penhoráveis, por exemplo, casacos voltados a
temperaturas extremas que só justificam sua atualização em viagens ao exterior.
Realmente seria um exagero em foros de clima quente, como é a maioria das
comarcas e seções judiciárias no Brasil, tal impenhorabilidade. Ou ainda roupas
apropriadas a determinados esportes, como o esqui.
Mas
não é só a manutenção de vida minimamente digna do devedor que deve ser
preservada com a impenhorabilidade ora analisada. Também bens de uso pessoal
que tenham valor sentimental devem ser preservados. Não se pode, por exemplo,
negar que efetivamente exista, ao menos na maioria dos casos, um valor
sentimental no anel de núpcias, sendo entendimento praticamente uníssono na
doutrina que os laços afetivos representados pelo anel nupcial e assemelhados,
com as agradáveis lembranças que o mesmo traz, e ainda seu significado
sentimental para o casal, sejam mantidos os laços afetivos entre os contraentes
do matrimônio, o anel de núpcias é um dos pertences de uso pessoal do
executado, como é o relógio que coloca em seu pulso todos dia ao acordar. Dessa
forma, desde que não seja um anel propositalmente cravado de diamantes ou
outras pedras preciosas para criar uma artificial impenhorabilidade, será
impenhorável.
O
legislador foi feliz ao indicar que, sendo de elevado valor, tanto o vestuário
como os pertences de uso pessoal deverão ser penhorados. É natural que essa
análise caberá ao juiz no caso concreto, que deverá valer-se do princípio da
razoabilidade para a determinação de quais bens podem ser penhorados, até
porque mesmo sendo de elevado valor, pode ser indispensável ao devedor. Basta
imaginar um termo de marca famosa para o devedor que assim deve-se vestir para
o exercício de seu ofício. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.319. Novo Código de
Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
7.
GANHOS APTOS A MANTER A SUBSISTÊNCIA DO EXECUTADO
Apesar
de o inciso IV do art 833 do CPC ser tradicionalmente lembrado como o
dispositivo que proíbe a penhora do salário, a norma legal é bem mais ampla que
isso, prevendo, também a impenhorabilidade dos vencimentos, subsídios, soldos,
remunerações, preventos da aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, as
quantias recebidas por literalidade de terceiro e destinadas ao sustento do
devedor e de sua família, os ganhos do trabalhador autônomo e os honorários do
profissional legal.
Vencimentos
são todos os valores que compõem a remuneração do servidor público. Soldos são
os vencimentos dos militares, e salários incluem toda a remuneração advinda de
uma relação empregatícia, abrangendo-se os adicionais, percentuais,
participações, verbas em atraso etc.
Também
são impenhoráveis as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e
destinadas ao sustento do devedor e sua família, bem como os ganhos do
trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. Na proteção do
trabalhador autônomo e profissional liberal, consagra-se a irrelevância da espécie
de relação mantida pelo trabalhador para a obtenção de seus ganhos.
A
justificativa para a impenhorabilidade prevista no dispositivo legal ora
comentado reside justamente na natureza alimentar de tais verbas, donde a
penhora e a futura expropriação significariam uma indevida invasão em direitos
mínimos da dignidade do executado, interferindo diretamente em sua manutenção,
no que tange às necessidades mínimas de habitação, transporte, alimentação,
vestuário, educação, saúde etc.
Registre-se,
mais uma vez, o art 833, § 2º, do CPC, que prevê a inaplicabilidade da
impenhorabilidade tratada pelo inciso IV desse dispositivo legal para o
pagamento das prestações alimentícias, havendo decisão do Superior Tribunal de
Justiça admitindo a penhora em execução de honorários advocatícios em razão de
sua natureza alimentar (Informativo
488/STJ, 3ª Turma, REsp 948.492-ES, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 01/12/2011, DJe
12.12.2011). O superior Tribunal de Justiça entende que a excepcional
penhorabilidade atinge também a gratificação de férias e natalina (décimo
terceiro salário) (Informativo
427/STJ, 2ª Seção, REsp 1.106.654-RJ, rel. Min. Paulo Furtado, j. 25.11.2009,
DJ 16.12.2009).
Também
deve novamente ser lembrada como exceção a previsão contida no art 14, § 3º, da
Lei 4.717/1965, que admite na ação popular que o réu condenado que perceber dos
cofres públicos tenha desconto em sua folha de pagamento, se assim mais convier
ao interesse público. Dependendo da disposição em se aceitar a ideia de
microssistema coletivo, a norma poderá até mesmo ser aplicada a outras espécies
de ação coletiva, como a ação civil pública e a ação de improbidade
administrativa.
Sempre
critiquei, de forma severa, a impenhorabilidade de salários consagrada no art
649, IV, do CPC/1973, que contrariava a realidade da maioria dos países
civilizados, que, além da necessária preocupação com a sobrevivência digna do
devedor, não se esquecem de que salários de alto valor podem ser parcialmente
penhorados sem sacrifício de sua subsistência digna. A impenhorabilidade
absoluta dos salários, portanto, diante de situações em que um percentual de
constrição não afetará a sobrevivência digna do devedor, era medida de
injustiça e deriva de interpretação equivocada do princípio do patrimônio
mínimo.
O
Superior Tribunal de Justiça, mesmo que tenha decisões que desconsiderem
qualquer circunstância fática e limite-se a aplicar a impenhorabilidade legal
ora analisada, oferece interessantes exemplos de flexibilização da rigidez
legal. E assim o faz ao analisar, no caso concreto, a inexistência de ofensa à
dignidade mínima do devedor na hipótese de penhora de percentual de seu
salário.
No
caso de restituição de imposto de renda, ainda que reconhecida sua natureza
salarial, determina que se analise concretamente o destino dos valores
recebidos; caso se mostrem indispensáveis ao pagamento de necessidades básicas
do devedor, serão impenhoráveis, e caso se mostrem apenas um reforço
financeiro, serão penhoráveis (Informativo
409/STJ, 3ª Turma, REsp 1.059.781/DF, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 01.10.2009, DJe
14.10.2009; Informativo 435/STJ, 3ª Turma,
REsp 1.150.738/MG, rel. Min. Nancy Andrighi, j.
20.05.2010, DJe 14/06/2010). Em sentido aparentemente contrário, o mesmo
tribunal já entendeu impenhoráveis verbas provenientes de rescisão de contrato
de trabalho, ainda que alocadas em fundo de investimento (Informativo 485/STJ, 4ª Turma, REsp 904.774/DF, rel. Min. Luís
Felipe Salomão, j. 18/10/2011, DJe 16.11.2011), embora haja decisão em sentido
oposto, admitindo a penhora nesse caso (Informativo
523/STJ, 3ª Turma, REsp 1.330.567/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 16.05.2013).
Os
honorários advocatícios, ainda que tenham reconhecidamente natureza alimentar,
já foram considerados pelo Superior Tribunal de Justiça passíveis de penhora,
quando a verba devida ao advogado ultrapassar o razoável para o seu sustento e
de sua família. (Informativo 553/STJ,
2ª Turma, REsp 1.264.358-SC, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 25/11/2014,
DJe 5/12/2014).
Outra
tese que encontra repercussão no Superior Tribunal de Justiça é a da
penhorabilidade do saldo do salário não gasto pelo devedor no momento em que
recebe o salário seguinte. Segundo esse entendimento, caso o provento de índole
salarial se mostre, ao final do período – isto é, até o recebimento de novo
provento de igual natureza -, superior ao custo necessário ao sustento do
titular e de seus familiares, essa sobra perde o caráter alimentício e passa a
ser uma reserva ou economia, tornando-se, em princípio, penhorável (Informativo 554/STJ, 2ª Seção, EREsp
1.330.567/RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 10/12/2014, DJe
19/12/2014; STJ, 3ª Turma, REsp 1.164.037/RS, rel. Min. Sérgio Kukina, rel.
p/acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 202.02.2014, DJe 09.05.2014).
Ainda
que de inegável relevância para a efetividade da execução, as exceções
apontadas, as decisões do Superior Tribunal de Justiça que mais chamam a
atenção são aquelas que admitem a penhora de percentual de salário com o
fundamento de que a constrição não afetará a dignidade humana do devedor e que
tal medida extrema decorre de obstáculos criados pelo próprio executado ao bom
andamento da execução e consequente frustração da satisfação do direito do
exequente STJ, 3ª Turma, REsp 1.285.970/SP, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 27.05.2014, DJe
08.09.2014; STJ, 3ª Turma, REsp 1.326.394/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.03.2013, DJe 18.03.2012).
Havendo
uma expressa pactuação em contratos bancários, é possível o desconto por
consignação de até 30% das verbas salariais, situação diversa da penhora de
salário (STJ, 4ª Turma, EDcl no REsp 1.284.388/MT, rel. Min. Luís Felipe
Salomão, j. 24.04.2014, DJe 30.04.2014). Há inclusive permissão de penhora
nesse caso se, por falha o valor não tiver sido retido pelo órgão pagador nem
voluntariamente entregue ao credor pelo mutuário (STJ, 3ª Turma, AgRg no REsp
1.394.463/SE, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 17.12.2013, DJe 05.02.2014).
Poderia
se alegar que, se uma instituição financeira pode se valer de parte do salário
do devedor para satisfazer seu direito de crédito, com muito mais razão poderia
o Estado-juiz determinar medida executiva no mesmo sentido.
Entendo
que a analogia é imperfeita, porque, na hipótese do crédito consignado, o
desconto decorre de um ato de vontade do devedor, que expressamente anui com tais
descontos ao contrariar o empréstimo (STJ, 4ª Turma, RMS 37.990/DF, rel. Min.
Isabel Gallotti, j. 03/12/2013, DJe 03.02.2014). No caso de penhora de salário,
o ato é impositivo, independentemente da vontade do devedor, o que parece
definitivamente afastar as duas circunstâncias de forma a impedir uma
interpretação por extensão. Naturalmente, entretanto, que, concordando o
devedor com tal desconto, não há qualquer empecilho para a adoção de tal medida
executiva no caso concreto.
Com
relação ao tema, há interessante novidade no art 833, § 2º, do CPC. A inovadora
possibilidade de penhora de salários acima de 50 salários-mínimos mensais vem
de encontro à percepção já presente em algumas decisões do Superior Tribunal de
Justiça de ser plenamente compatível tal espécie de penhora e a preservação do
princípio do patrimônio mínimo. Assim se satisfaz o direito de crédito do
exequente e preserva-se a dignidade humana do devedor.
Pode-se
criticar o valor indicado pelo art 833, § 2º, do CPC, afinal, são poucos devedores
que recebem valor superior a 50 salários-mínimos por mês. Ainda assim, é
inegável o avanço da norma legal, que inclui o Brasil no rol dos países
civilizados, tanto de tradição da civil
law (por exemplo, Estados Unidos e Inglaterra). É um começo, que com o
passar do tempo poderá ser aperfeiçoado.
Além
da impenhorabilidade dos ganhos advindos do trabalho, o art 833, IV, do CPC,
prevê como impenhoráveis os proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e
montepios. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, o saldo de depósito em fundo
de previdência privada complementar (PGBL) também é, ao menos em princípio,
impenhorável (Informativo 535, 2ª Seção,
EREsp 1.121.719/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.02.2014, DJe 04.04.2014).
(Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 1.319/1.322. Novo Código de Processo Civil
Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
8.
BENS NECESSÁRIOS OU ÚTEIS AO EXERCÍCIO PROFISSIONAL
Mais
uma vez, a preocupação do legislador é com a manutenção de meios para que o
executado possa continuar a viver com mínima dignidade humana. Retirar-lhe os
meios pelos quais produz o resultado de seu trabalho seria o mesmo que
impedi-lo de obter o necessário para sua manutenção. Ainda referente ao próprio
sustento do executado, a preservação de tais bens em seu patrimônio permite que
o mesmo continue com seu trabalho, recebendo naturalmente os proventos de tal
atividade que, por consequência, o manterão vivendo com a dignidade humana que
se procurou preservar com a norma. Além da necessária manutenção de instrumentos
que gerem a receita mínima para a sobrevivência do executado, parte da doutrina
aponta outro motivo para a preservação de tais bens em seu patrimônio: a
realização pessoal.
Ainda
que se admitam esses dois naturais reflexos na manutenção de bens necessários
ou uteis ao exercício da profissão no patrimônio do executado, deve-se mais uma
vez atentar que a generalidade da previsão legal pode criar situações
totalmente inapropriadas, com excessiva proteção do executado em injusto
detrimento do exequente. Os problemas advêm da opção legislativa de não limitar
a impenhorabilidade aos bens necessários, estendendo a limitação patrimonial
também aos bens úteis ao exercício da atividade laborativa, ou seja, os
instrumentos que ajudam, mas que sem eles o trabalho ainda poderia ser feito da
mesma forma. Uma interpretação muito extensiva de tal utilidade poderá atentar
até mesmo contra os motivos que levaram o legislador a criar tal proteção
patrimonial.
É
importante limitar a abrangência de referido dispositivo às pessoas físicas, e,
quando muito, como faz o Superior Tribunal de Justiça, às microempresas e
empresas de pequeno porte, sempre que a atividade destas se confundir com a do
próprio sócio (STJ, 2ª Turma, REsp 760.283/RS, rel. Min. Mauro Campbell Marques,
j. 12.08.2008, DJe 26.08.2008). Essa é uma limitação que se faz necessária, sob
pena de a norma beneficiar indevidamente pessoas jurídicas inadimplentes que
não merecem tal proteção, levando-se em conta as motivações do legislador ao
estabelecer tal limitação patrimonial.
Quanto
ao problema de determinar quais os instrumentos necessários ou úteis que não
devem ser penhorados, Araken de Assis fixa critérios objetivos para tal
aferição. Seriam quatro os critérios: uso total, quantidade razoável, utilidade
ou necessidade e trabalho pessoal.
Os
instrumentos primeiramente devem ser utilizados no dia a dia profissional do
executado, e não apenas de forma esporádica e rara. A ideia está intimamente
ligada à manutenção do trabalho nos moldes do realizado à época da penhora, e,
sendo o instrumento muito raramente utilizado, não parece correto que, sendo
valioso e podendo satisfazer o direito do exequente, fique alheio à penhora.
Nesses casos, os bens valiosos e pouco utilizados deverão ser penhorados, já
que representam bens supérfluos à continuação da atividade laborativa do
executado.
Nessa
situação, encontram-se as bibliotecas de profissionais liberais, em especial
aquelas de elevado valor e pouca utilidade na prática diária. Muitas vezes, a
biblioteca mais serve para impressionar a conhecidos e à clientela, ou, ainda,
para mera satisfação pessoal, resultado não de uma necessidade premente na
prática profissional, mas sim de compras feitas durante toda a carreira, ou
algumas vezes até fruto de herança. Sem grande utilidade no dia a dia forense,
parece admissível a sua penhora e futura expropriação. É claro que se deve
atentar para a profissão principal do profissional executado, não se podendo
admitir a penhora no caso daquele profissional que, apesar de ser membro ativo
da Ordem dos Advogados, reserva maior parte de seu tempo para a vida acadêmica.
Esses verdadeiros professores, que produzem ciência e ensinam os iniciantes na
matéria, servem-se da biblioteca como forma direta de trabalho, não podendo,
nesse caso, sofrer a penhora.
A
quantidade razoável também deve ser levada em consideração, sendo inviável que
a impenhorabilidade abranja uma série de bens do devedor quando este possuiu
vários bens do mesmo gênero. É o que ocorre, por exemplo, com taxista que tenha
diversos carros e tenha formado uma frota, alugando alguns deles – todos na
verdade que não estejam com ele – e recebendo pagamento de seus “empregados”
por tal atividade. Não resta dúvida de que nesse caso, a impenhorabilidade
deverá se limitar ao carro objeto de trabalho direto do executado.
Imagine-se
ainda, de forma exemplificativa, um número excessivo de computadores, num
escritório de advocacia, ou ainda um número de suplementos de escritório bem
superior às necessidades básicas de trabalho (caixas de canetas esferográficas,
papel, toners etc.). A lembrança que deve seguir o aplicador da norma é de que
esta não foi feita para brindar excessos, e sim para manter o devedor com o
mínimo necessário para que possa continuar seu trabalho, como forma de geração de
sustento e de ocupação.
Outro
aspecto a ser levado em consideração é a imprescindível ligação entre os bens e
a profissão exercida pelo devedor. Deve restar devidamente comprovado que a
utilização de tais bens se presta à realização das tarefas compreendidas em seu
trabalho, de forma direta. Assim, uma televisão ou um aparelho de som existente
em escritório de advocacia ou consultório médico, geralmente voltados a
momentos de lazer e relaxamento do profissional, devem ser normalmente
penhorados, já que a sua ausência em absolutamente nada afetará seu exercício
profissional. Trata-se, na verdade, de bem supérfluo, inexistente na
avassaladora maioria dos escritórios e consultórios de profissionais liberais.
Por
outro lado, deve-se também atentar que o trabalho deve ser o principal meio de
sustento do devedor. A doutrina dá interessante exemplo de servidor público que
nas horas vagas exerce, como “bico”, o ofício de músico, sendo que os valores
obtidos como servidor público já são suficientes para a manutenção de um bom
padrão de vida. Faz a ressalva, entretanto, que quando os valores obtidos com a
atividade paralela forem necessários para o seu sustento, os instrumentos de
trabalho deverão restar impenhoráveis.
Parece
que a limitação da responsabilidade patrimonial somente poderá atingir os bens
adquiridos antes do surgimento da dívida, já que entendimento em sentido
contrário significaria a criação de um porto seguro aos devedores na pretensão
de livrar seus bens de constrição judicial. Sabendo-me devedor, adquiro mais
alguns computadores para meu escritório, ou então compro diversos livros para
minha biblioteca etc. Não parece que tal ato reste tipificado por nosso Código
de Processo Civil como fraude à execução, mas seria absurdo retirar tais bens
do âmbito da penhora, ainda que ao menos nesse momento se mostrem úteis ou até
mesmo necessários para o trabalho do executado. (Daniel Amorim Assumpção Neves,
p. 1.322/1.324. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por
artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
9.
SEGURO DE VIDA
O
seguro de vida se presta a criar em favor do beneficiado um fundo alimentar,
sendo decorrência dessa natureza, a sua impenhorabilidade. E nem se fale que
essa impenhorabilidade prejudica os credores ao desfalcar o patrimônio do
falecido, porque o seguro de vida não é herança, não chegando a fazer parte do
patrimônio do de cujus. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 1.324. Novo Código de Processo Civil Comentado
artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
10. MATERIAIS NECESÁRIOS PARA OBRAS EM ANDAMENTO
A
impenhorabilidade desse bem exige que o material já esteja afetado à obra, ou
seja, que haja demonstração clara e inequívoca de que os materiais serão
utilizados naquela obra. Existe exceção no próprio art 649, VII, do CPC/1973,
admitindo-se a penhora desse material sempre que a própria obra tenha sido
objeto de penhora. Além disso, também se aplica ao dispositivo o art 649, § 1º,
do CPC/1973, admitindo-se a penhora na execução de dívida contraída na própria
aquisição do material. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 1.324. Novo Código de Processo Civil Comentado
artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
11. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL TRABALHADA PELA
FAMÍLIA
O
problema para a aplicação do art 833, VIII, do CPC é a definição do que se deve
entender por pequena propriedade, problema que não diz respeito propriamente ao
Código de Processo Civil, mas à própria regulamentação da Constituição Federal.
A
Constituição Federal, em ao menos dois dispositivos, refere-se expressamente á
“pequena propriedade rural” – arts 5º, XXVI, e 185, I – sendo que ao menos em
uma delas há previsão expressa de impenhorabilidade da pequena propriedade
rural. A norma legal ora analisada é mais abrangente em termos de proteção ao
executado do que a norma constitucional, visto que a única exigência para que a
pequena propriedade rural seja impenhorável é que ela seja trabalhada pela
família, pouco importando a natureza da dívida contraída pelo executado.
Segundo
a Lei 8.629/1993, no seu art 4º, II, “a”, a pequena propriedade rural é a área
compreendida entre um e quatro módulos fiscais, sendo que o cálculo do módulo
fiscal é definido pelo INCRA, em cada Município, tomando-se por base o art 4º
do Decreto 84.685/1980. Por sua vez, o art 4º, II, da Lei 4.504/1964 (Estatuto da Terra), prevê ser a “propriedade
familiar” o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e
sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a
subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada
região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros.
O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de afirmar que a primeira
definição, dirigida à desapropriação para reforma agrária, é imprestável, para
determinar o alcance da impenhorabilidade ora analisada, preferindo adotar o
conceito de “propriedade familiar” (Informativo
488/STJ, 4ª Turma, REsp 1.018.635-ES, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j.
22.11.2011, DJe 01.02.2012). (Daniel Amorim Assumpção Neves,
p. 1.324/1.325. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por
artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
12. RECURSOS PÚBLICOS LIGADOS À APLICAÇÃO
COMPULSÓRIA EM EDUCAÇÃO, SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL
O dispositivo
legal ora comentado torna impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições
privadas para a aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social,
o que demonstra uma escolha do legislador entre dois valores: o direito de satisfação
do exequente e o direito coletivo de sujeitos indeterminados que serão
favorecidos pela aplicação dos valores na área da educação, saúde ou assistência
social (art 833, IX, do CPC).
Como se
nota da própria literalidade do dispositivo legal, a escolha do legislador foi
pelo prestígio do direito coletivo, já tendo o Superior Tribunal de Justiça a
oportunidade de afirmar que essa restrição à responsabilidade patrimonial do
devedor justifica-se em razão da prevalência do interesse coletivo em relação ao
interesse particular e visa a garantir a efetiva aplicação dos recursos
públicos nas atividades elencadas, afastando a possibilidade de sua destinação
para a satisfação de execuções individuais promovidas por particulares (Informativo 512/STJ, 3ª Turma, REsp
1.324.276-RJ , Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04/12/2012, DJe 11.12.2012).
O que
certamente norteou o legislador nessa escolha foi a natureza dos recursos
recebidos pela instituição privada e a obrigatoriedade de sua aplicação em
importantes áreas tais como a educação, saúde e assistência social. Ainda que
esses valores estejam temporariamente em poder da instituição privada, o
legislador levou em conta que essa instituição é meramente intermediária entre
o governo e a população que precisa de seus serviços. Esse sistema, criado pela
nova visão de ajuda das instituições privadas em atender às demandas que
deveriam ser cumpridas diretamente pelo Estado, faz com que os valores que tenham
esse fim não possam ser penhorados, sendo nesse sentido o dispositivo legal ora
comentado. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 1.325. Novo Código de Processo Civil Comentado
artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
13. VALORES DEPOSITADOS EM
CADERNETA DE POUPANÇA
Não feliz
com a impenhorabilidade total de valores prevista no art 833, IV, do CPC, o
legislador prevê no inciso X do mesmo diploma legal mais uma impenhorabilidade
de valores, agora de forma relativa. Segundo esse dispositivo legal, o valor de
até 40 salários-mínimos mantido em caderneta de poupança é impenhorável, o que
cria uma estranha e injustificável proteção a uma espécie determinada de
investimento financeiros, que, se não é o mais lucrativo entre todos os
oferecidos no mercado atualmente, não passa de uma forma de fazer render
dinheiro que não está sendo utilizado naquele momento pelo poupador.
A opção
do legislador parece ter atendido a interesses governamentais, considerando-se
ser a poupança a forma de investimento mais vantajosa para o Estado na medida
em que, no mínimo, 65% dos recursos captados devem ser direcionados para
operações de financiamento habitacional, sendo 80% desse percentual em operações
ligadas ao Sistema Financeiro da Habitação. A injustificável distinção consagrada
pelo dispositivo ora analisado foi afastada pelo Superior Tribunal de Justiça
ao decidir que a impenhorabilidade aproveita a qualquer reserva financeira
existente (STJ, 2ª Seção, REsp 1.250.060/PR, rel. Min. Maria Isabel Gallotti,
j. 13.08.2014, DJe 29.08.2014).
É natural
que, mantendo o devedor mais de uma poupança, a proteção limitar-se-á ao valor
de 40 salários-mínimos na soma de todas elas, e nunca individualmente, sob pena
de a norma legal transformar-se em arma de devedores pouco afeitos ao
cumprimento de suas obrigações (Informativo
501/STJ, 3ª Turma, REsp 1.231.123-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.08.2012,
DJe 30.08.2012). E mesmo sem disposição expressa nesse sentido, a
impenhorabilidade oura tratada é afastada para a satisfação de execução alimentar
(STJ, 3ª Turma, REsp 1.218.118/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, j.
12.08.2014. DJe 25.08.2014).
Nos termos
do § 2º do art 833 do CPC, a impenhorabilidade ora analisada não se aplica na execução
de alimentos, independentemente da origem da obrigação alimentar, bem como para
importâncias excedentes a 50 salários mínimos mensais.
Quanto
à possibilidade de penhora de valores inferiores a 40 salários-mínimos mantidos
em caderneta de poupança, na execução de alimentos, não há qualquer dificuldade
de compreensão, devendo o dispositivo ser interpretado no sentido de penhora
integral do valor para o pagamento do crédito do alimentante.
A tranquilidade
interpretativa, entretanto, não se estende à possibilidade de penhora na hipótese
de o executado receber vencimento lato
sensu superiores a 50 salários-mínimos mensais. Não fica clara a vontade do
legislador nesse caso, mas para se dar efetividade ao dispositivo legal,
deve-se entender que o devedor com altos vencimentos não precisa ter a garantia
de impenhorabilidade de valores mantidos em contra poupança, que passariam a
ser totalmente penhoráveis. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.325/1.326. Novo
Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed.
Juspodivm).
14. RECURSOS PÚBLICOS DO FUNDO PARTIDÁRIO RECEBIDOS,
NOS TERMOS DA LEI, POR PARTIDO POLÍTICO.
A impenhorabilidade
prevista no inciso XI do art 833 do CPC adota o entendimento de que os recursos
públicos recebidos pelos partidos políticos do fundo partidário não perdem a
natureza pública, porque teoricamente são empregados para o funcionamento dos
partidos políticos, organismos essenciais ao bom funcionamento do Estado Democrático
de Direito. Parece ser a mesma justificativa da impenhorabilidade prevista no
art 833, IX, do CPC. A impenhorabilidade absoluta alcança, inclusive, valores
que tenha origem nas atividades previstas no art 44 da lei 9.096/1995 (Informativo 562/STJ, 3ª Turma, REsp
1.474.605-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 7/4/2015, DJe 26/5/2015).
O sacrifício
do credor seria justificado por vantagens à coletividade com o bom emprego dos
valores existentes no fundo partidário. Evidentemente que em decorrência da
notória “falência” dos partidos políticos em nosso país, que mais parecem um
agrupamento de aproveitadores e larápios sempre prontos para tungar o erário
público, a impenhorabilidade pode não parecer muito simpática. Num país sério,
seria plenamente justificável, mas o Brasil, definitivamente, não é um país
sério. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 1.326/1.327. Novo Código de Processo Civil
Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
15. CRÉDITOS ORIUNDOS DE ALIENAÇÃO DE UNIDADES
IMOBILIÁRIAS, SOB REGIME DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA, VINCULADOS À EXECUÇÃO DA
OBRA
O último
inciso do art 833 do CPC busca proteger o direito dos consumidores que adquirem
imóveis pelo regime de incorporação imobiliária. A incorporadora recebe os
pagamentos para a execução e regularização da construção no Registro de
Imóveis, sendo assim vinculados tais créditos a essas finalidades.
Diante
dessa realidade, uma eventual penhora desse crédito levaria à interrupção da
obra ou a inviabilidade de sua regularização, em detrimento dos interesses dos
consumidores adquirente que em nada contribuíram para a dívida exequenda da
incorporadora. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 1.327. Novo Código de Processo Civil Comentado
artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
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