quarta-feira, 10 de junho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.028, 1.029, 1.030 Da Resolução da Sociedade Em relação a um sócio – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.028, 1.029, 1.030
 Da Resolução da Sociedade Em relação a um sócio
 VARGAS, Paulo S. R. Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195)
Subtítulo II – Da Sociedade Personificada Capítulo I –
Da Sociedade Simples – (Art. 1.028 ao 1.032)
Seção VDa Resolução da Sociedade Em relação a um sócio
– vargasdigitador.blogspot.com digitadorvargas@outlook.com

Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á a sua quota, salvo:

I – se o contrato dispuser diferentemente;
II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.

Remanescendo ao Códigos de 1916, art. 1.399, IV e art. 355, item 4 – revogado – do Código Comercial, Marcelo Fortes Barbosa Filho aponta a morte de um dos sócios, já tida como inexorável dissolução de uma sociedade, considerada presente uma subordinação completa a agregação dos sócios à identidade e às qualidades individuais dos contratantes. Essa concepção rígida foi afastada, como demonstra o texto do presente artigo, mesmo no âmbito não empresarial das sociedades simples. Pretende-se, portanto, preservar a sociedade e, mais ainda, em benefício da coletividade, possibilitar a continuação da atividade empreendida e a correspondente geração de riquezas. Assim, morto o sócio, propõe-se, como regra geral, o empreendimento de uma resolução parcial do contrato celebrado, provocando, na forma do disposto no CC 1.031, a liquidação isolada e singular de sua quota social. Aos herdeiros é atribuído, mediante a redução do capital social, o valor correspondente à quota do de cujus, preservando o restante. Apesar de desfalcado seu acervo patrimonial, a sociedade sobrevive. Há, porém, três circunstâncias exceptivas, perante as quais outra solução será adotada. Num primeiro plano, caso os sócios entendam ser inviável a manutenção do ajuste, a dissolução da sociedade, e a extinção da pessoa jurídica serão irremediáveis, devendo ser sopesada, aqui, fundamentalmente, a importância da quota social ou, caso se trate de sócio de serviço, da atuação do falecido. Num segundo plano, podem já ter sido inseridas, no contrato social, com a finalidade de fornecer segurança quanto a futuros procedimentos, por meio de cláusula específica, regras concretas e incidentes, conforme a vontade coletiva consolidada, sempre diante da morte de um dos sócios, podendo-se imaginar, dentre as variações viáveis, a aquisição, por meio do pagamento de um valor fixo, da quota pelos demais sócios ou a amortização da quota, mediante a capitalização de reservas, pela pessoa jurídica. Num terceiro plano, os sócios remanescentes e os sucessores podem celebrar um acordo e viabilizar a admissão pura e simples de determinado sucessor ou de todos os herdeiros como sócios ou, ainda, de um terceiro, operando-se a substituição do falecido. Nos dois últimos casos, restará, enfim, mantida a integridade não somente da personalidade jurídica da sociedade, mas, também, do capital social. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1026 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Ante o histórico, referente ao artigo em comento, esta disposição foi modificada na tramitação do projeto no Congresso Nacional. O Código Civil de 1916, em seu art. 1.399, IV, previa que, no caso de morte de um dos sócios, a sociedade deveria ser dissolvida e consequentemente liquidada e extinta. Todavia, os artigos 1.402 e 1.403 admitiam a continuidade da sociedade se assim fosse deliberado entre os sócios remanescentes e os herdeiros do sócio falecido.

Conforme reage a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a sociedade simples não se dissolve nem se extingue, automaticamente, no caso da ocorrência da morte de qualquer dos seus sócios. Na hipótese do falecimento de sócio, a regra geral é a liquidação de suas quotas no capital social, com o pagamento aos herdeiros, com redução do capital social, se for o caso, mas sem prejuízo da continuidade da sociedade. A liquidação das quotas implica o pagamento dos haveres e créditos do sócio falecido em favor de seus herdeiros, impossibilitando a participação destes, consequentemente, como membros da sociedade. Todavia, o contrato social pode estipular outro procedimento nesse caso, assim como os sócios remanescentes podem decidir pela dissolução da sociedade. A quota do sócio falecido também não será liquidada na hipótese de os herdeiros decidirem por sua substituição. Mas essa substituição somente ocorrerá mediante a aceitação dos demais sócios, tendo em vista o princípio da affectio societatis, como também em decorrência do disposto nos CC 997 e 999. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 537, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Thelma de Mesquita Garcia, em seu artigo a respeito da Sociedade e Família “Sucessão hereditária pode ameaçar continuidade de empresaA disciplina legal da sociedade empresária prevê, como regra geral (artigo 1028 do Código Civil), a liquidação das cotas do sócio que vier a falecer, admitindo as três exceções ali constantes, sempre vinculadas à vontade dos sócios.

Essa abordagem genérica da lei não afasta o risco de decisões judiciais equivocadas, que ameaçam a continuidade da empresa, pois acabam impondo aos sócios remanescentes a admissão de herdeiro, e ainda lhe atribuem cargo de administrador, o que afronta o regime jurídico societário e inviabiliza a gestão da empresa. Esse grave equívoco decorre da interpretação errônea da sucessão hereditária no âmbito do Direito Societário.

Da perspectiva da lei civil, a sucessão hereditária transmite aos herdeiros a posse e o domínio dos bens do falecido. Porém, do prisma do Direito Empresarial, a morte do sócio não implica o ingresso do herdeiro na sociedade de pessoas, não lhe atribuindo automaticamente o direito de ser sócio, mas apenas o eventual crédito correspondente às cotas herdadas, porque o que se transmite por herança é a propriedade destas.

O princípio da affectio societatis, que norteia a constituição da sociedade de pessoas, exige o consentimento dos sócios para qualquer alteração no quadro societário, pois, em razão do caráter pessoal da sociedade, a confiança recíproca é pressuposto de sua constituição e do cumprimento do seu objeto social. Em suma, à luz do regime jurídico societário, herdeiro não é sócio, seja sucessor do minoritário ou do majoritário.

Ao reconhecer-se ao herdeiro o direito ao crédito correspondente às cotas, cumpre-se a lei civil, sem desafiar a sistemática do Direito Societário, perante o qual a vontade dos sócios de sociedade de pessoas deve ser respeitada, sob pena de quebra da affectio societatis e violação do princípio constitucional da liberdade de associação e de contratação.

Se a doutrina não admite a transmissão hereditária do status de sócio em sociedade de pessoas, muito menos, do cargo de administrador, não se podendo compelir os sócios remanescentes a aceitarem o herdeiro na gerência da empresa. O critério de escolha do administrador se baseia nas suas características pessoais, pois o cargo exige credibilidade e aptidão para gerir os negócios da empresa, atributos que não se transferem por herança.

Ainda que o contrato social nada disponha a respeito, a omissão não deve ser interpretada como anuência tácita dos sócios remanescentes ao ingresso dos herdeiros na sociedade. Mas as lacunas do contrato têm gerado controvérsias de sérias consequências.

Daí a importância de definir no contrato social todas as coordenadas que disciplinarão a sucessão hereditária, de modo a tornar inequívoca a vontade dos sócios, para garantir o ingresso de herdeiros ou para vetá-los.

Não basta, porém, estabelecer condições genéricas para a sucessão. A permissão pura e simples de substituição do sócio falecido por seus herdeiros e sucessores pode representar um título em branco assinado antecipadamente pelos sócios em favor de herdeiros e sucessores eventualmente desconhecidos. Proibições mal definidas também podem dar ensejo a leituras equivocadas.

Portanto, o único meio seguro de evitar a aplicação errada da lei sucessória ao caso concreto, é especificar, com precisão técnica, no contrato social, todas as disposições de vontade dos sócios em relação à sucessão hereditária na empresa. (Sociedade e famíliaSucessão hereditária pode ameaçar continuidade de empresa” - Thelma de Mesquita Garcia e Souza, advogada especialista em Direito Empresarial, autora do livro Governança Corporativa e o Conflito de Interesses nas S.A., postado em 15 de dezembro de 2005, Revista Consultor Jurídico, acessado em site da conjur.com.br. Acesso 10/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.

Parágrafo único. Nos trinta dias subsequente à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade.

Seguindo o entendimento de Marcelo Fortes Barbosa Filho, foi prevista, aqui, a retirada voluntária do sócio, decorrente de seu dissenso unilateral. Há, nessa hipótese, a denúncia do contrato por parte do descontente, desfazendo apenas um dos vínculos jurídicos derivados do contrato plurilateral, possibilitadas a manutenção de todos os demais e a preservação da pessoa jurídica. Uma dupla disciplina foi construída, diferenciando-se os requisitos da retirada voluntária de acordo com a duração prevista para a execução do ajuste de vontades. Se a sociedade foi contratada por prazo indeterminado, as exigências para o rompimento de uma relação individual, de um só sócio, são menos importantes, podendo ser satisfeitas pelo próprio interessado, sem a necessidade de intervenção de qualquer outra pessoa ou de demonstração de relevância da causa do dissenso. A vontade de extinguir o liame societário é, então, soberana, pois ninguém pode ser constrangido a permanecer, indefinidamente, associado. Basta seja providenciada a notificação dos demais sócios, estabelecida uma antecedência mínima de sessenta dias, visando à necessária reorganização do quadro social. Tal notificação pode ser judicial (CPC 301 e 726), ou extrajudicial (art. 160 da Lei n. 6.015/73), só produzindo efeitos, evidentemente, após sua entrega efetiva. Dita notificação, no entanto, firmou-se como requisito formal da denúncia do contrato de sociedade, pois, no curso do prazo de sessenta dias, os sócios deverão decidir sobre a sorte da pessoa jurídica como um todo, em particular sobre a eventualidade de uma dissolução total da sociedade. Se a sociedade, no entanto, for contratada por prazo determinado, persistirá uma fundada expectativa dos demais sócios quanto à continuidade da execução do contrato de sociedade, motivo pelo qual, em atenção ao princípio da boa-fé objetiva, exige-se esteja o dissenso unilateral fundado numa justa causa, a ser reconhecida, obrigatoriamente, em juízo. O conceito de justa causa é aberto e indeterminado, ficando a cargo do juiz, em cada caso concreto, determinar se os fatos alegados e comprovados ostentam a relevância proposta e sustentam a pretensão de retirada unilateral. Pelo parágrafo único, confere-se, também, aos demais sócios, considerada a denúncia do contrato de sociedade com prazo indeterminado, a faculdade de optarem, levando em conta sua conveniência e as peculiaridades de seu empreendimento, num prazo de trinta dias, contado da efetiva notificação, pela dissolução completa, com o que será, naturalmente, iniciado um procedimento de liquidação e, ao final, extinta a pessoa jurídica, aguardando aquele que manifestou seu desejo de se retirar até o término da total apuração de haveres e adimplemento dos débitos para auferir os valores correspondentes a sua quota. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1028 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, a redação da norma é a mesma constante do projeto original. Os arts. 1.404 a 1.406 do Código de 1916, estabeleciam as regras para a retirada voluntária do sócio da sociedade, sob a forma de renúncia, que poderia ser de boa-fé ou de má-fé. O CC/2002 não contempla essa distinção. O artigo 1.408 do antigo Código também previa a necessidade de justa causa para a retirada do sócio na sociedade constituída por prazo determinado.

No entanto, a doutrina de Fiuza, afirma ninguém ser obrigado a associar-se ou a manter-se associado (CF, art. 52, XX). Assim, todo sócio tem o direito de se retirar da sociedade se for de seu interesse pessoal. Quando a sociedade for constituída por prazo indeterminado, o sócio pode retirar-se a qualquer tempo, bastando notificar os demais sócios, por escrito, com antecedência de sessenta dias. Se a sociedade for por prazo determinado, o sócio que pretender retirar-se tem de provar, por meio de ação judicial de dissolução de sociedade, a existência de justa causa motivadora para sua saída. Neste caso, o juiz apreciará as razões em que se funda a decisão de retirada antes do tempo previsto para a dissolução da sociedade. O parágrafo único deste dispositivo diz respeito, apenas, à hipótese de retirada do sócio nas sociedades por prazo indeterminado, quando os demais sócios poderão deliberar pela dissolução total da sociedade, e não apenas por sua dissolução parcial. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 537, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em seu artigo “Direito de recesso do sócio de sociedade limitada firmada por prazo indeterminado, Ricardo Victor Gazzi Salum, considera ter o Código Civil de 2002 trazido para seu bojo a disciplina das sociedades, anteriormente encontrada no Código Comercial - cuja primeira parte foi expressamente revogada - consoante se infere do artigo 2045 do diploma civil vigente.

O tratamento da antiga Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada (atualmente Sociedade Limitada), prevista no Decreto nº. 3.708/19, foi tacitamente revogado pelo Código Civil de 2002, tendo em vista que referida sociedade possui, agora, regras específicas tratadas nos CC 1.052 a 1.086.

A leitura dos dispositivos relacionados à disciplina das sociedades, no Código Civil de 2002, atesta que não houve expressa menção acerca do direito de recesso do sócio da Sociedade Limitada.

A doutrina, no entanto, vem buscando sanar esta omissão do diploma civil no seu artigo 1029, que regula o direito de retirada do sócio na Sociedade Simples.
Ampara essa tese a previsão expressa contida no CC 1053 do Código Civil de 2002, o qual prevê que, nos casos de omissão, as regras das Sociedades Simples serão aplicáveis às Sociedades Limitadas.

Com efeito, desde a promulgação do Código Civil de 2002, os especialistas vêm entendendo que as regras das sociedades simples constituem regras gerais de direito societário.

O Código Civil de 2002, brasileiro, tal qual o italiano, não se preocupou em conceituar a sociedade simples. Mas se pode inferir, da estrutura codificada, que as disposições das sociedades simples são regras gerais em matéria de direito societário. (Campinho, 2003, P. 85).

Tal interpretação, aliás, decorre da própria dicção do já mencionado artigo 1053 do Código Civil de 2002, segundo o qual "a sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples".

Seguindo essa orientação, e desde que o contrato social não preveja expressamente a regência supletiva da Sociedade Limitada pelas normas da Sociedade Anônima, como admite o parágrafo único do mencionado dispositivo, pode-se afirmar que, nas omissões do Código Civil de 2002, em relação à disciplina das demais sociedades, poder-se-ão aplicar as regras das Sociedades Simples, abrangidas pelos artigos 997 a 1051.

Nesse sentido, diante da ausência de regra expressa descrevendo o direito de retirada do sócio das Sociedades Limitadas, deve-se invocar a regra preconizada pelo artigo 1029 do Código Civil, o qual regula a matéria para as Sociedades Simples.
Comentando as hipóteses de retirada de sócio das Sociedades Limitadas, Sérgio Campinho assevera:

É assegurado ao sócio pelo art. 1.029 do Código Civil de 2002 – de aplicação compulsória à sociedade limitada, visto sua implicação na resolução, ainda que parcial, do contrato da sociedade em relação ao sócio dissidente –, o direito de, além dos casos previstos na lei ou no contrato, poder retirar-se da sociedade, sempre que lhe aprouver (sociedade com prazo indeterminado) ou quando for verificada justa causa (sociedade com prazo determinado).

Firmando-se a sociedade por prazo indeterminado de vigência, o recesso poderá ser viabilizado mediante singela notificação aos demais sócios, por via judicial ou extrajudicial, por meio da qual o dissidente emita claramente sua vontade de desfazer-se do vínculo, com antecedência mínima de sessenta dias, não sendo necessário, porque a lei não exige, declarar justa causa para o ato. Na verdade, não se lhe impõe que justifique ou decline a causa de sua iniciativa, em atenção ao princípio de que ninguém é obrigado a manter-se contratado, por prazo indeterminado. Por simples manifestação unilateral de sua vontade, o sócio libera-se do vínculo contratual. (Campinho, 2003, P. 209/210).

Fábio Ulhoa Coelho leciona que: "As condições para o exercício do direito de retirada variam, segundo a limitada tenha sido contratada por prazo indeterminado ou determinado. A natureza contratual da limitada orienta a compreensão da matéria. Se a sociedade é contratada por prazo indeterminado, o sócio pode retirar-se a qualquer momento (CC/2002, art. 1.029; c/c, art. 335, nº. 5), já que, em decorrência do princípio da autonomia da vontade, que informa o direito contratual, ninguém pode ser obrigado a manter-se vinculado contra a sua vontade, por tempo indefinido.

Das sociedades por prazo indeterminado, o sócio pode retirar-se a qualquer tempo, independentemente de motivação". (Coelho, 2002, P. 434).

Como se denota, ambos os juristas citados entendem que, nas Sociedades Limitadas firmadas por prazo indeterminado, o sócio poderia exercer seu direito de recesso por simples manifestação unilateral de vontade, o que independeria, inclusive, da anuência dos demais sócios.

Com efeito, tal dispositivo consagra o princípio da autonomia da vontade, pois não se pode admitir que o sócio seja obrigado a se manter contratado, por prazo indeterminado, contra sua própria vontade.

Nos termos do artigo 1029 do Código Civil, o sócio que pretender se retirar da Sociedade Limitada firmada por prazo indeterminado deverá manifestar sua intenção, aos demais sócios, mediante singela notificação a estes, com antecedência mínima de 60 dias.

A notificação poderá ser realizada por qualquer forma que exprima a efetiva intenção de retirada do sócio, seja judicial ou extrajudicialmente, mormente porque a lei não exige formalidades específicas para o exercício desse direito.

No entanto, inclusive para a contagem do prazo de 60 dias, é prudente que a notificação seja formalizada de tal forma que permita ao sócio fixar com exatidão a data final para o exercício do direito de recesso, evitando-se eventuais controvérsias.

Essa notificação que não precisa explicitar os motivos da retirada, mas tão só o desejo do sócio de não mais se manter associado, como a lei não impõe forma especial, poderá ser realizada judicial ou extrajudicialmente. O importante é que seja veiculada por um dos meios de comunicação de vontade existentes, capaz de fazer prova segura de que chegaram, a comunicação e seu conteúdo, incólumes ao seu destinatário. (Campinho, p. 118/119).

Faz-se mister ressalvar, outrossim, a previsão trazida pelo parágrafo único do aludido artigo 1029, que resguarda a possibilidade dos demais sócios, nos 30 dias subsequentes ao recebimento da notificação, o direito de optar pela dissolução da sociedade.

Tal se justifica porque há casos nos quais o recesso de um dos sócios pode tornar inclusive desinteressante a continuidade da própria sociedade. Nessas hipóteses, portanto, não será realizada a dissolução parcial, mas sim a dissolução total da sociedade.

Após decorridos os 60 dias da notificação, e não manifestando os demais sócios a intenção de realizar a dissolução total da sociedade ou mesmo dado início ao processo de liquidação das quotas do sócio retirante, este poderá promover a dissolução parcial judicialmente. (Ricardo Victor Gazzi Salum, “Direito de recesso do sócio de sociedade limitada firmada por prazo indeterminado”, postado em 18 de junho de 2008 no site migalhas.com, acessado em 10/06/2020, Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente.

Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026.

Como esclarece Barbosa filho, na sociedade simples, a exclusão de sócio, desconsiderada a hipótese de inadimplemento da integralização das quotas do capital social, que merece tratamento específico e peculiar (CC 1.004), observa uma série de restrições, como fim de que não seja caracterizada uma expulsão, a quebra injustificada e repentina do liame contratual concretizado. O sócio minoritário pode ser excluído em duas circunstâncias diversas. Há, conforme o parágrafo único do presente artigo, a possibilidade de eclodirem problemas de incompatibilidade decorrentes da situação patrimonial individual de determinado sócio, o que implica, assim, a exclusão de pleno direito, a qual independe de qualquer deliberação dos demais sócios. Essa exclusão automática ocorre em razão da decretação da falência, dada a perda de disponibilidade patrimonial e a arrecadação de todos os bens, com exceção apenas dos impenhoráveis, para a satisfação dos credores mantidos em concurso, ou motivada por execução singular, observados, com todo rigor, os requisitos previstos no parágrafo único do CC 1.026. Liquida-se, então, a participação societária e o produto obtido será destinado aos credores do sócio excluído. É possível, porém, que a exclusão decorra da deliberação dos sócios, a ser aprovada, nesse caso, pelos votos da maioria do capital social, exigindo-se fundamentação específica, consistente no grave descumprimento de obrigações contratuais ou na incapacidade superveniente do excluído, bem como posterior confirmação judicial do alegado, movida ação de rito ordinário, em que, estabelecido contraditório, será concedida a oportunidade de ampla defesa. Ressalte-se que o conceito de falta grave é aberto, merecendo ser feito, caso a casa, um juízo de valor concreto, medindo-se a incompatibilidade da conduta noticiada e comprovada com a condição de sócio. Alguns exemplos merecem realce. Um sócio de serviço pratica uma falta grave quando simplesmente deixa de prestar a contribuição ajustada, quando divulga informações confidenciais ou quanto pratica atos de gestão ilícitos ou com violação do próprio contrato social. Nessas duas circunstâncias, a exclusão preserva a sociedade simples e viabiliza o prosseguimento do empreendimento. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1028 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Lendo o histórico, nenhuma alteração ou emenda foi apresentada a este dispositivo durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. O art. 1.406 do Código Civil de 1916 não continha regra específica para a exclusão do sócio que tivesse praticado falta grave, mas, apenas, a possibilidade de exclusão antecipada do sócio renunciante de má-fé.

Acompanhando a doutrina de Ricardo Fiuza, qualquer sócio pode ser excluído, por iniciativa da maioria dos sócios, se vier a cometer falta grave, atentando contra a sociedade e contra as disposições do contrato social. A ressalva feita ao CC 1.004 e seu parágrafo único refere-se ao processo de exclusão diferenciado aplicável ao sócio remisso, que deixa de integralizar o capital subscrito. Esse processo de exclusão deve ser feito por via judicial, através de ação própria, em que deverá ser justificada e provada a ocorrência de falta grafe. Independe de decisão judicial a exclusão do sócio que vier a falir, como empresário individual, ou cuja quota tenha sido objeto de liquidação para pagamento de dívidas pessoais, tal como previsto no parágrafo único do CC 1.026. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 538, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Creditando ao autor Luiz Cláudio Barreto Silva em seu artigo “Sociedade comercial: É cabível a exclusão judicial do sócio majoritário pelos minoritários por falta grave”, é possível a exclusão dos sócios majoritários pelos minoritários pela via judicial. Essa é a interpretação de substancial vertente doutrinária ao artigo do Código Civil em vigor, que disciplina a resolução da sociedade com relação ao sócio. Nessa espécie de expulsão dos sócios não se leva em conta a maioria do capital social. É que o Código Civil brasileiro usa a expressão "mediante iniciativa dos demais sócios". Por isso, cometida falta grave (Art. 1001 a 1009 do Código Civil Brasileiro o rol para a doutrina especializada não é taxativo, é meramente enunciativo), não se pode negar aos demais sócios, ainda que minoritários, o direito de buscar na via judicial a expulsão do sócio faltoso da sociedade.

Não se desconhece que o Código Civil Brasileiro disciplina em outro artigo (CC 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. (Destacou-se), espécie de exclusão por meio da qual se exige a "maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social". Contudo, essa exigência restringe-se à expulsão extrajudicial do sócio por justa causa.

No entanto, em se tratando de expulsão judicial por falta grave, a expulsão dos sócios majoritários pelos minoritários é plenamente admissível, o que se constata do posicionamento de Arruda Alvim e Thereza Alvim: "Outra modificação importante diz respeito à possibilidade, pelo novo sistema, de exclusão dos sócios majoritários pelos minoritários. Na vigência do Decreto nº 3.708, a melhor doutrina já admitia a exclusão judicial dos sócios majoritários pelos minoritários, lastreada na lição clássica de Fábio Konder Comparato, conforme frisado por José Waldecy Lucena.

Agora, como o art. 1.030 prevê que o sócio pode ser excluído judicialmente, mediante 'iniciativa dos demais sócios', parece claro que essa exclusão pode ser feita judicialmente". (Newton De Luccaet al; Alvim e Thereza Alvim (Coord.). Comentários ao Código civil brasileiro: do direito de empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 464. 

Em igual sentido, a lição de Fernando Brandariz: "A interpretação do artigo 1030 do Código Civil pode levar o interprete a ter a conclusão de que o sócio majoritário nunca poderá ser excluído, porque estabelece que a iniciativa de exclusão deve partir da maioria, mas não é isso que ocorre. O sócio majoritário como qualquer outro pode ser excluído quando der causa a ela, se isso não fosse possível, os sócios minoritários ficariam presos à sociedade e sendo responsabilizados pelos atos realizados pelo sócio majoritário. A exclusão do sócio majoritário mesmo que exista cláusula permissiva de exclusão, somente será realizada por meio de processo judicial. Isso ocorre porque a Junta Comercial não arquiva alteração de contrato social com assinaturas apenas da minoria do capital social". (BRANDARIZ, Fernando. A expulsão do sócio por falta grave. Disponível em: gapconsultoria.com.br /assessoria. Acesso em: 11 mar. 2009. 

É também o entendimento de Marcus Vinicius Caminha: "Na nossa opinião, a melhor exegese que se pode fazer do art. 1030, do Código Civil em vigor é a sistemática, através do seu cotejo com o art. 1.085, a partir da qual passa-se a perceber que, hoje, está legalmente autorizada a exclusão de sócio que detenha a maioria do capital social. Com efeito, enquanto o art. 1085, ao tratar da exclusão, fala que esta pode ser implementada pela maioria do capital social, o art. 1030 diz que a iniciativa desta poderá ser apenas "da maioria dos demais sócios", maioria, essa, que, no nosso entendimento, deve ser calculada não em função do capital social, e sim em razão do número de sócios.

É possível a exclusão de sócio que detenha a maioria do capital social, desde que esta exclusão se faça pela via judicial, sendo necessário que seja requerida pela maioria dos sócios, considerados singularmente enquanto pessoas, e não em função do capital social que detêm". (CAMINHA, Marcus Vinícius. Exclusão de sócio de sociedade por quotas no novo Código Civil: devido processo legal e controle jurisdicional do ato de exclusão; apuração de haveres. Disponível em: ambito.juridico.com.br. Acesso em: 11 mar. 2009. 

Na mesma linha de entendimento, as considerações de Carlos Celso Orcesi da Costa: "É que, não obstante uma primeira impressão de que se cuide de exclusão apenas pela maioria, bem analisado, o texto permite inclusive a exclusão pela minoria, quando exclui o sócio em xeque da deliberação de ingressar ou não com a lide". Se um sócio tiver 60% do capital e outros quatros sócios tiverem 10% cada um, a maioria no caso se estabelecerá com 30%, isto é, a decisão de três dos quatro sócios remanescentes". (COSTA, Carlos Celso Orcesida. Código Civil da Visão do Advogado. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 4, p. 169.

No mesmo sentido, a lição de Arnoldo Wald: "O artigo 1.030 traz inovação no que diz respeito ao poder da minoria. Isto porque, de acordo com a redação do artigo, 'pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios'. Ou seja, a maioria será computada excluindo-se do cálculo o sócio que se pretende jubilar. Se o sócio a ser excluído detém a maioria do capital social da sociedade, a sua exclusão poderá, em tese, se dar por decisão dos sócios restantes, ou seja, por decisão dos sócios minoritários". (TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Comentários ao novo Código Civil, v. XIV, livro II, do direito de empresa. (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 237. 

Por conseguinte, e sem desmerecer os entendimentos em sentido diverso, é cabível a expulsão do sócio majoritário pelos minoritários, desde que a postulação seja feita pela via judicial e se comprove a prática, por parte do referido sócio, de falta grave, seja daquela contida nos artigos 1001 a 1009, do Código Civil Brasileiro, ou de outra espécie com igual conformação, uma vez que as situações elencadas pelo legislador como configuradoras de falta grave não são exaustivas, mas meramente enunciativas. (TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Comentários ao novo Código Civil, v. XIV, livro II, do direito de empresa. (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 237. (Destacou-se). (SILVA, Luiz Cláudio Barreto, no site lex.com.br, Produtos online, acessado em 10/05/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 9 de junho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.025, 1.026, 1.027 Da Relação Com Terceiros - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.025, 1.026, 1.027
 Da Relação Com Terceiros - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Subtítulo II –
Da Sociedade Personificada (Art. 1.022 ao 1.027) Capítulo I –
Da Sociedade Simples – Seção IVDa Relação Com Terceiros
 – vargasdigitador.blogspot.com digitadorvargas@outlook.com

Art. 1.025. O sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das dívidas sociais anteriores à admissão.

O ingresso à sociedade, obrigatoriamente, é considerado um risco calculado. No lecionar de Marcelo Fortes Barbosa Filho, a execução de um contrato de sociedade pode ser realizada no curso de um período de tempo longo, o que viabiliza, sempre mantida intacta a mesma personalidade jurídica, alterações no quadro social, seja em virtude da cessão da quota social, já tratada pelo CC 1.003, seja por meio da pura e simples sucessão causa mortis, seja pela admissão derivada de novo aporte de capital. Disciplina-se, no presente artigo, ante um de tais eventos, a responsabilidade do sócio “admitido em sociedade já constituída”, i. é, do cessionário de quota social, do mero sucessor ou do novo sócio subscritor admitidos a participar do contrato em momento posterior a sua celebração e à formação da pessoa jurídica. O novo sócio assume, como regra inafastável e conjugados os artigo antecedentes, responsabilidade pelo conjunto de todas as obrigações da sociedade, pouco importando se elas foram constituídas antes de seu ingresso no quadro social. Quando alguém galga a posição de sócio, todos os riscos correspondentes lhe são impostos, levando sempre em consideração a situação concreta da pessoa jurídica, a qual ostenta unidade e continuidade como elementos naturais. É incabível, enfim, a dedução de defesa perante terceiro credor fundada na época do surgimento da dívida enfocada e na ausência de contemporânea participação no quadro social. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1023-24 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Da forma como explicada, a doutrina de Ricardo Fiuza, assusta a alguém desavisado. Pelo menos confunde ao neófito. De acordo com esta disposição normativa, se alguém adquirir a condição de sócio após a sociedade já estar constituída, assumirá ele todas as obrigações passivas existentes à época de sua admissão. Essa regra é uma decorrência do princípio da responsabilidade ilimitada, segundo o qual os sócios devem suportar os ônus e obrigações perante terceiros independentemente do momento em que se associaram. Já no caso do sócio que se retira da sociedade, sua responsabilidade subsistirá pelo prazo de dois anos após a sua saída (CC 1003, parágrafo único), em caráter solidário com o sócio que ingressou. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 535, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Não há lógica na afirmação de Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil, quando alude ao fato afirmando ser justo o artigo 1.025, em comento, que tira do novo sócio a responsabilidade pelas dívidas contraídas pela sociedade já existentes antes da sua admissão, segundo ela “o que não vem necessitar de maiores esclarecimentos”, uma vez que o que lemos acima – a afirmação de Ricardo Fiuza “Essa regra é uma decorrência do princípio da responsabilidade ilimitada, segundo o qual os sócios devem suportar os ônus e obrigações perante terceiros independentemente do momento em que se associaram.”. A impressão que dá é de não ter sido bem assimilada a ideia pela autora. (Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Encontrado no site Jurisway.com.br, Texto enviado em 19/04/2008. Última edição/atualização em 10/06/2008. Acesso em 09.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.

Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do CC 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação.

Esclarecendo Marcelo Fortes Barbosa Filho, há, no presente artigo, uma mudança de foco, avaliando-se a responsabilidade do sócio diante de suas dívidas pessoais. A quota social faz parte do patrimônio do devedor, mas está inserida num âmbito maior, integrada ao capital da sociedade, e, pela própria natureza do contrato aqui tratada, uma execução forçada não pode recair, imediatamente, sobre ela. A escolha dos sócios, numa sociedade simples, deriva de seus predicados individuais; constrói-se um ajuste de vontades, intuitu personae. Não é concebível, por isso, recaia, sem o esgotamento de outras possibilidades, uma execução sobre a própria quota social e persista sua alienação forçada, o que atingiria o cerne do contrato de sociedade, tendo o legislador limitado a atuação dos credores. De início, em favor dos credores, estabeleceram-se, diante da quota social e sempre por meio de decisão judicial, apenas duas possibilidades de atuação: a) é viável constritar e adjudicar a parcela dos lucros atribuída ao sócio devedor, mas, evidentemente, isso depende da prévia apuração de um resultado positivo ao final de dado exercício; b) em se tratando de uma sociedade dissolvida, a parte cabível ao sócio devedor na liquidação pode, também, ser, a fim de efetivar a satisfação do credor, o objeto de constrição e adjudicação, devendo-se aguardar, para tanto, o término de tal procedimento.

Superadas somente as duas hipóteses anteriores, o credor pode solicitar seja realizada uma dissolução parcial, penhorando-se e apurando-se somente a quota do sócio devedor, que, aplicado o CC 1.031, será liquidada, procedendo-se ao depósito judicial dos valores pecuniários apurados, num prazo de noventa dias, contado do total implemento da própria liquidação da quota.

Ademais, quaisquer desses procedimentos se submetem a um pressuposto comum e inafastável: a insuficiência do restante do patrimônio do sócio devedor. A quota social ou os direitos desta derivados só podem ser atingidos caso seja plenamente constatado que não há outros meios de satisfazer o crédito executado. Em suma, o credor não pode, desde logo, partir contra os direitos de sócio do devedor, permanecendo eles como última alternativa.

É preciso fazer outra ressalva. Sempre que a penhora tiver sido concretizada, a arrematação ou a adjudicação da quota (esta prevista, agora, expressamente, pelo art. 685-A do CPC/1973, introduzido pela Lei n. 11.382/2006), correspondendo hoje ao art. 876 do CPC/2015, são também possíveis, mas ostentam efeitos limitados.

A arrematação ou adjudicação da cota social resultam, tão somente, em uma aquisição forçada dos direitos patrimoniais do sócio frente à sociedade, implicando que o adquirente seja satisfeito mediante o recebimento de haveres, após dissolução total ou parcial da sociedade, sem substituição ao devedor, como se fosse, na qualidade de novo sócio, um sucessor do devedor, a menos que seja repactuado o contrato social e o adquirente seja, com a aquiescência dos sócios remanescentes, admitido no quadro social. A qualidade de sócio, esta sim, é impenhorável e não é passível de aquisição por arrematação ou adjudicação. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1023-24 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conforme a ilustração da doutrina exposta por Ricardo Fiuza, este artigo diz respeito à execução dos bens particulares do sócio em virtude de dívidas pessoais, e não da sociedade, como tratado nos dispositivos anteriores. Se os bens particulares do sócio devedor forem insuficientes para o pagamento de suas dívidas, fica facultado ao credor executar os lucros a que o sócio porventura tiver direito na sociedade, ou, no caso de a sociedade encontrar-se em processo de dissolução, a parte que o sócio devedor teria direito na liquidação dos bens patrimoniais, após a quitação de todas as dívidas da sociedade. Se esta se encontrar em funcionamento regular, ou seja, se não estiver dissolvida, e não existirem lucros a distribuir, o credor do sócio poderá requerer, judicialmente, a liquidação das quotas do sócio devedor, na proporção necessária à satisfação de seu crédito, de acordo com o procedimento de liquidação previsto no CC 1.031. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 535-36, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

O artigo publicado por Gerson Luiz Carlos Branco no site da conjur.com.br, com o nome de “A penhora de quotas de sociedades limitadas e a garantia das obrigações, publicado em 12 de fevereiro de 2018, mostra todas as nuances do artigo 1.026, interessante, já que o tema deste artigo é uma intrigante peculiaridade normativa no sistema do Direito das Obrigações decorrente das dificuldades para executar obrigações civis quando o patrimônio do devedor é formado unicamente ou substancialmente por quotas de sociedades limitadas.

Não obstante o patrimônio do devedor seja a garantia das obrigações, o regime jurídico e as dificuldades para excutir patrimonialmente o devedor cujo patrimônio consiste unicamente em quotas de sociedades limitadas acaba por permitir que o devedor controle ou pelo menos enfraqueça os efeitos do próprio vínculo obrigacional no seu essencial elemento, que é a garantia.

A questão tem grande relevância atualmente, tendo em vista um processo crescente de uso da técnica societária das “sociedades de participação” ou holdings, cujo efeito jurídico vai para além daqueles previstos pelo Direito Societário.

A proliferação do uso de holdings por conta de razões tributárias, de planejamento familiar e mesmo sucessórias é uma tônica social que tem provocado uma transformação no perfil do patrimônio dos brasileiros nos últimos anos.

Essa transformação aumenta a importância da questão aqui suscitada, tendo em vista que, na contra tendência de um conjunto de reformas realizadas no Direito brasileiro para reforçar a garantia, a realidade da penhora de quotas traz inquietantes dificuldades técnicas.

A primeira grande dificuldade deriva da circunstância de que a personalidade jurídica e a autonomia patrimonial da sociedade limitada leva o ato de integralização do capital pelo sócio, seja através de dinheiro ou de qualquer outro bem, a alterar a natureza da relação jurídica do sócio com os seus bens.

Tomando-se como exemplo o de um proprietário de bem imóvel que é integralizado no patrimônio de uma sociedade limitada, verifica-se que esse sujeito passa a ter uma relação diferente com seu patrimônio. De uma relação jurídica regida pelo arcabouço do Direito das Coisas, o então proprietário, após transferir a propriedade do bem para a sociedade, passa a ter uma relação jurídica de natureza obrigacional que irá regular o que atualmente denominamos de “titularidade da quota”.

A titularidade da quota é um direito cuja eficácia é essencialmente obrigacional, pois concede ao sócio o direito a uma fração de uma universalidade jurídica, que é o patrimônio da sociedade.

O milenar Direito das Coisas deixa de incidir, tendo em vista que a quota não é uma coisa móvel ou imóvel, mas um bem cuja titularidade também não é exercida como tradicionalmente estudamos no não menos antigo Direito das Obrigações.

O modo do exercício desse direito é regulado por um capítulo do Direito das Obrigações que é relativamente novo, o Direito Societário. O Direito Societário, por sua vez, tem muitas preocupações, não sendo central no seio de sua doutrina a matéria que é objeto deste artigo, que é a transformação e/ou enfraquecimento da garantia das obrigações do sócio quotista.

No processo de transformação da natureza do patrimônio no exemplo do proprietário do bem imóvel que integraliza no capital da sociedade, observa-se uma bipartição de efeitos interessantes inexistentes até então, pois a titularidade das quotas como um efeito patrimonial é separada de uma outra condição, decorrente do que a doutrina societária denomina de status socii, que entre outros efeitos promove uma separação entre os poderes políticos de voto e a participação nos órgãos societários (assembleia, reunião etc.) que têm competência para tomar as decisões sobre o destino do patrimônio.
Essa condição é personalíssima e, portanto, não pode ser objeto de constrição judicial: o Estado não lhe alcança. Os direitos políticos e de participação do sócio pertencem unicamente a este, não sendo afetados pela penhora das quotas, conforme entendimento pacífico em nosso ordenamento jurídico, nos moldes de disposição legal expressa em outros ordenamentos, como é o caso do artigo 239º, 1, parte final, do Código das Sociedades Comerciais português.

Deve-se acrescer a isso uma característica essencial: o direito do sócio sobre essa  fração do patrimônio sofre uma transformação adicional, que é a aquisição da natureza de crédito subordinado.

Ou seja, o patrimônio integralizado pelo sócio e que constituirá o patrimônio da sociedade passa a ser uma dívida da sociedade perante o sócio. Essa dívida não pode ser cobrada em prejuízo dos credores da própria sociedade, razão pela qual os créditos dos quotistas são créditos subordinados, que não podem ser exigidos exceto se a sociedade dispor de recursos para pagar todos os demais credores. Para usar o jargão do Direito Societário, os créditos dos sócios integram o passivo não exigível da sociedade.

Como aqui se está tratando de “garantia”, deve-se dizer que, havendo vínculo obrigacional e não sendo ela natural, há débito (obrigação) e há responsabilidade (garantia). Entretanto, a garantia somente pode ser exercida sobre parte do patrimônio da sociedade, que são os seus lucros ou os fundos líquidos, que é o resultado positivo derivado de um procedimento de liquidação após o pagamento de todos os demais credores da sociedade.

A consequência prática dessa transmutação do patrimônio do sócio e da mudança jurídica operada é que o credor de um devedor cujo único patrimônio ou cuja parte valiosa do patrimônio esteja integralizado ou atribuído a uma sociedade limitada tem grandes dificuldades para realizar o seu crédito.

O artigo 1.026 Código Civil de 2003 tornou indiscutível a possibilidade da penhora de quotas, porém estabeleceu que bens dessa natureza somente podem ser penhorados “na insuficiência de outros bens do devedor”.

Essa simples disposição já outorga ao devedor a possibilidade lícita de escolher os bens que possuem maior liquidez ou maior valor, de transferi-los para uma sociedade limitada e, com isso, limitar substancialmente a possibilidade de seus credores de realizar os créditos excutindo tais bens, deixando no patrimônio do devedor bens de menor valor ou de difícil liquidação.

Poder-se-ia argumentar que o Código Civil, no caput do artigo 1.026, estabelece que é possível a penhora dos “lucros da sociedade”. Entretanto, além de a penhora dos “lucros” somente poder ser realizada “na insuficiência de outros bens do devedor”, faltou precisão ao código, pois não se podem confundir os lucros da sociedade com os dividendos que a sociedade delibera distribuir aos sócios.

Em nenhuma hipótese o credor pode postular a penhora de lucros da sociedade, pelo simples e singelo fato de que a sociedade não é devedora e que os lucros são da sociedade, que talvez necessite dos mesmos para cumprir obrigações perante terceiros.

Lucros da sociedade não representam necessariamente disponibilidade de caixa, tampouco disponibilidade de recursos para que estes sejam distribuídos aos sócios e sejam usados para pagamento de suas dívidas.

A melhor interpretação do artigo 1.026 nesse aspecto é que o dispositivo faz referência aos dividendos que a sociedade já deliberou distribuir aos sócios e que ainda não o fez. Em tal caso, deve-se dizer que o Código Civil criou uma hierarquia procedimental: a) penhoram-se outros bens do sócio, exceto as quotas; b) se não houver outros bens, podem ser penhorados os dividendos deliberados e que ainda não tenham sido pagos; e, na falta desses, c) penhora-se a quota para que essa seja liquidada, a fim de pagar o credor do sócio.

Em síntese, o legislador civil estabeleceu uma hierarquia e um procedimento a ser seguido para evitar um grande conflito de valores que ocorre quando há penhora de quotas e liquidação da quota para pagamento dos credores do sócio, que é o conflito entre o direito de o credor receber o seu crédito e o princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, pois, quando ocorre a liquidação da quota do sócio para pagamento das dívidas do credor, ocorrem dois fenômenos importantes e indesejados pelo Direito.

O primeiro fenômeno indesejado é o de que o pagamento pela sociedade das dívidas do seu sócio caracteriza uma hipótese de terceiro que é coagido a pagar uma obrigação que não assumiu.

Nesse sentido, pode-se dizer que é inerente à constituição de toda a sociedade limitada, no momento em que surge sua personalidade, a submissão implícita desse patrimônio à condição de garantia das obrigações do seu sócio perante terceiros, sejam obrigações presentes ou futuras.

Embora a doutrina do Direito Societário seja resistente a isso e reafirme constantemente a separação patrimonial entre sócio e sociedade, o elemento que separa também une.

Por isso, a sociedade passa a ser uma espécie de garantidora de toda e qualquer obrigação que o sócio assume, nos limites do valor do patrimônio que lhe foi atribuído no ato de integralização e no limite da realização de seus interesses. É um caso excepcional de responsabilidade sem débito!

O segundo fenômeno indesejado é o de que há outros sujeitos, terceiros que também sofrem efeitos da execução.

Os demais sócios da sociedade limitada são terceiros que sofrem os efeitos da execução, pois a universalidade que também guarda seu patrimônio sofrerá os efeitos da execução e, consequentemente, o seu patrimônio reflexamente é atingido. Ademais, a própria perspectiva de ganho pode ser sacrificada para que a sociedade pague as obrigações de um sócio, ou melhor, para que pague o credor do sócio, limitando substancialmente as disponibilidades financeiras da sociedade para realização de seus objetivos sociais.

As questões societárias daí decorrentes são múltiplas e não cabe aqui exemplificar, porém decorrem muitos efeitos, inclusive atinentes ao exercício do controle, direito de voto, redução de liquidez etc.

Também são terceiros os credores da sociedade, tais como o Fisco, fornecedores, consumidores, empregados etc., interessados (stakeholders) que podem não receber os seus créditos ou podem ver diminuídas as atividades da sociedade e, consequentemente, sua liquidez por conta das dívidas de seu sócio.

Porém, o Direito não permite que a penhora de quotas e liquidação da sociedade represente um privilégio ao credor do sócio em detrimento dos credores da sociedade. Diga-se de passagem, essa impossibilidade é a razão pela qual por muitos anos o Direito brasileiro não admitia ou restringia severamente a possibilidade da penhora de quotas.

Os credores da sociedade possuem um certo grau de proteção por conta da prioridade de recebimento, pelo menos nos processos de liquidação ou falência, embora sofram importantes efeitos da penhora de quotas nas hipóteses de redução de liquidez, capital de giro ou paralisação da atividade da sociedade devedora.

Em outras palavras, a penhora de quotas representa um importante conflito valorativo entre os direitos do credor e o sacrifício de terceiros com quem o devedor mantém relações.

Esse conflito valorativo é resolvido pela hierarquização feita pelo artigo 1.026 do Código Civil e também por uma série de disposições do Código de Processo Civil, as quais tendem a reforçar a penhorabilidade das quotas das sociedades limitadas e a possibilidade de sua excussão. Entretanto há um porém, que está refletido nos parágrafos do artigo 861 do diploma processual, segundo os quais a penhora afeta a “estabilidade financeira da sociedade” ao ser “excessivamente onerosa”.

Essas disposições reconhecem que a eficácia do vínculo obrigacional que afeta o sócio devedor encontra limite nos interesses de uma multiplicidade de terceiros com quem se vincula ou, caso prefiram, na função social da empresa.

Ao Código Civil e Código de Processo Civil somem-se as regras da Lei 11.101/2005, que expressamente estabelecem que os créditos de natureza subordinada não podem ser satisfeitos prioritariamente. E, sendo o crédito do credor do sócio sub-rogado na natureza do crédito do sócio, tal crédito também é subordinado e, portanto, não podem os credores da sociedade serem sacrificados em benefício do crédito do credor do sócio.

Cabe ao Direito Civil a tarefa de pensar e aprofundar o estudo sobre a natureza da quota e os mecanismos para reforço da garantia do vínculo obrigacional dos credores do sócio, pois, na melhor das hipóteses, o credor de um devedor cujo patrimônio esteja “protegido” sob uma sociedade limitada é de uma grande dificuldade, grande demanda de tempo e recursos para que se consiga cobrar o crédito.

A tarefa não é fácil, porém precisa ser enfrentada, em razão de que a sociedade limitada tem sido usada de modo eficiente como instrumento de proteção patrimonial, o que resulta em uma eficácia enfraquecida da garantia das obrigações, matéria da mais alta indagação que pouco tem sido discutida pelo Direito Civil e tangenciada pelo Direito Comercial.

Por fim, deve-se dizer que estas reflexões são iniciais e estão vinculadas à pesquisa que está sendo desenvolvida no contexto da Rede de Direito Civil Contemporâneo, a qual já foi parcialmente publicada em revista científica, sendo compartilhado neste espaço algumas preocupações do que no início chamou-se de intrigante peculiaridade normativa, remetendo-se o leitor desta página para estudos mais aprofundados, se assim o desejar, nas referências bibliográficas das publicações indicadas em nota. (Gerson Luiz Carlos Branco no site da conjur.com.br, com o nome de “A penhora de quotas de sociedades limitadas e a garantia das obrigações”, publicado em 12 de fevereiro de 2018, Acesso em 09/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). *Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT e UFBA).

Art. 1.027. Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade.

Como tenta explicar Marcelo Fortes Barbosa Filho, tenho em conta a situação de obrigações dos sócios mantidas com terceiros, o presente artigo, de maneira inovadora, considera duas hipóteses, tentando delimitar totalmente suas consequências diante da pessoa jurídica. No caso de sócio contratante casado, uma comunhão de bens, de acordo com o regime de bens estabelecido, pode ter surgido e, uma vez extinta a comunhão e realizada partilha em razão do falecimento do cônjuge ou da decretação da separação judicial ou do divórcio, serão conferidos direitos aos herdeiros do cônjuge falecido ou a seu cônjuge separado ou divorciado, entre os quais, conforme o caso, podem estar incluídos aqueles relativos à quota social. Está vedada, nesse passo, a atribuição da própria quota social, não podendo os herdeiros do cônjuge falecido ou o cônjuge separado ou divorciado exigir sua imediata e automática admissão no quadro social, uma vez que a sociedade simples é sempre contratada intuitu personae. A partilha só poderá ter como objeto o direito à percepção dos lucros, a serem distribuídos ao final de cada exercício, se for apurado resultado positivo. Apenas quando a sociedade for dissolvida e entrar em liquidação, eles poderão participar da divisão dos bens componentes do capital social e perceber as quantias remanescentes. Foi dispensado, portanto, aos herdeiros do cônjuge falecido do sócio ou a seu cônjuge separado ou divorciado tratamento diferenciado com relação aos credores comuns do sócio, já examinado no artigo antecedente, restringindo-lhes os meios de satisfazer seus direitos pessoais à quota social de titularidade daquele cuja comunhão foi extinta. Acrescente-se que, apesar de o texto legal não se referir expressamente, o divórcio deve ser englobado em conjunto com a separação judicial, efetivando-se uma interpretação extensiva, pois a alteração patrimonial enfocada deriva da partilha do patrimônio comum, o que pode advir tanto de um quanto de outro fato. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1025 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A Doutrina de Ricardo Fiuza explica esta norma regular duas situações distintas: a) o caso de falecimento de sócio e do seu cônjuge, deixando herdeiros; e b) a hipótese de separação judicial ou divórcio de sócio. Tanto em uma situação como em outra, deverá ocorrer a partilha dos bens do sócio falecido ou daquele que extinguiu a sociedade conjugal. Os herdeiros do sócio falecido podem passar a integrar a sociedade, por sucessão das respectivas quotas, desde que exista mútuo acordo entre estes e os demais sócios por sucessão das respectivas quotas, desde que exista mútuo acordo entre estes e os demais sócios (CC 1.028, III). Mas, no que se refere aos herdeiros do cônjuge do sócio falecido, estes não terão direito a assumir as quotas e participar da sociedade, inclusive em respeito ao princípio da affectio societatis, que implica a prevalência da vontade de manutenção da relação associativa apenas entre os sócios enquanto assim o desejarem. Portanto, os herdeiros do cônjuge do sócio ou o cônjuge que anteriormente mantinha sociedade conjugal com o sócio não terão direito a integrar, automaticamente, a sociedade, como consequência do resultado da partilha. A partilha em questão não poderá ter como objeto as quotas detidas pelo sócio na sociedade, mas apenas o direito à percepção dos lucros que ao sócio falecido ou separado tocariam e que seriam distribuídos a cada ano, se positivo o resultado social. No caso de a sociedade entrar em processo de liquidação, então os herdeiros do cônjuge ou o cônjuge separado, enquanto não ultimada a partilha e no caso de as quotas da sociedade não terem sido arrecadadas ou colacionadas no processo de separação ou inventário, então, nessa hipótese, terão eles direito à participação nos bens sociais que remanescerem e forem distribuídos ou divididos na liquidação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 536, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em seu artigo “Alguns problemas referentes à cessão de quotas no novo Código Civil”, Priscila M. P. Corrêa da Fonseca esclarece, ou, pelo menos tenta dirimir dúvidas, quanto à redação e entendimento do artigo em comento. O Novo Código Civil, lamentavelmente, perfilhou orientação já agora ultrapassada pelo Superior Tribunal de Justiça, ao preceituar, no artigo 1.027, que:

“Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade”.

O codex recém-promulgado, ao que tudo indica, procurou evitar a dissolução parcial pleiteada pelo ex-cônjuge do sócio ou herdeiros deste. Afirma-se que a referida norma preserva a empresa, impedindo que herdeiros do cônjuge de sócio, ou cônjuge separado judicialmente busquem o recebimento da parcela que eventualmente lhes caiba no patrimônio da sociedade. Ou seja, o artigo veda aos herdeiros do cônjuge de sócio e ao ex-consorte de sócio o direito de pleitear o pagamento dos haveres correspondentes à participação societária havida por meação ou herança. A eles confere, como se depreende da leitura do texto legal, apenas e tão somente o direito de receber os dividendos: nenhum outro mais. Àquelas pessoas, com efeito, não outorga o novo Código Civil o direito de votar, de fiscalizar a gestão da sociedade etc.

A disposição contida no art. 1.027 conduz, no entanto, à seguinte dúvida: ao prescrever que o ex-cônjuge do sócio ou os seus herdeiros devam permanecer em tal condição – id est, ligados à sociedade até que esta, eventualmente, venha a se liquidar – estaria arredando o direito que sempre se lhes reconheceu de pleitear do sócio (ex-cônjuge, sucessores ou meeiros) o recebimento dos haveres correspondentes à participação societária havida por meação ou herança.

 Parece intuitivo que não se possa constranger o ex-cônjuge ou herdeiros deste a ficar indefinidamente jungidos à sociedade, em situação que se denota, à evidência, inconstitucional – eis que violadora do comando contido no art. 5º, XX, da Lei Maior. Cuida-se, ademais, de condição bastante incômoda e iníqua. É que, não tendo qualquer possibilidade de ingerência sobre a administração e o destino da sociedade, ficarão aqueles à mercê dos desígnios dos demais sócios, quanto ao único e solitário direito que o novo Código Civil lhes atribuiu: o de concorrer à divisão periódica dos lucros até que se liquide a sociedade.

A estranhíssima redação conferida ao art. 1027 não permite saber, de outra parte, a quem é conferido o direito de propriedade das quotas em questão, e, por conseguinte, a quem se deverá atribuir os demais direitos inerentes à condição de sócio enquanto não liquidada a sociedade.

As incongruências a que conduz o referido artigo, todavia, não cessam ai. Os herdeiros do cônjuge do sócio receberão apenas o direito à percepção dos lucros. Todavia, se vierem a herdar do sócio, nada obsta que recebam as quotas sociais até então detidas pelo de cujus. Diante dessas circunstâncias, tais herdeiros terão, perante a sociedade, duas situações distintas: a) o direito de auferir lucros em relação às quotas havidas por força do falecimento de cônjuge de sócio; b) a titularidade plena das quotas recebidas em razão do óbito daquele que era efetivamente sócio.

Por fim, o maior absurdo a que conduz o artigo 1.027 reside na circunstância de que, ao credor do sócio, permite o novo Código Civil o direito à liquidação da quota do devedor, direito este que ao herdeiro do cônjuge de sócio ou ao cônjuge do que se separou judicialmente, não deferiu (art. 1.026, parágrafo único).

Pois bem, as incertezas que decorrem do dispositivo em exame já se fazem sentir. RICARDO FIUZA, por exemplo, chega a afirmar que a partilha, nesses casos, não poderia ter por objeto as quotas detidas pelo cônjuge ou de cujus na sociedade, mas apenas “o direito à percepção dos lucros que ao sócio falecido ou separado tocarem”.

Não se pode conceber que tenha sido intenção do legislador referendar tão despropositadas consequências. E, se o foi, a injustiça que encerra é de tal ordem, que é preferível que se interprete a norma como se esta estivesse considerando que a parte cabente aos herdeiros do cônjuge de sócio ou o cônjuge de que se separou judicialmente apenas não poderia ser exigida da sociedade. Relativamente a esta é que apenas teriam direito aqueles à divisão periódica dos lucros, direito este que remanesceria até a liquidação final da própria sociedade. Frente ao sócio sempre se faria viável aos herdeiros do cônjuge, como ao ex-consorte, o direito à apuração e cobrança dos haveres correspondentes à participação societária herdada ou recebida em meação.

Mas, ainda que assim se entenda, é importante sublinhar, tal interpretação representa indiscutível retrocesso em relação a evolução jurisprudencial que, quanto a matéria, já se verificara. E, mais do que isso, restaria sempre inexplicável a disparidade de tratamento conferido pelo novo Código Civil ao herdeiro de cônjuge de sócio e ao ex-consorte, de um lado, e ao credor de sócio, de outro.

Acresça-se a propósito – e vai aqui mais um paradoxo – que se os herdeiros do sócio de cônjuge ou o ex-consorte não lograrem receber do sócio o valor correspondente às quotas recebidas em partilha, nada impede que o façam em Juízo e, nesse caso, nada obsta também que a penhora venha a incidir sobre as quotas do devedor. E, neste caso, – e tão somente neste caso, insista-se -, poderão aqueles a quem se outorgou o direito contemplado no art. 1.027, lograr a liquidação da quota do sócio, pois que, nesta hipótese, estarão agindo não mais na condição de herdeiros de cônjuge de sócio ou de seu ex-consorte, mas na de credor particular de sócio.

No entanto, – e embora não seja objeto da análise a que ora nos propusemos – é curioso observar que malgrado aos credores de sócios de sociedades simples e daquelas às quais o respectivo modelo se aplica – v.g., as limitadas, tenha conferido o novo Código Civil o direito de liquidação da quota do devedor, a verdade é que, no que tange aos credores de sócios de sociedades em nome coletivo, o mesmo direito não outorgou. O artigo 1.043, com efeito, é expresso ao estabelecer que “O credor particular de sócio não pode, antes de dissolver-se a sociedade, pretender a liquidação da quota do devedor”. Aliás, o novo Código Civil sequer o direito à participação nos lucros conferiu a tais credores, tal como o fez quanto aos herdeiros do cônjuge de sócio ou ex-consorte.

E se a razão pela qual assim dispôs o novel diploma reside na responsabilidade solidária e ilimitada do sócio integrante de sociedade em nome coletivo, por qual motivo assim, também, não estatuiu o novo Código Civil relativamente aos credores de outros sócios, com a mesma extensão de responsabilidade, como é o caso dos sócios comanditados.

Por fim e muito embora também não seja objeto destes comentários a análise do disposto no art. 1.043, não se pode deixar de consignar que tal dispositivo consagra uma verdadeira válvula de escape para o adimplemento das obrigações contraídas pelos sócios da sociedade em nome coletivo. É que, se o devedor conferir à sociedade em nome coletivo todo o seu patrimônio, os seus credores, com toda certeza, enquanto não dissolvida a sociedade, nada receberão por conta dos respectivos créditos: a eles, com efeito, não se faculta a liquidação da quota, como sequer o recebimento dos lucros auferidos, enquanto não liquidada definitivamente a sociedade. Em suma, até que ocorra a referida liquidação, os seus credores jamais restarão satisfeitos. Teria sido este o intuito do legislador. São estas as dúvidas, entre muitas outras, que o legislador do novo Código Civil deixou sem resposta. (Priscila M. P. Corrêa da Fonseca “Alguns problemas referentes à cessão de quotas no novo Código Civil – Artigo publicado na Revista do Advogado, nº 71 – 2003. webadmin Acesso em 09/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).