Direito Civil Comentado
- Art. 527, 528
- Da
Venda com Reserva de Domínio –
VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e
Venda
Seção II
– Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção
IV – Da Venda com Reserva de Domínio
- vargasdigitador.blogspot.com
Art. 527. Na segunda hipótese do artigo antecedente, é facultado ao vendedor
reter as prestações pagas até o necessário pra cobrir a depreciação da coisa,
as despesas feitas e o mais que de direito lhe for devido. O excedente será
devolvido ao comprador; e o que faltar lhe será cobrado, tudo a forma da lei
processual.
Aprendendo com Nelson Rosenvald, caso o vendedor delibere pela
restituição do bem com a extinção da relação contratual, deverá se socorrer do
Judiciário, pois a norma não permite a autoexecutoriedade nessa hipótese ao
contrário do que preconiza o CC 249, parágrafo único, para as obrigações de
fazer.
Admite-se a retenção de valores pagos pelo comprador, desde que
suficientes para compensar o vendedor da depreciação do valor do bem
restituído, acrescido das despesas enfrentadas para a recuperação do objeto,
além de outros valores sugeridos pelo contrato como penalidades para o
inadimplemento (v.g., cláusula penal).
Certamente, se houver valorização da coisa no período que se
seguiu à tradição, tais acréscimos serão necessariamente compensados dos demais
valores a que faz jus o vendedor. Após determinar todo o quantum a que
correspondem os referidos valores, o magistrado precisará aquilo que será
restituído ao comprador. Mas, se nada houver a restituir e os prejuízos
excederem as prestações retidas, o restante do saldo devedor será obtido pela
via da cobrança, variando a ação conforme a natureza do título do vendedor.
O art. 1.071 do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015,
determina em seus quatro parágrafos o procedimento para a recuperação da coisa
vendida. Nas relações de consumo, haverá o cuidado de afastar cláusulas de
decaimento, que determinem a perda total das prestações pagas (CDC, 53).
Outrossim, pelo fato de a
cláusula de reserva de domínio não ser impeditiva da venda da coisa pelo
comprador a um terceiro, em caso de inadimplemento poderá o vendedor se voltar
contra este através da ação de recuperação da coisa, diante da publicidade e
oponibilidade do registro a terceiros. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 584 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na doutrina apresentada por Ricardo
Fiuza, o dispositivo invoca a aplicação da parte final do art. 524 – correto o
comprador responder pelos riscos da coisa a partir de quando lhe foi entregue.
Desse modo, comprovado o desprezo da coisa, com a diminuição progressiva do seu
valor, o vendedor pode usar da faculdade de reter as prestações pagas, para
efeito de acerto de contas, incluindo as despesas judiciais e extrajudiciais
efetuadas e o mais que de direito lhe for devido.
O acertamento é
judicial, dele cuidando o § 3º do art. 1.071 do CPC/1973,
que não tem correspondência no CPC/2015. Vale observar que deferida a apreensão
da coisa sob reserva de domínio essa será submetida à vistoria, com
arbitramento do seu valor (art. 1.071, § 1º). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 281 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em
24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a venda com reserva de domínio foi criada
para favorecer a venda de bens de consumo duráveis e, portanto, nasceu no
âmbito das relações de consumo nas quais prevalece o princípio da proteção do
consumidor, como parte hipossuficiente da relação jurídica. Desta necessidade
de proteção ao consumidor advém a regulamentação legal dos pagamentos e das
restituições que devem ser feitas em caso de descumprimento e de resolução do
contrato.
O dispositivo veda
ao fornecedor apropriar-se dos valores pagos pelo consumidor que ultrapassarem
o prejuízo sofrido por aquele, considerada a depreciação da coisa, as despesas
feitas, inclusive as de publicidade, multa contratual limitada ao máximo
permitido em relações de consumo, ônus sucumbenciais e demais despesas de
cobrança, juros e correção monetária.
O
fornecedor é obrigado a devolver o saldo e se este for negativo pode cobrar o
consumidor a diferença. O comprador que tiver pago mais de 40% do preço, quando
citado para a ação em que se requer a resolução contratual, pode requerer a
purga da mora no prazo de 30 dias. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 528. Se o vendedor receber o
pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante financiamento de instituição do
mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do
contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira e a respectiva
ciência do comprador constarão do registro do contrato.
Na esteira de Nelson Rosenvald,
objetivando a expansão de reserva de domínio, a norma em comento admite a
intervenção de uma instituição financeira, que adiantará o pagamento integral
ao vendedor. Portanto, formam-se duas relações jurídicas concomitantes: entre
vendedor e comprador; entre vendedor e instituição financeira. Esta se
subrogará na posição do vendedor, a fim de cobrar as prestações do comprador,
na forma do CC 347, I. Vale dizer, as garantias e os privilégios do vendedor
serão transferidos à instituição financeira para que possa reaver os valores
que adiantou àquele.
Note-se que o vendedor
mantém a posição de proprietário sob condição suspensiva, não sendo a
titularidade transferida à instituição financeira. Caso isso ocorresse, seria
desvirtuada a natureza dessa modalidade de compra e venda, que se converteria
em uma propriedade fiduciária, de natureza resolúvel.
Na parte final do
dispositivo, alerta-se sobre a necessidade de cientificação por escrito do
comprador como requisito de eficácia da sub-rogação contra ele, além da
indispensável menção à operação com a instituição financeira no cartório de
títulos e documentos, ou no certificado de registro do veículo. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 585 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Atente-se para o histórico do
dispositivo em tela que não estava presente da redação do anteprojeto e foi acrescentado
por emenda da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto.
O responsável pela inclusão desse artigo foi o Deputado Tancredo Neves, que
assim a justificou: “Para facilitar os negócios a prazo de bens duráveis, a
chamada legislação financeira perfilhou a alienação fiduciária em garantia,
cuja prática trouxe tais distorções, que hoje o bom senso está a indicar a sua
substituição pela venda com reserva de domínio, adaptada ao mercado de
capitais. Bem andou o projeto do Código Civil ao incluir em seu sistema a venda
com reserva de domínio, conforme os bem-elaborados artigos 519 a 525. Resta
apenas torna-la propícia ao mercado de capitais, em termos que facilitem os
financiamentos regulares, para uma sadia circulação econômica dos bens de
consumo duráveis. Ora, mantida a unidade negocial da venda, serão evitadas as
distorções da alienação fiduciária em garantia, as suas onerosas complicações e
ainda os problemas fiscais que a sua natureza pode acarretar.
Por outro lado, assegurado ao
financiador o exercício eficaz do direito e ação para o resgate do
financiamento, sem envolve-lo na transmissão de destino dos bens objeto da
venda condicionada, as operações de crédito poderão desenvolver-se normalmente,
com bom atendimento do vendedor e do comprador e sem prejuízo da instituição
financeira. E o que a emenda ora apresentada visa atender, valorizando a venda
com reserva de domínio, já consagrada por uma experiencia de quase quarenta
anos e que bem retrata a imaginação jurídica nacional”. Não há artigo
correspondente no Código de 1916.
Quanto à doutrina exposta por Ricardo
Fiuza, a norma introduzida tem o escopo de garantia ao agente financiador, que
fica investido na qualidade e direitos do vendedor. Faz-se ancorada no objetivo
de melhor regular a evolução jurídico-comercial e em desembaraço da dinâmica
dos negócios do mundo moderno. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 281 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.0’12,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Estendendo-se
sobre o dispositivo Marco Túlio de Carvalho
Rocha, a venda com reserva de domínio somente é possível em contrato nos quais
o preço é pago em parcelas. Atentaria contra a lógica permitir ao vendedor reter
o domínio da coisa móvel mesmo tendo recebido todo o preço e transmitido a
posse do bem ao comprador. Faltaria causa. A compra e venda com reserva de
domínio faz-se, ordinariamente, sem a intervenção de instituição financeira: é
o próprio vendedor que arca com o ônus de receber o preço da coisa de forma
parcelada.
Ao
prever o “pagamento à vista”, o dispositivo não se refere à hipótese de o
pagamento ser feito diretamente pelo consumidor, mas por instituição
financeira. A rigor, o dispositivo apenas explicita que o contrato de compra e
venda com reserva de domínio pode ser cedido pelo vendedor a outra instituição
que venha a se sub-rogar nos direitos
daquele, mediante o pagamento das obrigações a cargo do consumidor que passa a
ser devedor desta. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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