segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 653, 654, 655 - continua - Do MANDATO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 653, 654, 655 - continua
- Do MANDATO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo X – Do Mandato -
(art. 653 a 666) Seção I – Disposições Gerais –
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Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.

Segundo ensinamentos de Nelson Rosenvald e Claudio Luiz Bueno de Godoy, o preceito inaugura o regramento reservado ao mandato, contrato consensual, em regra gratuito e unilateral, intuitu personae, mediante o qual alguém – sempre que a lei não o impeça, erigindo atos personalíssimos, como a elaboração de testamento, por exemplo, que não permite intervenção de mandatário – recebe poderes para agir no interesse de outrem. É consensual porque se perfaz com o simples ajuste de vontades, independentemente da prática de qualquer ato pelo mandatário, muito embora o começo da execução implique aceitação tácita (CC 659). É normalmente gratuito, porém é possível estipular sua onerosidade, presumida para os mandatários ditos profissionais (CC 658), quando então revela natureza bilateral, havendo, depois de aperfeiçoado, obrigações e prestações a ambas as partes, o que não sucede gracioso, por isso chamado unilateral ou, quando muito, bilateral imperfeito, pela existência ocasional de obrigações a cargo do mandante, por exemplo, a ressarcitória (CC 678). É típico contrato daqueles denominados fiduciários, lastreado na confiança que se deposita na pessoa do mandatário, por isso inclusive revogável a qualquer tempo (CC 682, I).

A atual redação do CC 653 repete o CC/1916 art. 1.288, persistindo na equivocidade que então já se suscitava. É que, na dicção dos dois diplomas, destarte pela sistemática da normatização civil, o mandado induz sempre a outorga de poderes para que o mandatário aja em nome do mandante, portanto como se fosse seu pressuposto a existência de representação. Na verdade, por natureza, porém, o mandato envolve, isto sim, a prática de atos ou a administração de interesses por conta, mas não, necessariamente, em nome de outrem. Noutros termos, a representação, que é o mecanismo, legal ou convencional, mercê do qual alguém fala em nome de outrem. Noutros termos, a representação, que é o mecanismo, legal ou convencional, mercê do qual alguém fala em nome de outrem (ver CC 115 e ss), a rigor pode ou não estar no mandato. Malgrado se reconheça que, em regra, no mandato há a outorga de poderes de representação (contemplativo domini), nada impede que o mandatário atue em seu próprio nome, mas no interesse do mandante, assim sem representação, como está nos artigos 1.180 a 1.184 do Código Civil português e como, a bem dizer, o próprio CC/2002 não desconheceu quando previu a regra, adiante examinada, contida no CC 663, repetição, aliás, do que já se continha no art. 1.307 do CC/1916, e mesmo tendo agora tipificado a comissão, em que se age por conta, mas não em nome de outrem (v. comentário ao CC 693). E não é só. Da mesma forma que, em verdade pode haver mandato sem representação, pode, inversamente, haver representação, e voluntária, sem mandato.

Basta pensar, por exemplo, no empregado que possua poderes para vender objetos em nome do empregador, portanto, com representação constante, eventualmente, do contrato de trabalho. Por fim, permanece o Novo código a estabelecer que a procuração é o instrumento do mandato. Fê-lo, decerto, ao pressuposto genérico, sobre o qual se baseou, como se viu, de que no mandato haja necessariamente a representação. É bem de ver, porém, que a procuração, antes, é sim o instrumento da representação convencional, a qual, repita-se, pode ou não estar num mandato. A procuração, destarte, em tese é independente do mandato, na exata medida em que a representação o é. Mesmo na sua configuração essencial, distinguem-se os dois institutos. O mandato é contrato, portanto negócio jurídico bilateral a regrar as relações internas entre mandante e mandatário que pressupõe aceitação, o que não ocorre com a procuração ato jurídico unilateral mediante o qual são atribuídos ao procurador poderes para agir em nome do outorgante (autorização representativa) e para conhecimento de terceiros. Alguns nem mesmo consideram possa a procuração ser considerada negócio jurídico, posto que unilateral, pelo que insistem na terminologia ato jurídico, porque não visualizam qualquer efeito jurídico ao representante na simples outorga, não mais que um pressuposto para que, depois, sobrevenha o negócio praticado mercê da representação (para uma diferenciação da procuração como ato ou negócio, malgrado sempre unilateral, conferir: LOTUFO, Renan. Questões relativas a mandato, representação e procuração. São Paulo, Saraiva, 2001, p. 151).

De toda a sorte, posto que, apesar do CC 663, optando a legislação – e não se nega que poderia fazê-lo, a despeito da natureza do instituto – por vincular o mandato à outorga de poderes de representação, ao revés da comissão, assim regrada separadamente, muito embora a priori para atos de aquisição e de venda (veja-se comentário ao CC 693), os conceitos não podem ser baralhados, de modo que se os trate como se fossem um só. Ainda a esse mesmo propósito, remete-se aos comentários do CC 663, em que se volverá ao assunto. (ROSENVALD Nelson e Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 676-677 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 08/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Estende-se Ricardo Fiuza em sua Doutrina, quando o interessado na consecução de determinado negócio jurídico não pode, ou mesmo não quer, seja qual for a razão, praticá-lo, tem a faculdade de efetuá-lo por meio de outrem.

Tendo em vista a premência de um substituto para a feitura de atos de seu interesse, o interessado se coloca na contingência, então, de rogar a estranho, de sua confiança, a incumbência de realizar certo encargo, como se fora ele próprio. A essa transferência de responsabilidade se dá o nome de representação, cujos poderes derivam ou da lei (representação legal) ou do próprio negócio jurídico (representação voluntária ou negocial).

A par dessa colocação preambular, tem-se que o mandato é a relação contratual pela qual uma das partes (mandatário) se obriga a praticar, por conta da outra (mandante), um ou mais atos jurídicos, criando-se daí, uma espécie de obrigação interna entre ambos. Afigura-se, pois, imanente e imprescindível a ideia de representação no mandato, desde que estabelece relação contratual direta entre o representado e a terceira pessoa, por intermédio do representante.

O mandato só pode ser conferido para a prática de atos jurídicos em que a lei não exija a pessoal intervenção do interessado, ou seja, para os atos destituídos de natureza personalíssima, vedando-se, p. ex., conceder mandato para elaborar e/ou revogar testamento, para o exercício do voto e para prestar depoimento pessoal. Há casos, contudo, embora raros, em que se dispensa a apresentação de mandato para tratar de negócios alheios, v.g., o registro e a averbação, no Registro Imobiliário, poderão ser provocados por qualquer pessoa (art. 217 da Lei n. 6.015/73)

Como ressabido, a procuração consubstancia o mandato, à medida que por ela o outorgante manifesta sua intenção de assenhorear alguém para a prática de atos em seu nome. O traço característico do mandato, portanto, é a representação decorrente da fidúcia, da confiança, possibilitando ao mandante agir como se estivesse a um só tempo em dois lugares. (Renan Lotufo, Questões relativas a mandato, representação e procuração, 1. ed., São Paulo, Saraiva, 2001; Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 16. ed., São Paulo, Saraiva, v. 3 – Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 2001; Carlos Alberto Gonçalves, Direito das obrigações – Parte Especial, 2.ed., São Paulo, Saraiva. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 349-350 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o Mandato é o contrato mediante o qual uma pessoa (mandatário) recebe de outra (mandante), poderes para, em seu nome, praticar atos, ou administrar interesses.

O mandato distingue-se da preposição e do núncio, porque nestes executam-se apenas atos materiais. O mandato envolve a representação (cf. CC 115 a 120). Mandato é contrato unilateral e gratuito ou bilateral e oneroso, intuitu personae e consensual. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 09.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.

§ 1º. O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.

§ 2º, o terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida.

Sob o prisma de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o preceito reproduz a regra do art. 1.289 do CC de 1916, com algumas alterações e basicamente com a supressão do anterior § 2º, cujo comando passou a dar conteúdo ao CC 655, a seguir examinado. Cuida, fundamentalmente, da forma e dos requisitos de que deve a procuração se revestir. Diferente a questão da forma do mandato, que vem regrada em dispositivo diverso, o do CC 656, o qual inclusive prevê que possa ele se estipular por escrito ou verbalmente. E, ao revés, mesmo por, na essência, servir de prova da representação, que se deve fazer perante terceiro com quem se negocie (CC 118), o Código Civil estatui firmar-se a procuração por instrumento escrito, público ou particular, que valerá desde que contenha a assinatura do outorgante. O instrumento deve conter, ainda, o lugar e a data em que foi passado, a identificação das partes, outorgante e outorgado, o que de resto afasta a possibilidade da chamada procuração em branco, ou seja, a pessoa indeterminada (cf. LOTUFO, Renan. Questões relativas a mandato, representação e procuração. São Paulo, Saraiva, 2001, p. 156-8). Deve também discriminar, de modo preciso, os poderes conferidos. Modificando o que a propósito se continha no § 3º do art. 1.289 do CC/1916, que erigia o reconhecimento da firma do outorgante em requisito de validade (rictius: eficácia) da procuração, passada por instrumento particular, perante terceiro, o Código Civil de 2002 apenas faculta a este terceiro a exigência de reconhecimento da firma do outorgante, o que, vale advertir, não se aplica ao mandato ad judicia (CPC/2015 art.105) No CPC/1973, art. 38 clamada com redação dada pela Lei 8.952/94). Desde o Decreto n. 29.151/51, depois substituído pelo Decreto n 83.858/79, alvitrou-se a outorga de procuração por telegrama, uma vez observados os requisitos lá dispostos quanto à autenticidade da assinatura. Da mesma forma, poder-se-á cogitar da outorga pela via telemática, pela informática, mas sempre e somente quando identificáveis as partes e, frise-se, pelo meio devido, mesmo de controle de assinatura digital, a se regulamentar, a autenticidade de sua declaração de vontade, inclusive cuja comprovação pode ser exigida pelo terceiros, na forma do § 2º (ver a propósito: SANDOVAL, Ovídio Rocha Barros. “Do mandato”. In: O novo Código Civil – estudos em homenagem ao prof. Miguel Reale, coord. Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho. São Paulo, LTr, 2003 p. 587-600).

A procuração por instrumento particular somente poderá ser outorgada por pessoa capaz, como está no caput do artigo em comento, destarte impondo-se a forma pública para os relativamente incapazes, porquanto assim se atesta a assistência e se garante a fidelidade do consentimento de quem a lei quer proteger, se bem que só para outorga de poderes ad negotia, por se vir entendendo que o CPC/1973, art. 38, hoje 105, dispensa a formalidade para as procurações ad judicia, em que também dispensável, sempre, o reconhecimento de firma (Lei n. 8.952/94, que deu nova redação ao mesmo preceito processual). De igual maneira, só por instrumento público o analfabeto outorga procuração, já que inviável a sua assinatura, como quer a lei. Deve-se ressalvar a excepcional possibilidade de o menor púbere outorgar procuração, sem o seu assistente, para fins trabalhistas (CLT 792) ou para formulação de queixa-crime ou representação (CPP 34), aqui apenas se discutindo o exato elastério do dispositivo processual penal, que alude à idade entre 18 e 21 anos, isso diante da redução da maioridade pelo CC/2002. Da mesma forma, há de se admitir possa o interdito, ele próprio, outorgar procuração para se postular o levantamento de sua interdição, por cessação da respectiva causa. Já aos pródigos se deve deferir a livre outorga para os atos em que a assistência não seja exigível (CC 1.782). quanto aos menores impúberes e aos demais absolutamente incapazes, a lei garante-lhes a representação legal pelos pais, pelos tutores ou pelos curadores, não havendo cogitar possam eles, pessoalmente, outorgar procuração, de resto privados da possibilidade de livre gestão de seus interesses, o que está na base da faculdade de outorga da procuração.

Quanto à outorga de procuração, em nome do absolutamente incapaz, pelos representes, vale anotar a regra geral de que o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela são, de forma genérica, indelegáveis, mas lembrando-se, quanto aos pais, que são usufrutuários dos bens dos filhos, agindo, na sua administração, por direito próprio, muito embora nos limites do quanto preserve a higidez do patrimônio dos filhos sob sua autoridade, pelos que inviáveis atos que ultrapassem a mera administração, senão por autorização judicial (CC 1.691), até por isso não se excluindo, nesses lindes, eventual outorga de procuração, às vezes inclusive indispensável, como no caso da constituição de advogado. Mesmo ao tutor, afora a nova hipóteses contida no CC 1.743, já antes do CC/2002 e malgrado a pessoalidade de seu exercício, não se excluía a delegação, por procuração, de poderes para prática de atos específicos, compreendidos no alcance da tutela, não se permitindo, isto sim, uma cessão genérica do exercício de direitos e deveres decorrentes deste instituto assistencial (v.g., Carvalho Santos, J. M. Código Civil brasileiro interpretado, 5.ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. VI, p. 297). E, por fim, admitida, excepcionalmente, a procuração outorgada pelo representante em nome do absolutamente incapaz, desnecessária a forma pública se, afinal, fala, juridicamente, quem tem plena capacidade, nesse caso não se cogitando de assistência. Fomentada pela indistinção do Código Civil de 2002 acerca do mandato e da procuração (v. art. 653), a doutrina costuma traçar os requisitos subjetivos dos contratantes do mandato quando se dá a examinar o artigo presente, que, na realidade, versa sobre a forma da procuração, particularmente daquela passada por instrumento particular. De qualquer maneira, a capacidade do mandante segue o regramento geral, aferindo-se, mais, sua legitimação em função do negócio ou dos negócios para cuja atuação nomeia-se o mandatário. Já a capacidade do mandatário tem a normativa geral excepcionada pela disposição do CC 666, adiante comentado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 678-679 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Ora, tem-se na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o mandato está sujeito às regras gerais da capacidade, impondo-se distinguir, daí, a incapacidade absoluta da incapacidade relativa. Todas as pessoas maiores ou emancipadas, no gozo dos seus direitos civis, estão aptas a outorgar mandato mediante instrumento particular por elas assinado, que valerá desde que tenha a assinatura do mandante.

Os absolutamente incapazes de exercer, por si, os atos da vida civil não podem constituir mandatário, ao passo que os relativamente incapazes podem passar procuração, desde que assistidos pelos seus representantes legais e por instrumento público (RI’ 438/135). Os primeiros, todavia, não comparecem em pessoa e, por isso, são representados, pelo que não têm condições de constituir procurador, ou seja, de outorgar mandato, sob nenhuma de suas formas, porquanto não pode passar a outrem poderes para realizar ato jurídico quem, pessoalmente, não pode fazê-lo.

Neste particular, é certo que a regra de capacidade reside, fundamentalmente, em saber se pode, ou não, o mandante executar validamente o ato autorizado. Se a resposta for afirmativa, poderá, de maneira eficaz e legal, outorgar poderes a seu representante para, em seu nome, cumprir o mandato.

A capacidade é aferida contemporaneamente à formação do contrato, na oportunidade em que este é celebrado, diante da natureza do ato a executar. Inexistindo ela no momento da celebração do mandato, este se torna inoperante, e nulos ou anuláveis serão os atos dele decorrentes, não se convalidando o vício – ressalte-se – com a superveniente aquisição de capacidade por parte do mandante. Aliás, nem a boa-fé do mandatário tampouco a do terceiro com que contratou o mandante têm o condão de suprir o requisito ou a restrição capacitaria. Entretanto, a perda ou a diminuição da capacidade surgida somente após a celebração do mandato não o invalida.

A procuração particular não precisa ser registrada em Cartório de Títulos e Documentos, pois é bastante o reconhecimento da firma dos signatários para revestir-se de validade perante terceiros. A lei não exige nenhuma outra formalidade, limitando-se a exigir o reconhecimento oficial da assinatura aposta no documento (RT 640/50).

Assim sucede porque, enquanto a procuração pública é autêntica por si mesma, fazendo prova por si própria, a particular, para tanto, necessita de autenticação, que se dá mediante o reconhecimento da firma. Cuida-se de condição essencial à sua validade perante terceiros, mas não relativamente ao mandante e ao mandatário. Contra estes dois, valem todas as situações jurídicas eventualmente surgidas em decorrência do mandato, pois quanto a eles a procuração gera todos os seus efeitos legais, ainda que ausente o reconhecimento da firma respectiva.

Quando se tratar de procuração ad judicia, no entanto, a exigência de reconhecimento de firma, constante da redação primitiva do CPC 105 atual, foi cancelada pela Lei n. 8.952, de 13.12.1994, segundo o Art. 38 do CPC/1973, no novel esforço legislativo de reforma processual, ainda que a procuração contenha poderes especiais (STJ, 6’ T. REsp n. 154.245-RS, rel. Mm. Fernando Gonçalves, DJ de 16-2-1998).

Diz o v. acórdão: “’ – O art. 38, do CPC/1973, - Lei n. 8.952/1994, a teor do que ensina desburocratizar os trâmites processuais, razão reconhecida a firma de procuração outorgada a advogado, com o fim de postular em juízo, mesmo aquela que contenha poderes especiais, pois, tratando-se de matéria de índole processual, fica afastada qualquer alusão à norma contida no art. 1.289, par. 32, do CC. 2. Recurso especial não conhecido”. (Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro – obrigações e contratos, 14, cai, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000; Orlando Gomes, Contratos, 8. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1981; Silvio Rodrigues, Direito civil, 27. ed., São Paulo, v. 3 – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 2000. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 350-351 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na lição de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a capacidade do mandante segue a regra geral. O mandatário deve ser capaz ou relativamente incapaz maior de 16 anos. Neste caso, o mandante só pode cobrar do mandatário eventuais prejuízos sofridos segundo as regras aplicáveis às obrigações contraídas por menores (CC 666).

O mandato pode ser instituído em benefício de qualquer pessoa: mandante, mandatário, de ambos ou de terceiro.

Os incapazes podem outorgar poderes por instrumento particular? Durante muito tempo a regra idêntica estabelecida no Código Civil de 1916 foi interpretada a contrario sensu: se o dispositivo ordenava que todas as pessoas capazes eram autorizadas a outorgar procuração por instrumento particular, os incapazes somente poderiam fazê-lo mediante instrumento público.

Mais recentemente a interpretação a contrario deixou de ser aplicada ao dispositivo: a autorização para capazes outorgarem procuração por instrumento particular não exclui o direito de os incapazes o fazerem pelo mesmo meio. É o que prevalece no Superior Tribunal de Justiça.

É válida a procuração ‘ad judicia’, outorgada por instrumento particular pelo representante de menor impúbere, em nome deste (STF 1’ T, RE 86.168-8-SP, j. 27.5.80, v.u., DJ 13.6.80, p. 4.461; RJTJESP 56/132. JTJ 188/225, Lex-JTA 162/424, RJTA-MG 33/81, JTAERGS 91/67, 91/151. Bol. AASP 955/40); neste sentido: comentário de Gelson Amaro de Souza (RCJ 2/17) Theotonio Negrão, Código de Processo Civil. 31. ed. Nota ao Art. 38: 1ª, referente ao CPC/1973 e art. 105 no CPC/2015. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 09.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 655. Ainda quando se outorgue mandato por instrumento público, pode substabelecer-se mediante instrumento particular.

Lecionando com Claudio Luiz Bueno de Godoy, normalmente conceituado como ato unilateral mediante o qual o mandatário transfere a outrem os poderes recebidos do mandante, tem-se que o substabelecimento, em verdade, o seja da procuração. Vale dizer substabelece-se a procuração, e não o mandato propriamente (v.g., PONTES DE MIRANDA, Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT 1984, t. XLIII, § 4.701, n. 1, p. 165). Sendo assim, o substabelecente, por ato unilateral (ou negócio unilateral, a respeito remetendo-se ao comentário do art. 653), transfere ao substabelecido os poderes que lhe foram outorgados em uma procuração. Pode fazê-lo com ou sem reservas de poderes, i.é, mantendo-se também como procurador ou deixando de sê-lo para que o outro assuma seus poderes. Vale dizer, no primeiro caso há poderes cumulativos de substabelecente e substabelecido; no segundo, há integral substituição do procurador. O substabelecimento pode anda ser total ou parcial, conforme se transfiram todos ou alguns dos poderes do substabelecente.

A autorização ou proibição de substabelecer, bem como as respectivas consequências quanto à responsabilidade do substabelecente, são tratadas pelo CC 667, a seguir examinado e a cujos comentários se remete. De resto, o dispositivo do artigo presente se dá a cuidar da forma do substabelecimento, procurando superar discussão que a respeito suscitava o § 2º do art. 1.289 do CC/1916. Isso, porquanto, na anterior normatização, permitia-se o substabelecimento por instrumento particular só quando a procuração lavrada por instrumento público poderia tê-lo sido por instrumento particular. Em diversos termos, a forma do substabelecimento seguia a regra do negócio principal, de tal arte que o instrumento particular só seria admissível se a procuração também pudesse ter sido passada por instrumento particular, malgrado escolhida, no caso concreto, a forma pública. Hoje, essa é a inovação, o substabelecimento tem regramento autônomo quanto à sua forma, garantindo-se a possibilidade de lavratura por instrumento particular, mesmo que, por qualquer motivo, a procuração tenha obedecido a forma pública. A conclusão, pois, é a de que, ainda nas hipóteses em que a procuração deva ser pública, o substabelecimento pode ser particular. Sucede, porém – e a discussão é a mesma que, de maneira mais completa, se examinará nos comentários ao CC 657 -, que, a bem da segurança jurídica e da harmonização com este mesmo preceito citado, o Projeto de Lei n. 276/2007 tenciona adicionar um parágrafo ao artigo em comento para explicitar que “é da essência do ato a forma pública, quando a procuração visar a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis”. Reitere-se, isto, a rigor, na esteira da exigência do CC 657 no sentido de que a “outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado”. (Cláudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 679-680 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o substabelecimento é o negócio unilateral pelo qual o mandatário (procurador) transfere ao substabelecido, no todo ou em parte, os poderes que lhe foram conferidos pelo mandante (outorgante). Sem embargo da controvérsia instalada em torno do tema e não obstante as insuspeitáveis opiniões divergentes, parece-nos que o substabelecimento não está sujeito à forma especial. É que, agora com a nova redação do texto, ainda quando a procuração tenha sido outorgada por instrumento público, o procurador nomeado pode substabelecer mediante instrumento particular, com ou sem reserva de poderes, resolvendo o problema de interpretação criado com a antiga redação. Tal orientação já era abraçada pela grande maioria da doutrina. Assim, p. ex., embora se tenha outorgado uma procuração por instrumento público para venda de determinado imóvel, cujo contrato deve perfazer-se por escritura pública, o mandatário pode substabelecer por instrumento particular. Relevante é notar, ao entendimento ora manifesta, que, na redação do § 2º do art. 1.289 do CC/1916, o ato ali reportado condizia com aquele a não exigir o instrumento público, enquanto a nova redação adotada pelo dispositivo em comento tem por indiferente exigir ou não o ato aquela forma especial.

No substabelecimento com reserva, o substabelecente (mandatário) permanece como procurador, continuando a possuir, cumulativa e simultaneamente, os poderes por ele substabelecidos, ao passo que no efetuado sem reserva os poderes são transferidos, definitiva e totalmente, para o substabelecido por meio de uma cessão integral, continuando responsável o mandatário (substabelecente) apenas se, com a cessão, não anuiu o mandante. Inexistente declaração a respeito, o substabelecimento se presume feito sob reserva de poderes.

Na didática e magistral lição de José Paulo Cavalcanti, “o substabelecimento pode ser total ou parcial. Se o substabelecimento for efetuado em parte com reserva, o substabelecente continua como procurador, solidariamente, com o substabelecido quanto aos poderes transferidos com reserva. Se for efetuado em parte sem reserva, haverá procuração individual somente ao estabelecido quanto aos poderes a ele transferidos sem reserva” (apud José Lopes de Oliveira, Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica, 1978).

Impende rememorar, ainda, que “a mera juntada do substabelecimento não dá oportunidade a que se conheça a sequência do mandatário, o que implica não se saber se o substabelecente é, de fato, mandatário” (TJPF, 4- Câmara Cível, Agr. N. 69031-9, rel. Des. Napoleão Tavares, j. em 22-2-2001). (Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro – obrigações e contratos, 14.ed., São Paulo, revista dos Tribunais, 2000; José Lopes de Oliveira, Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica, 1978; Silvio Rodrigues, Direito civil, 27, ed., Saraiva, São Paulo, 2000, v. 3 – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 351-352 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo Marco Túlio de Carvalho Rocha, a forma do mandato é livre. É válido até mesmo o mandato tácito, que se dá quando alguém consente que outra pessoa o represente, embora tal consentimento não seja expresso. Se uma pessoa confere a outra poderes de representação, o representante pode substabelecer tais poderes a terceiros. A forma do mandato e a do substabelecimento podem ser distintas. O mandato pode se dar por ato mais formal e o substabelecimento pode adotar forma menos formal ou o contrário.

Se a lei, no entanto, estabelece determinada forma para o ato a ser praticado, o mandato deve seguir a mesma forma (CC 657) e o substabelecimento também. Desse modo, para a alienação de imóvel de valor superior a 30 salários mínimos, o mandato e o substabelecimento devem ser outorgados mediante escritura pública. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 09.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 650, 651, 652 - Do Depósito Necessário - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 650, 651, 652
- Do Depósito Necessário - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 647 a 666) Seção II – Do Depósito Necessário –
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Art. 650. Cessa, nos casos artigo antecedente, a responsabilidade dos hospedeiros, se provarem que os fatos prejudiciais aos viajantes ou hóspedes não podiam ter sido evitados.

No lecionar de Nelson Rosenvald, a isenção de responsabilidade dos hospedeiros pelos danos causados aos bens dos hóspedes é consequência da ocorrência de um fato inevitável e estranho à atividade do agente. Essa norma se coloca em consonância com o CC 642, que exonera o depositário de indenizar quando demonstrada a força maior.

Vimos que a força maior é associada ao fortuito externo, vale dizer aos eventos lesivos exteriores à atividade do depositário. Não é possível incluir nos riscos do hoteleiro a obrigação de indenizar pelos perigos que não foram por ele introduzidos, diante da ausência de nexo causal.

Assim, em não havendo ação ou omissão concorrente pelo depositário, é temerário acioná-lo pela perda das bagagens em razão de fortes enchentes, deslizamentos de terra e outras catástrofes incontroláveis. Não se esqueça de que o fato exclusivo da vítima também elide a responsabilidade do hospedeiro, mas o mesmo não se diga do fato concorrente, pois, em sede de relação de consumo, qualquer parcela de participação do fornecedor para o resultado danoso já é suficiente para lhe impor a obrigação de indenizar, à luz do CDC 14, § 3º, II.

A demonstração do evento externo recai sobre o depositário, até mesmo pela própria distribuição do ônus da prova, atribuída ao réu, tratando-se da existência de fato impeditivo ao direito do autor (CPC 373, II). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 674 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, a exclusão da responsabilidade do hospedeiro é referida pela norma diante da inevitabilidade do ato lesivo. Fatos inimputáveis são aqueles para os quais o hospedeiro não concorreu com negligencia ou falta do dever de vigilância.

Por outro lado, tenha-se presente o CC 642: “O depositário não responde pelos casos de força maior; mas, para que lhe valha a escusa, terá de prova-los”. Diga-se, a propósito, que o caso fortuito não é de per si excludente de responsabilidade (RT 5791233). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 348 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

A regra deste dispositivo, no lecionar de Marco Túlio de Carvalho Rocha, baseia-se na responsabilidade subjetiva. Fatos prejudiciais inevitáveis excluem a culpa por parte do hospedeiro. A regra vale para hospedagens que não conformam relação de consumo, i.é, nos casos em que o hospedeiro não exerça a atividade em caráter profissional e habitual. Se a hospedagem for caracterizada como relação de consumo, o CDC 14 e 17 incidem e tornam objetiva a responsabilidade do hospedeiro com relação a todos os riscos inerentes à sua atividade. Somente não responde se o dano às bagagens foi ocasionado por fato estranho à sua atividade, quando haverá a quebra do nexo causal. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 06.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 651. O depósito necessário não se presume gratuito. Na hipótese do art. 640, a remuneração pelo depósito está incluída no preço da hospedagem.

Seguindo na esteira de Nelson Rosenvald, ao contrário do que ocorre no depósito voluntário (CC 628), nas hipóteses em que o depósito é necessário – seja por lei, seja pela situação de calamidade -, a presunção será a de onerosidade do negócio jurídico.

A distinção e explicada pelo fato de o depósito voluntário frequentemente contar com a cumplicidade dos parceiros contratuais e o ânimo do depositário de proteger graciosamente os bens do depositante. Todavia, no depósito necessário não há relação fraternal entre os parceiros, sendo a obrigação do depositário um risco relacionado à sua atividade profissional. Daí a imposição de uma remuneração àquele que cuida dos bens alheios em situações emergenciais, bem coo do hoteleiro. Nesse caso, o valor do depósito já estará incluído (embutido) no preço da hospedagem, pois seria inconcebível uma cisão entre o ato de hospedar e o de depositar os pertences do hóspede, sendo esta uma espécie de obrigação inerente àquele contrato.

Caso as partes não alcancem um valor para o depósito necessário, será ele arbitrado judicialmente. anote-se que, nas situações de calamidade, o negócio jurídico poderá ser anulado pelo depositante em função do vício da lesão (CC 157), quando o depositário exigir prestação manifestamente desproporcional para aceitar a custódia do objeto, aproveitando-se da situação de extrema necessidade do depositante. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 674 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apontada por Ricardo Fiuza, ao contrário do que acontece com o depósito voluntário, o depósito necessário presume-se oneroso, somente se acolhendo a graciosidade mediante expressa previsão contratual. A onerosidade dos depósitos necessários, congregando tanto os legais quanto os miseráveis, tem arrimo na premissa de todos eles constituírem obrigações decorrentes de imposição legal ou de algum fato imprevisto e urgente, a ordenar não apenas a realização do depósito como também a escolha não livre do depositário, porquanto designado pelas circunstâncias e, em regra, entre pessoas estranhas ao depositante.

No caso do CC 649, o depósito da bagagem dos viajantes ou hóspedes igualmente se presume oneroso, já incluída a remuneração no preço da hospedagem. É que o hospedeiro assume a obrigação de zelar e defender a coisa guardada em seu estabelecimento, responsabilizando-se por eventuais prejuízos, salvo quando inevitáveis. Bem por isso os doutrinadores equiparam o negócio à prestação de serviços.

É importante salientar que a onerosidade presumida no depósito necessário acarreta maiores responsabilidades para o depositário, “pois quem recebe remuneração deve ser mais cuidadoso e mais atento do que a pessoa que só aceita encargo para servir a um amigo” (Silvio Rodrigues, Direito civil, 27.ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3 – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 267). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 348 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na linha de raciocínio de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depósito necessário presume-se oneroso. Tal presunção confere ao depositário o direito de requerer o arbitramento de remuneração pela atividade exercida. Será, no entanto, gratuito, se as partes estabelecerem voluntariamente a gratuidade ou quando a lei que institui a relação de depósito não estabelecer o dever de remunerar, como no caso das contribuições e tributos devidos à Fazenda Nacional. No caso de depósito necessário de bagagens, a remuneração do depósito inclui-se no preço da hospedagem. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 06.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.

No entendimento de Nelson Rosenvald e Claudio Luiz Bueno de Godoy, a relação de confiança que se estabelece entre depositante e depositário indica que aquele pretenderá reaver o objeto dado em depósito assim que o reclamar ou superado o termo contratual (CC 633). Destarte, a obrigação de restituir é algo ínsito ao contrato de depósito e o que o particulariza em relação a outros modelos negociais.

Atento ao CF 5º, LXVII, “Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentícia e a do depositário infiel”, o legislador determinou que a sanção para o depositário infiel será a pena de prisão não excedente a um ano e o ressarcimento dos prejuízos. No fundo o que determina a prisão é a infidelidade, não a dívida.

A supressão da liberdade do devedor será uma consequência da quebra da fidúcia do depositante, pela recusa á restituição do objeto depositado. Trata-se de medida coercitiva que objetiva persuadir o devedor à devolução da coisa, pois no instante em que o depositário realiza a restituição a pena de prisão encerra, cumprida a sua finalidade. Aliás, o objetivo de constrangimento impõe a recusa aos benefícios normalmente concedidos ao condenado no sistema criminal (v.g., suspensão da pena; prisão domiciliar), pois eles frustrariam a própria intensidade da medida e a sua teleologia.

A pena de prisão civil é o desfecho da ação de depósito, que tem por finalidade a restituição do bem depositado (CPC 311). A decretação da medida extrema só ocorrerá após a prolação da sentença, com o insucesso da expedição de mandado para entrega da coisa ou do equivalente em dinheiro.

A nosso viso, o artigo em comento já nasce sob o vício da inconstitucionalidade, pois a pena de prisão civil do depositário infiel é ofensiva ao Pacto de São José da Costa Rica, que penetrou no ordenamento jurídico interno mediante o Decreto Federal n. 678/92. Em seu artigo 7º autoriza a prisão civil apenas para o caso de inadimplemento da obrigação alimentar.

É cediço que o rol dos direitos fundamentais elencados no artigo 5º da Constituição Federal não é numerus clausus, pois o art. 5º, § 2º, a eles acrescenta outros direitos e garantias provenientes de tratados internacionais. Portanto, as convenções subscritas pelo Brasil, quando versem sobre os direitos humanos, adentram nosso ordenamento com força de normas constitucionais, revogando a legislação anterior no que com ela conflitem. Assim, não se podendo mais cogitar de prisão civil em sede constitucional, perdem eficácia as normas editadas pelo legislador subalterno, como o presente dispositivo e o CPC 311.

Contudo, para aqueles que entendem que a convenção internacional avança na legislação positiva somente com força de norma federal ordinária, a edição do novo Código Civil traz um novo argumento, qual seja se o Pacto de São José havia revogado a pena de prisão inserida na legislação processual, o CC 652 acaba de restaurar a prisão civil, pois exclui o referido tratado de nossos sistema jurídico.

Tanto o Decreto-Lei n. 911/69 como o (CC 1.363) situam o devedor fiduciante na posição de depositário no contato de alienação fiduciária, pois mantém a posse direta do bem pela tradição ficta (constituto possessório), cuja propriedade fora transferida em garantia ao credor fiduciário (CC 1.361). Pela equiparação do fiduciário ao depositário, caso seja ajuizada ação de busca e apreensão sem que o bem seja restituído – ou o equivalente em dinheiro -, sujeitar-se-á à pena de prisão após a conversão em ação de depósito (Decreto-Lei 911/69, art. 4º) e a prolação da sentença condenatória.

Para além da motivação já apontada, contrária a qualquer pena de prisão no contrato de depósito em razão da subscrição pelo Brasil de convenção internacional de direitos humanos, some-0se mais um argumento específico no que tange à supressão da liberdade na alienação fiduciária.

O contrato de depósito tipicamente requer a entrega da coisa com o objetivo de uma posterior devolução. Isso não ocorre na alienação fiduciária, pois desde o início o fiduciante (depositário) efetua pagamentos sucessivos com vistas à aquisição da propriedade, jamais no intuito de restituir a coisa. Vale dizer: cuida-se de depósito atípico, pois a propriedade do depositante é resolúvel e o depósito é apenas uma fase necessária para o depositário resgatar definitivamente a propriedade. Portanto, sendo a pena de prisão civil do depositário infiel uma sanção inserida no Capítulo “Dos Direitos e Deveres Individuais” (art. 5º), deverá ser interpretada restritivamente, apenas alcançando contrato de depósito típico e não aquele apenas a ele equiparado.

Acreditamos ainda que o princípio da dignidade da pessoa humana impede que alguém seja privado de sua liberdade em razão de uma discussão meramente econômica (CF, 1º, III). O limite que separa a ideia de pessoa e de coisa é justamente aquele em que o ser humano é instrumentalizado, coisificado, em razão da prevalência de questões patrimoniais sobre as existenciais. Os critérios de legitimidade de qualquer atividade econômica serão modelados e legitimados pelos direitos da personalidade e pela proteção ao ser humano concreto que se insere por trás das abstratas relações financeiras. O ordenamento jurídico deverá criar garantias econômicas que tutelem o credor sem que o seu direito subjetivo ao crédito seja exercitado de forma abusiva, desvirtuando a função para a qual fora concedido e vulnerando os limites materiais e éticos do sistema (CC 187).

Enfim, tanto para os casos de prisão decorrente de depósito como de alienação fiduciária, caberá ao devedor impetrar o habeas corpus, em razão do desproporcional constrangimento ilegal pela invasão da esfera de liberdade como forma de prestigiar interesses patrimoniais. (ROSENVALD Nelson e Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 675-676 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Observa a doutrina de Ricardo Fiuza, que em derivando de relação de mútua confiança – depósito voluntário – ou de obrigação legal ou de fato imprevisto e urgente decorrente de calamidade pública – depósito necessário – é certo que a lei pune severamente o depositário infiel, ou seja, aquele que se nega a restituir, quando reclamado pelo depositante, o objeto depositado sob sua guarda e conservação com “a prisão não e excedente de um ano e o ressarcimento dos prejuízos (...), pena corporal que será determinada na ação própria (CPC 311) ou no processo de que resultar o depósito judicial” (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 4.ed., Rio de Janeiro, forense, 1978, v. 3, p. 322)

Tal penalidade encontra-se expressamente prevista na Constituição Federal de 1988, art. 9º, LXVII, constituindo um dos dois casos taxativos de prisão civil. (Veja comentário imediatamente anterior, de Nelson Rosenvald, controvertendo a situação. Nota VD).

v.2 – Direito das obrigações, p. 242). Por tal conduto, o legislador cuidou de fixar um prazo máximo para a duração da pena, não tratando do lapso temporal menor. “Esse mínimo está na própria vontade do depositário infiel. A qualquer momento pode este liberar-se da prisão desde que satisfação a obrigação de exibir o depósito” (Washington de Barros Monteiro, ob. cit., p. 242-3).

Por fim, é relevante e oportuna a anotação de Maria Helena Diniz: “De acordo com a sistemática introduzida pelo novo estatuto processual civil, foi abolida a prisão, liminar do depositário infiel, para admiti-la somente depois de julgado procedente e não cumprido o mandado para entrega da coisa ou do equivalente em dinheiro, dentro do prazo marcado, em regra 24 horas” (RT 4s2:hi e 519:164)” (Curso de direito civil brasileiro, 16. ed. São Paulo, saraiva, 2001, v. 3 – Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 297). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 349 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a prisão do depositário infiel foi considerada revogada pelo STF, em razão da adesão do Brasil ao Pacto de San José da Costa rica (RE 466343, HC 87585, julgados em 2.12.08). (Novamente chama atenção ao comentário de Nelson Rosenvald. Nota VD)

O STF julga constitucional a prisão civil em caso de depósito judicial (RHC N. 90.759; HC 92.541-PR, Rel. Min. Menezes Direito, 19.2.2008), embora a Súmula n. 419/STJ estabeleça o contrário: “Descabe a prisão civil do depositário judicial infiel” (Rel. Min. Felix Fischer, em 3/3/2010). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 06.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 647, 648, 649 – continua - Do Depósito Necessário - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 647, 648, 649 – continua  
- Do Depósito Necessário - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 647 a 666) Seção II – Do Depósito Necessário –
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Art. 647. É depósito necessário:

I – o que se faz em desempenho de obrigação legal;

II – o que se efetua por ocasião de alguma calamidade como incêndio, a inundação, o naufrágio ou o saque.

Como leciona Nelson Rosenvald, o capítulo destinado ao estudo do contrato de depósito é dividido em duas seções, uma para cada uma de suas espécies. Até agora comentamos o depósito voluntário, igualmente denominado de ordinário ou tradicional. Já a segunda espécie, a ser tratada doravante, é denominada depósito necessário, pois se aperfeiçoa independentemente de um ato de autonomia privada, mas por opções do legislador ou de situações extremas, com origem em fatos imprevisíveis. O contrato de depósito necessário é dividido em duas espécies: a) depósito legal (CC 647, I); b) depósito miserável (CC 647, II).

O depósito legal é consequente ao desempenho de uma obrigação legal. Não podemos olvidar de que as obrigações não emanam apenas da vontade como também de outras fontes, como o ato ilícito, o risco da atividade e a lei. Neste último caso, podemos incluir o depósito público de bens litigiosos ou em poder dos que se tornam incapazes (CC 634 e CC 641). Também será a hipótese das bagagens de viajantes e hóspedes nos locais em que se encontrem.

Além das situações descritas no Código Civil, o ordenamento jurídico disciplina uma série de situações de interesse público que recomendam a apreensão de bens seguida do depósito judicial, que não deixa de ser uma forma de deposito legal. O depositário judicial é auxiliar do juiz (CPC 159) e exercerá importante função de guarda e conservação de bens penhorados, arrestados e sequestrados.

O inciso II versa sobre o depósito miserável. O nome resulta das próprias situações extraordinárias que justificam a necessidade de uma pessoa socorrer a quem se encontra em perigo, diligenciando na guarda de bens que estão na iminência de ser destruídos por uma calamidade. Aliás, as hipóteses alinhavadas no dispositivo são meramente exemplificativas. Diante da amplitude do conceito jurídico indeterminado “calamidade”, outros fatos jurídicos stricto sensu poderão resultar no dever de solidariedade. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 671 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como apresenta a doutrina de Ricardo Fiuza, diferente do contrato de depósito voluntário, o necessário ou obrigatório pressupõe a ocorrência de circunstâncias excepcionais, imprevisíveis e urgentes, razão pela qual independe da vontade das partes contratantes e abstrai a mútua confiança. A sua celebração decorre da necessária dependência acertas obrigações, sejam motivadas da lei (depósito legal), sejam de calamidade pública ocasionada pelo fortuito (depósito miserável). Exemplificam-se, em primeira espécie, nos depósitos de bagagens em hotéis pelos hóspedes e de bens determinados em hospitais pelos pacientes. Na segunda, depósito repentino e imediato por necessidade impostergável ou mais particularmente sob o estado de perigo, feito por aqueles residentes em áreas de risco e que urgentemente carecem de colocar em guarda seus bens.

Washington de Barros Monteiro bem conceitua essa espécie de depósito ao enfatizar que consiste naquele “fruto de circunstâncias imprevistas, mas imperiosas, que impõem, não só a realização do depósito propriamente dito, como também a própria designação do depositário” (Curso de direito civil, 4 ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2 – Direito das obrigações, p. 239).

Jurisprudência: 1. “Aceitando o encargo de depositário judicial, assume o devedor responsabilidade pessoal com o Estado que deve ser cumprida, não havendo constrangimento ilegal na advertência judicial que conclama o cumprimento da obrigação assumida, sob pena de prisão civil. Recurso a que se nega provimento” (STJ, 3’ T., AORHC n. 17528-SP, rel. Mm Fátima Nancy Andrighi, DJ de 8-10-2001; 2. “(...) O depósito judicial e o contrato de depósito constituem institutos jurídicos de finalidade e natureza diversas: não se aplica ao depósito judicial, em consequência, o regime civil do contrato de depósito de bens fungíveis” (STJ, 3’ T. EC n. 18903-MS, rel. mm. Fátima Nancy Andrighi, DJ de 19-11-2001); 3. Empresa. Depositário infiel. O encargo de depositário judicial não é transferível por ato de disposição da parte” (STJ, 4’ 1. HC n. 15885-SP, rel. mm Cesar Asfor Rocha, DI de 17-9-2001); 4. “Depositário Judiciário. Prisão Civil. 1 – Instado a restituir os bens objeto de penhora pelos quais ficou o depositário infiel, sujeito à pena de prisão civil. Legalidade do decreto prisional” (STJ, 3’ T., RHC n. 11 342-SR Rel. Mm Antônio de Pádua Ribeiro. DI de 25-6-2001). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 346 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha o Código Civil cuida do depósito em duas seções. Na primeira, relacionada ao depósito voluntário, cuida do contrato de depósito propriamente dito, i.é, do depósito que é estipulado mediante a manifestação e vontade das duas partes envolvidas.

Na segunda, sob o título de depósito necessário, cuida de situações em que a lei impõe a relação de depósito sem que as partes manifestem qualquer intenção nesse sentido. São situações que são tratadas pela lei como depósito, situações em que a lei determina a incidência das regras de depósito e nas quais, em virtude desse tratamento, duas partes envolvidas passam a ter direitos e deveres próprios do depositante e do depositário.

O CC 647 classifica tais situações. No inciso I trata do denominado depósito legal. São exemplos dele o que ocorre em relação à coisa achada (CC 1.233, parágrafo único) e o que se dá em relação a valores pertencentes à Fazenda Pública em razão de descontos de contribuições ou tributos (Lei n. 8.866/94).

O inciso II cuida do denominado depósito miserável. Ocorre quando alguém recebe coisas de outra pessoa em razão da necessidade de salvá-las de alguma calamidade. A relação submete-se às regras do depósito, ainda que entre as partes não haja o intuito de estabelecer o contrato.

Além desses dois casos, há outro de depósito necessário, regulado pelo CC 649; é o depósito de bagagens de hóspedes em relação àquele que o hospeda. O depósito necessário não depende de forma escrita (CC 648, parágrafo único) e se presume oneroso (CC 651). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 05.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 648. O depósito a que se refere o inciso I do artigo antecedente, reger-se-á pela disposição da respectiva lei, e, no silêncio ou deficiência dela, pelas concernentes ao depósito voluntário.

Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se aos depósitos previstos no inciso II do artigo antecedente, podendo estes certificarem-se por qualquer meio de prova.

Então, no saber de Nelson Rosenvald, o caput da norma é singelo. No depósito legal atenderemos às imposições da legislação que cuida do tema, sobretudo as leis processuais. Porém, em tudo aquilo que ela for omissa, supletivamente será aplicado o Código Civil, na parte em que disciplina o depósito voluntário.

O parágrafo único estende a recomendação do caput ao depósito miserável e vai além, pois dispensa contrato escrito entre depositante e depositário, admitindo qualquer outro meio de prova.

Com efeito, não poderia ser diferente. Em situações emergenciais, calamitosas, desbordaria do razoável a formalização de instrumento público ou particular do depósito, pois não há tempo para negociações. Ademais, as situações excepcionais são notórias, de conhecimento geral, sendo fácil a sua comprovação por testemunhas. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 671-672 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, ao depósito necessário legal serão aplicadas, quando omissa ou lacunosa a respectiva lei, as disposições regulamentadoras do depósito voluntário; o mesmo sucedendo, por expressão da presente norma, em relação ao denominado depósito miserável.

Diferentemente do depósito voluntário legal, o depósito miserável não exige, para sua comprovação, qualquer documento escrito, bastando a prova testemunhal. O ilustre jurista Washington de Barros Monteiro bem depósito miserável, leia-se: “Justifica-se, sem dúvida, esse tratamento liberal; as condições que rodeiam o depósito tornam impossível, muitas vezes, a observância de qualquer formalidade na celebração do contrato” (Curso de direito civil, 4 ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2 – Direito das obrigações, p. 240). Ademais, como ressabido, o depósito miserável é “o que se efetua por ocasião de alguma calamidade, como o incêndio, a inundação, o naufrágio ou o saque” (CC 647, II); portanto, por fatos notórios que, de tal modo, são conhecidos por alguns ou por todos. E suma, a simples ocorrência do evento inimputável a revelar a necessidade de realização do depósito já pode ser tida como início de prova da existência do próprio depósito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 347 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na balada de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depósito legal, a rigor, não é contrato, pois consiste em direitos e deveres estabelecidos por lei, independentemente de qualquer manifestação de vontade das pessoas que estejam submetidas à suas regras. Por tal motivo, por ser determinado por lei, não dependem de prova escrita, conforme o parágrafo único deste dispositivo. São exemplos de depósitos legais, o que se dá em relação à coisa achada (CC 1.233) e o relativo a contribuições e tributos pertencentes à Fazenda Pública (Lei n. 8.866/94). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 05.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 649. Aos depósitos previstos no artigo antecedente é equiparado o das bagagens dos viajantes ou hóspedes nas hospedarias onde estiverem.

Parágrafo único. Os hospedeiros responderão como depositários, assim como pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nos seus estabelecimentos.

Por sugestão de Nelson Rosenvald, o depósito hoteleiro é aqui equiparado ao depósito legal. Em qualquer contrato de hospedagem remunerado, o proprietário do estabelecimento é tido como depositário das bagagens e dos pertences do hóspede. Cuida-se de um acentuado dever de proteção ao patrimônio dos clientes, que se estende a qualquer espécie de pousada ou abrigo transitório capaz de acolher o público em geral.

Se o depósito é um acessório em relação à hospedagem, será a fidúcia que se estabelece entre as partes que justificará o acautelamento do patrimônio do hóspede, homenageando-se o princípio da boa-fé objetiva.

O depósito em tais situações independe da tradição real dos objetos ao depositário, sendo suficiente que as bagagens dos viajantes seja m introduzidas no estabelecimento, mesmo que pertençam ao depositante, mas obviamente não ingressem nas dependências internas do estabelecimento, como o veículo do hóspede.

Além dos riscos normais assumidos pelo depositário em razão de seus atos culposos na conservação dos bens dos hóspedes (CC 629), o parágrafo único disciplina especial situação de responsabilidade civil pelo fato de terceiro, em razão de furtos perpetrados por pessoas empregadas ou admitidas no estabelecimento.

Quando estudamos responsabilidade civil, aprendemos que a obrigação de indenizar é consequente a um comportamento lesivo – comissivo ou omissivo – que guarda nexo causal com o dano sofrido pelo lesado (CC 927). A conduta que provoca o dano será um fato próprio ou de terceiro. Consoante explicita o CC 932, o fato de terceiro será atribuído a um responsável quando houver uma relação jurídica de subordinação legal (v.g., pais, tutores e curadores por filhos, tutelados e curatelados) ou contratual (empregador pelos seus empregados).

Com o advento do CC/2002, a responsabilidade pelo fato de terceiro será objetiva, independentemente da existência de culpa do empregador na escolha do funcionário, abolindo-se a discussão a respeito da culpa in vigilando. Trata-se da teoria da substituição, pela qual a responsabilidade indireta do empregador é fruto do risco introduzido pela sua atividade.

Isso explica a responsabilidade do depositário perante os hóspedes, abrangendo todos os seus empregados e prestadores de serviços – “pessoas empregadas ou admitidas” -, tendo o depositante lesado a possibilidade de acionar alternativamente o empregador, o empregado ou ambos em litisconsórcio passivo, em virtude da solidariedade entre o autor e o responsável (CC 942, parágrafo único).

Apesar do silêncio da norma, lembramos o estudioso da menção que o CC 932, IV faz à responsabilidade do depositário pelos danos causados por outros hóspedes ou frequentadores que transitam pelo local ao patrimônio do depositante. Cuida-se de aplicação da teoria do risco proveito, pela qual aquele que aufere o proveito econômico pela pousada (bônus) assume os riscos inerentes aos danos causados aos hóspedes (ônus), seja pelos seus empregados, seja pelas demais pessoas que compartilham o mesmo espaço.

O contrato de hospedagem não admite a cláusula de exclusão de responsabilidade – cláusula de não indenizar. Será reputada como não escrita, pois a obrigação de indenizar é prevista em lei sendo inadmissível convenção em contrário. Todavia, é defensável a aposição de limites pecuniários de responsabilidade, com restrição da indenização aos bens que ordinariamente são conduzidos pelo hóspede a qualquer estabelecimento (v.g., roupas, acessórios de limpeza e quantias razoáveis). Excluem-se as joias de alto valor e as quantias que extrapolam o necessário à pousada, a não ser que seja efetuada declaração acerca da existência e do valor dos bens, sendo eles entregues ao depositário e não simplesmente mantidos com o depositante em sigilo. Assim, objetos colocados em cofre devem ser descritos antecipadamente pelo hóspede, a fim de que o hospedeiro assuma a total obrigação de indenizar. Em suma, ao dever de proteção do hospedeiro se compatibiliza o dever de informação do hóspede, pois a relação de confiança se estende aos dois polos da relação obrigacional.

Aliás, a relação de consumo efetivada entre hospedeiro e hóspede implica a responsabilidade civil pelos danos materiais e morais provenientes do defeito da prestação de serviço, como alude o CDC 14. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 672-673 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Diz o histórico, antes do comentário de Ricardo Fiuza, defrontando-se o atual texto da norma – após modificações implementadas pelo eminente Senador Josaphat Marinho – com o dispositivo originalmente proposto pela Câmara, verifica-se que houve oportuna atualização de linguagem. O relator parcial da Câmara, Deputado Vicente Arruda, propôs com o retorno do projeto à Casa de origem, que fosse suprimida do texto a expressão “viajantes”, abrangida pelo termo “hóspedes”, sendo desnecessária a sua manutenção no texto, o que não se viabilizou por óbice regimental. Corresponde ao art. 1.284 do CC de 1916.

Quanto à doutrina apresentada, os hospedeiros respondem como depositários pelas bagagens dos hóspedes, por força do depósito necessário. Desse modo, cumpre-lhes assegurar a incolumidade dos bens durante a permanência do hóspede no estabelecimento. É irrelevante a natureza dos bens, podendo ser ou não de uso próprio, porquanto todos eles são caracterizados como bagagem (RT 632/96). A doutrina, todavia, os tem reconhecido como os bens habituais em viagem. Trata-se de responsabilidade legal; por isso assume o hospedeiro a obrigação de indenizar eventuais prejuízos causados aos bens colocados sob sua guarda, dela somente isentando-se, por hipóteses, em caso “de culpa ou concorrência de culpa do hóspede” (RT 572/177). A cláusula de não indenizar apenas terá validade desde que resulte do consenso das partes, não eficaz aquela constante de mero aviso, sem a anuência prévia do hóspede.

O parágrafo único preceitua a responsabilidade do hospedeiro também em face de furtos e roubos que cometerem contra o hóspede as pessoas empregadas ou admitidas no estabelecimento. A presunção de culpa é legis ei de lege, imposta pela lei, em acepção de responsabilidade objetiva, e tem razão de ser na assunção dos atos lesivos praticados por aquelas pessoas, porque, efetivamente, o hospedeiro chama a si os riscos do negócio.

Merece atenção a questão dos bens ali recolhidos, porquanto não entregues em depósito. “A situação corresponde a um comodato ou a um aluguel, estando o cofre entregue ao hóspede, ignorando o hospedeiro o conteúdo” (Responsabilidade civil, 3. ed., Rio de Janeiro, forense, 1992, p. 97-8). Anote-se, todavia, a posição do STJ: “O fornecimento de cofres para uso dos hóspedes não pode ser considerado como uma cessão gratuita, pois se inclui nos custos da atividade, refletindo-se no preço da diária. Não se considera o roubo à mão armada como causa de força maior, pois quem fornece cofres tem consciência do risco, sendo a segurança inerente ao serviço” (STJ, 3’Ii. MIA 249825-RI, rel. mm. Eduardo Ribeiro, DI de 3-4-2000).

Jurisprudência: “Tem o hotel a responsabilidade pelos hóspedes, sua segurança, bem-estar e integridade física, devendo indenizar em caso de acidente ocorrido nas dependências do mesmo, independentemente de culpa, nos termos do CDC 14, admitindo-se a cumulação de danos morais e materiais” (RT 729/259). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 347 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na balada de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a relação de hospedagem estabelece dois vínculos legais em relação às bagagens dos hóspedes: o penhor legal (CC 1.467, I), em benefício do hospedeiro e o depósito assimilado, em benefício do hóspede, conforme este dispositivo.

Por ser considerado depositário das bagagens o hospedeiro tem o dever de entrega-las ao hóspede, sempre que este as requisitar e responde pelos furtos e roubos cometidos por seus funcionários.

A responsabilidade objetiva do hospedeiro por atos de seus prepostos deflui da regra geral do CC 932, IV. Ela é ainda mais ampla, quando conforma relação de consumo, alcançando todos os danos inerentes à prestação do serviço, nos termos do CDC 14 e 17. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 05.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).