sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 534, 535, 536, 537 - Do Contrato Estimatório – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 534, 535, 536, 537
- Do Contrato Estimatório – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo III – Do Contrato Estimatório
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 534. Pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens móveis ao consignatário, que fica autorizado a vende-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada.

Segundo entendimento de Nelson Rosenvald, o CC/2002 trata do contato estimatório, inserindo-o entre os contratos típicos. Mas, havia muito, a sociedade brasileira já o tinha como um contrato nominado, também conhecido como contrato de venda em consignação, comumente empregado na atividade mercantil. O consignante entrega bens moveis ao consignatário, que então fica autorizado a vende-los, pagando ao consignante o valor ajustado. Abre-se ao consignatário a possibilidade de restituição de mercadorias caso não sejam comercializadas.

Aliás, o Enunciado n. 32 do Conselho da Justiça Federal bem descreve o modelo contratual: “no contrato estimatório, o consignante transfere ao consignatário, temporariamente, o poder de alienação da coisa consignada com opção de pagamento do preço de estima ou a sua restituição ao final do prazo ajustado”.

Vê-se que surge uma espécie de obrigação alternativa cuja opção é concedida ao consignatário. Poderá vender a coisa e repassar o preço ajustado ao consignante ou então, simplesmente, restituí-la. Caso delibere por pagar o preço ao consignante, não necessariamente o valor deve ser obtido em uma venda a terceiros, pois nada impede ao consignatário ficar com a coisa para si ou presenteá-la a terceiros, arcando com o preço devido ao consignante.

Aliás, diferencia-se a consignação do mandato justamente pelo fato de o consignatário agir na defesa de seus próprios interesses, realizando a venda da coisa móvel como se fosse sua, algo impensável se cogitássemos do formalismo da alienação de bens imóveis. Difere ada comissão ou corretagem, pois o consignatário não é um mero intermediário ou preposto, basta perceber que o consignante não se relaciona com aquele que eventualmente adquira o bem das mãos do consignatário. Enfim, esse contrato foi inserido no Código como modalidade autônoma e assim deverá ser visto pela doutrina.

Isso explica a razão do nome “contrato estimatório”. O preço é estimado pelo consignante, em confiança na pessoa do consignatário, eis que não é da sua alçada a ciência ou o controle acerca do real preço de venda do bem a terceiros.

Se em princípio consignante e consignatário ajustam um prazo para o exercício da opção, também será possível a elaboração do contrato sem termo, aplicando-se as disposições relativas à mora ex persona (CC 397, parágrafo único) caso o consignatário não exercite nenhuma das opções no prazo assinalado na interpelação.

Em sede de relações de consumo, se o consignante for um fornecedor de produtos, mesmo não havendo relação contratual direta com aquele que adquiriu do consignatário, responderá pelos vícios e fatos do produto (CDC 12 e 18). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 589-590 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No conceito de Ricardo Fiuza, o contrato estimatório, ou contrato de vendas em consignação, de natureza comercial, com significativa importância nos negócios mercantis, é introduzida no Código Civil, recebendo regulação e disciplina. Tem ele por objeto coisas moveis, entregues ao consignatário para serem vendidas a terceiros, em prazo determinado, onde, em seu termo final, deve ser feito o pagamento ao consignante do preço ajustado ou efetuada a devolução da coisa consignada. Diversamente da compra e venda, na consignação, a tradição da coisa móvel não opera a sua transferência, mantendo o consignante a propriedade sobre o bem e respondendo o consignado como depositário da coisa dada em consignação (Direito Comparado: Código civil italiano (Arts. 1556 a 1,558) (Sebastião José Roque. Dos contratos civis-mercantis em espécie. São Paulo. Ícone Editora, 1997) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 285 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como terceiro entendimento, buscamos o mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, para quem o contrato estimatório é vulgarmente conhecido como “venda por consignação”. É muito utilizado por bancas de jornais e vendedores de produtos de beleza.

O proprietário das coisas a serem vendidas, consignante, as entrega ao vendedor, o consignatário, para que es realize negócios em nome próprio, ficando obrigado a pagar ao consignante o preço ou a restituir-lhe as coisas.

O consignatário vale-se da aparência de proprietário que a posse de bens moveis lhe confere, de tal modo que a real propriedade das mercadorias nenhum relevo tem pra o comprador. Por essa razão, a consignação somente é possível em relação a bens moveis, conforme estabelece o artigo em comento. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 26.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 535. O consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.

No ritmo de Nelson Rosenvald, o contrato estimatório não é tratado como uma modalidade especial de compra e venda, porém como contrato autônomo, pois a tradição da coisa móvel não opera a transmissão da propriedade, que remanesce em poder do consignante. Aliás, raciocínio contrário transformaria o consignatário em mero revendedor de uma coisa que já é sua, sem possibilidade de adimplir a obrigação mediante a sua restituição.

Por isso, ao contrário da compra e venda – contrato consensual -, o contrato estimatório é de natureza real, exigindo não só o consenso das partes como a entrega da coisa para se aperfeiçoar. Só terá efetividade a relação jurídica a partir do instante em que o bem se encontrar disponibilizado ao consignatário, tal como nos contratos de depósito e comodato. Com a tradição, surge a obrigação alternativa do consignatário.

Enfatize-se que, com a transmissão da posse direta, o consignatário assume o risco pela destruição ou perda dos objetos consignados. Em outras palavras, mesmo não sendo proprietário, pelo fato de receber a guarda da coisa para o exercício de uma atividade de seu estrito interesse, assumirá a responsabilidade objetiva da coisa perante o consignante, na modalidade do risco agravo (integral), eis que não será exonerado nem mesmo pelo fortuito. Enfim, trata-se de norma cogente, eis que as partes não podem lhe dar configuração diversa.

Porém, lembre-se de que, mesmo sendo dispensado o nexo causal no tocante ao fortuito (v.g., colisão de veículos que destruiu mercadorias) ou pelo fato de terceiro (v.g., vizinho do consignatário que destruiu mercadorias), será possível a exoneração do consignatário com base em alegação de responsabilidade do próprio consignante, em virtude de vícios já existentes ao tempo da entrega dos objetos, como bem reforça o CC 931) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 591 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua doutrina Fiuza comenta que o consignatário sujeita-se a uma obrigação definida: pagar o preço ou restituir a coisa consignada que ficou sob sua posse por prazo certo, com o dever de conservá-la incólume, e no fim específico de venda a terceiro. assim, se vier a alienar a coisa, obriga-se ao pagamento ajustado, equivalendo à alienação todo e qualquer evento que torne impossível restituí-la em sua integridade, respondendo, de conseguinte, pela perda ou deterioração da coisa, mesmo que não der causa. Tal obrigação guarda similitude com os característicos do disposto no art. 629. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 285 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Por seu favor, segundo Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo transfere os riscos pela perda das mercadorias por caso fortuito ou de força maior ao consignatário, o que se justifica pelo fato deste se comportar, por força do contrato, se proprietário delas fosse. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 27.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 536. A coisa consignada não pode ser objeto de penhora ou sequestro pelos credores do consignatário, enquanto não pago integralmente o preço.

É como explica Nelson Rosenvald, o dispositivo mais uma vez reforça o argumento da manutenção da titularidade dos bens moveis em poder do consignante enquanto ao for exercitada a opção de pagamento do preço estimado ou restituição das mercadorias.

Se, durante o período em que as coisas estiverem na posse direta do consignatário, este sofrer processo executivo, será vedado ao credor efetuar qualquer tipo de constrição judicial sobre as mercadorias, v.g., penhora, sequestro. Como consequência da intangibilidade do objeto, deverá o consignante opor embargos de terceiro para excluir a medida constritiva dos bens que lhe pertençam (CPC/1973, art. 1.046, correspondendo ao art. 674 no CPC/2015).

Nada obstante, na qualidade de credores do consignatário, poderão os exequentes oferecer o valor estimado ao consignantes, convalescendo o ato da penhora ou do sequestro, mediante a sub-rogação legal (CC 346, III). Caso o consignante recuse injustificadamente a oferta, será aberta aos terceiros interessados a via da consignação (CC 304).

Se os credores do consignatário não adotarem tais medidas, a única forma de preservar a constrição sobre as mercadorias estará condicionada ao fato de o consignatário adquirir para si os bens, efetuando o pagamento integral estimado pelo consignante. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 591 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como explica Ricardo Fiuza, a intangibilidade da coisa consignada decorre do fato de o bem não pertencer ao consignatário, continuando o consignante com a propriedade do bem que se acha em poder daquele. Por consequência, não pode a coisa, passível de ser restituída ao seu dono, ser objeto de constrição judicial pelos credores do consignatário. De notar que, vencido o prazo, o adimplemento da obrigação do consignatário é atendido pelo recolhimento do preço ajustado ou pela devolução da coisa, casos em que, de nenhum modo, perfaz-se a translatividade do domínio a seu favor. Ou a coisa retorna às mãos do proprietário consignante ou passa à propriedade do terceiro que a adquiriu do consignatário. Mesmo que o consignatário não a devolva, apropriando-se indevidamente da coisa consignada, a circunstância não autoriza a penhora ou o sequestro, porquanto a coisa não é sua. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 285 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No pensar de Marco Túlio de Carvalho Rocha, uma vez que a propriedade do consignatário é meramente aparente, tocando o verdadeiro domínio ao consignante, não podem os bens consignados ser penhorados ou sequestrados pelos credores do consignatário. Se o consignatário pagar ao consignante o preço das mercadorias antes de revende-las, passa à condição de proprietário das mesmas o que justifica que a partir de então possam elas responder por suas dívidas.

A proibição de penhora e de sequestro das mercadorias por dívidas do consignatário não impede que o comprador as reivindique, uma vez que é escopo do negócio que o consignatário haja em relação aos compradores como se proprietário delas fosse. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 27.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 537. O consignante não pode dispor da coisa antes de lhe ser restituída ou de lhe ser comunicada a restituição.

O dispositivo em exame, como aponta Nelson Rosenvald, descreve um traço marcante do contrato estimatório: a disponibilização da coisa ao consignatário, i.é, apesar de a propriedade remanescer em poder do consignante, o consignatário poderá vender a coisa a qualquer um, por qualquer preço, mesmo que inferior ao valor estimado, sem que tenha de prestar constas ou pedir autorização ao consignante.

Daí, no período ajustado ao exercício da opção de venda ou restituição, será vedado ao consignante qualquer ato que implique disposição do bem. Ou seja, mantém-se proprietário, mas sofrendo severas limitações, posto que será privado do exercício temporário das faculdades de usar, fruir e dispor da coisa. A irrestrita disponibilidade da coisa pelo consignatário é fundamental para a realização do objetivo negocial.

Portanto, não poderá o consignante realizar negócios jurídicos atributivos de propriedade ou posse a terceiros, sob pena de lesar não só a finalidade do contrato de consignação, como também a confiança e legítima expectativa do consignatário quanto ao adimplemento da obrigação. Temos aqui mais uma emanação do princípio da boa-fé objetiva como padrão de conduta honesto e leal para com o parceiro contratual. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 591 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como leciona Ricardo Fiuza, na fluência do prazo da venda em consignação, tem o consignatário a disponibilidade da coisa consignada para venda a terceiro; esse poder de vender a coisa constitui elemento essencial da natureza do contrato. E obrigação do consignante, guardando na execução do contrato os princípios de probidade e boa-fé, faze-lo firme e valioso, não dispondo, por isso mesmo, da coisa oferecida em consignação, enquanto não lhe for restituída ou antes de lhe ser comunicada a restituição. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 285 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, uma vez que o consignante transfere a posse da coisa ao consignatário com o propósito de que ele a venda a terceiros, perde o consignante o poder de disposição das mesmas enquanto se mantenham na posse do consignatário, o que não impede que a coisa seja penhorada por credores do consignante, enquanto estiver na posse do consignatário. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 27.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 533 - Da Troca ou permuta – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 533
- Da Troca ou permuta – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo II – Da Troca ou permuta
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Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:

I – salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca;

II – é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.

Para o magistério de Nelson Rosenvald, a troca é o primeiro contrato de que se tem notícia. As antigas civilizações permutavam mercadorias que lhes pertenciam em abundância por outras que eram escassas. O escambo deixou de ser a regra quando surgiu a moeda, determinando a gênese do contrato de compra e venda.

Assim, consiste a troca em um contrato bilateral e oneroso, pelo qual as partes transferem, reciprocamente, quaisquer objetos diversos do dinheiro. As coisas permutadas podem ser heterogêneas: moveis por imóveis; uma universalidade por outra; coisa atual por coisa futura; coisa certa por coisa aleatória, na existência ou na quantidade. Enfim, inúmeras possibilidades.

Ambas as partes possuem obrigações reciprocas, com sacrifícios e vantagens comuns. O objetivo da aquisição e transferência de coisas equivalentes é o mesmo do da compra e venda, diferenciando-se no que diz respeito à inexistência de um preço. Em comum, pretende-se adquirir propriedade móvel ou imóvel, através da posterior tradição ou registro do título.

A permuta não se converte em compra e venda pelo fato de uma das partes complementar com dinheiro o bem que concede em troca, a fim de alcançar equivalência no negócio jurídico. Ou seja, se A entrega uma bicicleta e mais R$ 100,00 para B em troca de outra bicicleta de valor superior e avaliada em R$ 500,00, vê-se que o fator predominante foi o valor da coisa trocada, de R$ 400,00. O dinheiro entrou como torna ou reposição. Porém, se a parcela em dinheiro fosse predominante, o contrato seria de compra e venda.

A grande semelhança entre a permuta e a compra e venda justifica a menção do caput do artigo acerca da aplicação das disposições de uma a outra, com algumas modificações. Assim, aplica-se a garantia pelos vícios redibitórios e evicção, com algumas singularidades. No caso de vícios ocultos, a única opção do prejudicado será a ação redibitória (rescisória), sendo impraticável o abatimento de um preço que não existe (quanti minoris). Já na evicção, como em qualquer contrato oneroso (CC 447), o prejudicado terá direito à restituição da coisa e não do preço, que não existe. Porém, além da devolução do objeto, reclamará as despesas de contratação e outras relativas às perdas e danos.

Antes de comentarmos os incisos do art. 533, convém ressaltar a existência de outras distinções com a compra e venda. Assim, a permuta entre cônjuges será admitida sobre todos os bens particulares de cada um, excluindo-se todos aqueles que ingressem na comunhão, pois não há sentido em permutar aquilo que já é de titularidade de ambos. Exemplificando: haverá permuta na comunhão universal quanto aos bens doados ou herdados por um dos cônjuges com cláusula de incomunicabilidade (CC 1.668). a permuta entre bens imóveis cujo valor seja estimado em quantia superior à estipulada no CC 108 será procedida pela solenidade da escritura pública. Já a permuta de fração ideal de bem em coisa indivisível demandará a concessão de direito de preferencia aos demais condôminos, respeitando-se os requisitos do CC 504.

A ressalva do inciso I, quanto à repartição proporcional de despesas com a troca entre os permutantes, é de ordem dispositiva. É possível que as partes ajustem em contrário, determinando que sobre um deles incida toda e qualquer despesa com a permuta. Aqui o legislador diferenciou o tratamento daquele que é dado na compra a venda, pois o CC 490 também disciplina supletivamente a matéria, mas de modo a distribuir as despesas de escritura e registro (comprador) e as de tradição (vendedor).

Já o inciso II remete o leitor ao nosso comentário ao CC 496, acerca da compra e venda de ascendentes a descendentes, como forma de proteção da legítima dos herdeiros necessários. Aqui, o consentimento dos outros descendentes e do cônjuge se prende à desigualdade dos valores dos bens permutados (v.g., troca de um apartamento do pai no valor de R$ 300.000,00 por uma tela pertencente ao filho avaliada em R$ 30.000,00).

Se não houver disparidade de valores, não se cogitará da invalidade do contrato. Entende-se o conceito jurídico indeterminado  “valores desiguais” pela percepção do magistrado do que exceda o razoável, ao proporcional, dentro de uma permuta entre pessoas com um vínculo afetivo próximo. Afinal, dificilmente uma troca entre dois bens gera uma perfeita equivalência valorativa entre os objetos do escambo.

A ausência de consentimento, aliada à desproporção de valores, gera a anulabilidade do negócio jurídico, sujeita ao exercício do direito potestativo em ação privativa dos aludidos interessados no prazo decadencial bienal (CC 179). Superado o prazo fatal, a decadência será reconhecida de ofício pelo magistrado, na dicção do CC 210.

O aludido prazo decadencial terá como termo inicial a data da conclusão do negócio jurídico, a teor do CC 171. Todavia, se houver prejuízo aos demais descendentes, em simetria ao ato de doação, qualquer permuta cujos valores não mantenham reciprocidade será passível de colação (CC 2.002) ao tempo da abertura da sucessão. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 588-589 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Ricardo Fiuza, as despesas com o instrumento da troca são rateadas entre as partes, em face da idêntica qualidade de permutantes dos contraentes, caso não haja disposição contratual que estabeleça de modo diverso.

Com a mesma identidade do disposto no CC 496, é anulável a troca de coisas de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem a permissão dos demais descendentes e~ do cônjuge do permutante alienante. O consentimento é somente obrigatório, quando as coisas em permuta não tiverem valor equivalente, ou mais precisamente, quando t dó’ ascendente tiver valor superior, a caracterizar comprometimento patrimonial.

A eventual desigualdade dos bens pode implicar a completação em dinheiro, o que guarda mais similitude com a compra e venda, e como tal será havida, em sua natureza jurídica, se o complemento for maior que a coisa em permuta. Alguns entendem, todavia, a reposição feita para efetivar a equivalência de valores, como mero elemento acessório do contrato de permuta, sem descaracterizá-lo.

O artigo utiliza o vocábulo “alienante”, o que enquadra a permuta entre os atos de alienação do bem, resolvendo antiga controvérsia doutrinária. Logo, mesmo que presente na permuta uma equivalência dos bens, em sendo um deles bem imóvel, necessária será a outorga conjugal (uxória ou marital), nos termos do inciso I do CC 1.647. de mais a mais, a permuta implica a translatividade dominial, e porque aplicáveis à troca “as disposições referentes à compra e venda”, embora com apenas duas modificações, enunciadas nos incisos, não se há por cogitar poder ser dispensado o consentimento do cônjuge à hipótese da troca de bens de valores iguais ou equivalentes envolvendo bens imóveis. É suficiente lembrar aqui, a lição de R. Limongi França: “Na verdade não apenas essas as modificações do estatuto da troca à face da compra e venda. Basta partirmos da ideia, já acentuada, de que, de ambos os lados, se aliena e se adquire, enquanto não compra e venda se distingue com clareza vendedor de comprador”. Tenha-se em cotejo o exemplo de troca de terreno por área construída. (R. Limongi França. Manual de direito civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1969, v. 4, t. II (p, 94) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 284 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Trilhando os ensinamentos de Marco Túlio de Carvalho Rocha, troca, permuta ou escambo é o contrato pelo qual as partes se obrigam a dar uma coisa por outra, que não seja dinheiro. Difere da compra e venda, porquanto nesta a prestação de uma das partes consiste em dinheiro.

Para definir se um negócio é troca ou compra e venda quando uma parte entrega à outra um bem e recebe outro bem mais determinada quantia em dinheiro, há dois critérios que o intérprete pode escolher, conforme a situação e atento ao interesse das partes: a) pelo critério objetivo deve-se verificar qual dos bens corresponde à maior parte da contraprestação, a coisa ou dinheiro. Assim, se pela alienação de um automóvel, uma parte recebe da outra um automóvel avaliado em R$ 30.000,00 e R$ 20.000,00 em dinheiro, o negócio é uma troca; se, ao contrário, a contraprestação for de um veículo de R$ 20.000,00 mais R$ 30.000,00 em dinheiro, tem-se venda, segundo o critério objetivo. Pelo critério subjetivo, o intérprete pode desconsiderar o peso de cada componente da contraprestação. Assim, mesmo que esta seja composta de R$ 30.000,00 em dinheiro mais um bem no valor de R$ 20.000,00 tiver visado especificamente ao respectivo objeto e a quantia maior, de R$ 30.000,00 for mera complementação do negócio.

A distinção é relevante conforme o artigo em comento, porque, uma vez que o negócio seja caracterizado como troca as despesas da contratação, salvo disposição contrária, são divididas entre as partes, i.é, cada qual deve pagar a metade dos ônus de transferência dos bens alienados. Na troca não prevalece o direito de preferência dado a terceiros.

O inciso II do CC 533, bem examinado, não representa tratamento diferenciado da troca em relação à compra e venda, uma vez que mesmo nesta, o preço justo, i.é, a correspondência de valores entre a prestação e a contraprestação torna o negócio realizado entre ascendente e descendente imune de questionamentos por ausência de  consentimento dos demais descendentes. O cônjuge somente poderá questioná-lo se incidentes as regras relativas à outorga conjugal previstas no CC 1.547. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 26.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 529, 530, 531, 532 - Da Venda Sobre Documentos – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 529, 530, 531, 532
- Da Venda Sobre Documentos
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção V – Da Venda Sobre Documentos
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Art. 529. Na venda sobre documentos, a tradição da coisa é substituída pela entrega do seu título representativo e dos outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silencia deste, pelos usos.

Parágrafo único. Achando-se a documentação em ordem, não pode o comprador recusar o pagamento, a pretexto de defeito de qualidade ou do estado da coisa vendida, salvo se o defeito já houver sido comprovado.

No ritmo de Nelson Rosenvald, a venda sobre documentos, também chamada de venda contra documentos, é uma espécie de tradição simbólica (v.g., entrega de chaves a venda do apartamento). Com efeito, substitui-se a entrega do objeto pela tradição de documentos que representem a coisa.

Pelo fato de o vendedor cumprir a obrigação com a entrega da documentação representativa da mercadoria, já poderia exigir do comprador o pagamento. Cuida-se de modalidade de compra e venda que não estava elencada no Código de 1916, pelo simples fato de estar associada a uma fase mais recente de celeridade na circulação de créditos, sobretudo em sede de relações internacionais, as mercadorias são transportadas entre Estados diversos, submetendo-se a leis uniformes, contratos de adesão e formulários com terminologia própria (como as cláusulas CIF e FOB). O desenvolvimento do contrato demanda não só a expedição de documentação como a emissão de guias e vistos de autoridades. Não se olvide da realização de um contrato de câmbio, além do recolhimento de tributos e emolumentos, promovendo-se assim o embarque e transporte das mercadorias.

Como explica o parágrafo único, se o comprador verificar a exatidão dos documentos, presume-se a adequação entre a descrição dos objetos e as suas reais características. O cuidado com a correção da documentação se explica pela considerável redução da abrangência da teoria dos vícios redibitórios, sendo em regra inviável a discussão sobre a qualidade da coisa, exceto no tocante a vícios aparentes, ostensivos. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 586 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na trilha de Ricardo Fiuza, também cláusula especial, a venda sobre documentos, de intenso uso na vida hodierna, tem seu relevo jurídico adotado pelo CC/2002, coerente com a modernidade e, no particular, com a globalização da economia. Essa modalidade contratual é indispensável em consecução eficiente de negócios com o comércio exterior Munir Karam aponta sua importância fundamental: “O vendedor se libera da obrigação de entregar a coisa, remetendo ao comprador o título representativo da mercadoria e dos outros elementos exigidos pelo contrato (duplicata etc.). (...) Quanto à recusa, a pretexto de defeito de qualidade ou do estado da coisa vendida, lembra o eminente magistrado possuir o Código Civil italiano dispositivo ‘pelo qual o prazo para denúncia de vício ou defeito aparente de qualidade decorre do dia do recebimento’ (Art. 1.511)” (Munir Karam. O processo de codificação do direito civil – inovações da parte geral e do livro das obrigações, RT, São Paulo, Revista dos Tribunais, 757/11-28, nov.1998. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 282 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo na trilha de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o contrato de compra e venda de coisa móvel visa à transferência da propriedade mediante a entrega da posse da coisa vendida. A cláusula especial da venda sobre documentos visa a modificar esse efeito tradicional do contrato. Ela determina que a tradição possa se dar fictamente mediante a entrega de documento que represente a coisa. O dispositivo esclarece que a cláusula pode ser expressa ou tácita, uma vez que decorra dos usos e costumes comerciais. São exemplos de venda sobre documentos a venda da coisa transportada ou depositada mediante a transferência da “nota de conhecimento de transporte” ou da “nota de conhecimento de depósito”, que transportadores e armazéns gerais estão legalmente habilitados a expedir.

Uma vez que o documento representa a coisa vendida, não pode o comprador recusar o pagamento do preço mediante a alegação de descumprimento da obrigação contratual pelo vendedor por defeito ou desconformidade da coisa vendida apenas à vista dos documentos que a representam a menos que o defeito ou desconformidade encontrem-se provados. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 530. Não havendo estipulação em contrário, o pagamento deve ser efetuado na data e no lugar da entrega dos documentos.

Na sobriedade de Nelson Rosenvald, quando estudamos a teoria do pagamento no direito das obrigações, aprendemos que a regra geral torna as dívidas quesíveis, ou seja, o pagamento se realiza no domicilio do devedor (CC 347). Contudo, a regra é derrogada quando as partes convencionam diversamente (dívidas portáveis), ou quando as circunstâncias do caso e a própria lei indicarem outro local de adimplemento.

Na espécie, a lei concebe uma regra supletiva acerca do local do pagamento, como aquele em que são entregues os documentos. Segue a norma do art. 9º da LICC, que estabelece o locus regis actum. Porém, a regra é suprível desde que as partes estabeleçam local diverso, como o domicilio de qualquer uma das partes.

Mas não é isso. A mesma regra também estabelece como tempo de pagamento aquele que coincida com a entrega dos documentos. Por isso é adequada a denominação de venda contra documentos. Mas também se cuida de norma dispositiva, pois é lícito que as partes convencionem outro momento para o pagamento. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 586 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Perseguindo a doutrina de Ricardo Fiuza, o tempo e o local de pagamento são os previstos em lei, caso não determinados no contrato, reportando-se ao evento da entrega dos documentos para o cumprimento da obrigação primacial do comprador.

A venda sobre documentos tem sua vocação para operar com o comércio exterior. Assim, não poderia ser de outro modo, segundo o art. 99, caput, da Lei de Introdução ao Código Civil. A regra tocus regit actum, de direito material, aponta a aplicação da lei do lugar em que a obrigação se constituiu. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 282 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Confrontando Marco Túlio de Carvalho Rocha, na compra e venda, a menos que haja estipulação em sentido diverso, o preço deve ser pago imediatamente, no momento da entrega da coisa. Uma vez que na venda sobre documentos a entrega destes representa a entrega da coisa, nesse mesmo momento e local deve ocorrer o pagamento do preço. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 531. Se entre os documentos entregues ao comprador figurar apólice de seguro que cubra os riscos do transporte, correm estes à conta do comprador, salvo se, ao ser concluído o contrato, tivesse o vendedor ciência da perda ou avaria da coisa.

Espancando o comentário de Nelson Rosenvald, em princípio, na compra e venda os riscos pela perda ou destruição da coisa pertencem ao vendedor, antes da tradição (CC 492). Mesmo tendo havido a entrega dos documentos, o vendedor só se escusa de responsabilidade quando a coisa for entregue ao comprador. Nos contratos de venda internacionais, há um necessário intercambio com contratos de transporte e seguro. Assim, se houver apólice de seguro, o risco recairá sobre o comprador, devendo arcar com o pagamento do prêmio, como interessado imediato nas mercadorias e beneficiário do seguro (sub-rogação) em caso de sinistro.

Contudo, os riscos incidirão sobre o vendedor se agiu de má-fé quando já conhecia a perda ou avaria da coisa. É uma aplicação da regra de ouro do tu quoque, pois quem viola uma norma não pode por ela ser beneficiado. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 586-587 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Desliza-se na Doutrina apresentada por Fiuza, quando somente subsistirá a obrigação ao alienante se, ao tempo da conclusão do contrato, este tinha ciência da perda ou avaria da coisa, prevalecendo o princípio da boa-fé em favor do adquirente. Caso incluída no documentário apólice de seguro em cobertura dos riscos do transporte, libera-se o vendedor, correndo os riscos à conta do comprador. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 282 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na interpretação de Marco Túlio de Carvalho Rocha, uma vez entregue o documento representativo da coisa, opera-se a tradição ficta, o comprador adquire a propriedade e, segundo a regra res perit domino¸ ele terá de arcar com os prejuízos resultantes da perda da coisa por caso fortuito ou por força maior a partir desse momento. A primeira parte do dispositivo é, em razão disso, redundante, pois mesmo que não haja contrato de seguro de transporte os riscos correm por conta do comprador a partir da tradição ficta, salvo se o vendedor tivesse ciência da perda ou avaria da coisa, conforme a parte final do dispositivo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 532. Estipulado o pagamento por intermédio de estabelecimento bancário, caberá a este efetuá-lo contra a entrega dos documentos, sem obrigação de verificar a coisa vendida, pela qual não responde.

Parágrafo único. Nesse caso, somente após a recusa do estabelecimento bancário a efetuar o pagamento, poderá o vendedor pretende-lo, diretamente do comprador.

Acompanhando a lucidez de Nelson Rosenvald, o pagamento através de estabelecimento bancário é uma constante em matéria de contatos internacionais de compra e venda. A instituição financeira intermedeia o negócio jurídico e realiza o pagamento contra a entrega da documentação. O contrato de crédito documentário é um pacto acessório à compra e venda por documentos. Vale dizer que a tarefa do banco é verificar a regularidade da documentação que lhe foi confiada pelo vendedor para, em seguida, pagar o preço, pois o comprador confiará na exatidão dos papéis.

Aliás, o contrato de crédito documentário é definido como o acordo pela qual o banco (nomeado emissor), a requerimento e de conformidade com as instruções do seu cliente (ordenante), compromete-se a efetuar o pagamento a um terceiro (beneficiário) contra a entrega de documentos representativos das mercadorias objeto da operação concluída entre eles.

Todavia, não incumbe ao banco examinar ou mesmo garantir a qualidade das mercadorias, pois sua responsabilidade perante o comprador se limita à autenticação da correção da documentação, na qualidade de mero intermediário que garantirá o bom termo da negociação.

Ocasionalmente, se o banco se negar a efetuar o pagamento, independentemente da motivação, poderá o vendedor se dirigir diretamente ao comprador. Claro que essa exigência só vingará após a tradição e aprovação da documentação. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 587 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Existe um histórico acompanhando a doutrina de Ricardo Fiuza, onde, originalmente, este era o texto apresentado para o dispositivo tanto no anteprojeto como no projeto proposto pela Câmara: “Estipulado o pagamento por intermédio de banco, caberá a este efetuá-lo contra a entrega dos documentos, sem obrigação de verificar a cosa vendida, pela qual não responde. Parágrafo único. Nesse caso, somente após a recusa do banco a efetuar o pagamento, poderá o vendedor pretende-lo, diretamente do comprador?”. A partir das modificações implementadas pelo eminente Senador Josaphat Marinho, passou a apresentar a atual composição. Com o mister de tornar o texto mais abrangente, a emenda apenas substituiu a palavra banco pela expressão “estabelecimento bancário”. Efetivamente, como bem justificou o Senador Josaphat Marinho, “o vocábulo ‘banco’ tem significado limitado em face das leis. Mais prudente é usar a expressão mais ampla  “estabelecimento bancário, abrangente de situações como a da Caixa Econômica”. Pelas mesmas razões e acordes, também, com o relatório parcial do ilustre Deputado Arruda, foi acolhida a emenda.

Seguindo a doutrina, a operação cogitada pela norma, típica de contrato internacional, tem um fim específico: contra a entrega do documentário da venda das mercadorias, o estabelecimento bancário efetua o pagamento, sem verificar a coisa vendida ou por ela responder. Como a tradição da coisa é substituída pela entrega de seu título representativo, é nele que se funda a obrigação do pagamento. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 283 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na balada de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo confirma a regra do parágrafo único do artigo 529: o pagamento não pode ser recusado por defeito ou desconformidade da coisa vendida. O parágrafo único é, igualmente, redundante, pois qualquer que seja a forma de pagamento estabelecida no contrato deve ser observada. O vendedor não pode ser obrigado a buscar o pagamento por outro meio diferente daquele estipulado, configurando-se o descumprimento contratual a recusa do estabelecimento bancário a pagar o preço se esse meio tiver sido o estabelecido. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


terça-feira, 24 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 527, 528 - Da Venda com Reserva de Domínio – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 527, 528
- Da Venda com Reserva de Domínio
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção IV – Da Venda com Reserva de Domínio
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 527. Na segunda hipótese do artigo antecedente, é facultado ao vendedor reter as prestações pagas até o necessário pra cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o mais que de direito lhe for devido. O excedente será devolvido ao comprador; e o que faltar lhe será cobrado, tudo a forma da lei processual.

Aprendendo com Nelson Rosenvald, caso o vendedor delibere pela restituição do bem com a extinção da relação contratual, deverá se socorrer do Judiciário, pois a norma não permite a autoexecutoriedade nessa hipótese ao contrário do que preconiza o CC 249, parágrafo único, para as obrigações de fazer.

Admite-se a retenção de valores pagos pelo comprador, desde que suficientes para compensar o vendedor da depreciação do valor do bem restituído, acrescido das despesas enfrentadas para a recuperação do objeto, além de outros valores sugeridos pelo contrato como penalidades para o inadimplemento (v.g., cláusula penal).

Certamente, se houver valorização da coisa no período que se seguiu à tradição, tais acréscimos serão necessariamente compensados dos demais valores a que faz jus o vendedor. Após determinar todo o quantum a que correspondem os referidos valores, o magistrado precisará aquilo que será restituído ao comprador. Mas, se nada houver a restituir e os prejuízos excederem as prestações retidas, o restante do saldo devedor será obtido pela via da cobrança, variando a ação conforme a natureza do título do vendedor.

O art. 1.071 do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015, determina em seus quatro parágrafos o procedimento para a recuperação da coisa vendida. Nas relações de consumo, haverá o cuidado de afastar cláusulas de decaimento, que determinem a perda total das prestações pagas (CDC, 53).

Outrossim, pelo fato de a cláusula de reserva de domínio não ser impeditiva da venda da coisa pelo comprador a um terceiro, em caso de inadimplemento poderá o vendedor se voltar contra este através da ação de recuperação da coisa, diante da publicidade e oponibilidade do registro a terceiros. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 584 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

 Segundo o histórico, o presente dispositivo foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto. Emenda do Deputado Fernando Cunha, propondo a substituição do verbo “poderá” pela expressão “é facultado”, deu ao dispositivo a redação atual. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo invoca a aplicação da parte final do art. 524 – correto o comprador responder pelos riscos da coisa a partir de quando lhe foi entregue. Desse modo, comprovado o desprezo da coisa, com a diminuição progressiva do seu valor, o vendedor pode usar da faculdade de reter as prestações pagas, para efeito de acerto de contas, incluindo as despesas judiciais e extrajudiciais efetuadas e o mais que de direito lhe for devido.

O acertamento é judicial, dele cuidando o § 3º do art. 1.071 do CPC/1973, que não tem correspondência no CPC/2015. Vale observar que deferida a apreensão da coisa sob reserva de domínio essa será submetida à vistoria, com arbitramento do seu valor (art. 1.071, § 1º). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 281 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a venda com reserva de domínio foi criada para favorecer a venda de bens de consumo duráveis e, portanto, nasceu no âmbito das relações de consumo nas quais prevalece o princípio da proteção do consumidor, como parte hipossuficiente da relação jurídica. Desta necessidade de proteção ao consumidor advém a regulamentação legal dos pagamentos e das restituições que devem ser feitas em caso de descumprimento e de resolução do contrato.

O dispositivo veda ao fornecedor apropriar-se dos valores pagos pelo consumidor que ultrapassarem o prejuízo sofrido por aquele, considerada a depreciação da coisa, as despesas feitas, inclusive as de publicidade, multa contratual limitada ao máximo permitido em relações de consumo, ônus sucumbenciais e demais despesas de cobrança, juros e correção monetária.

O fornecedor é obrigado a devolver o saldo e se este for negativo pode cobrar o consumidor a diferença. O comprador que tiver pago mais de 40% do preço, quando citado para a ação em que se requer a resolução contratual, pode requerer a purga da mora no prazo de 30 dias. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 528. Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira e a respectiva ciência do comprador constarão do registro do contrato.

Na esteira de Nelson Rosenvald, objetivando a expansão de reserva de domínio, a norma em comento admite a intervenção de uma instituição financeira, que adiantará o pagamento integral ao vendedor. Portanto, formam-se duas relações jurídicas concomitantes: entre vendedor e comprador; entre vendedor e instituição financeira. Esta se subrogará na posição do vendedor, a fim de cobrar as prestações do comprador, na forma do CC 347, I. Vale dizer, as garantias e os privilégios do vendedor serão transferidos à instituição financeira para que possa reaver os valores que adiantou àquele.

Note-se que o vendedor mantém a posição de proprietário sob condição suspensiva, não sendo a titularidade transferida à instituição financeira. Caso isso ocorresse, seria desvirtuada a natureza dessa modalidade de compra e venda, que se converteria em uma propriedade fiduciária, de natureza resolúvel.

Na parte final do dispositivo, alerta-se sobre a necessidade de cientificação por escrito do comprador como requisito de eficácia da sub-rogação contra ele, além da indispensável menção à operação com a instituição financeira no cartório de títulos e documentos, ou no certificado de registro do veículo. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 585 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Atente-se para o histórico do dispositivo em tela que não estava presente da redação do anteprojeto e foi acrescentado por emenda da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto. O responsável pela inclusão desse artigo foi o Deputado Tancredo Neves, que assim a justificou: “Para facilitar os negócios a prazo de bens duráveis, a chamada legislação financeira perfilhou a alienação fiduciária em garantia, cuja prática trouxe tais distorções, que hoje o bom senso está a indicar a sua substituição pela venda com reserva de domínio, adaptada ao mercado de capitais. Bem andou o projeto do Código Civil ao incluir em seu sistema a venda com reserva de domínio, conforme os bem-elaborados artigos 519 a 525. Resta apenas torna-la propícia ao mercado de capitais, em termos que facilitem os financiamentos regulares, para uma sadia circulação econômica dos bens de consumo duráveis. Ora, mantida a unidade negocial da venda, serão evitadas as distorções da alienação fiduciária em garantia, as suas onerosas complicações e ainda os problemas fiscais que a sua natureza pode acarretar.

Por outro lado, assegurado ao financiador o exercício eficaz do direito e ação para o resgate do financiamento, sem envolve-lo na transmissão de destino dos bens objeto da venda condicionada, as operações de crédito poderão desenvolver-se normalmente, com bom atendimento do vendedor e do comprador e sem prejuízo da instituição financeira. E o que a emenda ora apresentada visa atender, valorizando a venda com reserva de domínio, já consagrada por uma experiencia de quase quarenta anos e que bem retrata a imaginação jurídica nacional”. Não há artigo correspondente no Código de 1916.

Quanto à doutrina exposta por Ricardo Fiuza, a norma introduzida tem o escopo de garantia ao agente financiador, que fica investido na qualidade e direitos do vendedor. Faz-se ancorada no objetivo de melhor regular a evolução jurídico-comercial e em desembaraço da dinâmica dos negócios do mundo moderno. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 281 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.0’12, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Estendendo-se sobre o dispositivo Marco Túlio de Carvalho Rocha, a venda com reserva de domínio somente é possível em contrato nos quais o preço é pago em parcelas. Atentaria contra a lógica permitir ao vendedor reter o domínio da coisa móvel mesmo tendo recebido todo o preço e transmitido a posse do bem ao comprador. Faltaria causa. A compra e venda com reserva de domínio faz-se, ordinariamente, sem a intervenção de instituição financeira: é o próprio vendedor que arca com o ônus de receber o preço da coisa de forma parcelada.

Ao prever o “pagamento à vista”, o dispositivo não se refere à hipótese de o pagamento ser feito diretamente pelo consumidor, mas por instituição financeira. A rigor, o dispositivo apenas explicita que o contrato de compra e venda com reserva de domínio pode ser cedido pelo vendedor a outra instituição que venha a se sub-rogar   nos direitos daquele, mediante o pagamento das obrigações a cargo do consumidor que passa a ser devedor desta. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).