Direito Civil Comentado
- Art. 529, 530, 531, 532
- Da
Venda Sobre Documentos –
VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e
Venda
Seção II
– Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção
V – Da Venda Sobre Documentos
- vargasdigitador.blogspot.com
Art. 529. Na venda sobre documentos, a
tradição da coisa é substituída pela entrega do seu título representativo e dos
outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silencia deste, pelos usos.
Parágrafo único. Achando-se
a documentação em ordem, não pode o comprador recusar o pagamento, a pretexto
de defeito de qualidade ou do estado da coisa vendida, salvo se o defeito já
houver sido comprovado.
No ritmo de Nelson Rosenvald, a venda
sobre documentos, também chamada de venda contra documentos, é uma espécie de
tradição simbólica (v.g., entrega de chaves a venda do apartamento). Com
efeito, substitui-se a entrega do objeto pela tradição de documentos que
representem a coisa.
Pelo fato de o vendedor cumprir a
obrigação com a entrega da documentação representativa da mercadoria, já
poderia exigir do comprador o pagamento. Cuida-se de modalidade de compra e
venda que não estava elencada no Código de 1916, pelo simples fato de estar
associada a uma fase mais recente de celeridade na circulação de créditos,
sobretudo em sede de relações internacionais, as mercadorias são transportadas
entre Estados diversos, submetendo-se a leis uniformes, contratos de adesão e
formulários com terminologia própria (como as cláusulas CIF e FOB). O
desenvolvimento do contrato demanda não só a expedição de documentação como a
emissão de guias e vistos de autoridades. Não se olvide da realização de um
contrato de câmbio, além do recolhimento de tributos e emolumentos,
promovendo-se assim o embarque e transporte das mercadorias.
Como explica o parágrafo único, se o
comprador verificar a exatidão dos documentos, presume-se a adequação entre a
descrição dos objetos e as suas reais características. O cuidado com a correção
da documentação se explica pela considerável redução da abrangência da teoria
dos vícios redibitórios, sendo em regra inviável a discussão sobre a qualidade
da coisa, exceto no tocante a vícios aparentes, ostensivos. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 586 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na trilha de Ricardo
Fiuza, também cláusula especial, a venda sobre documentos, de intenso uso na
vida hodierna, tem seu relevo jurídico adotado pelo CC/2002, coerente com a
modernidade e, no particular, com a globalização da economia. Essa modalidade
contratual é indispensável em consecução eficiente de negócios com o comércio
exterior Munir Karam aponta sua importância fundamental: “O vendedor se libera
da obrigação de entregar a coisa, remetendo ao comprador o título
representativo da mercadoria e dos outros elementos exigidos pelo contrato
(duplicata etc.). (...) Quanto à recusa, a pretexto de defeito de qualidade ou
do estado da coisa vendida, lembra o eminente magistrado possuir o Código Civil
italiano dispositivo ‘pelo qual o prazo para denúncia de vício ou defeito
aparente de qualidade decorre do dia do recebimento’ (Art. 1.511)” (Munir
Karam. O processo de codificação do direito civil – inovações da parte geral
e do livro das obrigações, RT, São Paulo, Revista dos Tribunais,
757/11-28, nov.1998. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 282 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Seguindo na trilha de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o contrato de compra
e venda de coisa móvel visa à transferência da propriedade mediante a entrega
da posse da coisa vendida. A cláusula especial da venda sobre documentos visa a
modificar esse efeito tradicional do contrato. Ela determina que a tradição
possa se dar fictamente mediante a entrega de documento que represente a coisa.
O dispositivo esclarece que a cláusula pode ser expressa ou tácita, uma vez que
decorra dos usos e costumes comerciais. São exemplos de venda sobre documentos
a venda da coisa transportada ou depositada mediante a transferência da “nota
de conhecimento de transporte” ou da “nota de conhecimento de depósito”, que
transportadores e armazéns gerais estão legalmente habilitados a expedir.
Uma
vez que o documento representa a coisa vendida, não pode o comprador recusar o
pagamento do preço mediante a alegação de descumprimento da obrigação
contratual pelo vendedor por defeito ou desconformidade da coisa vendida apenas
à vista dos documentos que a representam a menos que o defeito ou
desconformidade encontrem-se provados. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 530. Não havendo estipulação em
contrário, o pagamento deve ser efetuado na data e no lugar da entrega dos
documentos.
Na sobriedade de Nelson
Rosenvald, quando estudamos a teoria do pagamento no direito das obrigações,
aprendemos que a regra geral torna as dívidas quesíveis, ou seja, o pagamento
se realiza no domicilio do devedor (CC 347). Contudo, a regra é derrogada
quando as partes convencionam diversamente (dívidas portáveis), ou quando as
circunstâncias do caso e a própria lei indicarem outro local de adimplemento.
Na espécie, a lei concebe
uma regra supletiva acerca do local do pagamento, como aquele em que são
entregues os documentos. Segue a norma do art. 9º da LICC, que estabelece o locus
regis actum. Porém, a regra é suprível desde que as partes estabeleçam
local diverso, como o domicilio de qualquer uma das partes.
Mas não é isso. A mesma
regra também estabelece como tempo de pagamento aquele que coincida com a
entrega dos documentos. Por isso é adequada a denominação de venda contra
documentos. Mas também se cuida de norma dispositiva, pois é lícito que as
partes convencionem outro momento para o pagamento. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 586 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Perseguindo a doutrina de Ricardo Fiuza,
o tempo e o local de pagamento são os previstos em lei, caso não determinados
no contrato, reportando-se ao evento da entrega dos documentos para o
cumprimento da obrigação primacial do comprador.
A venda sobre documentos tem sua vocação
para operar com o comércio exterior. Assim, não poderia ser de outro modo,
segundo o art. 99, caput, da Lei de Introdução ao Código Civil. A regra tocus
regit actum, de direito material, aponta a aplicação da lei do lugar em que
a obrigação se constituiu. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 282 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Confrontando Marco Túlio de Carvalho Rocha, na compra e venda, a
menos que haja estipulação em sentido diverso, o preço deve ser pago
imediatamente, no momento da entrega da coisa. Uma vez que na venda sobre
documentos a entrega destes representa a entrega da coisa, nesse mesmo momento
e local deve ocorrer o pagamento do preço. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 531. Se entre os documentos
entregues ao comprador figurar apólice de seguro que cubra os riscos do
transporte, correm estes à conta do comprador, salvo se, ao ser concluído o
contrato, tivesse o vendedor ciência da perda ou avaria da coisa.
Espancando o comentário de
Nelson Rosenvald, em princípio, na compra e venda os riscos pela perda ou
destruição da coisa pertencem ao vendedor, antes da tradição (CC 492). Mesmo
tendo havido a entrega dos documentos, o vendedor só se escusa de
responsabilidade quando a coisa for entregue ao comprador. Nos contratos de
venda internacionais, há um necessário intercambio com contratos de transporte
e seguro. Assim, se houver apólice de seguro, o risco recairá sobre o
comprador, devendo arcar com o pagamento do prêmio, como interessado imediato
nas mercadorias e beneficiário do seguro (sub-rogação) em caso de sinistro.
Contudo, os riscos incidirão
sobre o vendedor se agiu de má-fé quando já conhecia a perda ou avaria da
coisa. É uma aplicação da regra de ouro do tu quoque, pois quem viola uma
norma não pode por ela ser beneficiado. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 586-587 - Barueri, SP:
Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Desliza-se na Doutrina
apresentada por Fiuza, quando somente subsistirá a obrigação ao alienante se,
ao tempo da conclusão do contrato, este tinha ciência da perda ou avaria da
coisa, prevalecendo o princípio da boa-fé em favor do adquirente. Caso incluída
no documentário apólice de seguro em cobertura dos riscos do transporte,
libera-se o vendedor, correndo os riscos à conta do comprador. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 282 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na interpretação de Marco Túlio de Carvalho Rocha, uma vez entregue o
documento representativo da coisa, opera-se a tradição ficta, o comprador
adquire a propriedade e, segundo a regra res perit domino¸ ele terá de
arcar com os prejuízos resultantes da perda da coisa por caso fortuito ou por
força maior a partir desse momento. A primeira parte do dispositivo é, em razão
disso, redundante, pois mesmo que não haja contrato de seguro de transporte os
riscos correm por conta do comprador a partir da tradição ficta, salvo se o
vendedor tivesse ciência da perda ou avaria da coisa, conforme a parte final do
dispositivo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 532. Estipulado o pagamento por
intermédio de estabelecimento bancário, caberá a este efetuá-lo contra a
entrega dos documentos, sem obrigação de verificar a coisa vendida, pela qual
não responde.
Parágrafo único. Nesse caso,
somente após a recusa do estabelecimento bancário a efetuar o pagamento, poderá
o vendedor pretende-lo, diretamente do comprador.
Acompanhando a lucidez de
Nelson Rosenvald, o pagamento através de estabelecimento bancário é uma constante
em matéria de contatos internacionais de compra e venda. A instituição
financeira intermedeia o negócio jurídico e realiza o pagamento contra a
entrega da documentação. O contrato de crédito documentário é um pacto
acessório à compra e venda por documentos. Vale dizer que a tarefa do banco é
verificar a regularidade da documentação que lhe foi confiada pelo vendedor
para, em seguida, pagar o preço, pois o comprador confiará na exatidão dos
papéis.
Aliás, o contrato de crédito
documentário é definido como o acordo pela qual o banco (nomeado emissor), a
requerimento e de conformidade com as instruções do seu cliente (ordenante),
compromete-se a efetuar o pagamento a um terceiro (beneficiário) contra a
entrega de documentos representativos das mercadorias objeto da operação
concluída entre eles.
Todavia, não incumbe ao
banco examinar ou mesmo garantir a qualidade das mercadorias, pois sua
responsabilidade perante o comprador se limita à autenticação da correção da
documentação, na qualidade de mero intermediário que garantirá o bom termo da
negociação.
Ocasionalmente, se o banco
se negar a efetuar o pagamento, independentemente da motivação, poderá o
vendedor se dirigir diretamente ao comprador. Claro que essa exigência só
vingará após a tradição e aprovação da documentação. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 587 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Existe um histórico
acompanhando a doutrina de Ricardo Fiuza, onde, originalmente, este era o texto
apresentado para o dispositivo tanto no anteprojeto como no projeto proposto
pela Câmara: “Estipulado o pagamento por intermédio de banco, caberá a este
efetuá-lo contra a entrega dos documentos, sem obrigação de verificar a cosa
vendida, pela qual não responde. Parágrafo único. Nesse caso, somente após a
recusa do banco a efetuar o pagamento, poderá o vendedor pretende-lo, diretamente
do comprador?”. A partir das modificações implementadas pelo eminente Senador
Josaphat Marinho, passou a apresentar a atual composição. Com o mister de
tornar o texto mais abrangente, a emenda apenas substituiu a palavra banco pela
expressão “estabelecimento bancário”. Efetivamente, como bem justificou o
Senador Josaphat Marinho, “o vocábulo ‘banco’ tem significado limitado em face
das leis. Mais prudente é usar a expressão mais ampla “estabelecimento bancário, abrangente de
situações como a da Caixa Econômica”. Pelas mesmas razões e acordes, também,
com o relatório parcial do ilustre Deputado Arruda, foi acolhida a emenda.
Seguindo a doutrina, a
operação cogitada pela norma, típica de contrato internacional, tem um fim
específico: contra a entrega do documentário da venda das mercadorias, o
estabelecimento bancário efetua o pagamento, sem verificar a coisa vendida ou
por ela responder. Como a tradição da coisa é substituída pela entrega de seu
título representativo, é nele que se funda a obrigação do pagamento. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 283 apud
Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na balada de
Marco
Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo confirma a regra do parágrafo único do
artigo 529: o pagamento não pode ser recusado por defeito ou desconformidade da
coisa vendida. O parágrafo único é, igualmente, redundante, pois qualquer que
seja a forma de pagamento estabelecida no contrato deve ser observada. O
vendedor não pode ser obrigado a buscar o pagamento por outro meio diferente
daquele estipulado, configurando-se o descumprimento contratual a recusa do
estabelecimento bancário a pagar o preço se esse meio tiver sido o
estabelecido. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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