segunda-feira, 27 de abril de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 939, 940, 941 - continua - Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 939, 940, 941 - continua
Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art. 927 a 954) Capítulo I – Da Obrigação de Indenizar
– vargasdigitador.blogspot.com

Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro.

Sem novidade, como aponta Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito é exata repetição do art. 1530 do Código anterior e tenciona responsabilizar quem se arvore à cobrança de débito antes de vencimento, a não ser que amparado em uma das hipóteses do CC 333, que autorizam seja cobrada a dívida antes de vencido o prazo para tanto estipulado. O dispositivo pressupõe que a cobrança, para ensejar as consequências nele previstas, tenha sido já levada a uma demanda judicial. Tanto é assim que, de um lado, uma das sanções é a devolução em dobro das custas do processo e, de outro, o CC 941, a seguir examinado. Dispõe sobre isentar-se o credor das penalidades de desistir da ação antes da contestação.

Se se cuida de cobrança extrajudicial, a hipótese deve ser subsumida à regra geral da responsabilidade por danos que sejam comprovados, como o moral ou material, decorrentes de restrição de acesso ao crédito, por exemplo, ou, se for o caso, tendo havido pagamento de dívida de consumo, ao preceito do art. 42, parágrafo único, do CDC.

No sistema do Código Civil, sempre se entendeu, majoritariamente, que a cobrança prematura, para justificar as sanções aplicáveis, deveria provir de conduta maliciosa, sob pena de inibir o ajuizamento de demandas. Melhor, porém, é a orientação da legislação do consumidor, que exime da penalidade o credor apenas quando ele demonstre que a cobrança derivou de cobrança justificável, quer dizer, aquele que, a despeito de todas as cautelas razoáveis exercidas, acabou por se manifestar (cf. Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do prometo, 7 ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2001, p. 349). Aliás, já na vigência do CC/1916, Aguiar Dias sustentava que o autor de cobrança de dívida não vencida, e também de dívida já paga, o objeto do artigo seguinte, deveria responder não só por dolo mas já, e ao menos, por mera culpa, vida de regra por imprudência, inclusive presumida, malgrado de forma relativa, permitindo-se-lhe demonstrar erro escusável (Da responsabilidade civil, 4 ed. Rio de Janeiro, 1960, v. II, p. 518). Também Caio Mário defendia, já antes do Código Civil de 2002, tratar-se de caso de ato ilícito indenizável por culpa presumida do credor, no mínimo, porque ele sabe ou deveria saber qual a data de vencimento da obrigação (Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 175).

Ou seja, a tendência é, segundo se crê, a extensão à responsabilidade de que ora se agita da mesma sistemática do CDC 42, parágrafo único, dando-se a sanção como regra, apenas se permitindo ao agente a demonstração de engano justificável na cobrança indevida e, mais, objetivamente apurada. A proposito, vale até não olvidar que a própria tese sobre o exercício abusivo de direitos se expressou objetiva, no CC/2002, nessa senda remetendo-se ao comentário ao CC 187. Tem-se no caso, afinal, a fata de dever de cuidado de quem cobra, corolário do princípio da boa-fé objetiva, em sua função supletiva, de seu turno, de revelação da eticidade, um dos três princípios cardeais da nova legislação, ao lado da operabilidade e socialidade. Ao assunto se tornará no comentário no artigo subsequente. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 945-946 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua Doutrina, Ricardo Fiuza aponta este dispositivo, bem como os CC 944 e o 941, como formas de liquidação do dano acarretado por cobrança indevida, que é havido como ato ilícito. Segundo tais dispositivos presume-se a culpa do agente na prática desse ilícito, cuja indenização é preestabelecida. Há expressiva jurisprudência pela qual a vítima deve provar a malícia ou dolo do autor da ação, sob pena de não serem aplicadas as sanções nestes dispositivos cominadas. Argumenta que a aplicação pura e simples de tais dispositivos criaria graves entraves ao direito de acionar, pelo receio dos litigantes quanto à aplicação das penalidades deles constantes (STJ, 3’ T., Recurso Especial n. 184822/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.10.1999; 3’ T., Recurso Especial n. 171393/SP/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.10.1999; STJ, Recurso Especial n. 99683/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 25.11.1997). Críticas severas são realizadas a esse pensamento jurisprudencial, baseadas nos princípios que norteiam a responsabilidade civil, na qual seus pressupostos são tanto o dolo quanto a culpa em sentido estrito: negligência, imperícia e imprudência, de modo que sem sentido estabelecer uma exceção a tais princípios, impondo-se à vítima a difícil prova da intenção do autor da ação (dentre os defensores da aplicação do dispositivo sem a necessidade de demonstração do dolo, v. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. I, p. 96-104). Como ato ilícito praticado, a responsabilidade civil pela cobrança indevida recebe nestes dispositivos uma prefixação do valor da indenização. No entanto, acórdão em Ri’, 138/184 chegou a decidir que não há impedimento à cumulação da aplicação dessas penas com a condenação em indenização por perdas e danos, já que elas independem da verificação do prejuízo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 484, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em respeito a Responsabilidade por dívida não vencida, afirmam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira que, fora dos casos expressamente admitidos (CC 333, CC 1,425, CC 1.465 e demais hipóteses específicas), não pode o credor demandar por dívida ainda não vencida. Caso o credor faça tal indevida cobrança, deverá esperar o tempo que faltava para o vencimento, período em que serão descontados os juros correspondentes. Nesta hipótese, deverá o credor pagar em dobro as custas da respectiva ação de cobrança. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

Como leciona Cláudio Luiz Bueno De Godoy, de igual fundamento, punitivo, sancionatório (cf. Azevedo, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social” O Código Civil e sua interdisciplinaridade, Coords. José Geraldo Brito Filomeno; Luiz Guilherme da Costa Wagner Júnior e Renato Afonso Gonçalves, Belo Horizonte, Del Rey, 2004, p. 372), àquele que anima o dispositivo antecedente, este artigo do CC/2002, na mesma esteira do que já previa o Código anterior, em seu art. 1.531, e com idêntica redação, responsabilizou quem demande por dívida já paga ou peça mais que o devido, determinando que, no primeiro caso, pague em dobro ao devedor o que haja cobrado e, no segundo, pague o equivalente à exigência indevida, salvo se prescrito seu direito.

Da mesma forma como se afirmou no comentário ao artigo precedente, é preciso, para que incida a pena, que tenha havido cobrança judicial, ao revés do que prevê o art. 42, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90, aplicável para quando se cuide de dívida de consumo.

Para a responsabilização presente, havia sido sumulado, ainda sob a égide do CC/1916, o entendimento de que a sanção somente pudesse ser exigida quando a cobrança indevida ou excessiva dimanasse de má-fé do credor (Súmula n. 159 do STF), orientação a que não se acede, reiterando-se, como já dito em comentário ao CC 939, que melhor se considera que incida a penalidade por princípio, ressalvando-se ao credor apenas a demonstração de que foram tomadas todas as medidas razoáveis esperadas para evitar a ocorrência, mesmo assim consumada. Veja-se, a proposito, a observação de Caio Mário de que já o anterior art. 1.531 parecia haver abraçado a teoria objetiva (Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 176), na verdade, segundo o mesmo autor, abrandando-se esse rigor na hermenêutica dada à exacerbação da penalidade, mas valendo a advertência de Aguiar Dias de que, no caso concreto, se exagerada a pena, deveria caber ao juiz sua redução por equidade, para a hipótese concreta (Da responsabilidade civil, 4 ed. Rio de Janeiro, forense, 1960, v. II, p. 521).

Na verdade, de novo como se disse no comentário ao artigo precedente, deve-se considerar que, a exemplo do CDC 42, parágrafo único, a sanção somente seja infirmada pela demonstração de que a cobrança excessiva decorreu de erro justificável, objetivamente aferido, como se perquire, de resto, a questão do exercício abusivo de direitos (CC 187). Afinal, tanto quando no Código de Defesa do Consumidor, posto que lá se o aprecie considerando a desigualdade entre as partes, e à luz do intuito protetivo da parte vulnerável, há nas relações entre iguais também um dever de cuidado, corolário mesmo do solidarismo que deve presidir a relação entre as pessoas. Saliente-se que a incidência da sanção independe de qualquer verificação de efetivo prejuízo ao devedor, sendo costume asseverar haver no caso uma indenização fixada a priori, com presunção de um dever de segurança para com o demandado, quando, a bem dizer, se crê dispor o Código Civil, aqui, tanto quanto no dispositivo precedente, sobre uma verdadeira pena civil, como já acentuava Clóvis Bevilaqua, a propósito do Código Civil de 1916 (Código Civil comentado, 4 ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 312), e como Aguiar Dias lembra provir mesmo das Ordenações, fonte da norma (op. cit., n. 847, p. 515).

Aliás, tanto é assim que, ao ver de Pontes de Miranda, não se veda ao prejudicado pela cobrança indevida postular indenização suplementar ao que, na sua expressão, é uma pena privada, com presunção de culpa (Tratado de direito privado, 3 ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1972, t. LIV, § 5.534, p. 47). É certo que essa conceituação pode sofrer abalo se se considerar, como está no artigo seguinte, que a indenização se postulará se a penalidade não se aplicar em virtude da desistência da ação de cobrança indevida, daí se podendo inferir a intenção de o legislador tratar de uma indenização a forfait no dispositivo presente e no antecedente. De qualquer forma, no comentário ao artigo seguinte se tornará ao assunto.

A cobrança da sanção, entendia-se, não se podia dar nos próprios autos da demanda indevida, senão por meio de reconvenção, facultando-se sua exigência, ainda, por ação própria. Mais recentemente, conforme item a seguir, relativo à jurisprudência, vem-se admitindo a tanto idôneo qualquer meio processual, mesmo a defesa. Nem se reputa que sua higidez se infirme pela eventual aplicação das penalidades da litigância de má-fé, prevista nos CPC/2015, 80 e 81, dada a órbita diversa de subsunção de ambas as normas (cf. Diniz, Maria Helena. “Análise Hermenêutica do art. 1.531 do CC/1916 e dos arts. 16 a 18 do CPC/1973”. In: Jurisprudência brasileira 147/13). (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 947- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Publicado por Vitor Guglinski no site Jusbrasil em 2.015, acessado em 22.04.2020 por VD, “Conforme posicionamento consolidado na 4ª Turma do STJ, para que se reclame a restituição em dobro da quantia paga, disciplinado pelo CC 940, exige-se que o devedor indevidamente cobrado já tenha quitado a dívida, e que, além disso, haja má-fé do credor. Ademais, o acórdão cujos comentários seguem adiante reafirma a desnecessidade de reconvenção ou propositura de ação própria para que a parte lesada seja favorecida pelo instituto”.

Conforme se depreende da leitura da regra, duas são as situações possíveis: (i) o credor pretende receber dívida já paga, hipótese em que responderá pagando ao devedor o dobro do que lhe houver cobrado e (ii) o credor pretende receber mais do que lhe é devido, caso em que responderá pagando ao devedor o excesso cobrado.

O primeiro ponto a ser estudado, conforme destacado, é a judicialidade da cobrança. O dispositivo utiliza o vocábulo demandar, significando que o credor deve, necessariamente, movimentar a máquina judiciária, articulando tal pretensão, i.é, deve provocar o Estado-Juiz, de modo a ter satisfeito seu suposto crédito.

Deve-se tomar cuidado para não confundir a sanção imposta pelo Código Civil com aquela prevista no CDC 42, parágrafo único, tema sobre o qual Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin possui didática lição, a qual transcreve-se: “A sanção do art. 42, parágrafo único, dirige-se tão somente àquelas cobranças que não têm o múnus do juiz a presidi-las. Daí que, em sendo proposta ação visando a cobrança do devido, mesmo que se trate de dívida de consumo, não mais é aplicável o citado dispositivo, mas, sim, não custa repetir, o Código Civil.

No sistema do Código Civil, a sanção só tem lugar quando a cobrança é judicial, ou seja, pune-se aquele que movimenta a máquina judiciária injustificadamente” (In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 395).

O segundo ponto diz respeito à existência de dívida já paga, o que faz presumir a conduta maliciosa do credor, ou seja, sua má-fé. Sobre isso, é pertinente observar que desenvolvemos nossas relações jurídicas. Sendo assim, em regra, a boa-fé nas relações jurídicas. Sendo assim, em regra, a boa-fé é que se presume, salvo naqueles casos em que a própria lei diz, expressamente, que presume-se de má-fé quem age de determinada maneira. Nos dizeres de Adroaldo Leão, “não pode a parte ou seu procurador invocar a tutela jurisdicional para prejudicar outrem ou desvirtuar a finalidade do seu direito. O abuso existe, mesmo não tendo havido dano à parte contrária” (Leão, Adroaldo. O Litigante de Má-fé. 2ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1986, p. 11).

A presunção de má-fé que gravita em torno da regra do CC 940 é uma exceção. E ainda, uma presunção que está ínsita no dispositivo, não constando expressamente do texto legal. O credor, mesmo sabendo que o débito fora devidamente quitado pelo devedor, ainda assim movimenta o Judiciário em busca de pretensão ilegítima. A esse respeito, cabe destacar o teor da súmula n. 159 do STF, prevendo que “a cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil” (atual CC 940).

No tocante à necessidade de reconvenção, a própria 4ª T. do STJ já assinalou no sentido de sua desnecessidade, por ocasião do julgamento do REsp n. 229.259/SP, em que pese a maioria da doutrina possuir entendimento contrário, consoante informa Flávio Tartuce (Direito Civil v. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, 7 ed. São Paulo, Método, 2012. P. 535). (Vitor Guglinski no site Jusbrasil em 2.015, acessado em 22.04.2020 por VD).

Em relação cobrança indevida do credor, apontam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, buscando coibir o abuso no exercício do direito de cobrança, o legislador explicitou que aquele que cobrar por dívida já paga, no todo ou parte ou ainda cobrar mais do que lhe for devido deverá ser apenado na exata medida da cobrança indevida. Assim, se já tiver recebido alguma quantia indevida deverá pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado (a restituição do indevido, além da pena correspondente à cobrança indevida). Por outro lado, se valor algum houver sido pago, caberá apenas pagar a pena relativa a uma vez o montante indevidamente exigido, sem que restituição alguma seja necessária.

Considerando que nada há de abusivo na cobrança de dívidas prescritas – tanto que sequer é possível qualquer restituição decorrente do pagamento de dívidas prescritas – o legislador expressamente ressalvou essa situação, afastando a incidência da multa. Não é, porém, toda e qualquer cobrança que dará ensejo à aplicação da pena prevista neste artigo. Além da cobrança superior ao devido (elemento objetivo) é necessário ainda que o credor tenha agido com dolo (elemento subjetivo). O Código Civil de 1916 tinha disposição semelhante (art. 1.531), cuja interpretação levou o Col. Supremo Tribunal Federal a edita uma súmula nesse sentido “Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil” (STF, súmula 159). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 941. As penas previstas nos CC 939 e 940 não aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido.

Segundo parecer de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito repete, na primeira parte, o art. 1.532 do Código anterior, eximindo o autor da cobrança antecipada e da cobrança indevida das penalidades respectivas se este desistir da ação antes da contestação, de maneira geral sustentando-se que, com isso, demonstra sua boa-fé, seu arrependimento ou que laborava em erro de que se apercebeu. Reitera-se, todavia, o entendimento, já externado nos comentários aos artigos precedentes, de que, a despeito da relevante posição em contrário, até mesmo sumulada, as sanções lá previstas não têm sua aplicação subordinada à demonstração da malícia, considerando-se, a afastar a incidência do que é verdadeira pena privada, que, havida a desistência, não se levou a pretensão indevida a processo cuja relação se tenha completado, com citação e presença do réu no feito.

De toda sorte, a inovação está na segunda parte do dispositivo em comento, que ressalva a possibilidade de o demandado, mesmo havida a desistência da ação, postular indenização por danos que demonstrar haver sofrido. Mas, resta indagar se, mesmo inocorrida a desistência da ação de cobrança indevida, não poderia o demandado, ainda assim, pleitear perdas e danos. Isso porquanto, a uma interpretação literal do dispositivo, acorre a ideia de que a indenização somente seja devida se não couber a incidência da sanção dos CC 939 e 940, pela desistência da demanda.

Porém, se se defende, como examinado no comentário aos CC 939 e 940, que as quantias neles previstas encerrem verdadeira pena privada, então por consequência a indenização, com diversa finalidade, poderia ser sempre cumulada, tal qual, de resto, ocorre com a litigância de má-fé, no sistema processual civil (CPC 81, caput e § 3º de 2015), revertendo multa e indenização em favor do demandante inocente. Pois a situação é a mesma com as sanções em comento, ao que se crê, salvo quanto à maior extensão da pena civil em relação à processual. Mas aí caberia a redução equitativa de que se deve cogitar de resto bem ao sabor da eticidade que, no Código Civil de 2002, se revela muito claramente com a constante remissão à equidade, em especial na responsabilidade civil, e conforme já defendia Aguiar Dias, como salientado no comentário ao artigo anterior, a que se remete o leitor, e em que também se colaciona a posição de Pontes de Miranda, igualmente no sentido da possibilidade da cumulação da pena e da indenização.

Mas, se se quer que tenham as importâncias do CC 939 e, sobretudo, do CC 940, natureza satisfativa ou compensatória, consubstanciando verdadeira indenização a forfait, ao menos será de admitir que o prejudicado, provando prejuízo maior a este presumido, postule a diferença. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 947-48- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em histórico, acoplado à doutrina de Ricardo Fiuza, o dispositivo em tela não foi atingido por qualquer espécie de modificação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.532 do Código anterior, com pequena melhoria de redação.

Na Doutrina, aponta-se para nota ao CC 939, como se repete: Em sua Doutrina, Ricardo Fiuza aponta este dispositivo, bem como os CC 944 e o 941, como formas de liquidação do dano acarretado por cobrança indevida, que é havido como ato ilícito. Segundo tais dispositivos presume-se a culpa do agente na prática desse ilícito, cuja indenização é preestabelecida. Há expressiva jurisprudência pela qual a vítima deve provar a malícia ou dolo do autor da ação, sob pena de não serem aplicadas as sanções nestes dispositivos cominadas. Argumenta que a aplicação pura e simples de tais dispositivos criaria graves entraves ao direito de acionar, pelo receio dos litigantes quanto à aplicação das penalidades deles constantes (STJ, 3’ T., Recurso Especial n. 184822/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.10.1999; 3’ T., Recurso Especial n. 171393/SP/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.10.1999; STJ, Recurso Especial n. 99683/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 25.11.1997). Críticas severas são realizadas a esse pensamento jurisprudencial, baseadas nos princípios que norteiam a responsabilidade civil, na qual seus pressupostos são tanto o dolo quanto a culpa em sentido estrito: negligência, imperícia e imprudência, de modo que sem sentido estabelecer uma exceção a tais princípios, impondo-se à vítima a difícil prova da intenção do autor da ação (dentre os defensores da aplicação do dispositivo sem a necessidade de demonstração do dolo, v. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. I, p. 96-104). Como ato ilícito praticado, a responsabilidade civil pela cobrança indevida recebe nestes dispositivos uma prefixação do valor da indenização. No entanto, acórdão em Ri’, 138/184 chegou a decidir que não há impedimento à cumulação da aplicação dessas penas com a condenação em indenização por perdas e danos, já que elas independem da verificação do prejuízo.” (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 484, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como explanam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, do afastamento das penas previstas nos CC 939 e 940 em caso de desistência da ação antes da contestação. Fundado na premissa de que o credor que desiste da ação antes da contestação reconheceu o próprio erro com a cobrança indevida, evidenciando não ter agido com dolo ou má-fé, o legislador expressamente afastou a incidência das penas previstas nos CC 939 e 940 nesta hipótese. Trata-se, como é evidente, de uma presunção legal da ausência de dolo ou má-fé, o que impede a aplicação das penas civis.

Da cumulação das penas previstas nos artigos supra citados, CC 939 e 940, com perdas e danos, diante da natureza punitiva (e não reparatória), a aplicação das penas civis previstas nestes casos, não dependem de prova do prejuízo. O contrário ocorre com a reparação dos prejuízos sofridos pelo devedor injustamente demandado, em que a prova do dano é essencial para que surja o dever de reparar. Diante ainda da diferente natureza das penas previstas nos artigos em epígrafe, e da reparação civil, é plenamente possível ainda a cumulação dessas verbas. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 936, 937, 938 - continua Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 936, 937, 938 - continua
Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art. 927 a 954) Capítulo I – Da Obrigação de Indenizar
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Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.

Segundo parecer de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, no dispositivo em comento o Código Civil de 2002 contempla a hipótese que hoje é expressamente de responsabilidade sem culpa, pelo fato da coisa, no caso o animal que provoca dano ao dono ou detentor imputável. Bem de ver, todavia, que o Código Civil persistiu na consagração de hipóteses específicas de responsabilidade pelo fato da coisa, furtando-se ao estabelecimento de uma regra geral a propósito, como há, por exemplo, no Código francês (art. 1.384, I, parte final), o que seria de grande valia para o enfrentamento de casos frequentes, como o são os de acidente de automóveis.

De toda sorte, explicita o preceito que o dono ou detentor do animal responde pelos danos por ele provocados, salvo se provar ocorrência de culpa da vítima ou de força maior, demonstração de que o Código Civil, malgrado não o tenha feito de forma sistemática, reconheceu a existência de excludentes mesmo à responsabilidade sem culpa. Quanto à culpa da vítima, deve ela ser exclusiva para afastar a responsabilidade do dono ou detentor (sobre a culpa concorrente, ver comentário ao CC 945). No que toca à força maior, fato necessário e inevitável (CC 393, parágrafo único), móvel da quebra do nexo causal, por identidade de motivos e consequências, deve-se considerar aí abarcado o caso fortuito, sempre, porém, quando estranho à atividade ou vontade do dono ou detentor, ou estranho, enfim, ao risco que há na guarde de animais (fortuito externo), como pode ser o roubo, mas não o rompimento de cerca, por exemplo.

Tais excludentes, de alguma forma, já estavam contidas nos incisos II a IV do art. 1.527 do CC/1916. O problema estava, a rigor, em seu inciso I, que possibilitava ao dono ou detentor se eximir quando provasse que guardava e vigiava o animal com cuidado preciso. Tratava-se de caso, verdadeiramente, de responsabilidade dos pais, cabia a prova da vigilância precisa. É o que não se repete e faz a diferença na nova redação do preceito. Admitida a teoria do risco, não mais há lugar para o dono ou detentor provar que cuidava do animal. De mais a mais, como já se entendia à luz de uma interpretação evoluída do art. 1.527, se o dano ocorreu, e não por fortuito ou culpa da vítima, foi mesmo porque o dono ou detentor não vigiava o animal com cuidado preciso.

A responsabilidade, no caso, é de quem detém o poder de direção sobre o animal, em regra do proprietário, mesmo que alguém por ele o faça, como seu empregado ou preposto, o que, então, não modifica sua responsabilidade. Maior dificuldade haverá quando a guarda for entregue a terceiro que tenha exclusivo poder de direção, sem ordens diretas do proprietário, como o locatário, comodatário ou depositário, por isso a quem, exclusivamente, para Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, forense, 1999, p. 110), deve-se imputar a responsabilidade pela reparação. A orientação, porém, parece confrontar com a tese firmada na Súmula n. 492 do STF, por alguns discutida (ver crítica de Venosa, Sílvio de Salvo. Direito civil, 3 ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. IV, p. 69-70), mas que responsabiliza solidariamente a locadora de veículos com o locatário, por danos provocados em acidentes. Responsabilidade solidária pode haver, aí sim, sem nenhuma dúvida, da concessionaria que explora estradas ou rodovias e por isso deve cuidar delas, garantindo que não as invadam animais cuja presença ponha em risco os transeuntes. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 941-42 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entender de Ricardo Fiuza, trata-se de típica responsabilidade indireta, com presunção da culpa do dono ou detentor do animal, presunção juris tantum por admitir prova em contrário, referente à culpa da vítima e à força maior. A força maior é excludente da responsabilidade, prevista no CC 393 deste Código, como o “fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”, sem que seja realizada distinção do caso fortuito neste dispositivo; a principal característica dessa excludente da responsabilidade é a inevitabilidade do evento. Muito debatida foi essa espécie de responsabilidade civil, que em princípio deve caber àquele que causa o dano; mas, no caso, é exatamente a pessoa que concorre para o dano, porque não cuidou, como devia, do animal que lhe pertence. Essa é a chamada culpa in custodiendo, modalidade da culpa ira vigilando, que se presume, já que a pessoa descuida do animal que tem sob sua guarda, ou seja, não o vigia com o devido cuidado. Importa verificar a guarda ou poder de direção ou comando, de modo que são responsáveis pelo animal tanto seu dono como seu detentor. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 483, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, falam da responsabilidade objetiva pelo fato da coisa. Haverá responsabilidade do dono ou detentor do animal pelos danos que ele causar. Aqui, apesar de o legislador não ter afirmado que o dono ou detentor do animal responde independentemente de culpa, não há dúvidas da natureza objetiva de sua responsabilidade. Isso porque, o legislador explicitamente afirmou que apenas não haverá responsabilização se o dono ou detentor do animal provar culpa da vítima ou força maior. Ou seja, apenas não haverá responsabilidade se o dono do animal provar a quebra do nexo de causalidade entre o dano causado e o fato do animal. Ao não admitir que a responsabilidade seja afastada por força de qualquer excludente de culpabilidade, o legislador indiretamente deixou explícito que a prova da culpa é irrelevante para a responsabilização do dono ou detentor do animal. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.

No entender de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o dispositivo repete integralmente a redação do art. 1.528 do CC/1916, instituindo mais um caso de responsabilidade pelo fato da coisa, agora inanimada, mas deixando de explicitá-la como objetiva, tal qual fez no artigo antecedente. Trata o preceito em comento, na verdade, da responsabilidade por dano infecto, que, porém, já naquela anterior Código Civil, se entendia independente de culpa ou, ao menos, indutiva de uma presunção de culpa, posto que relativa.

A hipótese, já na anterior legislação, aludia ao dano provocado pela ruína de prédio, frise-se, decorrente da falta de reparos cuja necessidade fosse manifesta, assenta-se, contudo, como o fez a jurisprudência, o argumento sempre levantado de que, se ruína houve, e não proveniente de fortuito ou culpa da vítima, decerto então o foi porque havia reparos cuja necessidade era manifesta. Mais ou menos, a rigor, o que se dava com o cuidado preciso na guarda de animal, todavia o que o atual Código ajustou, sem fazê-lo, lamentavelmente, com o dano infecto e a exigência de reparos de necessidade manifesta. De toda sorte, impende prestigiar solução que já se preconizava na direção da responsabilidade sem culpa, oriunda do dever de segurança afeto ao dono do prédio e à construção, tanto mais pelo risco especial de que esta se reveste.

Acrescente-se que a responsabilidade é solidária do dono do edifício e do construtor, além de atinente à ruína total ou parcial, como se deve compreender o desprendimento de partes do prédio, como a queda de marquise, telhas e semelhantes. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 944 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Vê-se na doutrina de Ricardo Fiuza, o dono do edifício ou da obra em construção é responsável pelos danos resultantes de sua ruína, desde que proveniente de manifesta falta de reparos, mas disporá de ação de regresso contra o empreiteiro para dele haver a indenização paga aos atingidos pelos efeitos danosos daquela ruína, conforme o CC 618: “Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo”, devendo ser citado o parágrafo único deste dispositivo, pelo qual: “Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito”. Há corwute de pensamento segundo a qual a responsabilidade até o momento da entrega do edifício é do construtor, salvo prova da culpa por parte do proprietário, e existe outra pela qual a responsabilidade do proprietário existe em qualquer caso em razão de sua culpa ira elegendo (v. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 1, p. 363/7). Entendemos que, em razão deste artigo, a responsabilidade do dono ou proprietário do edifício, esteja ou não em construção, sempre existe, podendo alcançar também o construtor ou empreiteiro, na conformidade do CC 618. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 483, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Da responsabilidade pela ruína de edifício, conforme Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dono do edifício é responsável pela sua solidez e segurança, respondendo pelos danos causados que resultarem de sua ruína, total ou parcial, desde que a ruína tenha sido causa por falta de reparos cuja necessidade fosse manifesta. Note-se, que o legislador apenas afirmou que haverá responsabilidade caso a ruína tenha decorrido de ausência de reparos cuja necessidade fosse manifesta. Os reparos cuja necessidade não possa ser percebida por um leigo não darão ensejo a responsabilidade, uma vez que não é razoável exigir do proprietário conhecimentos técnicos específicos que permitam constatar a necessidade de reparos que não sejam evidentes e manifestos. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

Na conta de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito cuida dos effusis et dejectis, ação originária do direito romano e cabível para a reparação de danos provocados pelo que caísse ou fosse arremessado do interior de uma habitação. Tem-se aí, já mesmo de acordo com o que se vinha entendendo acerca de igual previsão do CC/1916, responsabilidade sem culpa, pelo mesmo fundamento do preceito anterior, qual seja o dever de segurança que deve permear a guarda do que guarnece uma habitação. Impende somente observar que, agora, o nexo de imputação da responsabilidade não está na propriedade da coisa, mas especificamente na sua guarda, pelo que se responsabiliza quem habita o prédio.

Da redação do anterior art. 1.529 apenas se substituiu a expressão casa por prédio, mais consentânea com a diversidade de construções hoje habitadas e donde podem provir coisas caídas ou arremessadas. Mas a dúvida persiste, o que o atual CC não se deu a solucionar, com relação aos condomínios edilícios, em que algo pode cair ou ser arremessado sem que se identifique de qual unidade autônoma. Se já se defendeu que cada unidade autônoma deve ser considerada casa, ou hoje prédio, na dicção da lei, porque é objeto de propriedade exclusiva, assim respondendo seu respectivo morador, vale lembrar que a própria actio de effusis et dejectis, na sua origem, previa a responsabilidade solidária quando fossem vários os moradores da casa, com regresso contra o causador direto. Daí se defender que, no caso dos condomínios em edifícios, haja a responsabilização, quando não identificada a unidade de onde caíram ou foram arremessadas coisas, de todos os possíveis envolvidos, portanto todos os moradores, abraçada a tese da causalidade alternativa, e posto que assegurado posterior e eventual regresso.

É certo todavia que a jurisprudência, atenta à necessidade de reparação integral da vítima e preocupada com a dificuldade na identificação de todos os moradores, vem mesmo responsabilizando, nos casos mencionados, o próprio condomínio, a que se entrevê afeto, e portanto estendendo o fundamento do nexo de imputação, o dever de cuidado para que eventos como o ora em comento não aconteçam. Entende-se, porém, que devam ainda ser ressalvadas aquelas hipóteses em que a coisa caída ou arremessada não poderia, fisicamente, tê-lo sido de alguma ou algumas unidades. Pense-se em um prédio com unidades de frente e fundos, sendo que algum transeunte vem a ser atingido enquanto caminha pela calçada da fachada do edifício, de forma que seria impossível que viesse das unidades dos fundos coisa caída ou arremessada a ponto de provocar o dano. Em hipótese como essa, e sempre desde que não identificada a unidade de onde tenha caído a coisa, quando responde o respectivo morador, considera-se que deva se limitar a responsabilização respectiva aos moradores ou, como vêm decidindo os tribunais, aos condôminos das unidades, na hipótese figurada, de frente.

Por fim, cabe ainda anotar que, assentada a responsabilidade da guarda da coisa, ela se estende a qualquer habitante do prédio ou casa, portanto independentemente de qual seja o título da ocupação, eis que a qualquer deles, pelo fato em si de residir no local, cabe o dever de velar pelo que guarneça o local. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 945 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entender de Ricardo Fiuza, a responsabilidade por fato das coisas é também indireta e funda-se no princípio da guarda, de poder efetivo sobre a coisa no momento do evento danoso. Desse modo, a determinação do guardião é fundamental nesta espécie de responsabilidade civil (v. Caio Mário da Silva Pereira. Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 101-7). Presume-se ser o proprietário do prédio o guardião da coisa, mas a vítima nem sempre pode voltar-se contra o proprietário. Assim, se a guarda foi transferida pela locação, pelo comodato ou pelo depósito, transfere-se a responsabilidade para o locatário, o comodatário ou depositário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 484, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No raciocínio de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, diz-se da responsabilidade objetiva pela queda de coisas: Aquele que habitar prédio ou parte dele é responsável pelos danos provenientes de coisas caírem ou forem lançadas. Tal responsabilidade é objetiva e fundada na simples regra de que ninguém pode deliberadamente colocar em risco a segurança da coletividade.

Quanto à Responsabilidade do condomínio, não sendo possível identificar precisamente de onde partiu a coisa que caiu e causou um dano, a responsabilidade deve recair sobre o condomínio. Nesse sentido: “Na impossibilidade de identificar o causador, o condomínio responde pelos danos resultantes de objetos lançados sobre prédio vizinho". (STJ, 3ª T., REsp n. 246.830-SP, j. 22.2.05, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU 14.3.05). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 933, 934, 935 - continua Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 933, 934, 935 - continua
Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art. 927 a 954) Capítulo I – Da Obrigação de Indenizar
– vargasdigitador.blogspot.com

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

No entender de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito em tela atende a um nítido processo evolutivo que já marcava a jurisprudência, de forma especial, revelando inclusive que muito das inovações do Código em comento, na matéria, absorve a tendência dos tribunais no enfrentamento dos casos de dever ressarcitório. É o que se dá com a responsabilidade indireta ou por fato de terceiro, que se pretendia, no projeto do CC/1916, fosse subjetiva, todavia com presunção de culpa, a exemplo do CC francês (art. 1.384) e afinal como se ostentou também no BGB (art. 831), mas que, na tramitação, mercê de emenda no Senado (Emenda n. 1.483), acabou vindo a lume de maneira pura, sem nenhuma presunção e consequente inversão do ônus probatório, exigindo o antigo art. 1.523 que a vítima, numa empreitada de difícil êxito, o que a legava irressarcida no mais das vezes, demonstrasse a culpa, via de regra in vigilando ou in elegendo, de quem pudesse vir a responder por ato de terceiro.

Coube à jurisprudência, justamente, ir aos poucos mitigando a norma do antigo art. 1.523, até entrever em seu texto uma presunção de culpa do responsável indireto, posto que relativa, assim de toda sorte ainda permitindo-lhe provar que agira de modo diligente, escolhendo ou vigiando o terceiro e, destarte, logrando não raro furtar-se ao pleito ressarcitório que lhe fosse dirigido, porquanto examinado, ainda, à luz da teoria da culpa. Apenas com a edição da Súmula n. 341 do Supremo Tribunal Federal, passou-se a compreender existente, ao menos no caso do empregador em relação ao ato do empregado, de que ela tratava, uma presunção absoluta de culpa, portanto retirando a questão do âmbito da responsabilidade subjetiva.

Pois agora, com a edição do novo CC, e conforme o artigo ora em comento, finalmente estabeleceu-se uma responsabilidade sem culpa por ato de terceiro, o que afasta a possibilidade de qualquer dos responsáveis, uma vez demandado, procurar se eximir de seu dever ressarcitório alegando que escolheu bem, ou que vigiou bem. Cuida-se sempre, conforme a tendência já referida no comentário ao CC 927, de a lei elencar um responsável pela reparação, no caso alguém que, de alguma forma, possui autoridade ou direção sobre a conduta alheia, diretamente causadora do dano. Por isso, vislumbram alguns, no caso, verdadeiro dever de garantia afeto ao responsável por terceiro com quem mantém relação especial, muito embora prefiram outros ver na hipótese um risco pela atividade ou pela conduta de terceiro. De toda sorte, sempre uma responsabilidade independente de culpa. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 939-40 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, com este dispositivo foi adotada a responsabilidade objetiva, independente de culpa, em todas as hipóteses retratadas no CC 932, em razão de emenda de redação, por nós proposta e acolhida na Câmara dos Deputados, na fase final de tramitação do projeto. Não fazia sentido estabelecer que as pessoas referidas nos incisos I a III do artigo anterior deveriam responder, mesmo que sem culpa, e deixar de referir as demais pessoas, constantes dos incisos IV e V, ainda mais que as mencionadas no inciso v já recebiam tal tratamento no Código Civil de 1916.

Sob a égide do Código Civil de 1916, por força de interpretação jurisprudencial, em todas essas hipóteses de responsabilidade indireta a culpa atribuída ao imputado era presumida, inobstante o disposto no art. 1.523, que impunha o ônus da prova ao lesado, não só quanto ao ato praticado pelo terceiro quanto à culpa ira vigilando ou in eligendo do imputado. Esse dispositivo excetuava somente à hipótese de participação gratuita em produto de crime da necessidade de prova, pelo lesado, da respectiva culpa.

A presunção da culpa por vezes era juris tantum, a admitir a prova em contrário, e por outras era absoluta, sem permitir contraprova. Assim, quanto ao pai, no que se refere aos atos praticados pelos filhos, há culpa in vigilando. O mesmo quanto a tutores e curadores, com vistas aos tutelados e curatelados. E também quanto aos donos de hotéis e estabelecimentos de ensino. Quanto ao empregador, a culpa é ira digerido. No entanto, já que se tratava de presunção da culpa, a depender da hipóteses, uma vez provado que não havia descuido quanto à vigilância ou eleição, deixava de ser atribuída responsabilidade às pessoas antes indicadas. No caso ocorria tipicamente uma inversão do ônus da prova: em vez de o lesado ter de provar a culpa, esta se presumir, cabendo ao réu da ação demonstrar que não havia agido culposamente. A possibilidade de comprovação de ausência de culpa pelo imputado, segundo nossa jurisprudência, existia nas hipóteses dos incisos I e II do CC 932. Nos demais casos, a teoria aplicada aproximava-se muito mais do risco. Já quando se tratava de responsabilidade do empregador por atos de seus empregados, a interpretação jurisprudencial orientava-se no sentido de não aceitar a prova da ausência de culpa in elegendo do patrão (v. Súmula 341 do STF e Caio Mário da Silva Pereira. Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 122)

Com o atual Código Civil, os pais, com relação aos atos praticados pelos filhos, o tutor e o curador, referentemente aos tutelados e curatelado, o empregador, no que respeita aos atos praticados pelo empregado, os hotéis e similares, com referência aos hóspedes, e os estabelecimentos de ensino, quanto aos atos praticados pelos educandos, bem como aqueles que, mesmo gratuitamente, tenham participado de produtos de crime, passaram a responder objetivamente pelos danos causados, ou seja, independentemente de culpa ira vigilando ou ira elegendo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 481, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira falam da natureza da responsabilidade, referindo a expressão “ainda que não haja culpa de sua parte” utilizada no CC 933, consagrando a responsabilidade das pessoas mencionadas nos incisos de I a V. Com isso, o legislador corrigiu uma imprecisão conceitual do Código Civil de 1916 que justificava a responsabilização dessas pessoas mencionadas nos incisos de I a V do CC 932 na existência de uma presumida culpa in vigilando ou in elegendo. O equívoco dessa justificação levava à conclusão de que essas pessoas poderiam evitar a responsabilização provando que não agiram com culpa. Assim, o empregador cuidadoso na contratação, treinamento, instrução de seus funcionários e que fornecia subsídios e equipamentos necessários a evitar danos e acidentes não poderia ser responsabilizado pelos atos de seus propostos. O dono de hospedaria que provasse ter tomado todas as cautelas para que seus hóspedes não causassem qualquer dano igualmente não seriam responsabilizados pelos danos por eles causados.

Igualmente, o pai ou o curador zeloso e atencioso não seria responsabilizado se provasse não ter agido com culpa. Daí a inclusão do CC 933 em 2002, inexistente no diploma anterior, que retirou o pressuposto da “culpa de sua parte” para que as pessoas mencionadas nos incisos de I a V do CC 932 possam ser responsabilizadas.

Isso significa, porém, que a prova da culpa do filho, empregado, hóspede ou tutelado tenha sido dispensada. Em momento algum o legislador suprimiu a necessária caracterização da culpa do agente causados do evento danoso parta que possa surgir o dever de indenizar.

É exatamente isso que ensina José de Aguiar Dias: “O critério é puramente objetivo, e a jurisprudência à época do Código de 1916, quando conseguia libertar-se dos preconceitos que a sujeitavam a critérios anacrônicos, dizia sem rodeios: a responsabilidade do principal pelos atos de deus dependentes é de natureza objetiva, é pura obrigação legal, que se funda não em culpa in elegendo ou in vigilando, e sim no fato (culposo ou doloso) do empregado que, na órbita do seu encarregado e no exercício das respectivas funções, é considerado fato da função, atividade delegada, cuja plena garantia a lei impõe ao principal, por motivo de segurança pública e de proteção eficaz da vítima. Tanto é assim que de nada valeria a uma empresa provar, por exemplo, que gozava de bom conceito, que tem organização modelar e que fazia observar no serviço ordem e disciplina irrepreensíveis” (José de Aguiar Dias, Da responsabilidade Civil, XI ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2006, pp. 763-4).

No mesmíssimo sentido é o entendimento do Col. Superior Tribunal de Justiça: “No sistema civilista a responsabilidade da empresa por atos de seus empregados é indireta” (STJ, 3ª T., REsp n. 1.569.767-RS, j. 01.03.2016, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 9.3.16, deram parcial provimento, v. u.) (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.

Explicando Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o dispositivo presente não altera o princípio que já continha o art. 1.524 do CC/1916, quando estabeleceu o direito regressivo do responsável indireto (ação in rem verso), a ser exercido contra o terceiro causador imediato do dano, pelo quanto por isso pagou. Já se ressalva, mais, que tal prerrogativa só não se poderia exercer diante do terceiro que fosse descendente do responsável, ou seja, daquele que houvesse arcado com a reparação do dano provocado. Isso por motivo moral, de preservação da família. Esclarece o atual Código Civil, porém, que esse regresso só não se exerce se o descendente for incapaz, seja de forma absoluta, seja relativa, o que é compatível com aquele fundamento de preservação do núcleo familiar, de organização da família. De mais a mais, o descendente incapaz somente responde, pelo termos do CC 928, se seus responsáveis não tiverem obrigação ou condição de arcar coma indenização.

Quanto ao tutor e curador, malgrado ausente qualquer expressa alusão, é de repetir a mesma ressalva, de que seu direito regressivo estaria condicionado ao preenchimento dos requisitos pela lei elencados para que se ostentasse a responsabilidade do incapaz. Mas, de novo, isso só ocorre justamente nos casos em que os responsáveis não tiverem condição ou obrigação de arcar como ressarcimento. Apenas se aprovada fosse ou vier a ser a proposta de alteração do CC 928, estatuindo uma responsabilidade solidária dos incapazes, é que se poderá cogitar de sua eventual responsabilidade regressiva, perante tutor ou curador, mas sempre na forma equitativa, do parágrafo único do mesmo preceito. Até porque, não terá cabimento responsabilizar os incapazes de maneira mais grave, quando se trate de responsabilidade regressiva, do que se dá na responsabilidade direta.

Os empregadores têm também regresso contra os empregados, pelos atos danosos ressarcidos, mediante comprovação de simples culpa, que não precisa ser grave, por eventual incidência do art. 462, § 1º, da CLT, o qual deve ser compreendido apenas como concernente à possibilidade de desconto da indenização do salário do empregado.

No caso do educador, pode-se cogitar de seu direito regressivo contra o próprio aluno nas mesmas condições do citado CC 928. Porém, desde o Código de 1916, conflito já havia sobre a possibilidade de regresso do educador contra os pais do aluno, alguns se posicionando pela tese positiva (por todos: Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro, 16 ed. São Paulo, saraiva, 2002, v. VII, p. 462), outros pela negativa (Pereira, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, forense, 1999, p. 98), posição a que se acede à consideração de que afinal prestado serviço oneroso pela assunção de uma função de educação e vigilância, pelo que não pode, ela própria, servir a benefício de quem por isso recebeu e alicerçar a cobrança contra os pais. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 940-41 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conceituado o artigo na doutrina de Ricardo Fiuza, em todos os casos de responsabilidade indireta vigora o princípio do direito de regresso daquele que suporta seus efeitos contra aquele que tiver praticado o ilícito, a não ser na hipótese da responsabilidade paterna, por razões de ordem moral e de organização da família. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 482, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na pauta de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, tem-se o Direito de regresso contra o causador do dano. Apesar de estipular a responsabilidade indireta das pessoas mencionadas nos incisos de I a V do CC 932, o legislador consagrou o direito de regresso desse terceiro responsável pelo verdadeiro causador dos danos. Não existe, porém, esse direito de regresso se o causador do dano for descendente ou incapaz daquele que suportou o pagamento da indenização. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Segundo parecer de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o dispositivo, de idêntica previsão ao que o antecedeu, na legislação revogada, havida apenas pequena alteração redacional, repete a consagração da independência da jurisdição civil e criminal, quando movimentadas para a apuração de um mesmo fato penal mente típico, com repercussão indenizatória. Tal independência, porém, é relativa ou mitigada, dado que, se no juízo criminal, em que a exigência probatória é mais rígida, se delibera, de forma peremptória, sobre a existência material do fato ou sobre sua autoria, bem como sobre excludentes de ilicitude (art. 65 do CPP), nada mais, a respeito, pode ser discutido no cível. Essa regra, em sua primeira parte, está também no art. 66 do Código de Processo Penal, que, porém, contempla casuística mais restrita, apenas impedindo a rediscussão, no cível, de sentença absolutória penal que tenha reconhecido a inexistência do fato. Ou seja, pelo Código de Processo Penal não se impede a discussão, no juízo cível, sobre a autoria, embora deliberada no crime.

Não foi essa, contudo, a opção do Código Civil que, repetindo o anterior, estendeu a imutabilidade à esfera cível também da sentença criminal que tenha decidido sobre a autoria do crime. Bem de ver, porém, que a sentença absolutória fundada na ausência de provas, na atipicidade do fato, ou ainda a sentença de extinção de punibilidade não inibem a ação indenizatória cível (Art. 67 do CPP).

Já a sentença condenatória constitui, de seu turno, título executivo na jurisdição civil (art. 515 do CPC/2015), todavia autorizando endereçamento da demanda executiva somente contra o autor do ilícito, não contra eventual terceiro responsável (pai ou patrão, por exemplo) que não foi parte ou partícipe da ação penal em que se formou o título, assim para muitos e portanto não em orientação unânime, inclusive não impedido de, no âmbito civil, em necessário feito de conhecimento, rediscutir matéria relativa à materialidade ou autoria, além, é certo, da possibilidade de discussão do elo e requisito específico que o faça indiretamente responsável. Aliás, por isso mesmo é que se deve interpretar in rebus a previsão do art. 64 do CPP e a possibilidade, lá estatuída, de mover execução civil da sentença penal condenatória, se for o caso, como expresso, também contra os responsáveis. Além de esses responsáveis não terem participado e, assim, podendo defender-se na ação penal, sua responsabilidade civil, malgrado hoje objetiva, não o é de forma absoluta (risco mitigado, como se viu nos comentários aos CC 927 e 932), havendo de demonstrar, o que no crime não se debate, a causa específica de sua responsabilização civil, seja a autoridade e companhia dos pais, em relação aos atos dos filhos, seja a relação de preposição e prática de ato danoso em razão dela, quanto à responsabilidade do preponente ou patrão.

Muito embora livre a propositura da demanda cível, faculta o art. 64, parágrafo único do CPP, que o juiz suspenda-lhe o andamento se for intentada ação penal, e até seu julgamento. Da mesma maneira, pode a vítima, em vez de desde logo ajuizar a ação civil, aguardar o deslinde da ação penal e o título executivo que lá se poderá formar, antes disso não se findando prazo prescricional que em seu desfavor pudesse estar correndo, conforme nova previsão do CC 200, a cujo comentário ora se remete o leitor.

Lembre-se, ainda, que também é título executivo, no cível a transação homologada nos termos do art. 74 da Lei n. 9.099/95, atinente aos crimes de menor potencial ofensivo. Não é assim, porém, no tocante à aceitação de pena restritiva ou multa, na forma do art. 76 e conforme ressalva de seu § 6º, da mesma Lei n. 9.099/95.

Por fim, vale a referência à eventualidade de, julgada definitivamente improcedente a ação civil, sobrevir sentença penal condenatória do réu. Também aqui alguma divergência se coloca em doutrina, ora pendendo para a admissão da válida formação de título independente, como é a sentença penal condenatória, a despeito de posterior à improcedência de ação civil (v.g., Theodoro Jr., Humberto. Processo de execução, 15 ed. São Paulo, Leud, 1991, p. 100), ora, porém, entendendo que prevaleça a coisa julgada civil, portanto a improcedência lá decretada, a persistir se nem mais cabe ação rescisória, tudo como corolário da regra que, malgrado relativa, é da independência das instâncias (por todos: Gonçalves, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 6 ed. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 375). E assim se considera, tanto mais quando, como lembra Sérgio Shimura (Título executivo. São Paulo, Saraiva, 1997, p. 218), a coisa julgada formada no cível é específica para a reparação e também não autorizaria, inversamente, que, havido o ressarcimento civil, pudesse, sobrevindo sentença penal absolutória, assentando a inexistência do fato ou da autoria, haver a repetição. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 941-42 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A respeito Ricardo Fiuza, em sua doutrina, vigora em nosso direito o princípio da independência da responsabilidade civil em relação à penal. Também dispõe o art. 64 do Código de Processo Penal que a ação civil de reparação de dano pode ser proposta independentemente do correspondente procedimento criminal. Mas, se a sentença criminal reconhecer o fato e o respectivo agente ou negar a existência do fato e sua autoria, na justiça civil não poderão mais ser questionadas essas matérias (v. art. 66 do CPP). Acentue-se que, caso o agente seja absolvido em procedimento criminal por falta de provas, ou por não constituir crime o fato de que resultou o dano, ou por estar prescrita a condenação, i.é, “por qualquer motivo peculiar à instância criminal quanto a condições de imposição de suas sanções”, nada impede que em procedimento civil seja condenado a reparar o dano (v. art. 67 do CPP); assim, “a sentença condenatória criminal tem influência na ação cível”, e “a sentença cível nenhuma influência tem na instância criminal, porque esta funciona em órbita consideravelmente mais estreita” (cf. José Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed. Rio de Janeiro, forense, 1979, v. 1, p. 521-3). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 482, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como pensam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, da independência relativa da responsabilidade civil e criminal. Não é novidade a constatação de que um mesmo fato pode se inserir no suporte normativo de duas ou mais normal jurídicas, sendo apto a produzir efeitos tanto na esfera civil como na penal (e ainda na administrativa, na trabalhista etc.). No sistema judiciário brasileiro, pautado pela existência de justiças especializadas, isso faz com que muitas vezes dois ou mais juízes sejam chamados a decidir, paralela e simultaneamente, sobre o mesmo fato e sobre os distintos efeitos jurídicos dele decorrentes. E como cada um desses juízes deve-se guiar por sua livre convicção, em tese é plenamente possível que o mesmo fato seja considerado existente para um e inexistente para outro, conduzindo a julgados totalmente contraditórios. Diante desse quadro, é necessário equacionar a relação entre essas decisões autônomas, disciplinado os efeitos que uma produza sobre outra como forma de garantir a harmonia entre os julgados e a segurança nas relações. Atento a essa necessidade, o legislador estabeleceu o sistema da independência relativa entre os juízos penal e civil, determinando que sempre que os fatos discutidos perante o juízo penal tenham relevância para o julgador civil, a declaração do juízo penal sobre sua ocorrência ou inocorrência seja tomada como uma premissa imutável e inafastável para o julgador civil. Dispõe o CC 935 que, embora a responsabilidade civil seja independente da penal, não se pode mais questionar “sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”. Na mesma linha, o Código de Processo Penal diz, em seu art. 65, que faz “coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever ou no exercício regular de direito”. De acordo com Liebman, “realmente, trata-se de uma eficácia, vinculante para o juiz civil, da decisão proferida pelo juiz penal sobre algumas questões de fato e de direito que são comuns ao processo penal e ao conexo processo civil de reparação” (Enrico Tullio Liebman, Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada, 4 ed., Rio de Janeiro, forense, 2006, p. 259).

Da eficácia vinculante da decisão criminal que reconhece culpa exclusiva da vítima, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apontam, dentre os diversos fatos relevantes para a esfera civil e penal encontrar-se o relativo à culpa exclusiva da vítima: no âmbito criminal ele funciona como excludente de culpabilidade, ensejando a absolvição, e no civil ele exerce a função de excludente da responsabilidade, afastando o dever de indenizar. Apesar de referida hipótese não estar expressamente mencionada dentre aquelas previstas nos CC 935 e no art. 65 do Código de Processo Penal, a melhor doutrina não tem dúvidas em afirmar que, “afastada a culpa no juízo criminal, não há possibilidade de condenar no cível quem no crime fora declarado irresponsável” (Vicente de Azevedo, Crime-dano-reparação, p. 231, citado por José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 5ª ed., t. II, São Paulo, Forense, 1973, p. 467). É exatamente esse o pensamento de Aguiar Dias: “a sentença penal, fundada em dirimente ou justificativa, não influi no juízo civil senão quando estabeleça a culpa do ofendido, que neste caso sofre as consequências de seu procedimento. Não é, portanto, o ato do autor em si, que coberto por dirimente ou justificativa, desautoriza a obrigação de reparar: é a culpa do ofendido que, conjugada àquele, determina a irresponsabilidade” (José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 5ª ed., t. II, São Paulo, Forense, 1973, p. 473).

Da mesma forma já se manifestou o Col. Supremo Tribunal Federal: “proclamada, na justiça criminal, em decisão definitiva, que o acidente resultou de culpa exclusiva da vítima, e não do motorista da firma ré, não deve esta qualquer indenização, acobertada que está pela res judicata criminal, que, em tal circunstância, projeta os seus efeitos no juízo cível”. (STF, 2ª T. RE n. 48.604, j. 24.10.61, rel. Min. Victor Nunes, DJU 17.09.62, p. 241). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).