quinta-feira, 25 de abril de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 307 Do Pagamento – VARGAS, Paulo S. R.


                                         DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 307
Do Pagamento – VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título III – DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
 (art. 304 a 388) Capítulo I – DO PAGAMENTO – Seção I –
De Quem Deve Pagar - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 307. Só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu.

Parágrafo único. Se se der em pagamento coisa fungível, não se poderá mais reclamar do credor que, de b ao-fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de aliená-la.

Acompanhando Bdine Jr., o pagamento que acarretar a transmissão da propriedade só será eficaz quando quem o fizer tiver condições de alienar o objeto sobre o qual o negócio recai. É que o pagamento feito com o que não pode ser alienado por quem o transmite não poderá ser aperfeiçoado, de maneira que o credor não se tornará titular da propriedade e, consequentemente, não haverá adimplemento.

Porém, se o bem transmitido for fungível (art. 85 do CC) e quem o recebeu, de boa-fé, o tenha consumido, aquele que o entregou não pode mais reclamá-lo, mesmo que não tivesse o direito de aliená-lo. Nessa hipótese, o terceiro titular do bem deverá cobrar eventual prejuízo daquele que pagou indevidamente. É que, em se tratando de bem consumível, não haverá possibilidade de o terceiro reivindica-lo, o que, como se viu, é possível em relação aos bens ainda encontráveis em poder do credor.

Renan Lotufo registra que a boa-fé deve estar presente desde a recepção do bem até seu consumo (Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 197). Nada impede, no entanto, que aquele que transmitiu sem estar em condições de alienar o bem venha a adquiri-lo posteriormente, convalidando o pagamento (op. cit., p. 196).

A eficácia de que trata este dispositivo depende da conjugação entre a capacidade negocial e a legitimação, ou o poder de dispor sobre o bem entregue em pagamento. Poderá haver capacidade de efetuar a entrega – obrigação de dar -, sem que haja possibilidade de transferir o domínio, hipótese em que o pagamento não será eficaz (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. I, p. 123). Silvio Rodrigues menciona a hipótese de negócio validamente constituído, mas no qual o pagamento se faz ao tempo em que o devedor era incapaz, e o autor conclui que o adimplemento é válido se o credor tiver agido de boa fé e consumido o bem entregue em pagamento (Direito civil. São Paulo, Saraiva, v. II, 2002, p. 130). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 307-8. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, a única inovação relevante do dispositivo em relação ao direito anterior foi a substituição da palavra “validade” por “eficácia”. Sobre o assunto, vide nota ao art. 288.

O pagamento que importar em alienação (obrigação de dar) não terá eficácia se feito por quem não era dono da coisa (alienação a non domino). Se porém era fungível a coisa e o credor a recebeu e a consumiu de boa-fé, reputa-se eficaz o pagamento e do credor nada se poderá reclamar, cabendo ao terceiro, que era o verdadeiro proprietário, buscar as reparações cabíveis do devedor que entregou o que não lhe pertencia. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 175, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/04/2019, VD).

No entendimento de Pereira, as prestações que visarem à transferência de propriedade somente poderão ser realizadas por terceiros que tenham a capacidade para alienar determinado bem. Desse modo, se o pagamento, por exemplo, se der por terceiro que não era dono do bem, o ato será ineficaz. (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 176).

No entanto, se for dada coisa fungível e o credor já lhe houver consumido, não poderá ser-lhe requerida a restituição do produto, exceto nas hipóteses em que estiver de má-fé. Em casos tais, o prejudicado terá a prerrogativa de cobrar do terceiro solvente as perdas e danos sofridas com a disposição de bem que lhe pertencia. Todavia, caso o bem ainda não tenha sido consumido, seu real proprietário poderá reivindicar sua posse, ainda que o credor tenha o recebido de boa-fé. De acordo com Pereira, a diferença de tratamento entre a hipótese de já ter havido ou não o consumo do bem não decorre exatamente do direito do dono, mas sim da apuração de sua existência e, logo, da impossibilidade ou possibilidade de ser reavido. (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 176, apud Direito.com acessado em 25.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 24 de abril de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 304, 305, 306 Do Adimplemento e Extinção das Obrigações – VARGAS, Paulo S. R.


                      DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 304, 305, 306
Do Adimplemento e Extinção das Obrigações – VARGAS, Paulo S. R.
 
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título III – DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
 (art. 304 a 388) Capítulo I – DO PAGAMENTO – Seção I –
De Quem Deve Pagar - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.

Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.

Em se tratando de obrigação Intuito personae debitoris, somente ao devedor cumpre efetuar o adimplemento do débito (obrigações infungíveis). Excetuado esse caso, qualquer outro interessado na extinção da dívida poderá quitá-la. Estas são informações passadas segundo entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina (Direito Civil Comentado, apud Direito.com acessado em 23.04.2019). são considerados terceiros interessados, na dicção da norma, todo aquele que esteja vinculado à obrigação ou em quem esta venha a repercutir. Não há ao credor, nesses casos, o direito de rejeitar o pagamento, havendo, em realidade, até mesmo o dever de recebe-lo. Assim, na recusa do credor no recebimento da prestação, terá o terceiro interessado as prerrogativas de se valer da consignação em pagamento, na colocação da coisa à disposição do credor ou até mesmo na simples abstenção. Na hipótese de pagamento por terceiro a ordem do devedor, ou por terceiro interessado, há a sub-rogação da que efetuou o pagamento na posição do credor, com todas as suas qualidades, privilégios e vantagens. No pagamento efetuado por terceiro interessado, não haverá espaço para a recusa do devedor.

“Civil. Mutuo Hipotecário. Pagamento Por Terceiro. aquele que adquire o imóvel hipotecado é interessado, para os efeitos do artigo 930, caput, do Código Civil, no pagamento das prestações de resgate do mútuo, porque a respectiva falta implica a execução do gravame. Ao credor é defeso recusar o recebimento, porque o pagamento não tem o efeito de integrar o comprador do imóvel na relação de financiamento. Recurso especial não conhecido” (STJ, 3ª Turma, REsp 154.457, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 6.12.2003).

O terceiro não interessado (aquele que não está vinculado à obrigação, nem sofre os seus efeitos, mas que tem interesse de ordem moral no seu cumprimento – exemplificativamente, o amigo ou parente do devedor) poderá pagar em nome por conta do devedor, caso este não se oponha ao ato. Nesse caso, o credor também não poderá recusar a prestação. Havendo oposição do credor, o terceiro não interessado disporá dos mecanismos para compeli-lo a receber. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina Direito Civil Comentado, apud Direito.com em 23.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo a orientação de Bdine Jr. e de acordo com o ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira, “o pagamento é o fim normal da obrigação”, mas não o único, já que ela também pode se extinguir de outras maneiras: “a) pela execução forçada, seja em forma específica, seja pela conversão da coisa devida no seu equivalente; b) pela satisfação direta ou indireta do credor, por exemplo, na compensação; c) pela extinção sem caráter satisfatório, como na impossibilidade da prestação sem culpa do devedor, ou na remissão da dívida” (Instituições de direito civil, 20.ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 168).

Ao ser constituída a obrigação, o credor pode exigir o cumprimento da prestação e o devedor fica obrigado a cumpri-la no tempo e do modo devidos. O Capítulo III do Livros das Obrigações do novo Código Civil cuida do adimplemento e da extinção das obrigações. Disciplina, portanto, os meios necessários e aptos a extinguir a obrigação. O Código Civil de 1916 denominava como “Dos efeitos das obrigações o capítulo que tratava das hipóteses de adimplemento”.

Normalmente, a obrigação nascida de qualquer de suas fontes extingue-se pelo pagamento, ou seja, pelo cumprimento da prestação devida ao credor, no prazo e do modo estabelecidos. Pagamento, portanto, representa o cumprimento da prestação devida em qualquer de suas modalidades – fazer, não fazer ou dar -, e não apenas a correspondente à entrega de dinheiro. Na definição de Clóvis, “pagamento é execução voluntária da obrigação” (LOTUFO, Renan. Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 185). Caio Mário da Silva Pereira registra que o pagamento deve coincidir com a coisa devida e tem como efeito essencial a extinção da obrigação (op. cit., p. 183).

O adimplemento pode ser direito, indireto ou anormal. No primeiro caso, corresponde à própria prestação originalmente prevista (pagamento, portanto); no segundo, resulta de outro fenômeno (consignação, novação, compensação etc.); no terceiro, ocorre quanto a obrigação extingue-se sem cumprimento, como nos casos de perecimento do bem sem culpa do devedor, prescrição, invalidade etc. O pagamento será voluntário quando efetuado espontaneamente pelo devedor e forçado, quando resultar da intervenção judicial.

No entanto, além do pagamento, expressão que corresponde ao adimplemento, há outras formas de extinção das obrigações – confusão, remissão, compensação etc. -, que, no entanto, não equivalem ao adimplemento. Renan Lotufo pondera que a doutrina distingue as hipóteses de extinção satisfativa e não satisfativa do crédito (op. cit., p. 183). Se qualquer desses requisitos não se verificar, não haverá pagamento, embora seja possível que se reconheça a extinção da obrigação em decorrência de outro fato (dação em pagamento, por exemplo). Além disso, o pagamento supõe a existência de obrigação anterior, pois dá lugar à repetição do indébito, i.é, a restituição do objeto do pagamento àquele que o efetuou por erro (RIZZARDO, Arnaldo. Direito das obrigações. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 297).

O artigo em exame cuida de disciplinar a possibilidade de interessados e não interessados efetuarem o pagamento. Para a exata compreensão desse artigo, é preciso compreender o sentido da expressão “interessado na extinção da dívida”. Serão interessados os que, juridicamente, estiverem obrigados a efetuar o pagamento, ou seja, a dar cumprimento à prestação assumida – como é o caso dos garantidores em geral. A responsabilidade já assumida por eles no momento em que a obrigação foi constituída os autoriza e os legitima a pagar o débito e a utilizar todos os meios necessários para a exoneração. Até mesmo um credor do devedor pode ter interesse em quitar sua dívida para evitar a penhora, preservando, assim, sua garantia. Ou um inquilino do imóvel pode decidir quitar a dívida do locador para que o bem não seja arrematado, evitando assim a legitimação do despejo. Nessas duas hipóteses, haverá terceiros juridicamente interessados na extinção da dívida, que, segundo o dispositivo em exame, poderão valer-se de todos os meios destinados à exoneração da dívida (como a consignação em pagamento).

O interesse jurídico referido não contempla somente os que integrarem a relação jurídica estabelecida entre credor e devedor, mas também os que nela não figuram, embora possam suportar as consequências do inadimplemento. No parágrafo único deste dispositivo, assegura-se ao terceiro não interessado o direito de valer-se dos mesmos meios necessários de que o devedor para extinguir a obrigação, desde que o faça em nome e à conta deste. O terceiro não interessado é o que não integra a relação jurídica a que o devedor se vincula e também não tem qualquer espécie de interesse jurídico no pagamento. Neste parágrafo, admite-se a oposição do devedor ao pagamento a ser efetuado por terceiro não interessado em nome do próprio devedor. significa dizer, portanto, que o devedor só pode opor-se ao pagamento que o terceiro não interessado pretende efetuar em nome daquele, mas não ao terceiro vinculado juridicamente a sua obrigação ou ao não interessado que pague em seu próprio nome, i.é, em nome dele, terceiro, hipótese contemplada no dispositivo seguinte. O devedor poderá se opor a este pagamento pretendido pelo terceiro não interessado em nome dele, devedor, já que este é o titular do direito subjetivo de cumprir pessoalmente a obrigação.

O pagamento efetuado pelo terceiro interessado implica sub-rogação, i.é, transmissão do crédito do credor originário ao terceiro interessado de cumpre a obrigação do devedor (art. 346, III, do CC). O devedor não cumpriu sua obrigação, embora o credor tenha recebido a satisfação de seu crédito. Deste modo, a dívida não foi extinta, mas transferida ao terceiro que a saldou. A oposição que o devedor pode apresentar ao pagamento do terceiro não interessado pode decorrer de seu interesse em quitar a dívida, mas também de razoes íntimas pelas quais considere inadmissível que alguém, por qualquer motivo, decida dar cumprimento à sua obrigação. É o caso do fiscal de rendas, ou de outro servidor público, que não tenha condições de cumprir determinada obrigação, mas pretende impedir que o terceiro não interessado o faça em seu lugar, pretendendo assegurar o respeito à sua reputação – imagine-se que o terceiro não interessado que deseja pagar sua dívida seja um conhecido contraventor.

A possibilidade de oposição ao pagamento ofertado pelo terceiro não interessado em nome do devedor remete à seguinte reflexão: o credor é impedido de receber o crédito a que faz jus em decorrência da oposição do devedor? A resposta deve ser negativa, pois o credor não pode ver-se impedido de receber o que lhe é devido, ainda que terceiro não interessado pretenda pagá-lo. Aliás, a aceitação da quitação do débito por terceiro não interessado – ainda que contrariando a oposição do devedor – seria possível por sub-rogação convencional do crédito (art. 347 do CC). O negócio seria válido e bastaria que o devedor original fosse notificado para que a cessão fosse eficaz em relação a ele (arts. 290 e 348 do CC).

Quais os efeitos, portanto, da oposição do devedor, se o credor pode recebe-lo a despeito de sua oposição? O primeiro deles, extraído da conjugação do parágrafo único com o caput do artigo em exame, corresponde à impossibilidade de o terceiro não interessado valer-se dos meios conducentes à exoneração do devedor: caso o credor não queira receber e o devedor se oponha ao pagamento, o terceiro não interessado não pode valer-se dos meios conducentes à exoneração, ainda que o faça em nome do devedor. o segundo efeito se verificará se o credor aceitar do terceiro não interessado o pagamento oferecido em nome do devedor que a ele se opõe. Desse modo, o pagamento será eficaz para desobrigar o devedor em relação ao credor, mas afastará o reconhecimento da liberalidade que a doutrina identifica nesses casos (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. I, p. 107. RODRIGUES Sílvio. Direito Civil. São Paulo, Saraiva, 2002, v. II, p. 127. ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. Niterói, Impetus, 2004, p. 138).

Registre-se, porém, que a presunção de liberalidade não é a regra, pois o comum não é a doação, mas sim a onerosidade. A doutrina, porém, reconhece no parágrafo único em exame uma presunção de liberalidade em razão de dois fatos; a) o art. 305 do Código Civil só se refere ao direito de ressarcimento do terceiro não interessado que paga em seu próprio nome, de modo que no caso do pagamento feito em nome do próprio devedor não haveria direito ao ressarcimento (RODRIGUES, Sílvio. op. cit., p. 127); e b) as liberalidades dependem de aceitação (arts. 385 e 539 do CC). Assim, a possibilidade de o devedor opor-se ao pagamento que o terceiro não interessado pretende efetuar em nome do primeiro – acréscimo do parágrafo em exame com relação ao art. 930, parágrafo único, do Código Civil de 1916 – destinou-se a evidenciar o caráter de liberalidade desse caso de pagamento.

Contudo, insista-se que as liberalidades não se presumem, porque excepcionais, de modo que o terceiro não interessado poderá postular o recebimento do que pagou em benefício do devedor, ainda que tenha havido oposição deste, como esclarece Renan Lotufo: “É evidente que houve uma vantagem econômica para o devedor, que não sofreu qualquer diminuição em seu patrimônio, o que ocorreria com o adimplemento por sua conta. Pelo contrário, o devedor originário teve um benefício patrimonial, um enriquecimento sem causa, à custa da atuação do terceiro. nesse caso, portanto, o terceiro só poderá exercer pretensão em face do devedor, comprovando que este obteve vantagem patrimonial sem motivo determinante prestigiado pelo Direito, i.é, enriquecimento sem causa” (op. cit., p. 189).

Destarte, a oposição do devedor se prestará a dois efeitos: impedir tanto que o terceiro se valha de meios conducentes à exoneração como o reconhecimento de uma liberalidade, se, porventura, o terceiro manifestar seu propósito de fazê-la, porque esta não se presume. Judith Martins-Costa, que admite a presunção de liberalidade nesse caso, sustenta que ela é relativa, não absoluta (op. cit., p. 108). Mas, ao se admitir que a liberalidade não se presume, ela só ocorrerá se o devedor aceitar o pagamento do terceiro, sem oposição, e se ele manifestar seu propósito de efetuar a liberalidade. Mário Júlio de Almeida Costa conclui neste mesmo sentido: se existe doação, há necessidade de estar presente o elemento intencional na conduta do terceiro e a aceitação do devedor. do contrário, mesmo quando o pagamento é feito em nome do devedor, o terceiro não interessado pode postular o reembolso sob pena de enriquecimento sem causa (Direito das obrigações. Coimbra, Almedina, 2000, p. 925).

A existência do art. 305 do Código Civil, ao que parece, decorre da impossibilidade de o terceiro valer-se dos meios conducentes à exoneração da dívida se pretender pagar em nome próprio, e não à presunção de liberalidade, que estaria presente no art. 304, parágrafo único. Ademais, no caso do artigo seguinte, não haverá liberalidade.

Todavia, o devedor não pode opor-se ao pagamento do terceiro vinculado juridicamente à obrigação ou ao não interessado que pague em seu próprio nome, hipótese contemplada no dispositivo seguinte. O pagamento efetuado pelo terceiro interessado implica sub-rogação, i.é, transmissão do crédito do credor originário ao terceiro que cumpre a obrigação do devedor (art. 346, III, do CC). O devedor não cumpre sua obrigação, embora o credor tenha recebido a satisfação de seu crédito. Desse modo, a dívida não foi extinta, mas transferida ao terceiro que a saldou. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 278-280 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Pouco fala Ricardo Fiuza em sua doutrina a respeito do artigo 304. A seu ver, resumidamente, são interessados no pagamento da dívida o fiador, o avalista, o devedor solidário, o sublocatário, o sócio, o terceiro que prestou hipoteca ou penhor, o herdeiro. Todos eles podem pagar independentemente do consentimento do devedor ou do credor e mesmo contra a sua vontade. Já o terceiro não interessado só pode pagar pelo devedor e, em consequência desse pagamento, sub-rogar-se nos direitos de credor do devedor, se este não se opuser. Havendo oposição do devedor, o terceiro só poderá pagar em nome próprio, aplicando-se a regra do art. 305.

Observe-se que a única inovação trazida no bojo desse art. 304 foi justamente a inserção dessa cláusula final no parágrafo único, privilegiando as hipóteses em que, por razões de ordem moral, religiosa ou jurídica, não seja conveniente ao devedor que determinada pessoa realize o pagamento. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 174, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/04/2019, VD).

Art. 305. O terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsa-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor.

Parágrafo único. Se pagar antes de vencida a dívida, só terá direito ao reembolso no vencimento.

No dizer de Guimarães e Mezzalina, diversamente do que se dá na hipótese do artigo 304, o terceiro não interessado que pagou a obrigação devida pelo devedor não se sub-roga na posição do credor original. Nesse caso, haverá apenas e tão somente ao terceiro o direito de pleitear o reembolso do que despendeu em favor do devedor. afinal, do contrário, haveria o enriquecimento sem causa do devedor.  caso o terceiro não interessado pague a dívida antes do seu vencimento, ele deverá aguar o seu termo para cobrar o reembolso do devedor. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 23.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Bdine Jr., no caso deste dispositivo, o terceiro não interessado paga a dívida em seu próprio nome, não em nome do devedor, como no caso referido no parágrafo único do dispositivo anterior. No caso presente, o ordenamento não autoriza o terceiro a valer-se de todos os meios necessários ao adimplemento, ao contrário do que ocorre nos casos do art. 304. Apesar disso, o pagamento pode ocorrer, de modo que o dispositivo em exame assegura ao terceiro que seja reembolsado daquilo que pagou, cobrando a importância do devedor que se beneficia com o ato. Mas nesse caso não se opera a sub-rogação. A distinção é relevante. Ora, se a sub-rogação não ocorrer, o terceiro não faz jus ao ressarcimento da integralidade do débito que liquidou, mas apenas ao montante que entregou ao credor. Aplica-se essa regra às obrigações de pagar em dinheiro; por exemplo, no caso de terceiro que resgata uma dívida de R$ 1.000,00 por R$ 900,00, pois recebe um desconto de 10% do credor, só poderá cobrar do devedor os R$ 900,00 que pagou. Além disso, se a dívida estava garantida por fiança ou hipoteca, tais garantias não beneficiarão o terceiro, já que ele não se sub-roga na obrigação original, podendo, de acordo com o disposto no artigo em exame, apenas recuperar aquilo que efetivamente gastou (art. 349 do CC).

O parágrafo único deste artigo proíbe o terceiro não interessado de cobrar o reembolso mencionado no caput antes da data do vencimento da dívida, caso tenha procedido ao pagamento antes desse prazo. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 303-4 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No intervir de Ricardo Fiuza, mesmo havendo oposição do devedor, pode o terceiro não interessado quitar a dívida, desde que o faça em nome próprio, ainda que em benefício do devedor. em respeito à regra geral de vedação ao enriquecimento sem causa, pode o terceiro reembolsar-se, junto ao devedor, pelo que houver pago, sem, no entanto, sub-rogar-se nos direitos do primitivo credor. Como não lhe seria possível onerar a posição do devedor, pagando valor superior ao devido ou em data anterior ao vencimento, o reembolso estará limitado ao valor do débito e só poderá ser cobrado na data do vencimento. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 175, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/04/2019, VD).

Art. 306. O pagamento feito por terceiro, com desconhecimento ou oposição do devedor, não obriga a reembolsar aquele que pagou, se o devedor tinha meios para ilidir a ação.

Segundo parecer de Ricardo Fiuza, promoveu-se aqui substanciosa alteração no correspondente art. 932 do Código Civil de 1916, para prever hipótese em que o devedor se eximirá da obrigação de reembolsar o terceiro que houver pago o débito, independentemente do benefício que tinha experimentado, sempre que o pagamento se dê sem o seu consentimento ou com a sua oposição, quanto tinha, ele, devedor, meios ou instrumentos de evitar a cobrança do débito pelo credor, como se dá, por exemplo, nas hipóteses em que o devedor dispõe de defesas pessoais, só oponíveis ao primitivo credor.

Na antiga redação do art. 932, do Código Civil de 1916, pondera Fiuza, o devedor, mesmo opondo-se ao pagamento pelo terceiro não interessado, estava obrigado a reembolsá-lo, ao menos até a importância em que o pagamento lhe foi útil. O art. 306 do novo Código promove importante modificação na regra de reembolso, passando a dispor que o devedor, mesmo aproveitando-se, aparentemente, do pagamento feito pelo terceiro, não estará mais obrigado a reembolsá-lo, desde que dispusesse, à época, dos meios legais de ilidir a ação do credor, vale dizer, de evitar que o credor viesse a exercer o seu direito de cobrança. Na verdade, se o devedor tinha meios para evitar a cobrança, e ainda assim, com a sua oposição ou seu desconhecimento, vem um terceiro e paga a dívida, sofreria prejuízo se tivesse que reembolsar àquele, significando inaceitável oneração de sua posição na relação obrigacional por fato de terceiro. merece, portanto, os maiores elogios a inovação do art. 306. A sua redação, no entanto, talvez não tenha sido a mais feliz, como ressalta Álvaro Villaça Azevedo: “A redação do texto analisado deixa a desejar, principalmente, quanto a esta última expressão, muito generalizada. Tem-0se a impressão de estarem os mesmos dispositivos referindo-se à ação do terceiro, mas isso não seria possível, mormente se o devedor desconhecesse o pagamento por ele realizado. No caso a referência é aos meios de defesa do devedor junto ao credor, ilidindo a ação deste, na cobrança de seu crédito” (Teoria geral das obrigações, cit., p. 119). Entendemos assistir parcial razão ao mestre Villaça.  (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 175, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/04/2019, VD).

Concordando com o até aqui exposto, Bdine Jr. aquiesce que o devedor não está obrigado a reembolsar o terceiro que pagou sua dívida, se tinha meios para ilidir a ação, desde que desconhecesse o pagamento ou se opusesse a ele. A disposição se aplica tanto ao terceiro interessado quanto ao não interessado, uma vez que o dispositivo não os distingue e em ambas as hipóteses é possível vislumbrar prejuízo ao devedor, que tem argumentos para exonerar-se da obrigação indevidamente paga pelo terceiro.

No entanto, há hipóteses em que o devedor apresenta argumentos não convincentes para ilidir a ação de cobrança. Importa saber se, nesses casos, o terceiro interessado fica impedido de efetuar o pagamento. Parece que o dispositivo deve ser interpretado como uma espécie de cláusula aberta, que permite ao juiz examinar em cada caso a consistência do argumento apresentado pelo devedor. assim, se o locatário deseja impedir o fiador de quitar seu débito, sob o fundamento de que o direito à moradia é assegurado constitucionalmente – de maneira que o locador não pode cobrá-lo, tendo em vista a inconstitucionalidade e a natureza residencial da locação -, a fragilidade do argumento não impede o fiador de pagar a dívida. Contudo, se o argumento apresentado pelo devedor principal é sério e sua admissibilidade provável, ele tem direito de se eximir da obrigação de reembolso em relação ao terceiro. é interessante observar que, em todas essas hipóteses, a discussão só se estabelecerá se o terceiro efetivamente pagar o credor; do contrário a discussão não será viável. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 286 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Endossando os dois primeiros comentários, Guimarães e Mezzalina, faz rápida alusão ao art. 306, completando que nos casos em que o devedor desconhecer ou se opuser a que o pagamento seja efetuado por terceiro, a este será dado ser reembolsado apenas da porção que, efetivamente beneficiar-lhe. Afinal, pode haver casos em que o devedor, por meio de exceções pessoais ou extintivas da obrigação, poderia se elidir da cobrança do credor (ex.: prescrição da dívida) e, logo, não terá auferido vantagens reais com o pagamento efetuado pelo terceiro. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina (Direito Civil Comentado, apud Direito.com em 23.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 23 de abril de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 301, 302, 303 DA ASSUNÇÃO DE DÍVIDA – VARGAS, Paulo S. R.


                        DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 301, 302, 303
DA ASSUNÇÃO DE DÍVIDA – VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título II – Da Transmissão das Obrigações (art. 286 a 303)
Capítulo II – DA ASSUNÇÃO DE DÍVIDA –
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 301. Se a substituição do devedor vier a ser anulada, restaura-se o débito, com todas as suas garantias, salvo as garantias prestadas por terceiros, exceto se este conhecia o vício que inquinava a obrigação.

Em relação ao artigo 301, Bdine Jr. comenta Lotufo e Pereira, senão vejamos: Se a substituição do devedor for anulada restaura-se o débito com suas garantias, mas os terceiros só voltarão a ser considerados garantidores se conheciam o vício que comprometia a obrigação. Embora o dispositivo se refira à anulação, parece que seria mais próprio o uso da expressão invalidade, pois também as hipóteses de nulidade poderão justificar sua incidência ao caso (LOTUFO, Renan. Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p, 177). No caso de assunção de dívida, salvo consentimento expresso do terceiro garantidor, essas garantias não prevalecerão. Mas, se a assunção for invalidade, o débito original se restabelece, com exceção das garantias que ele houver prestado se restabelecerão. Somente se o terceiro tinha conhecimento do vício é que a garantia prestada por ele será restabelecida. O conhecimento do vício implicaria a má-fé de sua conduta, razão pela qual não seria considerado exonerado de sua obrigação em relação à dívida. A regra consagra a boa-fé objetiva, uma vez que o garantidor é responsável pela sorte do credor (ver comentário ao art. 422). E, como tal, mesmo não integrando o negócio da assunção como parte, tem deveres de lealdade e de informação, de maneira que não se exonera da dívida se conhecia o vício que inquinava a obrigação (LOTUFO, Renan. Op. cit., p. 177). A obrigação a que se refere o presente artigo é a assunção de dívida, pois ao seu desfazimento é que se refere o texto. O restabelecimento da dívida original e das garantias ofertadas pelo devedor primitivo não pode, porém, prejudicar terceiros de boa-fé (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 20.ed. atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 386). Assim, se o devedor primitivo aliena a terceiro de boa-fé o bem que havia dado em penhor para a garantia do débito assumido por terceiro, o restabelecimento da dívida nos termos do disposto nesse artigo não pode implicar perda do bem pelo adquirente – desde que não tenha agido maliciosamente. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 271-2 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo comentário em Direito.com acesso em 20.04.2019, a anulação da dívida faz com que as partes sejam obrigadas a serem restituídas ao status quo ante. Nesse caso, revigoram-se tanto a responsabilidade do devedor primitivo quanto as garantias que houver prestado. Não se revigoram as garantias prestadas por terceiro, exceto se houver anuência por parte destes ou se ficar demonstrado que tinham conhecimento dos vícios que inquinavam a cessão de débito e que levaram à sua anulação. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 20.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

A doutrina espelhada por Ricardo Fiuza, é que se o contrato de assunção vier a ser anulado, ocorre o renascimento da obrigação para o devedor originário, com todos os seus privilégios e garantias, salvo as que tiverem sido prestadas por terceiro. e a razão dessa regra é bastante simples: se a substituição do devedor não ocasiona alteração na relação obrigacional, que permanece intacta, com todos os seus acessórios, também se mantém inalterada a obrigação se a substituição é invalidada, retornando o primitivo devedor ao polo passivo. Entretanto, as garantias especiais prestadas por terceiros, e que haviam sido exoneradas pela assunção, não podem ser restauradas, em prejuízo do terceiro, salvo se este tinha conhecimento do defeito jurídico que viria pôr fim à assunção. Trata-se, aqui, de simples aplicação do princípio da boa-fé. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 172, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/04/2019, VD).

Art. 302. O novo devedor não pode opor ao credor as exceções pessoais que competiam ao devedor primitivo.

Sob enfoque de Fiuza, aquele que assume a posição do devedor na relação obrigacional só pode alegar contra o credor as defesas decorrentes do vínculo anterior existente entre credor e primitivo devedor, não lhe cabendo invocar as defesas pessoais que derivem das relações existentes entre ele, o novo devedor e o primitivo devedor ou entre este e o credor. Não pode alegar, por exemplo, o direito de compensação que possuía o primitivo devedor em face do credor. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 172, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/04/2019, VD).

Sobre propostas de alteração desse artigo, vide comentários ao art. 273.

Por haver a integral transferência da dívida do devedor primitivo ao assunto, este poderá opor ao credor todas as exceções referentes ao débito, excepcionadas aquelas, referentes às condições pessoais do devedor primitivo. Direito.com acesso em 22.04.2019.

No que se refere aos meios de defesa, Bdine Jr. diz que eventual inadimplemento do antigo devedor no cumprimento das obrigações que assumiu em relação ao assuntor não é oponível ao credor. O novo devedor também não pode opor ao credor meios de defesa de que dispunha o antigo devedor contra o credor. Contudo, pode valer-se dos meios de defesa derivados da relação estabelecida entre ele próprio e o credor. De modo geral, considera-se a assunção de dívida um contrato abstrato, tanto no que se refere às relações entre o assuntor e o antigo devedor, quanto no que diz respeito às estabelecidas entre o assuntor e o credor. Por essa razão o assuntor não pode levantar objeções derivadas da assunção de dívida. Os meios de defesa do antigo devedor transferem-se ao novo, com exceção daquelas que forem posteriores à assunção e dos que possuírem caráter personalíssimo – i.é, as exceções pessoais do antigo devedor não podem ser invocadas por ele, tais como compensação, defeitos do negócio original etc. (MAIA, Mairan. Comentários ao Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. III, p. 269). Luiz Roldão de Freitas Gomes, após examinar as questões relativas aos meios de defesa disponíveis ao novo devedor, afirma que os princípios a eles relativos não podem ser tratados com “rigidez que os imobilize, cerrando portas a tratamento diverso para casos em que sua inflexível aplicação, a par de não corresponder à sistemática em torno do assunto, não atenderia a um preceito de justiça” (Da assunção de dívida e sua estrutura negocial. Rio de Janeiro, Lumen Iuris, 1998, p. 198-9, sendo oportuno registrar que o autor relaciona inúmeras hipóteses em que considera adequada essa flexibilização nas páginas 187 a 198). O Código Civil de 2002 veda ao cessionário do débito valer-se das exceções pessoais que competiam ao antigo devedor. contudo, é preciso registrar que o conceito de exceções pessoais compreende apenas aquelas questões vinculadas diretamente à pessoa do devedor, com causa distinta da dívida estabelecida entre as partes (compensação, p. ex.) pois aquelas que tiverem origem na própria dívida assumida deverão ser admitidas (pagamentos, inadimplemento etc.). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 272-3 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 303. O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em trinta dias a transferência do débito, entender-se-á dado o assentimento.

Bdine Jr. diz que havendo aquisição de imóvel hipotecado, e desejando o adquirente assumir o débito correspondente, faculta-lhe esse dispositivo notificar o credor para assentir com a transferência, que se presumirá, caso ele não a impugne em trinta dias. Trata-se de exceção à regra geral de que o silêncio do credor a respeito da assunção deve ser interpretado como recusa. O credor está garantido pela hipoteca, o que, de certo modo, revela que os cuidados de que se deve cercar para concordar com a assunção da dívida são menores, justificando-se o menor rigor legislativo. Caberá ao credor com garantia hipotecária apresentar suas razões para a recusa, que não pode ser arbitrária, sob pena de abuso de direito (art. 187 do CC). Acrescente-se que a vedação à cessão do financiamento, nos casos do sistema Financeiro da Habitação, não foi revogada por esse dispositivo, pois foi contemplada em legislação especial (art. 1º da Lei n. 8.004, de 14 de março de 1990). (Bdine Jr., Hamid Charaf. Comentário ao artigo 303 do Código civil, In Peluso, Cezar (coord.).

O art. 303 representa a tentativa do legislador de relativizar a orientação adotada pelo projeto de que o consentimento do credor será sempre expresso, vez que parte da doutrina se manifesta a favor do cabimento da aceitação tácita, leciona Ricardo Fiuza, e continua:

O dispositivo, excetuando a regra geral de que o consentimento do credor há de ser expresso, admite a hipótese de concordância tácita do credor hipotecário que, notificado da assunção, não a impugna no prazo de trinta dias. A hipótese, segundo Sílvio Rodrigues, deveria ser até mesmo de dispensa da anuência do credor, sobretudo se o valor da hipoteca for superior ao débito, devendo “a lei permitir a cessão por mero acordo entre devedor e cessionário, pois a oposição do credor não encontra outro esteio que não seu capricho, visto que seu interesse não sofre ameaça, por força da excelência da garantia” (Direito civil, 24.ed., São Paulo, Saraiva, 1996, v. 2, p. 310). De fato, em hipóteses tais, a segurança do credor reside muito mais na garantia em ~i do que na pessoa do devedor. se a assunção do débito pelo terceiro adquirente do imóvel possibilita a permanência da garantia real, pouca ou nenhuma diferença fará ao credor se o devedor será A ou B. Daí a mitigação da exigência de que o consentimento do credor seja expresso, sobretudo nessas hipóteses em que a garantia é superior ao débito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 174, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/04/2019, VD).

Conforme informação encontrada no site Direito.com acesso em 22.04.2019, embora a lei tenha determinado o consentimento expresso do credor para a assunção de débito (CC, art. 299), abre-se uma exceção a tanto e confere-se ao devedor hipotecário a possibilidade de assunção do débito, condicionando sua eficácia à notificação do credor acerca do negócio. Permanecendo o credor silente, a cessão consuma-se efetivamente. É caso, portanto, de presunção de anuência decorrente do silêncio. “A recusa do credor, quando notificado pelo adquirente de imóvel hipotecado comunicando-lhe o interesse em assumir a obrigação, deve ser justificada” (Enunciado 353 do CEJ). (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 22.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 22 de abril de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 299, 300 DA ASSUNÇÃO DE DÍVIDA – VARGAS, Paulo S. R.


                            DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 299, 300
DA ASSUNÇÃO DE DÍVIDA – VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título II – Da Transmissão das Obrigações (art. 286 a 303)
Capítulo II – DA ASSUNÇÃO DE DÍVIDA –
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.

Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa.

Em relação à Assunção de dívida, Fiuza conta que a denominação vem do direito alemão (Die Schuldübernhme). Diz-se do negócio jurídico bilateral pelo qual um terceiro, estranho à relação obrigacional, assume a posição de devedor, responsabilizando-se pela dívida, sem extinção da obrigação, que subsiste com os seus acessórios. Ou seja, é a sucessão a título singular do polo passivo da obrigação, permanecendo intacto o débito originário, ao contrário do que ocorre com a novação, como veremos mais adiante.

Ainda segundo Ricardo Fiuza, durante muito tempo discutiu-se entre nós a admissibilidade da assunção, ante a falta de previsão expressa no Código Civil de 1916. A doutrina tradicional de origem romanista sempre se perfilhou no sentido de não ser possível a substituição, a título singular, do devedor, sem que se extinguisse o vínculo obrigacional. Essa posição, no entanto, restou superada, admitindo-se no nosso ordenamento, ainda na vigência do Código Civil de 1916, a assunção de dívida, mesmo sem regulamentação em texto de lei. Dizia o mestre Orlando Gomes: “No Direito pátrio, é admissível, assim, a sucessão no débito pelas normas previstas em outras legislações. Não convence a opinião de que a substituição do devedor na relação obrigacional somente se possa efetuar mediante novação” (Obrigações, cit., p. 276). E mais: “A liberdade de contratar é reconhecida e assegurada com limitações que s3e restringem praticamente à intangibilidade da ordem pública e dos bons costumes. Consequentemente, não há obstáculo legal à livre pactuação de negócio que tenha por fim a sucesso singular na dívida, sem novação. A matéria, como admite o próprio De Gaspareli, é eminentemente privada. Basta, pois, que as partes, ao estipularem uma delegação ou expromissão, regulem seus efeitos de modo a retirar do negócio qualquer sentido novatório. Não há, portanto, incompatibilidade sob esse aspecto, nem sob o técnico” (Orlando Gomes, Obrigações, cit., p. 276-7). A mesma celeuma instalou-se no direito português, vindo Alves Moreira a registrar: “é o conteúdo que constitui essencialmente a obrigação, podendo ser indiferente, para o devedor, a pessoa a quem ela aproveitará, e, para o credor, a pessoa que tenha de a cumprir, devendo consequentemente admitir-se, desde que o credor o consinta, a substituição do devedor, sem que essa substituição extinga o vínculo obrigatório preexistente, que pode, em virtude da mesma causa jurídica, continuar a subsistir com os seus acessórios” (Guilherme Alves Moreira. Instituições do direito civil português, cit., p. 181). Essa posição foi sufragada por grande parte de nossos civilistas, a exemplo de Caio Mário, Pontes de Miranda, Orozimbo Nonato, Carvalho de Mendonça, Antunes Varela e Arnoldo Wald, vindo a disciplina da assunção de dívida a constar de título próprio no projeto de Código de Obrigações e agora no novo Código Civil brasileiro.

Em relação ao Objeto, Fiuza nos ensina que, seu objeto podem ser todas as dívidas, presentes e futuras, aí incluídos os deveres secundários do devedor, a exemplo da atualização monetária e dos juros de mora. Nos casos de transferência de estabelecimento comercial, o novo Código disciplina a assunção do passivo nos arts. 1.145 e 1.146, adiante comentados.

Quanto às Espécies, ainda sob a égide de Ricardo Fiuza, ensinam os mestres que a assunção de dívida pode operacionalizar-se de duas formas distintas: a) forma de expromissão, caracterizada pelo contrato entre credor e um terceiro, que assume a posição de novo devedor, sem necessidade de comparecimento do antigo devedor; e b) forma de delegação, caracterizada pelo acordo entre o devedor originário e o terceiro que vai assumir a dívida, cuja validade depende da aquiescência do credor. As duas modalidades podem, ainda, possuir efeitos liberatórios ou cumulativos. Na assunção liberatória ocorre a liberação do primitivo devedor. Na cumulativa, dá-se o ingresso do terceiro no polo passivo da obrigação, sem que ocorra a liberação do antigo devedor, que permanece na relação com liame de solidariedade com o novo. Aqui, diz Luiz Roldão de Freitas Gomes, “o assuntor se vincula, solidariamente, ao lado do primitivo devedor, pela mesma obrigação deste, diante do credor, que pode cobrar a prestação quer de um, quer de outro, de modo indistinto” (Da assunção de dívida e sua estrutura negocial, cit., p. 306). Não se confunde com a fiança, em que o fiador responde por dívida alheia, enquanto o assuntor cumulativo é titular do débito, em nome próprio. E também chamada de coassunção, adesão ou adjunção à dívida.

O art. 299, ora em comento, não dispôs sobre as modalidades de assunção, pois sua intenção parece referir-se apenas à segunda modalidade de assunção de dívida (forma delegatória), no qual o consentimento expresso do credor constitui requisito de eficácia do ato, explica Ricardo Fiuza, p. 171, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado. Na forma expromissória não haveria que se falar em consentimento do credor, uma vez que é este quem celebra o negócio com o terceiro que vai assumir a posição do primitivo devedor. O artigo também se omitiu de mencionar os efeitos da assunção delegatória antes do assentimento do credor, além de se abster completamente de tratar da assunção cumulativa.

O artigo exige, ainda, que a aceitação do credor seja expressa, não admitindo, em regra, a aceitação tácita, que ocorre, como observa Orlando Gomes, quando o credor, sem reserva de espécie alguma, recebe parte da dívida ou consente a prática de outro ato que faça supor ter o terceiro a qualidade de devedor” (Obrigações, cit., p. 265). O novo Código, no entanto, admite em um único caso a aceitação tácita, na hipótese de inação do credor, prevista no art. 303, comentado logo adiante.

Ocorrendo a insolvência do novo devedor, fica sem efeito a exoneração do antigo. Nesse aspecto, o dispositivo é também criticado por Luiz Roldão de Freitas Gomes, por não haver ressalvado a hipótese de que as partes, aceitando correr o risco, exonerem o primitivo devedor mesmo se o novo for insolvente à época da celebração do contrato. Da forma como se encontra redigido o dispositivo, diz o autor, “parece não haver alternativa: se o novo devedor já era insolvente à época da assunção e o credor o ignorava, não resulta exonerado o antigo devedor. Mas pode o credor preferir correr o risco, liberando, por motivos vários, aquele” (Da assunção de dívida. Cit., p. 288), continua Fiuza.

O parágrafo único do art. 299 foi praticamente copiado do Código Civil alemão (art. 415). Emilio Eiranova Encinas, em seu Código Civil alemán comentado, enfatiza que “Si ei deudor o el terceiro exigefl ai acreedor su ratificación dentro de um período establecido de tiempo, (..) si no declara, se considerará que haja sido denegada(Madrid, Marcial Pons. Ediciones Jurídicas y Sociales, 1998, p. 156). Mas também é objeto da crítica de alguns autores, a exemplo de Caio Mário, citado por Luiz Roldão de Freitas Gomes, que o consideram desnecessário, “pois se a assunção de dívida não for concertada, de comum acordo, com o credor, de nada vale sua interpelação para que manifeste a sua anuência. Se ele não a deu, na fase dos entendimentos, ou se o devedor não a obteve, não será a interpelação que mudará seus propósitos” (Da assunção de dívida, cit., p. 288). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 170-1, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/04/2019, VD).

Na visão de Bdine Jr., a assunção da dívida pode ser definida como a transmissão singular da dívida de um devedor para terceiro, que passa a ocupar seu lugar na relação obrigacional. O terceiro assume a dívida e se compromete a saldá-la. Tal comportamento não implica que o crédito originário esteja extinto e que tenha sido substituído por outro, mas sim que o mesmo débito seja exigido do novo devedor que assumiu a responsabilidade por ele. Segundo Mário Júlio de Almeida Costa, “a ideia subjacente é a da transferência da dívida do antigo para o novo devedor, mantendo-se a relação obrigacional” (Direito das Obrigações. Coimbra, Almedina, 2000, p. 759). Denomina-se interna a assunção que se verifica por contrato celebrado entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor; e externa aquela que resulta de contrato estabelecido entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor. No primeiro caso, não havendo ratificação do credor, não se consolida a assunção de dívida. Assim sendo, até a ratificação será permitido aos devedores – antigo e novo – desfazerem o negócio. Na realidade, como adverte Renan Lotufo, a leitura do art. 299 do Código Civil, ora em exame, assegura que enquanto não ocorrer o consentimento do credor não haverá assunção da dívida, pois ele é elemento necessário para o renascimento da transmissão. O credor depositou confiança no devedor, de modo que sua manifestação de vontade é fundamental para que ele possa ser substituído por outro (Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 166). Outra classificação possível para a assunção de dívida distingue aquela em que o devedor se exonera da obrigação daquela em que ele se mantém solidariamente obrigado perante o credor. Ao primeira é denominada assunção liberatória e a segunda, cumulativa. Na lição de Renan Lotufo, a omissão do Código no tratamento da assunção cumulativa “tem sua lógica”. Ensina que a assunção cumulativa não é hipótese de transmissão da obrigação, mas mera “pluralidade subjetiva no polo passivo, de obrigação previamente existente” (op. cit., p. 168). Desse modo, a transmissão da obrigação não se opera, havendo apenas a adesão de outro devedor à mesma relação jurídica. Mário Júlio de Almeida Costa também se manifesta no sentido de que somente haverá verdadeira assunção de dívida no caso da assunção liberatória (op. cit., p. 759). Assim, “enquanto não manifestado o assentimento do credor, o devedor primitivo encontra-se vinculado juridicamente a este, podendo dele ser exigido o pagamento do débito” (MAIA, Mairan. Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 262). São requisitos da assunção de dívida o consentimento do credor e a existência e a validade da obrigação transferida (Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 20, ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. II, p. 383). Aparentemente, Arnaldo Rizzardo não concorda com esta posição (Direito das obrigações. Rio de Janeiro, forense, 2004, p. 285). O consentimento do credor é sempre necessário, porque ele conta com o patrimônio do devedor para garantir o seu crédito. Desse modo, teria de suportar prejuízo se o devedor pudesse transferir o débito para terceiro insolvente. A ausência do referido consentimento implica a solidariedade do antigo devedor, que se mantém vinculado ao débito, como resulta da leitura do artigo em exame. Desse modo, não havendo consentimento do credor, a assunção é válida e eficaz, mas não se reconhece a exoneração do antigo devedor (COSTA, Mário Júlio de Almeida, Op. cit., p. 760). O referido consentimento pode se exteriorizar no momento da assunção ou posteriormente. O parágrafo único do art. 299 do Código Civil de 2002, em estudo, estabeleceu a possibilidade de o consentimento ser solicitado por notificação, mas negou a possibilidade de ele ser tácito, afastando a presunção a partir do silêncio do credor que não se manifesta no prazo que lhe for solicitado para recusar seu consentimento expressamente. Pablo Stolze Cagliano e Rodolfo Pamplona Filho afirmam que já na vigência do Código Civil de 1916 não seria possível admitir anuência tácita (Novo curso de direito civil. São Paulo, saraiva, 2002, v. II, p. 272). Renan Lotufo enfrenta a questão e sustenta que o comportamento concludente – de que trata Paulo da Motta Pinto (Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico. Coimbra, Almedina, 1995) -, consistente, por exemplo, em o credor receber pagamentos parciais de terceiro, representa aceitação expressa, e não tácita, de modo que estaria incluída na disposição desse artigo em exame (op. cit., p. 172). Caio Mário da silva Pereira afirma que o recebimento parcial de pagamentos ou juros caracterizará aceitação válida, ainda que a considere tácita, e não expressa – divergindo, nesse aspecto, de Renan Lotufo (Instituições de direito civil, 20 ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 383). A inexistência ou invalidade da obrigação transferida poderá ser alegada pelo assuntor ou pelo devedor primitivo, mas, se se tratar de defeito sanável, a anuência de todos os envolvidos no negócio implicará confirmação, afastando sua invalidade, de acordo com o disposto no art. 172 do Código Civil (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 383). Também se faz necessário o consentimento do novo devedor, que não pode ser obrigado a assumir uma dívida contra a sua vontade. No entanto, o consentimento do devedor primitivo é dispensável na denominada assunção de dívida externa, pois, como se verificou acima, esta se estabelece a partir de negócio originariamente celebrado entre o credor e o novo devedor, sem que se justifique a necessidade de anuência do devedor, cuja situação não se alterará (caso as partes convencionem que ele permanecerá vinculado ao débito) ou melhorará (se ele for exonerado da obrigação). No caso em que o devedor primitivo for exonerado da obrigação, incidirão as regras dos arts. 304 e seguintes deste Código, por aplicação analógica. O consentimento expresso do credor é essencial, e ocorrerá a exoneração do devedor primitivo sempre que o devedor substituto não for insolvente, ou, sendo, o fato for do conhecimento do credor. Havendo consentimento expresso e não sendo o assuntor insolvente, desaparece a responsabilidade patrimonial do devedor primitivo. Outro requisito da assunção consiste em que ela seja fundada em contrato que exista e que não seja inválido. Nos casos em que o novo devedor for insolvente, o dispositivo em exame só admite a exoneração do antigo devedor se o credor tiver conhecimento dessa circunstância. O dispositivo legal não se refere à má-fé, mas apenas ao conhecimento. Dessa forma, para liberar o antigo devedor de sua obrigação, é necessário que ele tenha ciência da insolvência do devedor que assume a obrigação – pode-se imaginar uma raríssima situação em que o primitivo devedor seja insolvente e o credor aceite sua substituição por outro insolvente, de cuja situação ele tem conhecimento, porque acredita na maior capacidade de recuperação deste último. De modo geral, todas as dívidas podem ser objeto de assunção, com exceção daquelas que, por seu conteúdo, devem ser cumpridas pessoalmente pelo devedor, ou cuja transferência seja vetada pela lei (GOMES, Roldão de Feitas. Da assunção e sua estrutura negocial. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1998, p. 89). A assunção de dívida pode se dar pelos seguintes modos: a (expromissão: mediante contrato celebrado entre o credor e o novo devedor. Pode ser liberatória, quando o primitivo devedor não continua vinculado ao débito, e cumulativa, nos casos em que o antigo devedor se torna solidariamente responsável com o assuntor. Orlando Gomes pondera que, nessas hipóteses, haverá repercussão em relação ao novo devedor: na cumulativa, ele terá direito regressivo contra o devedor originário, em decorrência da solidariedade; na liberatória, assegura-se-lhe o direito de “voltar-se contra o devedor originário, invocando as regras do enriquecimento sem causa” (Obrigações. Rio de Janeiro, Forense, 1986, p. 270). Há então repercussão em relação ao devedor originário. b) delegação: mediante contrato celebrado entre o devedor e o terceiro. Também poderá ter efeito liberatório ou cumulativo, sempre dependendo da existência do consentimento do credor. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 264-266 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A respeito do art. 299, Guimarães e Mezzalina, afirmam 1) ser possível a alteração do sujeito passivo da relação obrigacional, desde que haja a concordância do credor. Referida concordância pode ser expressa ou tácita. Essa segunda modalidade se dá nos casos em que, ilustrativamente, o credor permanece silente, após ser intimado pelo devedor a se manifestar sobre a cessão do débito (parágrafo único), ou quando o credor recebe pagamento parcial ou de juros do cessionário, ou ainda quando praticar qualquer ato que demonstre estar de acordo como a transferência da dívida. À semelhança da cessão de crédito (CC, arts. 286 a 298), a assunção de débito também é negócio jurídico convencional e abstrato. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 20.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

2.Coletando o Enunciado 16 do CEJ, temos que, com a assunção, o cedente fica exonerado da solução e da responsabilidade patrimonial pelo débito, assumindo o assuntor, inteiramente, sua posição na relação obrigacional. Entretanto, na hipótese de insolvência do assuntor ao tempo da cessão, o negócio é ineficaz entre as partes e o credor primitivo continua responsável pelo débito. 3) a transferência de dívida pode se dar tanto por contrato celebrado entre o assuntor e o credor primitivo, com a anuência do credor (forma delegatória) quanto por acordo direito entre o credor e o assuntor (forma expromissória). 4) É possível ainda que haja a assunção cumulativa da dívida, quando um terceiro assumir, em conjunto ao devedor primitivo, a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação. Ainda para esses casos, faz-se necessária a anuência do credor, para que a cessão se convalide. Inexistindo referida anuência, não há a cumulação de dívidas, mas há a promessa de liberação, em que o terceiro assume a obrigação perante o devedor de liberá-lo da obrigação em face do credor. 5) Há assunção de dívida nos casos de aquisição de estabelecimento ou de fundo de comércio. Nessa modalidade, para a proteção do direito dos credores, subsiste a responsabilidade solidária do devedor primitivo até um ano a contar da publicação do negócio. Há, assim, espécie de transferência da dívida que se efetiva sem a anuência dos credores. 6) “O art. 299 do Código civil não exclui a possibilidade da assunção cumulativa da dívida quando dois ou mais devedores se tornam responsáveis pelo débito com a concordância do credor” (Enunciado 16 do CEJ). (Acessado no site Direito.com em 20.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 300. Salvo assentimento expresso do devedor primitivo, consideram-se extintas, a partir da assunção da dívida, as garantias especiais por ele originariamente dadas ao credor.

Seguindo o entendimento de Pereira, com a assunção do débito, há a transferência da dívida pelo cessionário e a exoneração do cedente (CC, art. 299), com a extinção inclusive das garantias prestadas por este, exceto se houver convenção diversa das partes, bem como aquelas de natureza real. Embora a lei não disponha, Pereira indica estarem extintas também as garantias prestadas por terceiros, caso estes não tenham sido convocados para anuírem com a assunção da dívida. (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 384).

Salvo expressa concordância dos terceiros, as garantias por eles prestadas se extinguem com a assunção da dívida; já as garantias prestadas pelo devedor primitivo somente serão mantidas se este concordar com a assunção” (Enunciado 352 do CEJ). Acessado no site Direito.com em 20.04.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Acompanhando a visão de Fiuza, às pp. 172, Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 172, a redação do Código civil português é mais clara: “Art. 599, I – Com a dívida transmitem-se para o novo devedor, salvo convenção em contrário, as obrigações acessórias do antigo devedor que não sejam inseparáveis da pessoa deste. II =- Mantêm-se nos mesmos termos as garantias do crédito, com exceção das que tiverem sido constituídas por terceiro ou pelo antigo devedor, que não haja consentido na transmissão da dívida”.

As chamadas garantias especiais dadas pelo devedor primitivo ao credor, vale dizer, aquelas garantias que não são da essência da dívida e que foram prestadas em atenção à pessoa do devedor, como, por exemplo, as garantias dadas por terceiros (fiança, aval, hipoteca de terceiro), só subsistirão se houver concordância expressa do devedor primitivo e, em alguns casos, também do terceiro que houver prestado a garantia. Isso porque várias das garantias prestadas por terceiros só poderão subsistir com a ressalva destes. Nesse ponto merece correção o dispositivo.

Já as garantias reais prestadas pelo próprio devedor originário não são atingidas pela assunção. Vale dizer, continuam válidas, a não ser que o credor abra mão delas expressamente.

O artigo também silencia no tocante aos acessórios da dívida. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 172, apud Maria Helena Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/04/2019, VD).

Em relação ao artigo 300, veja-se os comentários de Bdine Junior: “A cessão de dívida é o negócio pelo qual o devedor transfere para outra pessoa sua posição na relação jurídica e de modo que esta o substitua na obrigação” (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo, Saraiva, 2002, v. II, p. 104). Trata-se, portanto, de substituição que se verifica na mesma relação jurídica. Se a substituição originar outra relação jurídica, haverá novação (KARAM, Munir. O novo Código civil, estudos em homenagem ao prof. Miguel Reale. São Paulo, LTr, 2003, p. 322). De acordo com Munir Karam, a distinção entre assunção de dívida e novação subjetiva passiva significa, em termos práticos, diferenças quanto “aos meios de defesa oponíveis ao credor e aos meios acessórios, que aderem à obrigação transmitida. O prazo prescricional, por exemplo, pode ser aproveitado pelo assuntor” (op. cit., p. 322). A anuência expressa do credor e dos garantidores para a eficácia da assunção de dívida faz com que muitos autores considerem que a novação subjetiva passiva seja vantajosa em relação a ela. As garantias, como acessórios que acompanham o crédito, deverão se manter, salvo se o antigo devedor ou o terceiro responsável por ela não consentir na transmissão da dívida. Assim é porque quem se propõe a garantir uma obrigação leva em conta, substancialmente, a pessoa e a situação patrimonial do devedor, de maneira que qualquer alteração passiva subjetiva modifica a base das condições presentes para a concessão da garantia. No entanto, se aquele que assume a dívida (o cessionário) já era garantidor da mesma obrigação – como proprietário da coisa penhorada ou hipotecada, por exemplo -, não faria sentido liberá-lo em razão da assunção de dívida. A regra do Código Civil é que as garantias especiais dadas ao credor originário extinguem-se a partir da assunção da dívida, salvo consentimento expresso do devedor. Ao se referir ao consentimento expresso do devedor, o legislador parece ter querido alcançar também as hipóteses em que a garantia tenha sido prestada por terceiro. não seria lógico o exigir consentimento expresso do devedor, para manter vinculada a garantia prestada por ele, e dispensá-lo em relação a terceiros, em que é meramente garantidor em contrato benéfico (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 20, ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. II, p. 384). Segundo Renan Lotufo, porém, “o que se há de entender por especiais, no texto legal, são as garantias que não eram inerentes ao nascimento da dívida, que, se não existissem, não impediriam o surgimento do negócio”. Segundo ele, “o devedor as oferece como um plus de sua parte, além do que pelo negócio ficará obrigado” (Código Civil comentado, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 175). Assim sendo, conclui-se que, entre nós, as garantias não subsistem em hipóteses de assunção de dívida, salvo se houver expresso consentimento do garantidor – seja ele o próprio devedor, seja o terceiro, estranho ao débito assumido. Caio Mário da Silva Pereira observa que “os acréscimos permanecem a favor do credor, como os juros vencidos, cláusula penal etc. Os privilégios e as garantias pessoais do devedor estritamente terminam com a mutação: as reais sobrevivem, com exceção das que tenham sido dadas por terceiro estranho à relação, a não ser que este anua na sobrevivência” (op. cit., p. 384-5). Não vale, a esse respeito, o princípio de que o acessório segue o principal. Munir Karam observa que “a solução do NCCB, em verdade, contrasta com as adotadas na maioria das outras legislações. Apenas no Direito espanhol parece predominar a tese de que, só no caso em que o devedor prese seu assentimento, as garantias permanecem em favor do credor” (op. cit., p. 323). Em contrapartida, adverte o mesmo autor: “o que se tem por pacificado na doutrina é que as garantias prestadas por terceiros, como fiança, hipoteca, penhores, não sobrevivem à transferência da dívida” (op. cit., p. 323). O exame do presente dispositivo leva à conclusão de que, salvo expressa concordância do devedor primitivo ou do terceiro garantidor, extinguem-se as garantias pessoais ou reais, dadas ao débito cedido (MAIA, Mairan. Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 264). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 271 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20.04.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).