sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 622, 623, 624 - continua - Da Empreitada - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 622, 623, 624 - continua
- Da Empreitada - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo VIII – Da Empreitada -
(art. 610 a 626) - vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 622. Se a execução da obra for confiada a terceiros, a responsabilidade do autor do projeto respectivo, desde que não assuma a direção ou fiscalização daquela, ficará limitada aos danos resultantes de defeitos previstos no art. 618 e seu parágrafo único.

Tomando a lição do mestre Nelson Rosenvald, o artigo se refere à subempreitada. Ao contrário da prestação de serviço, a empreitada em regra não é intuitu personae, consoante se extrai do CC 626. Portanto, é aceitável a conduta do empreiteiro que transfere a um terceiro as suas obrigações, chamado de subempreiteiro.

Apenas não se poderá confiar a obra a terceiro quando expressamente houver cláusula proibitiva, o que realça a natureza personalíssima da empreitada. Mesmo diante de tal cláusula, nada impedirá a subempreitada parcial, que é algo normal e corriqueiro em tais relações jurídicas. Basta atentar para a situação do empreiteiro engenheiro que transfere a execução dos serviços hidráulico e elétrico para técnicos ou empresa especializadas.

Quando se forma esse subcontrato, surge uma segunda relação contratual derivada da primitiva, na qual o subempreiteiro (terceiro) se obriga perante o empreiteiro e este mantém a empreitada com o dono da obra.

O terceiro que recebe a empreitada será o responsável pelo prazo de garantia noticiado no CC 618 e seu parágrafo único, como todas as consequências já mencionadas. Porém, se também assumir a direção e fiscalização da obra, terá idêntica responsabilidade que o empreiteiro. Apesar de não haver relação material entre o dono da obra e o subempreiteiro, poderá aquele lhe responsabilizar pelos danos causados em sede de responsabilidade extracontratual, sem se olvidar de que, em se tratando de relação de consumo, todos os fornecedores respondem solidariamente ao consumidor em razão de defeitos do produto ou serviço que lhe acarretem prejuízos (CDC, 7º, parágrafo único).

Por fim, não se confunda a subempreitada com a cessão do contrato. Aqui, o cedente transfere a sua posição contratual completa (ativa e passiva) para o cessionário (terceiro), com o consentimento do cedido (dono da obra), sendo certo que o cedente se retira por completo da relação jurídica a partir desse momento, não mais respondendo ao dono da obra. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 654 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a norma regula e distingue as responsabilidades de cada interveniente no plano e execução da obra: o projetista, o empreiteiro de materiais e o de execução, tendo consonância com o disposto no CC 610, § 2º. A responsabilidade do autor do projeto, no que lhe compete, limita-se aos danos resultantes dos defeitos previstos no CC 618, pois responde pela qualidade, solidez e segurança do trabalho elaborado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 334 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha a execução da obra depende da preexistência de um projeto que deve obedecer. Projeto e execução correspondem a trabalhos distintos que, comumente, são confiados a profissionais distintos. O responsável pelo projeto responde pelos vícios derivados do projeto e o executor pelos vícios resultantes da execução. Quem se obriga a fiscalizar a execução responde pelos defeitos relativos à execução. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 22.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 623. Mesmo após iniciada a construção, pode o dono da obra suspendê-la, desde que pague ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços já feitos, mais indenização razoável, calculada em função do que ele teria ganho, se concluída a obra.

Vemos com Nelson Rosenvald, que, caso o dono da obra decida desconstituir o negócio jurídico mediante a resilição unilateral do contrato (CC 473), deverá o empreiteiro se submeter ao exercício do direito potestativo. Nada obstante, em razão dos investimentos realizados na obra e daquilo que razoavelmente auferiria com o seu trabalho, será indenizado pelos danos emergentes e lucros cessantes, na dicção do CC 402.

Note-se que os lucros cessantes não poderão aqui abranger as oportunidades perdidas pelo empreiteiro no sentido de realizar outros contratos naquele período, pois a norma restringe os lucros frustrados “em função do que teria ganho, se concluída a obra”.

O legislador se equivocou ao se referir à suspensão da obra como fato gerador da indenização, pois a mera paralisação temporária não induziria à ressalva do final do texto, “se concluída a obra”. Isso significa que a paralisação foi definitiva e o negócio jurídico não pode alcançar o seu término. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 654 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Veremos na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza que, a execução da obra, frustrada pelo dono da obra, assegura ao empreiteiro haver as despesas e a remuneração proporcional aos serviços realizados. Acresce ao fato o dever de indenizar. O mestre Clóvis Beviláqua acentua: “A rescisão da empreitada pelo dono da obra lhe acarreta, em regra, a obrigação de indenizar o empreiteiro das despesas, do trabalho feito e dos lucros que poderia ter, se concluída a obra” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1917, p. 431).

Não mais são referidas as justas causas do rol do art. 1.229 do CC de 1916, que, em geral, não guardam identidade com a empreitada e pareciam indicar uma adequação ao sistema ali indicado. A ratio legis preponderante é clara, demonstrando depender a rescisão unilateral do contrato, pelo dono da obra, do pagamento das despesas e do serviço, além da indenização compatível ao que o empreiteiro deixou, razoavelmente, de receber, se prosseguisse com a empreitada avençada.

Pondera observar o emprego incorreto do vocábulo “suspensão”, inserido na norma, a sugerir paralisação episódica da obra, como se esta pudesse ter seguimento futuro. O seu sentido dúbio merece correção. Suspensão é um adiamento da execução, ou execução protraída no tempo, diferindo o término da obra, por retardo ditado na iniciativa do comitente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 334 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

De acordo com o princípio da obrigatoriedade do contrato, como ensina Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dono da obra deveria ficar obrigado custear sua execução até que viesse a ser concluída, salvo disposição contratual em sentido contrário. O dispositivo, no entanto, levando em consideração as dificuldades inerentes a obras de grande porte, permite ao dono da obra resilir o contrato a qualquer tempo. Se exercer o direito de resilição, o dono da obra fica obrigado a pagar ao empreiteiro todas as despesas já realizadas mais o lucro total que este perceberia se a obra tivesse sido concluída. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 22.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 624. Suspensa a execução da empreitada sem justa causa, responde o empreiteiro por perdas e danos.

Em comentário otimista, Nelson Rosenvald ratifica, já nesse comentário, parece-nos que a suspensão da execução da empreitada é a situação apropriada e condiz com a conclusão do texto. Em outras palavras, a simples paralisação temporária das obras, sem justa causa por parte do empreiteiro, pode propiciar prejuízos efetivos ao dono da obra.

Caso os danos emergentes e lucros cessantes derivados da suspensão dos trabalhos sejam demonstrados, surge o dever de indenizar, pois em sede de responsabilidade civil a simples culpa não é bastante para a produção do dever de indenizar, sendo fundamental a perquirição da extensão do dano (CC 944).

É evidente que, quanto maior o tempo de injustificada paralisação, maiores serão os prejuízos do dono da obra. Imagine a construção de uma casa: elevam-se os preços dos materiais; nascem despesas de conservação; perdem-se materiais estocados, sem se olvidar dos negócios jurídicos que o proprietário deixa de praticar em razão da impossibilidade de oferecer a mercadoria acabada a um cliente. Ao contrário do artigo precedente, aqui não se limita a pretensão às perdas e danos, podendo o dono da obra pleitear com amplitude tudo aquilo que esteja no desdobramento razoável e provável dos fatos caso não houvesse a suspensão da obra. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 655 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Dando voz a Ricardo Fiuza, o presente dispositivo também trata da rescisão unilateral da empreitada, agora por parte do empreiteiro. Pressupõe os casos de rescisão injusta. Desse modo, o desfazimento do vínculo obrigacional impõe ao empreiteiro desistente a obrigação de responder por perdas e danos decorrentes da rescisão. Necessário observar, contudo, o que esclarece, com precisão o Prof. Agostinho Alvim: “o primeiro requisito do dever de indenizar é o dano. (...) Ainda mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha existido culpa e até mesmo dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo. Esta regra decorre dos princípios, pois a responsabilidade independentemente de dano redundaria em mera punição do devedor, com invasão da esfera do direito penal” (lia inexecução das obrigações e suas consequências. São Paulo. Saraiva, 1949, p. 162). Com efeito, o título indenizatório, abrangendo o dano emergente e os lucros cessantes, haverá de ser constituído pelo pressuposto necessário e imprescindível da demonstração do dano (RT. 557/133).

Repetem-se as considerações feitas ao artigo anterior quanto à impropriedade de “suspensão”, na hipótese aqui cogitada, pois representa, a rigor, rescisão unilateral da empreitada por parte do empreiteiro. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 335 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o empreiteiro é obrigado a executar o serviço para o qual foi contratado. Se descumprir essa obrigação, fica obrigado a indenizar o dono da obra por todos os prejuízos que este vier a sofrer com a inexecução. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 22.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 619, 620, 621 - continua - Da Empreitada - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 619, 620, 621 - continua
- Da Empreitada - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo VIII – Da Empreitada -
(art. 610 a 626) - vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 619. Salvo estipulação em contrário, o empreiteiro que se incumbir de executar uma obra, segundo plano aceito por quem a encomendou, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que sejam introduzidas modificações no projeto, a não ser que estas resultem de instruções escritas do dono da obra.

Parágrafo único. Ainda que não tenha havido autorização escrita, o dono da obra é obrigado a pagar ao empreiteiro os aumentos e acréscimos, segundo o que for arbitrado, se, sempre presente à obra, por continuadas visitas, não podia ignorar o que se estava passando, e nunca protestou.

Na visão de Rosenvald, essa norma se aplica tão somente à empreitada por preço certo para a totalidade da obra, sem previsão de reajustamento, mesmo que incida acréscimo nos materiais ou na mão de obra. Aqui a regra é não se admitir a variação do preço, ao contrário do que ocorre nos contratos que contêm cláusula permissiva de reajustamento.

O ajuste do preço fixo pode ser interessante para ambas as partes em tempos de estabilidade monetária. Para o dono da obra, é garantia de que não será surpreendido pela má-fé ou por equívocos do empreiteiro; para este, não haverá surpresa, pois como especialista na matéria poderá calcular um preço satisfatório dentro dos acontecimentos ordinários. Mesmo na empreitada por preço certo é possível convencionar cláusula de escala móvel, sem descaracterizar a modalidade do negócio, à medida que se estabeleça o aumento progressivo das prestações como proteção diante da atualização monetária (CC 316).

A norma em comento apenas admite acréscimo de preço mediante instruções escritas de outro contratante, ou seja, autorização expressa do dono da obra. Admite-se, contudo, a autorização tácita quando este não contesta o aumento do valor que lhe é sugerido pelo empreiteiro, nos casos em que presumidamente o proprietário não ignorava a real situação da expansão da obra, na letra do parágrafo único.

A nosso sentir, nos tempos atuais de intenso tráfego jurídico, exigir a autorização por escrito para reajuste, quando as condições objetivas demonstram que o proprietário não teria razão para lhe obstaculizar, seria uma injusta sanção ao empreiteiro e um fator de imobilismo em tais atividades. Aplica-se aqui o que os modernos chamam de “conduta social típica”, ou “comportamento concludente”, segundo os quais determinadas condutas produzem negócios jurídicos ou lhe inovam, sem a necessidade de uma expressa manifestação de vontade.

Ademais, a aplicação do princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução de contratos tem por escopo identificar, na conduta das partes obrigadas, o nascimento de deveres secundários ou acessórios, independentes da vontade das partes, excedentes ao dever de prestação, impondo limites aos direitos preestabelecidos a evitar abuso do direito (CC 187 e 422).

No âmbito dessa função limitadora, inclui-se a proibição de venire contra factum proprium, quando há assunção de posição jurídica em contradição com o comportamento assumido no instrumento contratual, que cria uma expectativa legítima de determinada conduta futura pela contraparte obrigada.

É o que se verifica na parte final do caput, quando, Exemplificadamente, o dono da obra tolera a execução de serviços extras, o que enseja a confiança da empreiteira na aprovação de aditivos e na futura contraprestação do serviço realizado. Evita-se, ainda, a consagração do locupletamento indevido do dono da obra.

A outro giro, a expressão “salvo estipulação em contrário”, inserida no início da norma, realça seu caráter dispositivo, pois a remuneração poderá ser livremente pactuada pelos contratantes, por meio da estipulação de um preço variável.

Não obstante a omissão do legislador, é evidente que aqui, como em qualquer outro contrato de duração, pode ser manejada a teoria da imprevisão pelas partes (CC 478), diante do surgimento de fatos extraordinários e imprevisíveis que coloquem um dos contratantes em evidente situação de desequilíbrio econômico ao curso da execução contratual, com quebra do sinalagma. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 652 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico adito à doutrina de Ricardo Fiuza, o presente dispositivo não foi alterado por qualquer emenda, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O texto sofrer apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a revisão ortográfica, por parte da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Corresponde ao art. 1.246 do CC de 1916. Em relação ao texto do Código Civil de 1916, acrescentou-se ao capta o parágrafo único, o qual confere maior esclarecimento ao texto legal, além de prevenir com destreza mais uma situação da qual poderia resultar uma lide.

Acrescido à doutrina, tem-se na empreitada a preço fixo, estabelecido o seu valor para a totalidade da obra, não poderá o empreiteiro exigir a alteração do preço, ainda que arrimado em modificações nela introduzidas. O preço vincula-se definitivo e confortado ao projeto original, ficando o executante da obra a ele obrigado. Entretanto, se as alterações resultaram de instruções escritas do dono da obra, o acréscimo no preço poderá ser reclamado, porquanto representarem aquelas uma estipulação adicional a permitir o congruente reajuste.

A jurisprudência tem flexibilizado a norma, ao admitir a emenda do preço, aplicando ao contrato de empreitada a teoria da imprevisão, pela superveniência de fato extraordinário ou imprevisível, sobrecarregando o custo do material e dos encargos da obra. A reconciliação do preço, baseada na cláusula rebus sic stantibus tem sido aclamada, bastando lembrar julgado do STF, de 1964, onde se afirma: “Cláusula rebus sic stantibus. A cláusula aplica-se aos contratos de empreitada. A cláusula só ampara o contratante contra alterações fundamentais, extraordinárias das condições objetivas, em que o contrato se realizou” STF, 2’ 1., RE 56.960-SP, rel. Mm Hermes Lima, DI de 8-12-1964).

A introdução do parágrafo único é saudável, preceituando, expressamente e, a possibilidade da correção do preço por modificações assentidas tacitamente pelo comitente e dono da obra. Tem ânimo em julgados pioneiros, e a propósito, vale referir o discernimento de julgado da I’ Câm. Cível do IIDE (Ap. Cível 31.306, de 10-8-1955, RF 164/217-219), bem lembrado por Renato José de Moraes: “Destarte, em face dessa solução jurisprudencial, se há por ter por enunciado o princípio geral segundo o qual o empreiteiro tem direito de ação para haver o custo das obras acrescidas, mesmo que a sua realização não haja sido autorizada por escrito, se o vulto, a espécie e as condições da mão de obra e do fornecimento dos materiais são de tal natureza que permitem a conclusão de que não poderiam ter sido realizadas sem pleno conhecimento do dono da obra. Do contrário, o demasiado apego ao rigor arcaico da disposição contida no art. 1.246 do Código Civil iria peru-tiro enriquecimento ilícito do dono da obra” (Cláusula awbus sic stantibus”, São Paulo, Saraiva, 2001, p. 222).

Jurisprudência: “Exigir, rigorosamente, autorização escrita do dono da obra em todos os casos de acréscimo, importaria locupletamento com a jactura alheia” (51$, 1ff 11.442, rel. Mm. Luís Gallotti, 26-12-1949; IW, 569/93-4). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 332 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a regra deste dispositivo concretiza o princípio da obrigatoriedade dos contratos: as partes vinculam-se pelo conteúdo do contrato. Empreiteiro contratado para executar a não pode executar a + b. Se o faz, o dono da obra somente estará obrigado a pagar por a, conforme o contrato, a menos que alteração tenha sido realizada para incluir b no objeto contratado. A alteração pode decorrer de autorização expressa e escrita ou tácita, se na avaliação da obra o acréscimo tiver sido conhecido sem que o dono da obra tenha protestado quanto a ele. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 21.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 620. Se ocorrer diminuição no preço do material ou da mão de obra superior a um décimo do preço global convencionado, poderá este ser revisto, a pedido do dono da obra, para que se lhe assegure a diferença apurada.

Na pauta de Nelson Rosenvald, para quem vivencia a nossa realidade e cultura, temos ai uma norma de rara efetividade. Cogitar da redução do preço do material da empreitada já é algo remoto, quanto mais de uma queda de valores que represente mais de um décimo do preço global convencionado. Quando à mão de obra, é impensável a redução salarial (CF, 7º, VI); poderíamos apenas supor uma redução na necessidade de trabalhos especializados, com substituição por operários menos qualificados, sem quebra na qualidade do serviço.

Todavia, acontecendo o referido evento superveniente e extraordinário, o legislador concebeu uma particular hipótese de aplicação do princípio da onerosidade excessiva, impedindo que ocorra o injustificado enriquecimento do empreiteiro.

Aliás, ao contrário do estatuído para a teoria da imprevisão (CC 478), a solução para a restauração do sinalagma será a revisão contratual, em homenagem ao princípio da conservação do negócio jurídico. Não é necessário que exista cláusula nesse sentido, a norma opera de pleno direito. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 652 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Existe aqui, também, um histórico, acompanhando a Doutrina de Ricardo Fiuza em que, da observação do texto original do projeto proposto pela Câmara, tal era a redação do artigo em comento: “Art. 620. Se ocorrer diminuição no preço do material ou da mão de obra, superior a um décimo do preço global convencionado, poderá este ser revisto, a pedido do dono da obra, mas apenas quanto ao que exceder aquela parcela, feita a atualização dos valores monetários”. Com as alterações empreendidas pelo Senado, através do eminente Senador Gabriel Hermes, houve uma substituição de expressões a fim de permitir a permanência do dispositivo no corpo do projeto. A justificativa senatorial foi a seguinte: “Não se deve considerar apenas a ‘desvalorização da moeda’, para admitir a revisão de valores convencionados.

Outros fatores, e imprevisíveis, poderão ocorrer, gerando o desequilíbrio das prestações e justificando o reajustamento delas. Cumpre, porém, alterá-lo mais. Prevendo que ocorra ‘diminuição no preço do material ou mão de obra superior a um décimo do preço global convencionado’, admite que ‘este poderá ser revisto, a pedido do dono da obra, mas apenas quanto ao que exceder aquela parcela’. Não é clara a alusão ‘ao que exceder aquela parcela’, até porque se prevê ‘diminuição no preço do material ou da mão de obra’, e a revisão deve beneficiar o ‘dono da obra’. Diante disso, dá-se nova redação ao artigo, para evitar, seguramente, que haja enriquecimento indevido por quem executa a empreitada. Não há artigo correspondente no CC de 1916.

Quanto à Doutrina, aponta que, de fato, consiste este artigo na aplicação do princípio da eticidade que regula o Código, obstando o enriquecimento sem causa. Não se pode negar a necessidade de se estabelecer meios para a realização de um reequilíbrio econômico do contrato, no referente ao quantum do preço, se eventual mudança substancial do valor ensejar excessiva vantagem para o empreiteiro, com consequente prejuízo ao dono da obra. A revisão contratual se impõe para corrigir o preço, assegurando-se ao empreitante a diferença apurada em seu favor, no que compreende o abatimento do valor do preço. Nesses casos, não prevalecerão o preço fixo ou o preço fixo absoluto, em homenagem ao princípio da harmonia econômica do contrato.

Por outro lado, escusado dizer, em todos os casos, a exigibilidade da correção monetária decorrerá, sempre, da razão de não se poder comprometer a base econômica do contrato, em face do desequilíbrio econômico financeiro superveniente, como o resultante de plano econômico de governo, haja ou não cláusula de reajustamento. Neste sentido: STJ, 2~I., REsp 52.696-DE, rel. Mm. Ari Pargendler, DI de 3-2-1997. Assim, se houver aumento excessivo no preço do material ou da mão de obra, ter-se-á incidente a teoria da imprevisão, conforme referido em anotação ao artigo anterior. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 333 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo reflete a incidência do princípio do equilíbrio contratual. Há dois tipos de empreitada: a por administração e a por preço fixo (por preço global). Na empreitada por administração a remuneração do empreiteiro já é, necessariamente, proporcional ao custo do material e da mão de obra. A regra do CC 620 refere-se, pois, à empreitada por preço fixo. Nesse tipo de obra, o empreiteiro precifica seu serviço segundo o valor da mão de obra ou da mão de obra e do material, conforme seja empreitada de lavor ou mista, mais o lucro. Se o lucro do material ou da mão de obra decrescem, o lucro do empreiteiro aumenta. A fim de manter o equilíbrio do contrato e de evitar ganho acima do que reputa razoável, a lei permite ao dono da obra a redução do preço se a diminuição do preço do material ou da mão de obra for superior a um décimo do valor global contratado.

Assim: se o preço estimado para o material e para a mão de obra for de $10 e o preço global $12, o dono da obra poderá requerer a redução do preço global para $10 se o preço do material e da mão de obra reduzir-se a $ 8. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 21.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 621. Sem anuência de seu autor, não pode o proprietário da obra introduzir modificações no projeto por ele aprovado, ainda que a execução seja confiada a terceiros, a não ser que, por motivos supervenientes ou razões de ordem técnica, fique comprovada a inconveniência ou a excessiva onerosidade de execução do projeto em sua forma originária.

Parágrafo único. A proibição deste artigo não abrange alterações de pouca monta, ressalvada sempre a unidade estética da obra projetada.

Lecionando, Rosenvald confirma que em regra, é imodificável o projeto da obra pelo seu proprietário, tratando-se de propriedade autoral do seu criador e assim só passível de alteração com o seu consentimento, sob pena de risco à integridade do trabalho e da própria segurança de seus destinatários. Nesse sentido, o art. 26 da Lei n. 9.610/98 diz que “o autor poderá repudiar a autoria de projeto arquitetônico alterado sem o seu consentimento durante a sua execução ou após a conclusão da construção”, inclusive com a possibilidade de responsabilizar civilmente o dono da obra por manter a sua autoria, mesmo após o repúdio (art. 26, parágrafo único).

O empreiteiro também não poderá unilateralmente introduzir modificações, sob pena de a obra ser justificadamente rejeitada ao final, conforme se depreende do já comentado CC 615. Contudo, tratando-se de pequenas e necessárias correções de rumo, que não comprometam a unidade estética da obra, viabilizam-se as alterações.

Novamente preocupado com as alterações na economia contratual, o legislador inovou substancialmente sobre a norma da lei autoral, permitindo a excepcional alteração do projeto – a despeito da autorização de seu autor – em duas hipóteses: inconveniência do projeto originário por motivos supervenientes, ou por razões de ordem técnica.

Exemplificando: se uma nova técnica de edificação for implantada em larga escala e com custos menores, poderá o dono da obra substituir a original, sem o consentimento do projetista; da mesma maneira, se a aquisição de determinado produto exigido pelo projetista tornar-se por demais custosa em razão de desabastecimento, nada obsta a substituição por outro mais acessível.

A norma é vantajosa para o empreiteiro e para o dono da obra, na medida em que a excessiva onerosidade será caracterizada independentemente da imprevisibilidade do evento, sendo suficiente a demonstração da quebra da base objetiva do negócio jurídico. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 653 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na esteira de Ricardo Fiuza, a lei reconhece a autoridade técnica do autor do projeto para não tolerar venha a sua criação ser alterada, pelo dono da obra, afetando-lhe o conteúdo. As modificações introduzidas podem, inclusive, comprometer a segurança da obra. De sorte que somente autorizado o comitente, pela anuência daquele, o projeto obterá nova caracterização. Duas exceções são reconhecidas, todavia, na dicção legal: a) a inconveniência da execução do projeto original, por motivos supervenientes ou por razões técnicas; b) a excessiva onerosidade que se revele para a execução do referido projeto.

Na ressalva da lei, prescinde o dono da obra de autorização prévia do projetista. Em todo caso, tais fatos haverão de ser rigorosamente provados. Diz-se-á como inconveniência de sua execução aos fins propostos, diante do projeto original. Por razões técnicas, serão as reconhecidas por técnico de igual qualificação do autor do projeto. Por outro lado, quando a execução acarretar excessiva onerosidade, o projeto poderá ser adaptado a impedi-la, sem que para isso o seu autor precise oferecer o seu assentimento. O parágrafo único afasta a incidência da norma, toda vez que as alterações procedidas forem de pequena ou nenhuma importância, preservando-se, ainda assim, a unidade estética da obra projetada. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 333 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo Marco Túlio de Carvalho Rocha, o princípio da obrigatoriedade do contrato impede que as partes alterem unilateralmente o conteúdo do contrato. O dono da obra não pode exigir que o empreiteiro realize obra diversa daquela para a qual foi contratado. A regra é amenizada em razão da boa-fé objetiva, no sentido de se tolerar alterações de pequena monta, que não onerem a execução do projeto ou que se façam necessárias por motivo de ordem técnica, inconveniência ou excessiva onerosidade do projeto original. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 21.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 616, 617, 618 - Da Empreitada - continua - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 616, 617, 618 - continua
- Da Empreitada - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo VIII – Da Empreitada -
(art. 610 a 626) - vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 616. No caso da segunda parte do artigo antecedente, pode quem encomendou a obra, em vez de enjeitá-la, recebe-la com abatimento no preço.

Na linha de raciocínio de Nelson Rosenvald, em complemento ao dispositivo anterior, o legislador concede uma segunda opção ao dono da obra: em vez de desconstituir a relação jurídica, poderá ficar com a coisa e pleitear o abatimento proporcional no preço em razão do descumprimento das instruções e normas técnicas. Cuida-se de uma modalidade de ação estimatória (quanti minoris), conforme o enunciado no CC 442, porém alheia à disciplina dos vícios redibitórios.

Em princípio, os CC 615 e 616 concedem ao dono da obra o direito potestativo de imposição ao empreiteiro de qualquer uma das medidas – redibição ou abatimento-, sem que este possa se opor à decisão adotada. Todavia, entendemos que, em se tratando de uma reduzida infração às regras técnicas, a opção pelo desfazimento do contrato se converterá em medida desproporcional diante do inadimplemento mínimo (adimplemento substancial) do empreiteiro. A nosso viso, poderá então o magistrado aplicar a teoria do abuso do direito (CC 187), para limitar o exercício do direito potestativo do dono da obra, no sentido de estabelecer uma pequena redução no preço da empreitada em atenção às peculiaridades do caso, sem contudo se impor a resolução do contrato, aplicando-se o princípio da conservação do negócio jurídico. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 648 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a norma cogita do emprego analógico do que concerne à faculdade prevista no CC 442, no tocante aos vícios redibitórios. O abatimento do preço atenderá, sem dúvida, em sua expressão econômica, ao necessário das despesas com a correção dos defeitos de execução, servindo para adequar a obra ao plano inicialmente previsto e ajustado.

Assistindo ao dono da obra, desde que a empreitada tenha se afastado das instituições fornecidas, dos planos dados ou das regras técnicas, recebe-la com o abatimento do preço, uma vez não exercendo a faculdade e não a rejeitando, ocorre o recebimento tácito e definitivo do serviço, caso em que os vícios de natureza aparente, facilmente verificáveis, ficarão inteiramente cobertos pelo ato do recebimento, pondo fim a toda responsabilidade do empreiteiro. Neste sentido: IIDE P T. CÍVEL, rel. Des. Cândido Colombo, Ap. Cível 1.761-DF, DJ de 22-3-1971. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 330 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, se a obra não apresentar as qualidades acordadas, mas se os defeitos não levarem o dono da obra a perder o interesse pela mesma, tem o direito de aceita-la mediante abatimento do preço (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 19.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 617. O empreiteiro é obrigado a pagar os materiais que recebeu, se por imperícia ou negligência os inutilizar.

No prisma de Nelson Rosenvald, o dispositivo é singelo, pois enuncia um princípio geral do direito da responsabilidade civil subjetiva. Na empreitada de mão de obra ou de lavor, quem fornece o material é o dono da obra, portanto, na qualidade de possuidor dos referidos produtos, deverá o empreiteiro agir com o máximo zelo e cautela na sua conservação, a fim de exercitar a atividade a cujo resultado está voltado.

Qualquer falha na utilização dos materiais oriunda da imperícia ou negligência do empreiteiro a ele ser imputada. Deverá ele provar a incidência do fortuito como forma de se exonerar de qualquer responsabilidade.

O Código Civil de 1916 (art. 1.244) apenas mencionava a imperícia do empreiteiro como fato gerador do dever de indenizar. Agora, acresce à ausência de conhecimentos técnicos a conduta negligente do empreiteiro que é desidioso na conservação da coisa. Poder-se-ia indagar sobre a ausência do termo imprudência, porém, ele é abrangido pelo sentido lato da imperícia, que acolhe todo exercício de atividade especializada não realizada adequadamente. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 648-649 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina apresentada por Fiuza fala nos contratos de empreitada, apenas de lavor, cumpri ao dono da obra fornecer o material, e compete ao empreiteiro usá-lo da melhor forma possível, não podendo inutiliza-lo, depreciá-lo ou perde-lo por imperícia ou negligência, sob pena de reposição ou do pagamento do material não acautelado.

Essa obrigação subsiste, ainda no caso em que a obra for enjeitada. Recolhe-se, aqui, a lição de João Luiz Alves: “O texto é uma consequência dos princípios estabelecidos: o empreiteiro é obrigado a restituir os materiais alheios, em espécie, ou na obra feita. Se os deixa perecer ou inutilizar por culpa sua, na qual se compreende a imperícia, porque a ninguém é lícito assumir obrigações de fazer aquilo que ignora, é claro que responderá pela perda ou deterioração (...). Essa responsabilidade existe, quer os materiais tenham sido empregados na obra, quer não; abrange ainda o caso em que a obra for enjeitada (CC 1.242), devendo o empreiteiro demoli-la” (Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil anotado. Rio de Janeiro. E. Briguiet & Cia. Editores Livreiros. 1917 p. 851-2). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 331 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na pauta de Marco Túlio de Carvalho Rocha, sempre que um contratante causa prejuízo ao outro por culpa fica responsável por indenizar a parte prejudicada. Desse modo, o empreiteiro é responsável por indenizar o dono da obra pelos materiais que inutilizar. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 19.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.

Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.

Sob o prisma de Nelson Rosenvald, indubitavelmente, trata-se do dispositivo mais controverso acerca do contrato de empreitada.

Nas empreitadas de edifícios ou de construções consideráveis (v.g., viadutos, pontes, estradas), o empreiteiro responderá pela solidez e pela segurança do trabalho em um prazo de garantia legal de cinco anos. Ora, em razão da amplitude da obra, há uma necessidade de conferir ao seu proprietário e credor de obrigação de resultado a mais ampla tutela. A extensão do prazo é consequência da própria complexidade da empreitada e da gama de defeitos que apenas podem ser percebidos após a conclusão da obra.

Da letra do CC 618 é possível inferir duas substanciais alterações em relação ao art. 1.245 do Código Beviláqua, que já tratava da matéria em termos análogo. Primeiro, não poderá mais o empreendedor se isentar de responsabilidade ao pálio de ter advertido o dono da obra acerca da ausência de solidez do solo. Ora, agiu bem o legislador, pois o empreendedor tem a obrigação de fiscalizar a obra e entregá-la de forma perfeita, não sendo admissível que possa escusar a sua omissão na eventual negligencia do dono da obra, que necessariamente não detém conhecimentos técnicos sobre a segurança do empreendimento. Segundo o prazo de garantia legal de cinco anos é irredutível, o que implica a impossibilidade de convenção entre as partes no sentido de sua diminuição. Mas nada impede que o empreendedor acrescente à garantia legal uma garantia contratual, a fim de conquistar a confiança do dono da obra.

A inovação do parágrafo único dever ser percebida como a concepção de um sistema de freios e contrapesos. Ele revela a preocupação do legislador com a boa-fé objetiva do dono da obra perante o empreiteiro. Caso aquele descubra o vício redibitório dentro do lustro legal, terá o direito potestativo de denunciar os vícios dentro do prazo de 180 dias a contar da descoberta. Ou seja, se a obra foi entregue há um ano e nessa época é descoberto o vício, a partir de tal momento será contado o prazo decadencial. Ultrapassado o prazo, a garantia se esvai, mesmo que ainda existem em tese três anos e seis meses para o exercício da reclamação, de acordo com o caput do artigo.

Pela teoria da responsabilidade, será justificável a invocação do vício pelo dono da obra somente quando não tiver agido de má-fé ou culposamente. Na espécie, se ele sabe da existência do vício, há um dever anexo de informação imediata perante o empreendedor, a fim de que este possa se posicionar sobre a questão. Mas a negligência do referido esclarecimento, pelo indevido aguardo do término da garantia contratual, importa em violação à confiança do empreendedor e abuso no exercício do direito subjetivo. Daí a elogiável opção do Código pela fixação do prazo decadencial, nos moldes do que se verificou na concepção do CC 446.

Certamente, se o vício é constatado quando o edifício havia sido entregue quatro anos e dez meses antes o dono da obra contará o prazo de 180 dias a partir de tal data, mesmo que quando do ajuizamento da demanda já tenha sido superado o quinquênio.

Prosseguindo, tratando-se o prazo de cinco anos de período de garantia – seja em favor do dono da obra, seja de eventual adquirente no referido período -, a sua superação não impede a reparação dos danos derivados de culpa do empreendedor. Porém, não se tratando de prazo de prescrição ou decadência, abre-se uma questão. Se no Código Civil de 1916 esse prazo era de vinte anos (art. 177, c/c a Súmula n. 194 do STJ), como agir na nova ordem jurídica sendo o prazo de exercício da pretensão condenatória consideravelmente reduzido para apenas três anos (CC 206, § 3º, V)? Parece-nos que, caso o vício tenha sido constatado no prazo de cinco anos, o triênio será contado a partir da aludida data. Essa é uma construção lógica, pois a interpretação literal do artigo – que reclama o exercício da pretensão da data da lesão ao direito subjetivo – acarretaria perplexidade, eis que o prazo prescricional da responsabilidade subjetiva terminaria antes mesmo do prazo de garantia, no qual não se discute culpa.

Esclareça-se que o sistema de garantia ora realçado só se aplica aos vícios redibitórios que acarretem risco à solidez ou segurança do prédio. O termo segurança será entendido em sentido amplo, como qualquer problema que impeça a regular condição de salubridade e habitação do prédio. Com efeito, tratando-se de regra especial, sua aplicação não pode se estender a outras hipóteses reguladas em normas estanques. Assim, para os vícios ocultos em geral, aplicam-se as normas alocadas nos CC 441 e ss; com relação aos vícios aparentes, ostensivos, adotamos os CC 615 e 616, há pouco examinados.

Até agora, examinamos os contratos de empreitada no âmbito do direito civil, porém, nos contratos de incorporação imobiliária (art. 28 da Lei n. 4.591/64) e nos contratos de empreitada em que surgirem as figuras do fornecedor e do consumidor, caberá a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. O incorporador que realiza construções para alienação de unidades autônomas é em regra um fornecedor (art. 3º do CDC). Também assumirá tal posição aquele construtor que edifica no terreno de um particular (v.g., engenheiro contratado para conduzir empreitada).

Nesses dois casos, dois sistemas complementares são observados: caso se constate o vício do produto ou serviço (arts 18 e ss), o dono da obra possui noventa dias para exercitar o direito potestativo para a reclamação da reparação cabível, por meio das várias opções deferidas pela lei consumeirista, contando-se o prazo da entrega da obra (“habite-se”) para os vícios aparentes e da descoberta do vício para os ocultos (art. 26, §§ 1º e 3º, do CDC). Na hipótese de o vício gerar um acidente de consumo, surge a responsabilidade civil objetiva pelo produto ou pelo serviço (art. 12 do CDC), passível de exercício da pretensão indenizatória no prazo prescricional de cinco anos, contatos da descoberta do fato e da autoria (CDC 27).

Diferentemente do Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor não possui um prazo próprio de garantia. E daí se indaga até quando é possível a adoção do prazo decadencial de noventa dias para a reclamação dos vícios ocultos do produto e/ou serviço? Lembramos o estudioso que o consumidor sempre poderá migrar da legislação especial para outro sistema que lhe conceda maiores benefícios, em razão da norma de interface do CDC 7º e do próprio CF 5º, XXXII, que lhe outorga a posição de sujeito de direitos fundamentais. Portanto, o vulnerável se beneficiará do art. 618 e usufruirá o prazo decadencial de noventa dias quando o vício for descoberto no prazo de cinco anos de garantia legal.

Por último, caso a empreitada cause danos aos prédios vizinhos em razão dos vícios derivados da falta de solidez ou segurança, a quem se deve responsabilizar: o dono da obra ou o empreiteiro? A nosso viso impera a solidariedade passiva, alcançando-se o dono da obra pelo CC 937 e o empreiteiro pela aplicação da cláusula geral do risco da atividade, a teor do parágrafo único do CC 927. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 649-650 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Trazemos na doutrina de Ricardo Fiuza, a necessidade de considerar de imediato, que o prazo quinquenal, previsto no capta do artigo, é prazo de garantia da solidez da obra e da responsabilidade do empreiteiro pelo trabalho que tenha executado, independente de culpa, “não se reportando ao exercício que essa garantia venha a se fundamentar. Este, a seu turno, é estabelecido pelo prazo prescricional comum de 20 anos” (SIJ, 3~ I., REsp 37.556-SP, rel. Mm. Eduardo Ribeiro, DJ de 13-3-1985). Diante do que dispõe o CC 205, a prescrição não é mais vintenária, ocorrendo em dez anos. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 331 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Sob a luz de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo cuida da responsabilidade excepcional do empreiteiro nas construções de porte. Tal responsabilidade decorre de vícios ocultos suscetíveis de acarretar danos ou risco de dano à segurança e à solidez de um edifício ou construção de envergadura.

É excepcional, porque é específica para contratos de empreitada de “edifícios ou outras construções consideráveis”. É regra que aumenta a responsabilidade do empreiteiro de tais obras e que se soma às regras que responsabilizam os contratantes em geral.

O dispositivo estabelece que o prazo de garantia é de 5 anos e o de decadência de 180 dias a contar do aparecimento do vício. o Código Civil de 2002 reduziu o prazo de garantia que no Código Civil de 1916 era de 20 anos. Ao estabelecer o prazo de 180 dias para o ajuizamento da ação encerrou polêmica que existia na vigência do Código Civil de 1916 quanto a ser o prazo de garantia ou prescricional (decadencial).

A redução do prazo de garantia foi drástica, tornou-o nitidamente incompatível com a finalidade da norma que é a de agravar a responsabilidade de quem executa obra de especial importância econômica e de relevo para a própria integridade física das pessoas. O estabelecimento de prazo inferior, inclusive, ao prazo geral de prescrição das ações (de 10 anos), quebra o sistema.

A solução encontrada pela jurisprudência, foi criar a “teoria da actio nata”, passando a contar o prazo neste e noutros casos, a partir do momento em que a parte lesada toma conhecimento do vício. assim, no julgamento do Recurso Especial n. 903.771, em 12.04.2011, o Superior Tribunal de Justiça deu procedência ao pedido de indenização de obra concluída em 09.08.1982, cujos defeitos surgiram em 09.12.1999, tendo sido ajuizada a ação em 12.11.2002, salientando a possibilidade de o construtor ser responsabilizado por inadimplemento contratual com base no art. 1.056 do CC/1916. Considerou que a prescrição vintenária somente teria tido início quando do conhecimento dos vícios.

O empreiteiro responde ainda por vícios aparentes: de acordo com o CDC 26, II, o consumidor tem o prazo de 90 dias para reclamar. O prazo é decadencial, mas pode ser obstado pela reclamação (CDC 26, 2º).

Responde o empreiteiro por vícios ocultos. Nas relações de consumo, o prazo decadencial é de 90 dias a contar do momento em que fica evidenciado o defeito (CDC, 26, § 3º). Se a relação não for de consumo, a parte prejudicada pode invocar os vícios redibitórios (CC 445), no prazo de 30 dias, se se tratar de bem móvel ou de 1 ano, relativamente aos imóveis. Tais prazos contam-se da tradição, salvo se o adquirente já estivesse na posse da coisa: contam-se pela metade, a partir da alienação; ou quando, por sua natureza, o vício somente puder ser conhecido mais tarde (CC 445, § 1º).

O empreiteiro responde por fato do produto, ou fato do serviço, i.é, pelo acontecimento externo que causa dano material ou moral ao consumidor decorrente do produto ou do serviço (CDC, 12 e 14). O prazo para reclamar por essa espécie de dano é de 5 anos a contar do conhecimento do dano e de sua autoria (CDC 27).

A cláusula que exonere ou reduza a responsabilidade do empreiteiro é vedada pelo CDC 51. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 19.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).