quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 778, 779, 780 - continua - DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 778, 779, 780 - continua
- DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO DE DANO
 – Seção II - (art. 778 a 788)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 778. Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto no CC 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber.

No dizer de Claudio Luiz Bueno de Godoy, como já explicitado no comentário ao CC 757, o CC/2002, ao estruturar o capítulo destinado ao regramento do seguro, depois de estatuir disposições genéricas, dividiu-o em duas partes especiais, a primeira, correspondente ao seguro de dano e a segunda, ao se seguro de pessoa. O seguro de dano, tradicionalmente chamado de seguro de coisas, é aquele destinado a garantir ao segurado uma indenização pelo sinistro que venha a atingir e danificar o bem indicado no contrato, trazendo-se, assim, prejuízo a um interesse, o denominado interesse segurado. A respeito desse seguro, vigora, como aponta o ministro Eduardo Ribeiro (“Contrato de seguro – alguns tópicos”. In: O novo Código Civil, coord. Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho. São Paulo, LTr, 2003, p. 729-46), princípio dito indenitário, o que significa, basicamente, que o ajuste serve a garantir tão somente a reparação do dano experimentado, limitado ao valor fixado no contrato, e este, por seu turno, adstrito ao importe do interesse segurado, no momento da contratação, tudo, frise-se, sem qualquer possibilidade de que venham o seguro e o sinistro a representar causa de lucro ao segurado.

Por isso mesmo, e afora as regras, também reveladoras do mesmo princípio, e até com maior correlação, contidas nos CC 781 e CC 782, proíbe o Código que se entabule seguro de coisa por mais de quanto valha o interesse segurado. Em outros termos, e de resto tal qual já determinava o Código anterior, no art. 1.438, não se pode contratar uma garantia superior ao valor efetivo do interesse que se quer garantir com o seguro – termos mais precisos, mas de mesmo significado, que aqueles que se encontravam no art. 1.438 do Código de 1916, quando se vedava o seguro por valor maior que o importe real da coisa segurada. A diferença é que, no Código vigente, explicitou-se contratar-se, no seguro, e a rigor, uma garantia a um interesse do segurado, que, todavia, igualmente não pode ser superestimado, como se o ajuste servisse a fins especulativos.

A ideia fundamental é a de que o seguro não pode trazer ao segurado um proveito, colocando-o em situação mais vantajosa que aquela que teria se não sucedido o sinistro. Inversamente, e como em última análise o segurado poderia nem mesmo contratar o seguro, nada impede que o faça por valor menor que o do interesse segurado. O impedimento é a superavaliação. E, prossegue o atual Código, se ela ocorrer e dimanar de má-fé do segurado na prestação das informações devidas à contratação do seguro, aplica-se o previsto no caput do CC 766, já comentado. Da mesma forma, quando o artigo em discussão refere ainda a sujeição do segurado à ação penal que couber, decerto que pressupõe, ainda, a declaração inexata daquele, mas eivada de má-fé. Ocorre que a superestimação do interesse segurado pode advir de conduta não deliberada do segurado, acerca do que se omite o Código atual, mas não o Código de 1916, que, para esse caso, previa a redução ao valor real da coisa segurada, com devolução do excedente do prêmio (art. 1.438, primeira parte).

Para Maria Helena Diniz (Direito civil brasileiro, 17. ed. São Paulo, Saraiva, 2002, v. III, p. 470), e por identidade de motivos, caberá, hoje, na vigência do atual Código, remissão ao parágrafo único do mesmo CC 766, supra. Certo é que, ausente má-fé, aí sim em correspondência ao previsto no parágrafo único do CC 766, não terá lugar a penalização do segurado, com a perda do prêmio devido. Caberá a resolução do contrato, mas, observe-se, se ainda não havido o sinistro (ver comentário ao CC 766). Só que aqui, no tratamento da superavaliação, pelo princípio mencionado, vedatório de que o contrato traga proveito ao segurado, parece descaber a manutenção do ajuste apenas mediante recálculo do prêmio, como dispõe o parágrafo do CC 766. Isso porque a proibição está no importe do interesse segurado. A opção à resolução será, pois, a readequação, forçosamente, desse valor, ainda que com revisão do prêmio. Por fim, se já ocorrido o sinistro, quando, ainda ausente má-fé do segurado, se constata a superestimação do interesse segurado, já não mais haverá lugar à resolução, repete-se, mas ao pagamento do valor real máximo do interesse segurado, se este tiver sido o importe do prejuízo (perda total). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 802-803 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Emblemático de Ricardo Fiuza, o axioma é o de que o valor do seguro não deve superar o da coisa ou do interesse segurável, ao tempo da celebração do contrato, segundo o ditame já previsto pelo art. 1.437 do CC de 1916: “não se pode segurar uma coisa por mais do que valha...”. É preceito inibidor do uso especulativo do seguro, visto que constituiria locupletamento ilícito o segurado ver a receber pelo sinistro valor indenizatório superior ao adequado da coisa sinistrada ou do interesse segurado. O valor despropositado constitui engenho de lucro indevido, pelo que se sujeitará, ainda, o segurado. O valor despropositado constitui engenho de lucro indevido, pelo que se sujeitará, ainda, o segurado, à ação penal cabível. Afinal, o dever de veracidade, imposto pelo CC 765, norteia que as declarações sejam exatas, e uma delas diz respeito, claramente, ao valor real do interesse segurado. A infringência de tal dever impõe a consequência da perda do direito à garantia, além da obrigação ao prêmio vencido. Da tal maneira, não estará também o segurador autorizado a segurar o bem por valor superior, recebendo o prêmio sobre esse mesmo valor (ver, ainda, comentário ao CC 781). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 409 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na pauta de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, os seguros de dano têm natureza indenitária, logo neles são proibidas cláusulas que estabeleçam: a) valor do seguro (importância segurada) superior ao da coisa, e b) a contatação de mais de um seguro de idêntica natureza para a mesma coisa (CC 782). A sanção, em ambos os casos, é a perda do direito à indenização, sem direito à restituição do prêmio. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 779. O risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou consequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa.

Ante entendimento de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o preceito em pauta repete a redação do art. 1.461 do Código anterior, mas com a supressão da ressalva, em contrário à regra, que a apólice poderia estipular. Ou seja, em primeiro lugar reitera o Código Civil de 2002 que o risco coberto pelo seguro de dano compreende não só o direito e efetivo prejuízo provocado, pelo sinistro, ao interesse segurado, como também tudo quanto tenha sido despendido na tentativa de evitar o sinistro, minorar-lhe as consequências ou salvar o que resta da coisa a que se refere o seguro (salvados).

Lembre-se, a propósito, ser obrigação dos segurado tomar todas as medidas possíveis e razoáveis para diminuir a extensão e consequências danosas do sinistro, mas à conta do segurador, tudo tal qual prevê o CC 771, antes examinado. Pois, a complementar-lhe o sentido, a regra em discussão estabelece que justamente essas despesas, que experimenta o segurado no cumprimento do dever que possui de tomar medidas de diminuição dos efeitos do sinistro, fazem parte do risco coberto pelo segurador. E isso, agora, com a supressão da permissão de disposição em contrário na apólice, contida no art. 1.438 do Código de 1916, sem que essa mesma responsabilidade do segurador possa ser afastada por convenção. Em outras palavras, tem-se hoje regra cogente de responsabilidade do segurador pelas despesas já mencionadas, independentemente de expressa alusão do ajuste e sem que nele se possa, portanto, excluir a respectiva cobertura. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 804 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No diapasão de Fiuza, a norma prescreve que o segurador responda, com a necessária abrangência, por todos os prejuízos resultantes ou consequentes dos esforços realizados para minimizar o dano ou mesmo evita-lo, conforme o referido no parágrafo único do CC 771 deste Código. percebe-se, pela clareza do artigo, que foi excluída do contrato de seguro a não-responsabilização do segurador na parte que diga respeito aos danos consequentes da tentativa de preservação do bem assegurado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 410 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, uma vez que o seguro preveja indenização pela ocorrência de sinistro, todos os danos decorrentes dele encontram-se abrangidos. Assim, um seguro de viagem inclui, em regra, a garantia contra danos pessoais, à bagagem, despesas de estadia e de transporte que se fizerem necessários em virtude de evento que interrompa a viagem. Nada obsta, no entanto, que a limitação a certos eventos seja estabelecida no próprio contrato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 780. A vigência da garantia, no seguro de coisas transportadas, começa no momento em que são pelo transportador recebidas, e cessa com a sua entrega ao destinatário.

Sob o prisma de Claudio Luiz Bueno de Godoy, essa regra, de um lado, especifica exigência, contida no CC 760, de que a apólice de seguro identifique o início e o fim de sua validade, mas, em se cuidando de seguro de coisas transportadas, particulariza a questão da vigência da garantia, determinando que se inicie com o recebimento das mercadorias e cesse com sua entrega ao destinatário. Nesse pondo, e de outro lado, a norma se põe consonante com a previsão do CC 750, segundo a qual, no transporte de mercadorias, a responsabilidade do transportador começa com seu recebimento e só termina com sua entrega ao destinatário. Assim, é seguro dessa responsabilidade que se faz, portanto com simétrica normatização sobre o período de vigência. Além disso, prevê o Decreto-lei n. 73/66, nesse passo alterado pelo Decreto n. 61.887/67, que o seguro de responsabilidade dos transportadores em geral seja mesmo obrigatório. A cessação do seguro, que se dá com a entrega da mercadoria ao consignatário, pressupõe, como observa o Ministro José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro. Forense, 2004, v. XI, t. I, p. 441), tenha recebido a coisa o verdadeiro destinatário. De outra parte, se a entrega se faz, por motivo atribuível ao transportador, a recebedor indevido, perduram os efeitos do seguro. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 804 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na linha de Ricardo Fiuza, estabelecida pela norma a vigência da garantia, i.é, a duração do contrato, o risco é compreendido no iter em que a coisa segurada se acha recebida pelo transportador ou seus prepostos até o momento de sua entrega no lugar do destino.

O contrato de seguro de coisas transportadas não exclui o contido no Decreto n. 2.681, de 7-12-1912, o qual já estabelecia a responsabilidade do transportador e levar as cosias incólumes ao seu lugar de destino, ressalvando as circunstâncias de caso fortuito ou força maior e o que agora dispõe o CC 750, com responsabilidade objetiva, em princípio, pelo transportador, na condução da coisa para sua entrega em bom estado.  (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 410 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No dizer de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo determina a vigência do seguro de coisas transportadas durante o tempo em que elas estejam na posse e sob os cuidados do transportador. Pode ocorrer que antes ou depois do trajeto as coisas sejam armazenadas pelo próprio transportador. Em tais situações, continuam cobertas pelo seguro. Se o destinatário não receber a coisa transportada do modo como acordado, cessa a responsabilidade do transportador e, por conseguinte, cessa a vigência do seguro de transporte. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 775, 776, 777 - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 775, 776, 777
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I
Disposições Gerais - (art. 757 a 777)
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Art. 775. Os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem.

Segundo Claudio Luiz Bueno de Godoy, a regra contida no presente dispositivo está em que o segurador responderá pelos atos de todos quantos ajam em seu nome, sejam prestadores de serviços, agentes ou prepostos. Responderá, também, sempre que saiba e de alguma maneira contribua para a situação de aparência criada por alguém que, posto sem poderes, acaba atuando em seu nome, contratando seguros. Nada mais, a rigor, que os pressupostos comuns de aplicação da teoria da aparência, ou da representação aparente: situação de justificada putatividade, mas forjada mediante alguma contribuição, participação ou mesmo negligência do responsável, no caso o segurador.

No entanto, a regra tem especial relevância nos casos dos corretores de seguro, atividade regulamentada pela Lei n. 4.594/64, que exige habilitação do interessado, viabilizando, assim, necessária autorização do Departamento Nacional de Seguros Privados. Sucede que o corretor normalmente representa o segurado, e é por meio dele que se contrata o seguro, quando não diretamente, uma vez que a emissão da apólice se faz por proposta assinada, se não pelo próprio interessado, afinal pelo corretor (Decreto n. 60.549/67, que regulamentou o Decreto-lei n. 73/66). Desde que, entretanto, autorizado pelo segurador, de qualquer maneira, a atividade do corretor o vincula. Portanto, deve-se aqui levar em conta toda a manifestação ou conduta do segurador que induza a admissão de que autoriza o corretor a atuar em seu nome, destarte também aqui considerada, por fim, a representação aparente, de que ao início se tratou, com os requisitos lá identificados, particularmente o da necessária contribuição do segurador a que se ostentasse essa situação de justificada aparência.

De resto, a tese parece se reforçar se há necessária contratação por meio do corretor e se, entre ele e o segurador, se estabelece verdadeiramente um ajuste que, individualizado, coloca-se, porém, em coligação com o ajuste entabulado pelo segurado, formando o que se denomina de rede contratual, impondo uma recompreensão  do conceito de terceiro não contratante e mesmo do princípio da relatividade dos efeitos dos contratos, como tive oportunidade de sustentar alhures (v. Função social do contrato, 2.ed. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 150-5). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 800 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No saber de Ricardo Fiuza, a norma tem uma teleologia, a nosso sentir, de expressivo significado e avanço na seara do consumidor de seguros: espanca a controvérsia sobre o papel do corretor de seguros havido como intermediário na contratação da apólice, e passa a responsabilizar o segurador por atos de seus agentes. E o que se extrai do comando legal em exame. Desde que autorizados, os agentes securitários são, por dicção legal, para os efeitos do contrato que agenciarem, os representes do segurador, quando em verdade atuam “em nome e para o benefício da empresa”. O dispositivo ganha maior relevo, diante da regera do CC 758, quando o contrato de seguro, à falta da apólice ou do bilhete do seguro, prova-se por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio.

O móvel dispositivo reformulou, sem dúvida, o posicionamento do STJ quando, enfrentando questão relativa à existência ou não de um contrato de seguro, pela não emissão da apólice, embora houvesse sido feito o pagamento da primeira parcela do prêmio e emitido recibo provisório, decidiu que “a seguradora não é responsável pelo pagamento do seguro quando não recebe a parcela do prêmio, retido pela corretora, que responde pela má prestação do serviço, na forma de precedentes desta Corte” (REsp 202.613-ES). A questão assume relevante interesse, porquanto, no alcance da presente nonna, ocorrendo o sinistro, deverá, agora, a seguradora responder com a cobertura, mesmo que inexista apólice e não tenha recebido o prêmio, retido pelo seu agente autorizado.

É importante lembrar o brilhante acórdão de vanguarda da lavra do relator Des. Carlos Alberto Bencke, do Tribunal do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível n. 598.482.209, julgada em 27-5-1999, cujo ementa é a seguinte: “Civil. Seguro de Automóvel. Responsabilidade da seguradora frente a conduta ilícita do conetor. Não-repasse de valores do prêmio. O fato de os valores prêmio não terem sido repassados à seguradora é alheio à relação entre seguradora e segurado. Questão que deve ser solvida no âmbito interno não podendo o consumidor ser penalizado por tal agir, até porque é dever da seguradora fiscalizar quem a representa, tanto para evitar lesão a seu próprio nome como para eventual responsabilidade frente aos consumidores dos seus serviços. não há como negar a responsabilidade da seguradora frente aos danos causados por seu representante, pois que atua em nome e para o benefício da empresa (...)”. No seu voto, vaticinando a norma, considerou que o corretor de seguros “apresenta-se como um verdadeiro representante da seguradora, o que conduz à necessidade de seu agir ser fiscalizado por esta”, quando, por outro lado, a experiencia tem demonstrado, de fato, que é aquele que recebe a quantia do prêmio, mormente quando se trate da primeira parcela.

Não custa lembrar, afinal, para a incidência da norma, a teoria da aparência, em consideração da representação presumida, quando, induzido o segurado à crença de eu trate com agente autorizado da seguradora, esta assim contribua notoriamente para tal presunção ao recepcionar contratos de seguros. Nessa linha, por identidade substancial de razões: Teoria da aparência. Investimento. Agente captador de recursos. Terceiro de boa-fé. Comprovado que o emitente do recibo de aplicação no mercado financeiro era notoriamente agente autorizado a captar recursos para aplicar em certa instituição financeira, responde esta pelo desvio do numerário, uma vez que a teoria da aparência protege o terceiro de boa-fé. Recurso conhecido e provido” (STJ, 4fl ~ REsp 276.025-SP, rel. Mm Ruy Rosado de Aguiar, /3,1 de 12-3-2001). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 408 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo estabelece uma representação legal das seguradoras pelos seus agentes, em relação aos contratos que forem por eles agenciados. Agente de contrato de seguro é o corretor de seguros, pessoa física ou jurídica que promove a contratação de seguros. Deve ser habilitado e registrado na Susep. Não pode ser empregado de pessoa jurídica de direito público, nem de seguradora. A profissão de corretor de seguros é regulamentada pela Lei n. 4.594/64. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 776. O segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa.

Sob o enfoque de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o presente dispositivo, da forma como redigido, veio a pacificar discussão que antes havia, ante os termos do art. 1.458 do Código Civil de 1916. Isso porque, sob a égide da legislação anterior, chegou-se s sustentar a possibilidade de opção do segurador pela reposição da coisa, em vez do pagamento em dinheiro da indenização securitária.

Veja-se, todavia, que a atual dicção legal não deixa qualquer margem para dúvida. A regra geral é a do pagamento em dinheiro do prejuízo decorrente do sinistro. Recomposição outra, in natura, somente se dará se assim se tiver ajustado no contrato ou, acrescente-se, se o aceitar o segurado. Assim, por exemplo, pode-se convencionar a reparação da coisa danificada, a reconstrução do prédio em caso de incêndio, o fornecimento, em espécie, de medicamentos, o conserto direito do veículo sinistrado.

De outra parte, estabelece o dispositivo que o pagamento a ser feito pelo segurador há de corresponder ao efetivo prejuízo sofrido pelo segurado. É evidente que, no caso de seguros pessoais, como o seguro de vida, ocorrido o sinistro, paga-se o valor da apólice, incogitável qualquer avaliação do efetivo prejuízo havido. Entretanto, no seguro de dano, em geral, e ao revés, ter-se-á a importância fixada no contrato apenas como um teto indenizatório, a rigor honrando-se a cobertura com o pagamento do efetivo prejuízo havido, que poderá ser menor, não servindo o seguro a propiciar lucro a qualquer das partes. O assunto será retomado nos comentários aos CC 778 e 781, infra. Lembre-se, ademais, que o pagamento do valor do seguro fora do prazo sujeita o segurador aos acréscimos previstos no CC 772, já examinado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 801 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para Fiuza, a indenização securitária ou a satisfação do interesse legítimo do segurado é feita, geralmente, em pecúnia. O art. 1.458 do CC de 1916 refere-se, expressamente, ao pagamento em dinheiro. Nos seguros de coisas, entretanto, torna-se possível cláusula que disponha diferentemente, indicando-se a reposição do bem ou a sua recomposição, por exemplo, mediante conserto ou reparos, em vez de certa quantia em dinheiro a ele correspondente pelo valor segurado na apólice. A inovação da norma consiste, justamente, em prever essa outra forma de convencionar a reparação do prejuízo sofrido. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 408 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a indenização consiste, em regra, em quantia em dinheiro. No contrato de seguro, no entanto, o dispositivo permite que ela seja paga mediante a entrega ao segurado de bem equivalente ao que se perdeu. Essa faculdade deve ser expressa no contrato e se torna viável para a seguradora sempre que ela possa realizar a reposição mediante bem de valor inferior ao de mercado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 777. O disposto no presente Capítulo aplica-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se dá também acerca de outros contratos, a respeito valendo citar o transporte (CC 732), a corretagem (CC 729)ou, ainda, a agência e distribuição (CC 721), o Código Civil de 2002, no Capítulo em discussão, pretendeu estabelecer regras gerais e unificadas sobre o seguro, mas sem excluir a concomitante incidência de legislação especial. De resto, tal qual se afirmou nos comentários aos demais artigos citados, é característica do Direito moderno a pluralidade de fontes legislativas, que podem bem concorrer, então, no regramento de determinado instituto, sempre sob o influxo unificador da Constituição Federal, de seus princípios e dos princípios contratuais gerais, inclusive daí advindos.

Isso quer dizer, em primeiro lugar, que o Código abre ensanchas à regulamentação de seguros com características especiais em leis próprias que, em seu regramento, atendam a essas peculiaridades da espécie securitária de que cuidam. Assim, por exemplo, há inúmeras hipóteses de seguro obrigatório, referidas desde o Decreto-lei n. 73/66, o qual, como se vem examinando, constitui normatização que instituiu o chamado Sistema Nacional de Seguros Privados. Pois dentre esses seguros obrigatórios, inclusive a que o novo Código também dedicou regra específica (CC 788, infra), está aquele por danos causados em acidentes de automóveis, regulado pelas Leis n. 6.194/74 e 8.841/92, e o seguro contra acidentes de trabalho, regrado, especialmente, desde a Lei n. 6.367/76. Ou seja, espécies securitárias que recebera tratamento legal por meio de normatizações específicas, atentas às particularidades desses seguros.

Pense-se, ainda, e nem só em casos de seguro obrigatório, nos seguros de saúde, agora regrados pela Lei n. 9.656/98, repleta de disposições específicas para os casos de cobertura de despesas com assistência médico-hospitalar. Da mesma forma, pode-se citar o seguro marítimo, especificamente regrado pelo Código Comercial, neste ponto não revogado, a partir do CC 666.

Contudo, de outra parte, há fonte normativa concorrente de grande importância na matéria que não se circunscreve à disciplina de seguros especiais. Ao contrário, trata-se de lei que é também especial, mas do ponto de vista subjetivo, porquanto destinada, por comando constitucional, à proteção do consumidor. Com efeito, também a Lei n. 8.078/90, o chamado Código de Defesa do Consumidor, terá aplicação aos casos de seguro que configurem uma relação de consumo. Assim, portanto, incidirão todas as regras protetivas, fundamentalmente baseadas também na boa-fé objetiva (CDC, 4º, III) ou, especialmente, em dois dos deveres anexos dela decorrentes. Caberá atender à transparência na oferta e na contratação, assim como à confiança nas disposições do ajuste e na vedação de sua abusividade, não olvidando, também, ter-se em mira ajuste de adesão.

Por fim, vale de novo assentar que a ligação sistemática entre todas as normatizações aplicáveis ao seguro se fará sempre com base nos vetores constitucionais que permeiam as relações contratuais, de resto trazidos à positivação, antes de tudo, na própria parte geral dos contratos, sob a forma de princípios (CC 421 e CC 422). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 802 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Fiuza, as disposições referentes aos seguros, presentes em capítulo próprio (XV) do Título VI do Livro I, relativo ao “Direito das obrigações” no CC/2002, aplicam-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias, a exemplo da Lei n. 9.656, de 3-6-1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde; das Resoluções do Consu – Conselho de Saúde Suplementar, ainda no tocante àqueles seguros; da Lei n. 6.194, de 19-12-1974, que dispõe sobre seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, com as modificações introduzidas pela Lei n. 8.441/91; do Decreto-Lei n. 73/66, que institui o seguro obrigatório contra acidente de trânsito, consagrando a teoria do risco, regulamentado pelo Decreto n. 61.687/67 (com as modificações introduzidas pelo Dec.-Lei n. 814/69) e alterado, mais recentemente, pela Lei n. 10.190, de 14-2-2001.

Tais disposições assumem, em sua maioria, caráter principiológico, pelo que deverão ser aplicadas, na maioria dos casos, coadunando-se, outrossim, com as leis especiais que tratam da matéria. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 409 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, possuem regulação própria os seguros sociais sob a responsabilidade do INSS (Lei n. 8.213/91) e os seguros obrigatórios, entre os quais os arrolados no art. 20 do Dec.-lei n. 73/66: responsabilidade civil no transporte aéreo, na construção civil em zonas urbanas, sobre bens dados em garantia de financiamento de instituições financeiros públicas e o por danos pessoais causados por veículos terrestres (DPVAT), previsto na Lei n. 6.194/74, alterada pela Lei n. 8.441/92.

Em relação a todos esses seguros o Código Civil aplica-se subsidiariamente, caso a lei especial não contenha regulamentação específica. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 772, 773, 774 - continua - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 772, 773, 774 - continua 
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I
Disposições Gerais - (art. 757 a 777)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 772. A mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização monetária da indenização devida segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, sem prejuízo dos juros moratórios.

No balanço de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a rigor, a regra vertente, que não estava explicitada no Código anterior, apenas especifica, para o contrato de seguro, o que, de forma genérica, constitui uma consequência da mora em que incide o devedor. com efeito, já no CC 395, dedicando-se à fixação de normas atinentes às obrigações em geral, dispõe responder o devedor em mora pela devida atualização monetária e juros, sem prejuízo da composição das perdas e danos daí advindos e do pagamento dos honorários advocatícios, caso havida a atuação de causídico, mesmo que na fase extrajudicial, ao que se entende.

Pois, no artigo em pauta, frise-se, de resto sem prejuízo das demais verbas, incluindo até lucros cessantes comprovadamente devidos em razão do retardo na cobertura, tão somente se patenteia incidirem, sobre o valor devido do seguro, atualização e juros moratórios. O prazo para pagamento do valor segurado deve vir previsto no contrato, com limite máximo de trinta dias, conforme se prevê em preceito regulamentar (Circular n. 90/99, da Susep), mas com prazos diversos conforme se trata de seguros especiais, como o marítimo (art. 730, do Código comercial, prazo de cinco dias) ou o obrigatório, de responsabilidade civil, para proprietários de autos (Resolução n. 56/012), da Susep, prazo de cinco dias).

Impende, porém, levando em conta o padrão de lealdade e transparência que deve permear as relações contratuais, que haja o devido esclarecimento não só do prazo para pagamento, mas também e especialmente de seu termo inicial de contagem. Não é de estranhar, portanto, que, para o pagamento da indenização, inclusive como corolário da exigência de manutenção do mutualismo que o seguro induz ou, antes, pressupõe (CC 757), deva o segurado apresentar documentos necessários conforme o tipo de cobertura e mesmo de sinistro, compreendendo a prova de sua ocorrência, coo se viu nos comentários ao artigo anterior.  Assim, é razoável admitir que o prazo para pagamento do valor segurado apenas se inicie com a apresentação dessa documentação, mediante a qual o segurador poderá avaliar o preenchimento dos requisitos contratuais cabíveis para honrar a cobertura contratada. Todavia, insta que se esclareça ao segurado, de forma induvidosa, quais as exigências pertinentes, desde a contratação. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 797 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a correção, ou melhor, a atualização monetária, nos casos de liquidação de sinistro cobertos por contratos de seguros, já é tratada pela Lei n. 5.488, de 27-8-1968. E nesse alcance, a jurisprudência do STJ, em exegese da norma do art. 1º, § 2º, da reportada lei, vem acolhendo o entendimento no sentido de que a atualização monetária, no caso específico do contrato de seguro, quando não efetuada a indenização no prazo legal, é devida e o recibo de quitação, passado de forma geral, por si só não a exclui.

Nesse sentido: REsp 43.768-PE. DJ de 15-8-1994. Por cedo, entenda-se que a atualização monetária do valor devido e impago no tempo cedo constitui simples ajuste da expressão econômica do quantum a ser pago, no efeito de sua plena de recomposição, mantendo-o, assim, incólume em seu significado de valor. Afirme-se, portanto: “Quem recebe com correção monetária não recebe um ‘plus’, mas apenas o que lhe é devido, de forma atualizada” (JTA, 109/372). O escólio jurisprudencial, sem franquear controvérsia, tem assentado que, “sendo a correção monetária mero mecanismo para evitar a corrosão do poder aquisitivo da moeda, sem qualquer acréscimo do valor original, impõe-se que o valor segurado seja atualizado desde a sua contratação, para que a indenização seja efetivada com base em seu valor real, na data do pagamento”. Bem por isso, “é entendimento consolidado do STJ que a evolução dos fatos econômicos tomou insustentável a não-incidência da correção monetária, sob pena de prestigiar-se o enriquecimento sem causa do devedor, constituindo ela imperativo econômico, jurídico e ético indispensável à plena indenização dos danos e ao fiel e completo adimplemento das obrigações”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 406 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No ritmo de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o direito de reclamar a indenização surge quando do sinistro, mas o dever de paga-la somente surge, para a seguradora, no momento em que o sinistro lhe é comunicado. A partir de então incidem correção monetária e juros legais moratórios. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 773. O segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado.

Como vê Claudio Luiz Bueno de Godoy, basicamente desde o preceito do CC 765, antes examinado, e em que se encerra a proposito uma regra geral, vem dispondo o Código Civil sobre normas atinentes à exigência de boa-fé com que devem se portar as partes na conclusão e execução do contrato de seguro, em primeiro lugar a boa-fé objetiva, i.é, o dever das partes, como imperativo de solidarismo nas relações contratuais, de agir segundo padrão de conduta leal esperável de pessoas corretas, honestas, verazes. Nada diverso, a rigor, do que está no CC 422, em que se erige verdadeiro princípio em matéria de contratos.

É evidente que a tanto não se compadece a conduta de contratação de seguro sem um risco a cobrir. Não se pode negar que o risco seja elemento essencial ao contrato de seguro, como inferido, de resto, da própria disposição do CC 757. Contrata-se,   mediante o pagamento de um prêmio, a garantia de um interesse legítimo do segurado, justamente diante da potencialidade de um sinistro, nada mais que o risco. É a cobertura contratada de um interesse segurável contra um risco predeterminado. Por isso não se pode manter um contrato de seguro já nascido sem risco a cobrir, a ponto de alguns autores terem aí entrevisto um caso mesmo de nulidade, por falta de objeto do ajuste (v.g., Beviláqua, Clóvis. Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 207; Carvalho Santos, J. M. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 306), muito embora hoje se o repute consubstanciado muito mais na garantia do interesse segurável. Ainda assim, não é menos certo que o risco continue a ser seu elemento essencial. Não há seguro sem risco. Daí porque, firmado o ajuste, sem o risco a cobrir, ele não se mantém, podendo o segurador, tendo agido na contratação em desacordo com o padrão de conduta solidaria que a boa-fé objetiva impõe, faltando ao cumprimento de dever anexo de informação, transparência ou lealdade, dimanados daquele princípio, ser obrigado a compor perdas e danos (ver, a respeito da falta de dever anexo ou lateral e suas consequências, comentário ao CC 769).

O preceito em questão, indo mais além, estabeleceu, como já o fazia o art. 1.446 do Código de 1916, uma pena específica ao segurador que, na contratação, tenha obrado, já aí, com falta de boa-fé subjetiva. Vale dizer, sempre que comprovada a ciência do segurador, quando da contratação, sobre a inexistência do risco, incumbe-lhe o dever de pagamento em dobro do prêmio estipulado. Aplica-se a mesma pena – ou o mesmo princípio – que, para o segurado de má-fé, se impôs no CC 766. Ressalte-se eu está no artigo em pauta, tal como naquele antes referido, a mesma distinção entre a possibilidade de desfazimento do contrato por falta de boa-fé objetiva, só que aqui do segurador, e o agravamento sancionatório quando lhe falte boa-fé subjetiva, ou seja, quando animado pelo deliberado proposito de contratar, aproveitando-se da ausência de risco a cobrir. É por isso que, no mais, remete-se aos comentários do CC 766. A ressalva final, porém, está em que, de qualquer maneira, não há como persistir contrato de seguro ajustado já sem risco a cobrir, diferenciando-se, como se observou, a consequência sancionatória, que é a devolução, em dobro, do prêmio cobrado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 798 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para Ricardo Fiuza, o risco é, de fato, a expectativa do sinistro. Elemento essencial a constituição do contrato de seguro, sem ele não se poderá formar o contrato para efeito de a seguradora assumi-lo e acobertar o segurado. É basilar que sabendo o segurador de sua inexistência, ou que este passou a desmerecer a cobertura securitária, está incorrendo em má-fé quando, apesar disso, expedir a apólice, locupletando-se à custa da credulidade do segurado. A lei sanciona essa improbidade penalizando o segurador com o pagamento em dobro do prêmio estipulado, tendo-se por nulo o contrato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 407 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo estabelece sansão para a seguradora que contrata seguro com o conhecimento da inexistência do risco, o que pode ocorrer em razão da inexistência da coisa segurada, do prévio falecimento da pessoa, no caso de seguro de vida ou de danos pessoais etc. A seguradora fica obrigada a indenizar ao estipulante o dobro do valor do prêmio ajustado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 774. A recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não poderá operar mais de uma vez.

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se disse no comentário ao CC 760, dentre outras indicações, a apólice ou o bilhete de seguro devem prever o início e o término do prazo de validade do seguro, de regra ajustado por um ano, salvo casos especiais, com vigência específica, como o seguro de vida ou de transportes. Não menos certo que, no mesmo contrato, podem as partes prever o que o artigo vertente chama de recondução tácita. Ou seja, é a previsão contratual de prorrogação do ajuste, de maneira tácita, por igual prazo. A manifestação tácita é aquela que se infere de uma conduta do sujeito, indicativa de sua vontade, no caso de renovar o seguro. É o que se chama de comportamento concludente do indivíduo, muito típico, hoje, das contratações de massa. Na hipótese do seguro, dá-se, por exemplo, a recondução tácita quando, vencido o prazo contratual inicialmente ajustado, permanecem as partes cumprindo suas prestações contratuais, o segurado pagando e o segurador recebendo o prêmio. No entanto, o CC/2002 limita essa renovação tácita por igual prazo ao da entabulação original e, desde que nela estabelecida essa possibilidade, uma única vez. O pressuposto foi o de que, a bem do equilíbrio da equação econômica do contrato, que deve ser preservado, houvesse, ao cabo já de uma renovação, a reavaliação do risco coberto, da probabilidade, enfim, da ocorrência do sinistro, assim verificando-se a atualidade do prêmio devido. Mas não que, feita essa verificação, se possa simplesmente recusar nova contratação, inclusive mercê do comando do CDC, 39, II, lembrando-se que o fornecedor se encontra em estado de oferta pública e permanente, que lhe é vinculativa. E com a ressalva, ainda, da existência de regramento próprio que para a matéria há quando se trata de seguro saúde (Lei n. 9.656/98, v.g., arts. 13, 30 e 31).

A questão, porém, que a regra suscita está na consequência de seu descumprimento, ou seja, quando as partes, a despeito da proibição de renovação tácita por mais de uma vez, fazem-no, por exemplo, mantendo o cumprimento do ajuste mediante as mesmas condições da entabulação anterior. Consoante se prevê no CC 166, VII, parte final do atual Código, considerar-se-á nulo o negócio quando a lei proibir sua prática, sem, todavia, cominar sanção, como se dá na hipótese vertente. É de cogitar, contudo, se essa consequência não seria demasiada para um ajuste que costumeiramente envolve uma parte vulnerável, em quem se pode ter despertado a confiança na cobertura contratada, afinal cumprido, às vezes por muito tempo, o pagamento do prêmio. Na observação de Menezes Cordeiro (Da boa-fé no direito civil, Coimbra, Almedina, 1984, v. II, p. 795-6 e 823), a nulidade, mesmo traindo o conceito da boa-fé objetiva, da confiança gerada por situação prolongada de desenvolvimento de uma relação, mas eivada de vício formal, não pode autorizar a manutenção do contrato viciado, admitida apenas a via indenizatória ou da conversão substancial. No Direito pátrio, entretanto, Fernando Noronha (Direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo, Saraiva, 1994, p. 188) anotou ser, de seu ponto de vista, questionável a conclusão, preferindo assentar que o juiz deve deixar de pronunciar nulidades, mesmo constitutivas, quando o contrato houver sido cumprido, muito embora desde que a regra desrespeitada tenha sido estabelecida em proteção da própria parte que se quer valer da eficácia do ajuste, certo que, no seguro, a regra em pauta visa a preservar, em última análise, o equilíbrio não só daquele ajuste individual, como da mutualidade que a ele subjaz (veja comentário ao CC 757).

De toda forma, porém, haverá a dispor do segurado sempre a via indenizatória, tendo contratado com um profissional, por isso mais afeto às regras da contratação e à proibição de recondução tácita, por mais de uma vez. Deve-se levar em conta, também, se, nas circunstâncias do caso – mais que uma recondução tácita -, não houve nova contratação, atentando-se à regra da informalidade para tanto, apenas que sem ter a seguradora considerado de rigor a alteração do prêmio. Veja-se, nesse sentido, que toda a problemática só se coloca na renovação tácita, porquanto, se de forma expressa, as renovações podem ser tantas quantas queiram as partes. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 799 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Ricardo Fiuza, pela peculiaridade do seguro, o dispositivo limita a ocorrência de renovações sucessivas e automáticas, por recondução tácita dessa espécie de contrato, a saber que a cláusula que expressamente a permita não poderá estabelecer uma continuidade de longa permanência por reiterada sucessividade, assim não podendo operar mais de uma vez, a ideia de renovação automática, sem restrições, colide com o necessário equilíbrio do pacto, quando o restabelecimento contratual não prescinde de nova avaliação dos riscos, necessita adequar-se às mutações havidas no objeto do seguro e observar com segurança os interesses das partes. Essa recondução automática do contrato tem sido comum nas apólices de Acidentes Pessoais e de vida em Grupo e nas operações de resseguro.

Jurisprudência: “I. Inobstante a omissão do segurado sobre padecer de ‘diabetes melittus’ quando da contratação, não se configura má-fé se o mesmo sobreviveu, por longos anos mais, demonstrando que possuía, ainda, razoável estado de saúde quando da realização da avença original, renovada sucessivas vezes. II. Verificado nos altos que o valor do seguro era irrisório, igualmente não pode ser afastada a boa-fé se o segurado, por ocasião da última renovação, o elevou a patamar absolutamente razoável, para que o mesmo tivesse a significação própria dessa espécie de proteção econômica contratual. III. Recurso especial conhecido e provido” (STJ. 4 ~T., REsp 300.215-MG rel. Mm Aldir Passarinho Júnior, DJ de 24-9-2001) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 407 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o seguro é contrato de trato contínuo ou de duração, pois sua natureza exige que a prestação da seguradora se prolongue no tempo: o tempo dentro do qual a garantia do risco será prestada. Embora não seja proibida a estipulação do seguro por prazo indeterminado, os próprios cálculos necessários à seguradora para obter lucro exigem a determinação do prazo.

O prazo interpela por si só e, atingido, extingue o contrato. A renovação pode ser expressa ou tácita. É expressa quando as partes manifestam por escrito a prorrogação do contrato; é tácita, se, embora não haja estipulação expressa das partes, as mesmas continuam a agir como se o contrato permanecesse em vigor, o que, no contrato de seguro, pode ocorrer mediante a continuidade do pagamento das parcelas relativas ao prêmio pelo segurado e a aceitação de tais pagamentos pela seguradora.

O dispositivo em questão, impede, no entanto, que o contrato seja prorrogado mais de uma vez nessa forma tácita. Por ser norma proibitiva, sua infringência implica a nulidade da avença que a infringir. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 769, 770, 771 - continua - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 769, 770, 771 - continua 
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I
Disposições Gerais - (art. 757 a 777)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 769. O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé.

§ 1º. O segurador, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, poderá dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato.

§ 2º. A resolução só será eficaz trinta dias após a notificação, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio.

Na balada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, em seu caput, o artigo reproduz regra já constante do Código anterior (art. 1455), cujo comando é uma típica revelação do padrão de lealdade que se exige nas relações contratuais, de resto tal qual salientado nos comentários ao CC 766. Trata-se da noção de boa-fé objetiva que permeia, obrigatoriamente, as relações contratuais (CC 422) e que, em sua função supletiva, cria deveres de conduta, chamados anexos ou laterais, aos contratantes, dentre eles os de colaboração e informação, como forma de mais escorreito desenvolvimento do processo obrigacional.

No caso, ocupa-se o Código de determinar dever, ao segurado, de comunicar ao segurador, tão logo disso venha a ter conhecimento, qualquer incidente que possa agravar consideravelmente o risco coberto. Veja-se que a exigência é, primeiro, de que a comunicação se dê de pronto, tão logo saiba o segurado da ocorrência agravadora do risco. É certo que, nessa avaliação, impende ater-se ao razoável ou ao que razoavelmente se pode considerar seja o tempo necessário para que o segurado tenha condições de, o mais rapidamente, contatar o segurador, o que, ainda, significa dizer serem necessárias considerações como a forma de comunicação das partes, seu domicílio, o fato de serem presentes ou ausentes e assim por diante. Em segundo lugar, o incidente que há de ser comunicado, e isso desde a vetusta lição de Clóvis Beviláqua (Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 215), deve ser evento independente da conduta do segurado, portanto derivado de caso fortuito ou ato de terceiro em que, para o agravamento resultante de comportamento do próprio segurado, a norma de incidência é a do artigo anterior. Em terceiro lugar, esse incidente de agravamento dever ser sério, de tal maneira a desequilibrar o contrato, daqueles que, se de início conhecidos, levariam o segurador a não contratar ou a contratar com prêmio maior.

Preenchidos esses requisitos, se o segurado omitir a devida informação que a lei lhe impõe, incidirá na perda da garantia contratada, aí sim, tal como previsto no artigo antecedente, destarte liberando-se o segurador do pagamento de sinistro que depois venha eventualmente a suceder. No entanto, ainda ressalva o atual Código que a resolução se opera somente se provada a má-fé com que se portou o segurado ao silenciar sobre o incidente de agravamento. Aqui deve-se entender a referencia legal como à consciente omissão, ou seja, o conhecimento de evento que sabia ou. Frise-se, também que deveria saber de agravamento do dano e, aí sim, a consciente omissão na respectiva comunicação. Ou seja, não se exige, própria e necessariamente, deliberado proposito de prejudicar o segurador, mas discernimento quanto à ocorrência de agravamento e silêncio em sua informação. Inova, porém, o Código de 2002, na disposição dos parágrafos do artigo, quando cuida da consequência, para o contrato, advinda do agravamento do risco sem culpa, sem ser por obra e comportamento do segurado. Isso porque, no Código anterior, dispunha-se que o agravamento de risco, por fato alheio ao segurado, não autorizava o segurador sequer a postular a revisão do prêmio, (CC 1.453), o que se pode admitir vigente para alterações que não sejam consideráveis, como no atual preceito se reclama. Pois agora, mais que isso, se havido o considerável agravamento do risco, por fato estranho ao segurado, sem sua culpa, como está na lei, abre-se a possibilidade de o segurador resolver o contrato, desde que o faça no prazo de quinze dias, contados do recebimento do aviso pelo segurado acerca do incidente de agravamento do risco, exigindo-se, ainda, que a deliberação de resolução seja pelo segurador comunicada, por escrito, ao segurado. Mesmo assim, ainda permanece o segurador, nos trinta dias seguintes à notificação do segurado, responsável pela garantia contratada, porquanto, na previsão da lei, sua resolução só opera efeito depois de transcorrido esse interregno. Isso quer dizer, portanto, que nos trinta dias, ocorrido algum sinistro, o pagamento do valor segurado será de rigor. Por fim, deliberada essa resolução, deve o segurador restituir ao segurado a diferença do prêmio pago em relação ao tempo de contrato que não mais se cumprirá. Assim, se o pagamento foi parcelado, mês a mês, cessa então o seu pagamento.

Veja-se, em conclusão, que a nova disposição contida nos parágrafos do artigo em pauta, serve a trazer, para o contrato de seguro, a hipótese genérica de resolução por excessiva onerosidade (CC 478), ao pressuposto de que também nessa espécie contratual, e mesmo abstraída a discussão sobre sua natureza comutativa ou aleatória, já antes travada (ver comentários ao CC 757 e 764), portanto mesmo admitida a aleatoriedade, há, de todo modo, um equilíbrio que limita a extensão da álea e que deve ser garantido mediante o mecanismo resolutório presente. É mesmo a exigência constitucional de relações jurídicas que sejam justas (art. 3º, I, da CF), base para admissão de que o equilíbrio há de ser preservado, agora, de forma expressa, ainda no contrato de seguro. Nada diverso do que, genericamente, já previa o art. 1.108 do Código Civil argentino, permitindo a revisão, por imprevisibilidade, mesmo de contratos aleatórios, quando a alteração das circunstâncias se dê fora do risco normal do negócio. Ou, na lição de Almeida Costa, podem os contratos aleatórios ser revisados ou resolvidos quando a alteração das circunstâncias exceder apreciavelmente todas as flutuações previsíveis na data do contrato (Direito das obrigações, 5. ed. Coimbra, Almedina, 1991, p. 273). Aliás, por tudo isso, ou seja, por essa inspiração constitucional da providência resolutória, sempre de manutenção do equilíbrio contratual, não se vê causa suficiente a que não se permita – tal qual deferido ao segurado, em igual hipótese, como se verá nos comentários ao artigo seguinte – a possibilidade de o segurador, em vez de postular a resolução, pleitear a revisão do prêmio, na hipótese configurada no preceito aqui comentado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 794 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a doutrina de Ricardo Fiuza, cumpre ao segurado comunicar à seguradora os fatos e circunstâncias suscetíveis de agravarem o risco assumido, permitindo-se a esta resolver o contrato, se não lhe convier assumir o agravamento em prazo quinzenal contado da recepção do aviso da agravação. Há de se considerar, no efeito da incidência da norma, o conceito juridicamente indeterminado no tocante ao denominado “risco consideravelmente agravado”. A inserção, dada a maior relevância do agravamento, difere do conteúdo do art. 1.455 do CC 1916, que se referiu ao risco agravado sem mensurar o grau de intensidade do agravamento potencial. Agora, é exigido que os fatos e circunstâncias exacerbem, notavelmente o risco, não se incluindo, portanto, o agravamento leve ou menos importante. Essa subjetividade pode prejudicar a ciência prevista ao segurador por parte do segurado, que não atuará de má-fé ao silenciar, caso não se lhe evidencie, de plano, o alcance maior do agravamento. Reserva-se a matéria ao estudo no caso concreto, estando, pois, sujeita à avaliação judicial.

A doutrina, de antanho, assim expressava: “É obrigação do segurado comunicar ao segurador, assim que saiba, todo incidente, i.é, qualquer fato imprevisto, estranho à vontade do segurado, que, de qualquer modo, possa agravar o risco existente, sob pena de perder o seguro” (José Lopes de Oliveira. Contratos, Recife, Livrotécnica, 1978, p. 252).

Por outro lado, resultou estabelecido, diante da pretendida resolução, o prazo de trinta dias para o mantimento da eficácia do contrato, de modo a conferir ao segurado o direito à garantia, nesse lapso temporal, onde, inclusive, poderá ocorrer revisitação de cláusula contratual no tocante ao valor do prêmio, se preferir a segurador, que, em vez de resolver o contrato, ajustá-lo-á a essa situação superveniente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 404-405 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo resulta da concretização do princípio da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual. A seguradora obriga-se a indenizar em razão de determinado risco. Se o risco é maior, maior deverá ser o prêmio. A superveniência de fato que agrave consideravelmente o risco, permite às seguradoras a resolução do contrato com a restituição do prêmio proporcional ao prazo de contrato faltante.

Exemplo de situação que representa agravamento considerável é a instalação de uma fábrica de fogos de artifícios no imóvel vizinho ao que é protegido por seguro contra incêndio.

A situação que agrava o risco e permite a resolução do contrato pela seguradora não pode ser o início do fato que configura o sinistro. Assim, p. ex., o diagnóstico de uma doença fatal não configura “incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco”, mas o início do próprio fato de que se procura proteger mediante a contratação de seguro de vida.

É de se ressaltar que a ausência de comunicação de incidente que agrava consideravelmente o risco não é, por si, causa de exoneração da obrigação de indenizar: para que o segurado perca o direito à indenização é necessária a prova de ter agido com má-fé ao não comunicar, elemento subjetivo de difícil prova. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 770. Salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato.

No ritmo de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o preceito vertente, que não constava do Código de 1916, é o exato reverso da previsão do artigo anterior. Se lá se possibilita, por alteração das circunstâncias que determine considerável agravamento do risco coberto, sem culpa do segurado, a resolução do contrato pelo segurador, aqui se estabelece igual prerrogativa ao segurado, desde que, identicamente, se reduzam os riscos do contrato de forma relevante, séria. Ou seja, é o mesmo princípio de manutenção do equilíbrio contratual que anima o preceito do dispositivo antecedente e que, agora, induz a possibilidade de resolução, só que pelo segurado.

Assim, pode o segurado, se houver considerável diminuição do risco coberto, por qualquer causa superveniente, posto que dele próprio dimanada, resolver o contrato de seguro. Veja-se que, da mesma forma que na regra do artigo precedente, impõe-se se tenha havido ocorrência de considerável diminuição do risco, portanto forma da normal incerteza e flutuação das circunstâncias potenciais de sinistro cobertas pelo contrato. Isso porque, se assim não for, nem mesmo a redução do valor do prêmio é dado ao segurado postular, salvo disposição em contrário que se tenha ajustado no contrato. Contudo, havida considerável redução do risco, e como corolário do princípio do equilíbrio ou justiça contratual, pode o segurado não só resolver o contrato, como, se preferir, pleitear a revisão do valor do prêmio. Trata-se de prerrogativa explícita que, como se viu nos comentários ao artigo anterior, embora nele inexistente igual explicitude, também deve ser deferida, na situação inversa, ao segurador. Por fim, e agora a omissão é do artigo em pauta, havida a resolução, por alteração das circunstâncias, por iniciativa do segurado, ocorrida considerável redução do risco, caberá a mesma proporcionalização do prêmio prevista e comentada no artigo anterior. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 795 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na balada de Ricardo Fiuza, sabido constituir a aleatoriedade uma das principais características do contrato de seguro, “porque o ganho ou a perda das partes está na dependência de circunstâncias futuras e incertas, previstas no contrato e que constituem o risco” (Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito das obrigações. 4. ed. São Paulo. Saraiva, 1965, v. p. 351), há de se reconhecer saudável a inovação. Ela se ajusta, perfeitamente, à ideia do equilíbrio econômico contratual, onde as partes assumem direitos e deveres em posições harmônicas, nenhuma delas auferindo maior vantagem que a outra, sob pena de enriquecimento sem causa.

Assim, uma vez relevante a redução do risco assumido pela seguradora, resulta desproporcional o valor do prêmio pago ou em curso de pagamento que considerou, em sua fixação, um risco de maiores proporções, caso em que se justifica seja esse valor revisto. E contraponto ao artigo anterior, em que se toma possível, pelo agravamento, a revisão contratual, quando não interessar à seguradora resolver o contrato. E tem seu escopo no tratamento isonômico das partes do composto obrigacional em face das condições em que se formou a relação jurídica do contrato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 405 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Ensinam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira que o princípio do equilíbrio contratual atua não apenas para permitir a resolução do contrato pela seguradora em razão de agravamento considerável do risco, mas também para permitir a redução do prêmio pago pelo segurado, uma vez que a diminuição do risco no curso do contrato seja considerável. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências.

Parágrafo único. Correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento consequente ao sinistro.

Entendendo Claudio Luiz Bueno de Godoy, já o Código Civil anterior, em seu art. 1.457, impunha ao segurado, como imperativo de boa-fé, de lealdade na relação contratual, o dever de comunicar, tão logo dele tomasse conhecimento, a ocorrência do sinistro ao segurador. Entretanto, tão somente sancionava a omissão, com a perda do direito ao recebimento do valor segurado, se provasse o segurador que, avisado, poderia ter evitado ou atenuado as consequências do evento. Confrontada essa disposição com a do artigo em discussão, do atual Código, parece agora ter-se estabelecido, a par do mesmo dever de imediata comunicação do sinistro, logo que o saiba o segurado, mas uma automática perda do valor do seguro em caso de omissão.

Todavia, entende-se que a falta de aviso, por si só, sem que daí dimane qualquer prejuízo, não pode levar à consequência extrema, de perda do valor segurado. Veja-se que o espirito que anima a disposição vertente não é diverso daquele subjacente à norma do antigo Código. A ideia do legislador foi sancionar a conduta de falta de boa-fé objetiva do segurado, porém porque assim se impediu o segurador de minorar os efeitos do sinistro, ou seja, a rigor, uma hipótese em que o comportamento do segurado interfere no valor do pagamento a ser feito pelo segurador – a bem dizer, idêntico princípio ao que está subjacente à regra atinente ao agravamento do risco (CC 768) ou mesmo à omissão ou incompletude das informações prestadas quando da contratação (CC 766). Tem-se, então, que, omitido o aviso do sinistro, não haverá automática perda do direito ao recebimento do valor segurado, senão quando demonstrado pelo segurador que, por isso, foi-lhe retirada factível oportunidade de evitar ou atenuar os efeitos do evento e, assim, minorar o importe do seguro a ser pago. Essa, de resto, a opinião, também, de José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, forense, 2004, v. XI, t. I, p. 293) e de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, 11. ed., atualizada por Regis Fichtner. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 459). O aviso pode se dar sem exigência de forma especial, desde que comprovadamente efetivado e recebido.

De resto, explicita o atual Código, ainda no caput do preceito em pauta, ser dever do segurado, uma vez ocorrido o sinistro, tomar todas as medidas, que razoavelmente lhe estejam ao alcance, para minorar as consequências do evento. Veja-se outra revelação de dever anexo, aqui de colaboração, imposto pelo princípio da boa-fé objetiva, em sua função supletiva (cf., a respeito, comentários aos CC 766, CC 768 e CC 769). Quer-se, na verdade, impor ao segurado, dentro do que seja razoável exigir, providencias que impeçam a propagação de dano já produzido em razão do sinistro havido. Nessa mesma esteira, impõe-se ao segurado velar pelos salvados, i.é, pelo que reste da coisa segurada ou do que se salvou do sinistro. Isso por se ter aí igual forma de minoração dos efeitos do evento, sem contar que, em regra geral, havida indenização pela completa perda da coisa, ao segurador pertencem os salvados. Todas as despesas, porém, que enfrente o segurado para cuidar desse salvamento, como diz a lei, correm por conta do segurador, que deverá ressarci-las nos limites do contrato, até por comporem o risco segurado (CC 779).

Por fim, não se há de olvidar que, além de avisar o segurador, deve o segurado provar a ocorrência do sinistro, conforme disposto no ajuste, mas entendendo-se deva ser interpretada a regra in rebus, sempre quando de outra forma se demonstre, de forma eficiente e, sobretudo, induvidosa, a ocorrência do sinistro. É preciso compreender que o intuito é o de possibilitar ao segurador verificar, com segurança, o sinistro e suas circunstâncias, para aferição da cobertura, sempre a bem da preservação dos recursos do seguro, dado o mutualismo que lhe é subjacente. E, enquanto, uma vez comunicado o sinistro, avalia o segurador se é o caso de cobertura, o prazo prescricional para a ação de cobrança se suspende, como tem entendido a jurisprudência (ver Súmula n. 229 do STJ). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 796 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No ritmo de Ricardo Fiuza, a par da obrigação cometida ao segurado de fazer ciente o segurador da ocorrência do sinistro, cumpre-lhe agora, também, empreender providências imediatas para atenuar as consequências deste, diligências e iniciativas que, por regras de experiência máxima, são mais factíveis ao emprego do segurado do que da seguradora, comunicada ao depois e que, por razões lógicas, pouco ou nada dispõe de condições para a atenuação, como antes cogitava o parágrafo único do art. 1.457 do CC de 1916. Cuida-se de deveres jurídicos do segurado, que inadimplidos o sujeitam à perda do direito de garantia.

Por outro lado, as despesas de salvamento consequente ao sinistro estão implícitas no contrato, até o valor ali fixado, não se podendo cogitar da sua exclusão, a desobrigar a seguradora, porquanto objetivam minorar as consequências do sinistro em relação ao(s) bem(ns) segurado(s). Veja-se o CC 779. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 406 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o segurado deve comunicar a ocorrência do sinistro tão logo tome conhecimento dela. Esse dever tem como objetivo permitir que a seguradora possa atuar no sentido de reduzir as consequências do sinistro, podendo mesmo, em certas circunstâncias, salvar bem que se tinha por perdido, tudo no sentido de redução dos prejuízos e da consequente indenização.

A violação desse dever acarreta a perda do direito à indenização.

A referida sanção somente é aplicável diante da prova de que a não comunicação imediata tenha sido inescusável e tenha agravado os danos e a responsabilidade da seguradora, pois não é conforme à boa-fé que a demora escusável possa acarretar a perda do direito à indenização.

Assim, por exemplo, o STJ rejeitou o recurso de uma seguradora contra decisão que determinou o pagamento de indenização por roubo de automóvel que só foi comunicado três dias depois. O caso aconteceu em São Paulo, após o anúncio da venda do carro pela internet. Um assaltante, apresentando-se como interessado no veículo, rendeu o proprietário, anunciou o roubo e fez ameaças de que voltaria para matar a família do vendedor caso ele acionasse a polícia. De acordo com o processo o proprietário do veículo, temendo represálias, retirou a família de casa, para só então fazer o boletim de ocorrência do assalto, o que levou três dias. Ao acionar o seguro, entretanto, foi surpreendido com a negativa da indenização. Para a seguradora, houve perda do direito à indenização por descumprimento da norma do CC 771. O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, reconheceu que cabe ao segurado comunicar prontamente à seguradora a ocorrência do sinistro, já que isso possibilita à companhia adotar medidas que possam amenizar os prejuízos da realização do risco, bem como a sua propagação, mas destacou que não é em qualquer hipótese que a falta de notificação imediata acarreta a perda do direito à indenização. “Deve ser imputada ao segurado uma omissão dolosa, que beire a má-fé, ou culpa grave que prejudique de forma desproporcional a atuação da seguradora, que não poderá se beneficiar, concretamente, da redução dos prejuízos indenizáveis com possíveis medidas de salvamento, de preservação e de minimização das consequências”, disse o ministro. (REsp 1546178.STJ, 20.9.16) (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).