sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.145, 1.146, 1.147 - continua Do Estabelecimento - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.145, 1.146, 1.147 - continua
Do Estabelecimento - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo Único –
Disposições gerais (Art. 1.142 a 1.149) Título III – do estabelecimento
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Art. 1.145. Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação.

Sujeitando à apreciação Marcelo Fortes Barbosa Filho, feita uma avaliação acerca do potencial surgimento da insolvência do alienante do estabelecimento empresarial, pode ser verificada grave inaptidão patrimonial, vislumbrando-se prejuízo vultoso para os credores, desfalcada, irremediavelmente, a garantia geral oferecida a seu pagamento. No conjunto dos ativos, o estabelecimento cuja titularidade está sendo transmitida pode apresentar tal relevância que, sem ele, o valor do passivo acumulado superaria aquele atribuído aos demais bens. Nesse caso, para que seja possível extrair todos os efeitos da alienação desejada, exige-se, como fator de eficácia, o adimplemento antecipado das dívidas do empresário alienante ou, efetuada a notificação judicial ou extrajudicial de cada um de seus credores, não seja oferecida, no prazo de trinta dias, qualquer oposição, o que será equivalente a uma aquiescência tácita. O contrato celebrado, caso não seja materializada uma das situações propostas, será válido, mas não apresentará plena eficácia, não podendo atingir a esfera jurídica de credores do empresário alienante. Frise-se que a hipótese prevista no presente artigo pode fornecer suporte à decretação da falência do empresário, porquanto a alienação onerosa ou gratuita do estabelecimento, de acordo com o art. 94, III, c, da Lei n. 11.101/2005 (antigo inciso V do art. 2º do Decreto-lei n. 7.661/45), constitui uma das causas singulares de caracterização do estado falimentar, quando realizada sem aquiescência dos credores e não sobrarem bens suficientes ao saldo das dívidas. Ademais, persiste correspondência com o disposto no art. 129, VI, da Lei n. 11.101/2005 (antigo art. 52, VIII, do Decreto-lei n. 7.661/45), que prevê, ante a falta de prévio adimplemento ou de aquiescência dos credores, o ajuizamento de ação revocatória, por meio da qual é postulado o reconhecimento judicial da ineficácia da alienação de um estabelecimento, deixando o negócio de produzir efeitos perante os ditos credores. A ação revocatória é proposta contra o adquirente do estabelecimento e pretende trazer tal universalidade à massa falida, integrando procedimento concursal em andamento. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.109. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No parecer apresentado na Doutrina de Ricardo Fiuza, na alienação do estabelecimento comercial, o alienante deve possuir bens suficientes para o pagamento das dívidas contraídas junto a seus credores existentes até a data da alienação. Se os bens do alienante foram insuficientes, isto é, inferiores a seu passivo, a alienação somente poderá ser efetuada se todos os credores forem pagos ou se consentirem na realização da operação. Para tanto, nesse caso, antes da conclusão do processo de alienação, o alienante deverá notificar todos os seus credores da operação. Não se manifestando o credor no prazo de trinta dias, haverá presunção de concordância tácita. Se ocorrer manifestação contrária, de qualquer credor, ao processo de alienação do estabelecimento, este não poderá ser concretizado, salvo mediante o pagamento do passivo existente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 593, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comentando o assunto, Marcelo Gazzi Taddei leciona que além dessas formalidades, o CC 1.145, reforçando a proteção dos interesses dos credores, prevê que se ao alienante não restarem bens suficientes para o pagamento do passivo relacionado ao estabelecimento vendido, a eficácia do contrato ficará na dependência do pagamento de todos os credores ou do consentimento (anuência) destes. O empresário que deseja alienar o seu estabelecimento deve solicitar o prévio consentimento dos seus credores, mediante notificação judicial ou pelo oficial de registro de títulos e documentos. O consentimento pode ser expresso (dado por escrito) ou tácito (caracterizado pela inércia do credor nos 30 dias seguintes à notificação judicial ou extrajudicial). O alienante somente se encontra dispensado dessa exigência legal se permanecer solvente mesmo após a alienação.

O trespasse pode, eventualmente, caracterizar sinal de insolvência em razão da supressão da garantia comum dos credores. Constitui ato de falência se realizado sem a anuência dos credores (Lei n° 11.101/2005, art. 94, III, “c”) e não restar ao devedor patrimônio suficiente para saldar o passivo. Caso contrário, ou seja, ficando com bens suficientes, o consentimento dos credores é dispensável. A prova da insuficiência do ativo remanescente incumbe ao autor do pedido de falência. Além disso, se a formalidade prevista no CC 1.145 não for cumprida, a consequência também será prejudicial ao adquirente. O art. 129, VI, da Lei n° 11.101/2005 prevê: “Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores: (…); VI. A venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial de registro de títulos e documentos”; Diante do previsto, o trespasse poderá ser considerado ineficaz perante a massa falida e o adquirente deverá entregar o estabelecimento para a massa falida. O parágrafo único, art. 129, Lei n° 11.101/2005 prevê que “A ineficácia poderá ser declarada de ofício pelo juiz, alegada em defesa ou pleiteada mediante ação própria ou incidentalmente no curso do processo”.


O reconhecimento da ineficácia não exige a má-fé do adquirente do estabelecimento, o simples desatendimento da previsão expressa no inciso VI do art. 129 autoriza a declaração da ineficácia do trespasse, não importando o intuito fraudulento do ato. De acordo com o art. 136 da Lei n° 11.101/2005, reconhecida a ineficácia do ato, as partes retornarão ao estado anterior, e o contratante de boa-fé terá direito à restituição dos bens ou valores entregues ao devedor. O § 2º do referido art. 136 prevê ser garantido ao terceiro de boa-fé, a qualquer tempo, propor ação por perdas e danos contra o devedor ou seus garantes. Cumpre ressaltar que o art. 1145 estabelece uma norma genérica sobre a ineficácia do trespasse perante os credores, quando desatendida a previsão legal, não sendo, nesse caso, necessária a declaração da falência do empresário alienante. De acordo com Marcelo Andrade Féres, “o credor, mesmo sem promover a execução concursal, poderá pleitear, em qualquer processo, o reconhecimento da ineficácia do negócio” (FÉRES, 2007, p.129).


A sucessão empresarial decorrente do trespasse - A transferência do estabelecimento empresarial produz uma série de efeitos obrigacionais, dentre os quais destacam-se aqueles que atingem as dívidas contraídas pelo empresário alienante e sua transferência ao empresário adquirente, caracterizando-se a sucessão empresarial. Portanto, há sucessão empresarial quando o empresário adquirente responde pelas dívidas referentes ao estabelecimento empresarial contraídas pelo empresário alienante. (Marcelo Gazzi Taddei, Advogado, Parecerista, Mestre em Direito pela UNESP de Franca, SP, Professor de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil I da UNIP – Universidade Paulista, de São José do Rio Preto, SP e Professor de Direito Empresarial da ESA – Escola Superior de Advocacia de São José do Rio Preto, SP. , O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado 07/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


 Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

No entendimento de Marcelo Fortes Barbosa Filho, celebrado contrato resultante na alienação gratuita ou onerosa do estabelecimento empresarial, o adquirente assume a titularidade da universalidade de fato no estado em que ela se encontrar e, por isso, responde pelas dívidas já constituídas pelo alienante, desde que persista, evidentemente, nexo de finalidade entre seu surgimento e a administração do conjunto patrimonial enfocado. Diante do trespasse ou da doação, o adquirente sucede, pura e simplesmente, o alienante e deve pagar as referidas dívidas, como se tivessem nascido de sua própria atuação. A regra não admite exceção e apresenta natureza cogente, não sendo válida cláusula contratual em sentido diverso, para excluir ou limitar a responsabilidade do adquirente. Uma única ressalva foi feita, com o fim de resguardar a posição do adquirente de boa-fé. O adquirente permanece isento de responsabilidade quanto a dívidas não contabilizadas, não podendo ser surpreendido por débitos não lançados nos livros do alienante. A alienação pressupõe tenha sido feito um exame da situação econômico-financeira da atividade empresarial realizada pelo estabelecimento, o que, no mais das vezes, só é viável com a leitura e a análise dos lançamentos contábeis, que devem ser elaborados com a estrita observância das regras legais e técnicas. Caso haja dívidas não contabilizadas, a responsabilidade exclusiva recai sobre o alienante, que usou, supostamente, de malícia no curso das tratativas do contrato celebrado. De toda maneira, o alienante, em decorrência do texto legal expresso, mantém-se vinculado a todas as dívidas antigas, permanecendo, por um lapso de tempo certo e determinado, solidariamente obrigado, como forma de proteção suplementar dos credores. A solidariedade remanesce vigente durante um ano, prazo este que pode ostentar dois diferentes marcos iniciais de contagem. Para as dívidas vencidas antes da celebração do contrato de trespasse ou de doação, o prazo de um ano é contado a partir da publicação prevista no CC 1.144, feita pela imprensa oficial, enquanto, para as demais dívidas, seu vencimento constitui o marco de início da contagem do prazo de um ano. Ressalte-se que as regras estratificadas pelo presente artigo apresentam grande importância, suprindo antiga lacuna da legislação nacional e evitando a proliferação de soluções díspares para as questões controvertidas derivadas da alienação do estabelecimento empresarial. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.110. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua doutrina Ricardo Fiuza dá nome aos bois. A hipótese tratada na norma é denominada doutrinariamente cessão da clientela. Junto com o estabelecimento comercial e seus atributos, a alienação ou arrendamento abrange a clientela que normalmente com ele realizava negócios, em razão de seu nome empresarial, do seu ponto comercial, das marcas de seus produtos e de outros elementos corpóreos e incorpóreos que servem de referencial para a prática mercantil. Na alienação do estabelecimento, o alienante fica obrigado, pelo prazo de cinco anos, a não continuar exercendo a mesma atividade que era objeto do estabelecimento, no mesmo ramo de atividade comercial, salvo disposição expressa no contrato de alienação permitindo que o alienante possa concorrer, na mesma praça, disputando clientela com o adquirente. Nas hipóteses de arrendamento ou usufruto do estabelecimento comercial, a cessão da clientela deverá ser observada pelo mesmo prazo de vigência do contrato que instituiu o arrendamento ou usufruto. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 594, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).  

A seleção de Marcelo Gazzi Tadei elimina dúvidas quanto ao artigo em comento O Código Civil de 2002 disciplina a sucessão empresarial no CC 1.146:“ O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento” O contrato de trespasse não pode excluir ou limitar a responsabilidade do empresário adquirente pelas dívidas do estabelecimento empresarial adquirido. O CC 1.146 do Código Civil não admite exceção, tem natureza cogente, não havendo espaço para a autonomia de vontade das partes restringir os interesses dos credores. Cláusula que contraria o disposto no CC 1.146 não terá validade.

A sucessão empresarial está disciplinada pelo Código Civil brasileiro de forma semelhante à prevista no direito italiano, conforme se observa pelo conteúdo do art. 2.560, in verbis:2.560. Debiti relativi all’azienda ceduta – L’alienante nom è liberato daí debiti, inerenti all’esercizio dell’azienda ceduta anteriori al trasferimento, se non risulta che i creditori vi hanno consentito (1273). Nel transferimento di un’azienda comerciale risponde dei debiti suddetti anche l’acquirente dell’azienda (2112) se essi risultano daí libri contabili obbligatori (2214-2220;Trans.220).”

(Codice Civile, 2007, p.409) - De acordo com o Codice Civile, o empresário adquirente do estabelecimento torna-se solidariamente responsável com o empresário alienante pelas dívidas da azienda, desde que elas se encontrem regularmente escrituradas nos livros comerciais obrigatórios. No direito italiano, o empresário adquirente assume a responsabilidade pelas dívidas regularmente escrituradas, mas, elas não são transferidas para ele, salvo se o contrato de trespasse assim determinar. Portanto, no silêncio contratual, o empresário alienante é o principal obrigado pelas dívidas do estabelecimento, respondendo o adquirente de forma solidária pelo seu pagamento. Entretanto, esse entendimento não é pacífico no direito italiano, alguns doutrinadores atribuem ao empresário adquirente do estabelecimento a qualidade de devedor principal (FÉRES, 2007, p. 110).


No Código Civil brasileiro, o empresário adquirente responde pelas dívidas regularmente escrituradas referentes ao estabelecimento empresarial negociado, ficando o empresário alienante responsável por essas dívidas de forma solidária com o adquirente, mas, por tempo limitado. De acordo com o CC 1.146, o empresário adquirente é o devedor principal pelas dívidas do estabelecimento adquirido, respondendo o alienante de forma solidária pelo tempo limitado de um ano contado do vencimento ou da publicação, conforme se trate de dívida vincenda ou vencida.


Durante o prazo legal, os credores podem responsabilizar o empresário adquirente e o empresário alienante do estabelecimento. Após o prazo previsto de um ano (do vencimento da dívida ou da publicação do trespasse, conforme o caso), apenas o empresário adquirente pode ser responsabilizado pelas dívidas do estabelecimento. Embora a previsão legal demonstre a preocupação do legislador com os interesses dos credores, a limitação temporal da responsabilidade do alienante pode gerar uma situação prejudicial aos credores do estabelecimento, conforme observa Marcelo Andrade Féres em obra específica sobre o tema: “Imagine-se, por exemplo, uma sociedade empresária que aliena um de seus quatro estabelecimentos para outra pessoa jurídica, cujo patrimônio se limita à universalidade em negociação. Na espécie, após o decurso do prazo decadencial de sobrevida da responsabilidade do trespassante – sociedade abastada -, os credores serão prejudicados pela disposição da lei. Perceba-se, assim, que a opção do Código Civil pela transmissão do estabelecimento com todas as suas vicissitudes para o trespassário, episodicamente, pode acarretar situação prejudicial aos credores, embora ela pretenda resguardá-los” (Féres, 2007, p. 114).


As dívidas comuns que não se encontrem regularmente escrituradas não são de responsabilidade do empresário adquirente, que não teve oportunidade de conhecer sua existência, pela ausência na escrituração ou pela sua irregularidade. O empresário adquirente, nos termos do CC 1.146, assume responsabilidade nos limites da escrituração apresentada pelo empresário alienante. As dívidas existentes que não fazem parte da escrituração apresentada ao adquirente, são de responsabilidade do empresário alienante. Referido entendimento, entretanto, permite adequações diante da comprovação de elementos indicativos de fraude contra credores, hipótese em que o adquirente pode ser responsabilizado.


Cumpre ressaltar que o CC 1.146 aplica-se às dívidas comuns, não abrange as dívidas trabalhistas e tributárias, que possuem tratamento legal específico. Caracterizam-se como dívidas comuns, por exemplo, aquelas ligadas aos parceiros comerciais (fornecedores de matéria-prima, de embalagem, campanhas publicitárias) e também as de natureza financeira (empréstimos bancários, contratos de leasing, financiamento). Nas outras hipóteses de sucessão empresarial, a responsabilidade do adquirente por obrigações do alienante decorre da lei trabalhista e fiscal, não se exigindo nesses casos a regular contabilização da dívida para fins de responsabilização do adquirente em relação aos passivos tributários e trabalhistas.


O art. 448 da CLT dispõe que mudanças na propriedade da empresa não afetam os contratos de trabalho existentes, possibilitando ao empregado duas opções: a de demandar o antigo proprietário do estabelecimento empresarial em que trabalhava, ou o atual. Em qualquer hipótese, o empresário não poderá opor-se à pretensão do empregado, com base no contrato de trespasse, já que elas geram efeitos apenas entre os empresários participantes do negócio. Assim, se o adquirente é responsabilizado perante antigo empregado do alienante, e por meio do contrato de trespasse, não havia expressamente assumido o passivo trabalhista dele, terá direito de regresso para se ressarcir do prejuízo. No que se refere ao passivo fiscal com base no art. 133 do CTN, distinguem-se duas situações: se o alienante deixa de explorar qualquer atividade econômica; ou se continua a exploração de alguma atividade (não importando o gênero) nos seis meses seguintes à alienação. O art. 133 do CTN prevê: “A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato:

I. Integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;


II. Subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de 6 (seis) meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão”.


Perante o fisco são inoponíveis também os termos do contrato de trespasse, que apenas eventualmente podem fundamentar o direito de regresso. Em matéria de sucessão empresarial, ressalta-se o tratamento atribuído pela Lei de Falência e Recuperação de Empresas aos casos de aquisição judicial de estabelecimento do devedor em crise em processos de recuperação judicial e de falência, em que a responsabilidade do adquirente pelas dívidas referentes ao estabelecimento adquirido, inclusive as de natureza tributária e trabalhista, foi afastada (art. 60, parágrafo único e art. 141, II, Lei n° 11.101/2005).


No âmbito da recuperação judicial de empresa, se o plano de recuperação aprovado abranger a alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização na forma do art. 142 da LF (leilão com lances orais, propostas fechadas ou pregão), sendo que o objeto da alienação encontra-se livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária (art. 60, LF). Na falência, o art. 141, I, dispõe que todos os credores se sub-rogam no produto da realização do ativo, de forma que o bem adquirido está isento de responder por dívidas do falido. O inciso II do referido artigo prevê que na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.


No âmbito tributário, a aplicação de referidos dispositivos tornou-se possível diante da alteração do art. 133, CTN, pela Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005, que acrescentou um §1° ao artigo, in verbis:


“§1°. O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial: I – em processo de falência; II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial”.


Foi incluído também o §2° ao art. 133, prevendo que a isenção do §1° não se aplica quando o adquirente for sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido em recuperação judicial, ou ainda parente em linha reta ou colateral até o 4° grau, consanguíneo ou afim, do devedor ou qualquer de seus sócios, ou ainda para aquele identificado como agente do falido ou devedor em recuperação judicial, com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.


O art. 133 também recebeu o acréscimo do §3°:


Em processo de falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo da falência pelo prazo de 1 ano, contado da data da alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extra concursais ou de créditos que preferem ao tributário”.


Em relação à sucessão trabalhista, certamente encontrará severa resistência da justiça especializada do trabalho, diante da natureza alimentar do crédito trabalhista, conforme se verificou no caso da recuperação judicial da Varig. Entretanto, é necessário lembrar que um dos grandes temores de quem arremata um bem em juízo é tornar-se sub-rogado nos ônus incidentes sobre o bem. Como incentivo à existência de interessados na compra, a lei afasta o bem de quaisquer ônus ou sucessão, blindando-o.


Para evitar fraudes, o §1°, art. 141, da Lei n° 11.101/2005 afasta essa blindagem quando a aquisição tenha sido feita por pessoas próximas ao devedor: sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; parente, em linha reta ou colateral até o quarto grau, consanguíneo ou afim (por afinidade), do falido ou de sócio da sociedade falida; identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão. Nesta lista, embora a legislação não preveja, devem ser incluídos o cônjuge e o companheiro do falido ou de seus sócios.


Cláusula de não-restabelecimento (interdição da concorrência) - O alienante do estabelecimento empresarial que se restabelece em concorrência com o adquirente, em geral atrai para o novo local de seus negócios a clientela que formou no antigo. Ulhoa destaca que o desvio de clientela na atualidade deve-se menos ao contato pessoal entre o consumidor e o empresário e mais às informações que o empresário alienante detém sobre a realidade do mercado em que opera (COELHO, v. 1, 2007, p. 101).


Como o adquirente pagou ao alienante um valor baseado no aviamento do estabelecimento, e não na simples soma dos bens que o compõem, o restabelecimento do alienante importa prejuízo ao adquirente, podendo caracterizar enriquecimento indevido, daí a razão da cláusula de não-restabelecimento, que tem por finalidade impedir que o empresário alienante se restabeleça em concorrência com o adquirente (na mesma atividade, em local que disputam a mesma clientela e nos 5 anos seguintes ao trespasse).

A cláusula de não restabelecimento, também denominada de cláusula de interdição da concorrência, constitui uma obrigação de não fazer assumida contratualmente pelo empresário alienante do estabelecimento que se compromete a não concorrer com o empresário adquirente. São fundamentos para a previsão legal da cláusula de não restabelecimento: o princípio da boa-fé na execução dos contratos (CC 422, o princípio da equidade e da concorrência leal. (Marcelo Gazzi Taddei, Advogado, Parecerista, Mestre em Direito pela UNESP de Franca, SP, Professor de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil I da UNIP – Universidade Paulista, de São José do Rio Preto, SP e Professor de Direito Empresarial da ESA – Escola Superior de Advocacia de São José do Rio Preto, SP. , O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado 07/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência. Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do contrato.

No embalo de Marcelo Fortes Barbosa Filho, até o início da vigência do Código Civil de 2002, era muito comum a inserção, nos contratos de trespasse, de uma cláusula de interdição de concorrência, explicitando estar o alienante proibido de organizar novo estabelecimento similar ao transmitido e, assim, impor substancial prejuízo ao adquirente, dada a depreciação decorrente de inevitável perda de clientela e diminuição do aviamento. Agora, a proibição está subentendida, ostentando caráter geral e vigorando por um prazo certo, de cinco anos contados da celebração de contratos onerosos ou gratuitos resultantes na transferência da titularidade de um estabelecimento, de trespasse ou de doação. A regra possui, contudo, natureza dispositiva e as partes negociais (alienante e adquirente) podem dispensar, limitar ou ampliar a interdição legal, mediante cláusula inserida no instrumento contratual elaborado, cuja averbação está prevista no CC 1.144. Deixa-se espaço para que o interesse privado prevaleça e construa uma disciplina concreta para o período imediatamente posterior à transferência da titularidade de um estabelecimento empresarial, preservado um regramento mínimo. O parágrafo único estende, também, a incidência da regra geral de interdição da concorrência ao contrato de arrendamento e à instituição de usufruto do estabelecimento empresarial, fixando-se apenas um prazo diverso, posto que a proibição deve perdurar enquanto o arrendamento estiver em curso ou o direito real de usufruto continuar onerando o bem coletivo. Equiparam-se, assim, o arrendatário e o usufrutuário ao adquirente do estabelecimento empresarial, pois suas posições jurídico-econômicas são, ao menos quanto à concorrência, equivalentes, ficando protegido quanto à atuação do arrendante ou do nu-proprietário, instituidor do direito real limitado. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.111. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Enquanto o histórico aponta O enunciado por este artigo manteve a redação do projeto original. Não tem precedente no Código Civil de 1916. A Lei de Falências (Decreto-Lei n. 7.661/45, art. 52, parágrafo único) estabelecia o prazo de dois anos a cessação da responsabilidade do alienante do estabelecimento comercial na condição de sócio de responsabilidade solidária.

Em sua Doutrina Ricardo Fiuza demonstra que na alienação ou trespasse, o estabelecimento é transferido em sua totalidade, compreendendo todos os seus bens corpóreos e incorpóreos e seu ativo e passivo. O adquirente assume a responsabilidade, perante os credores da empresa, pelas dívidas devidamente contabilizadas na data da alienação. O alienante do estabelecimento, devedor primitivo, ficará solidariamente responsável junto ao adquirente pelas dívidas vencidas e vincendas contabilizadas na data da alienação, pelo prazo de um ano. Para as dívidas vencidas, esse prazo é contado da data da publicação do ato de arquivamento da alienação no Registro Público de Empresas Mercantis. Para as dívidas vincendas, o prazo de um ano se inicia a partir do vencimento do título correspondente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 594, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).  

Lecionando Marcelo Gazzi Taddei, de acordo com o caput do CC 1.147, baseado no art. 2.557 do Codice Civile, se o contrato de trespasse é omisso em relação ao restabelecimento, presume-se no direito brasileiro implícita a cláusula de não restabelecimento pelo prazo de 5 (cinco) anos seguintes ao trespasse: “Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência.”

Em razão do art. 170, Constituição Federal de 1988, a cláusula de não restabelecimento deve apresentar limites materiais (ramo de atividade), territoriais (âmbito geográfico) e temporais (prazo de não concorrência) para não ofender os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência. A cláusula de não restabelecimento que vede a exploração de qualquer atividade econômica ou não estipule restrições temporais ou territoriais não gera o efeito pretendido pelas partes. Marcelo Andrade Féres destaca que além dos elementos temporal, territorial e material, a cláusula de não restabelecimento deve indicar o elemento pessoal, que se refere às partes signatárias do trespasse. De acordo com o caso concreto, mostra-se oportuna a vedação da concorrência sobre outras pessoas, como os administradores e sócios controladores da sociedade empresária alienante do estabelecimento, vedação que se estende aos seus herdeiros e cônjuges (FÉRES, 2007, p. 159).


De acordo com o art. 2.557 do Código Civil italiano, se o contrato de trespasse indica um prazo maior que 5 anos ou esse prazo não é previsto, a interdição da concorrência vale pelo período de cinco anos da transferência. O mesmo artigo ainda prevê que a cláusula de interdição da concorrência prevista em limites mais amplos que os materiais ou geográficos é válido, desde que não impeça toda e qualquer atividade profissional do alienante, entretanto, não pode exceder o prazo de 5 anos da transferência. 

A legislação brasileira não estabeleceu um limite temporal máximo para o não restabelecimento do empresário, o prazo de 5 anos previsto no CC 1.147 está previsto para os casos em que o contrato de trespasse não trata da questão, servindo de referência.
Diante da lacuna legal, admite-se a possibilidade do contrato de trespasse estabelecer um limite temporal superior ao prazo de 5 anos, desde que exista uma compensação econômica ao empresário alienante e não exista ofensa ao princípio constitucional da livre iniciativa. Conforme se observa, a questão exige a análise cautelosa do caso concreto para verificar a validade do excesso de prazo previsto. De qualquer forma, havendo a configuração das hipóteses previstas no art. 54 da Lei n° 8.884/1994, o ato deve ser submetido à apreciação do CADE.

O CC 1.147 do CC 2002 permite o afastamento da cláusula de não restabelecimento pela vontade das partes, desde que expressa no contrato de trespasse. O restabelecimento do alienante em concorrência com o adquirente somente é possível se o contrato de trespasse apresentar cláusula de autorização expressa. Omisso o contrato, presume-se vedado o restabelecimento do empresário alienante pelo prazo de 5 anos. Na hipótese de violação da cláusula de não restabelecimento pelo empresário alienante, o empresário adquirente poderá promover execução específica de obrigação por meio da Ação Cominatória prevista no art. 461 do Código de Processo Civil, (correspondendo ao art. 497 do CPC/2015) que permite a fixação de multa diária (astreintes) para coibir a continuação da concorrência vedada. Se ao descumprimento da cláusula de não restabelecimento somarem-se outras condutas caracterizadoras de concorrência desleal, o empresário alienante também poderá sofrer sanções penais, diante da configuração de crime de concorrência desleal (art. 195, Lei n° 9.279/1996). (Marcelo Gazzi Taddei, Advogado, Parecerista, Mestre em Direito pela UNESP de Franca, SP, Professor de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil I da UNIP – Universidade Paulista, de São José do Rio Preto, SP e Professor de Direito Empresarial da ESA – Escola Superior de Advocacia de São José do Rio Preto, SP. , O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado 07/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.142, 1.143, 1.144 - continua Do Estabelecimento - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.142, 1.143, 1.144 - continua
Do Estabelecimento - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo Único –
Disposições gerais (Art. 1.142 a 1.149) Título III – do estabelecimento
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Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

Na palavra de Marcelo Fortes Barbosa Filho, Considerada a empresa, tal qual afirmado no CC 966, como uma estrutura complexa e capaz de ser examinada de quatro ângulos ou perfis diferenciados, o estabelecimento empresarial corresponde a seu perfil patrimonial. A produção ou a circulação de mercadorias ou serviços precisa, para ser desenvolvida, do agrupamento de bens corpóreos e incorpóreos dotados de destinação econômica específica, organizados e dispostos racionalmente para a execução da atividade profissional própria à empresa. Forma-se, assim, uma universalidade, ou seja, um bem coletivo que conforma um todo único, mas heterogêneo. A vontade de um empresário, manifestada por meio de decisões individuais e interligadas, envolve o conjunto composto por uma quantidade variável de bens singulares, de identidade e qualidade totalmente díspares, vinculando-o a uma mesma finalidade econômica e dotando-o, por isso, de unidade. Surge, então, como universalidade de fato, dado seu enquadramento na definição contida no caput do art. 90, o estabelecimento empresarial. Seja qual for o empreendimento realizado, haverá sempre um estabelecimento, pois o empresário necessitará se aproveitar de algum suporte material, somando-se, por exemplo, materiais de escritório, bens de capital, marcas, patentes ou veículos, tudo integrado pelos mesmos desígnios volitivos. O estabelecimento pode ser simples, concentrando-se todos os bens num único local geográfico, mas, também, assume a forma complexa e pode apresentar ramificações, estendendo-se a locais diferentes, sob a forma de sucursais ou filiais, de acordo com a magnitude e o conteúdo da atividade escolhida. A variabilidade é bastante grande, contrastando, inclusive, o estabelecimento urbano, voltado para o comércio ou para a indústria, com o estabelecimento rural, voltado para a agricultura ou a pecuária. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.108. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza o estabelecimento regulado por este título sempre foi denominado pela doutrina estabelecimento comercial ou fundo de comércio. Desse modo, só haverá estabelecimento no âmbito da atividade empresarial, afeta a negócios e atos mercantis. Em uma definição sintética, o estabelecimento é “o instrumento da atividade do empresário” (Rubens Requião, Curso de direito comercial, São Paulo, Saraiva, v. 1, p. 185). A partir do capital e do patrimônio realizado na empresa pelo seu titular, são captados e reunidos os recursos humanos, físicos, tecnológicos, assim como os bens incorpóreos, a exemplo do nome empresarial, das marcas e patentes. A forma como esses recursos são reunidos e organizados pelo empresário, que caracteriza o modo como a empresa vai atuar na realização de negócios, representa, exatamente, o estabelecimento comercial. O estabelecimento compreende dois atributos principais: o aviamento, entendido como a capacidade de a empresa auferir lucros a partir da organização dos fatores de produção, e a clientela, que é o conjunto de pessoas que se relacionam com a empresa. O célebre jurista francês Georges Ripert chegava mesmo a se referir ao estabelecimento comercial como “o direito a uma clientela”. As pessoas tornam-se clientes de uma empresa exatamente em razão dos atributos do estabelecimento comercial. Assim, o enunciado por este artigo define o estabelecimento como o complexo ou conjunto de bens, corpóreos e incorpóreos, organizados para o exercício da empresa. O novo Código Civil considera empresário apenas o titular de firma individual. A sociedade empresária representa o próprio empresário, enquanto seus sócios ou acionistas diretores ou administradores são definidos, no rigor da terminologia jurídica, como “empreendedores ou investidores” (Fábio Ulhoa Coelho, Curvo de direito comercial, São Paulo, Saraiva, v. 2, p. 6). Ainda que não se atenda ao rigor técnico da lei, continuarão sendo designados como empresários também os sócios administradores da sociedade empresária, uma vez que são eles, pessoas físicas, os verdadeiros titulares do aviamento incorporado ao estabelecimento comercial. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 592, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).  

Segundo , por Marcelo Gazzi Taddei, de acordo com o O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, a definição legal de estabelecimento presente no Código Civil brasileiro é baseada no Codice Civile italiano de 1942, conforme se observa pela leitura do seu art. 2.555, in verbis: “Art. 2555. Nozione. – L’azienda è il complesso dei beni organizzati dall’imprenditore per l’esercizio dell’impresa (2082)” (CODICE CIVILE2007, p.408).


Portanto, o estabelecimento empresarial pode ser definido como o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos organizados pelo empresário para a exploração da atividade econômica (empresa). Apresentando-se como um conjunto ou complexo de bens, não se resume, conforme visto, ao local de desenvolvimento da empresa. Na exploração de uma atividade empresarial é necessária a organização de vários bens, sem a organização desses bens não é possível dar início à exploração da atividade econômica. O estabelecimento empresarial é essencial para o exercício da empresa, correspondendo a um dos elementos da empresarialidade. O empresário pode exercer sua atividade em mais de um estabelecimento, destacando-se o estabelecimento principal (sede ou matriz) e os secundários (filiais).



Alguns autores, entre os quais Rubens Requião, Fran Martins, Waldirio Bulgarelli, utilizam as expressões fundo de comércio (influência francesa) e azienda (influência italiana, significa negócio, empresa, firma) como sinônimas de estabelecimento empresarial. Para Fábio Ulhoa, fundo de comércio, que ele prefere chamar de fundo de empresa, não pode ser considerada expressão sinônima de estabelecimento empresarial, porque corresponde ao valor agregado do estabelecimento (conjunto de bens organizados), sendo um atributo do estabelecimento (COELHO, v.1, 2007, p.98).



O Código Civil não utiliza a denominação estabelecimento empresarial. Entretanto, diante do conteúdo da definição legal e por ser um dos elementos da empresarialidade, o acréscimo do termo empresarial deve ser feito. Nesse sentido, Marcelo Andrade Féres entende que: “por ter-se amoldado à teoria da empresa, dado o conceito que fornece de estabelecimento, vinculando este à figura do empresário ou à da sociedade empresária, é de melhor técnica usar-se a designação estabelecimento empresarial” (FÉRES, 2007, p. 5). (, O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado 06/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


Art. 1.143. Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza.

No entendimento de Marcelo Fortes Barbosa Filho, qualificado o estabelecimento empresarial como uma universalidade de fato, resulta, como decorrência natural, a possibilidade de ser tal bem coletivo objeto de negócios jurídicos. Cada um dos elementos individuais do estabelecimento pode receber tratamento isolado, mas, nos termos do proposto pelo parágrafo único do CC 90, pode-se considerá-los como um todo. Viabiliza-se, portanto, a celebração de contratos ou a instituição de direitos reais sobre o todo formado pelo conjunto de bens destinados à produção ou circulação de bens organizada profissionalmente, unidos por uma mesma finalidade e colocados sob a disponibilidade do empresário. A consecução desses negócios jurídicos toma como ponto de partida a obra criadora e organizadora realizada, realçando-se a alienação do estabelecimento, denominada trespasse, e seu arrendamento, espécie peculiar de locação. Os valores agregados pela reunião ordenada dos bens componentes do estabelecimento merecem ser sempre considerados, sendo imprescindível ter sempre em mente seus predicados fundamentais. O volume e a qualidade de pessoas com as quais é mantido relacionamento negociai, ou seja, a clientela, bem como o potencial de lucros gerado pela concreta situação de dado estabelecimento, correspondente ao aviamento, se conjugam à eficiência operacional proporcionada pelos locais físicos ou virtuais nos quais é mantido relacionamento com dito público (pontos de empresa). Todos os predicados do bem coletivo se somam, diferenciando-se de mera soma ou reunião desordenada. Obtém-se, então, uma apreciação mais exata da realidade patrimonial presente na empresa, o que, caso cada bem fosse apreciado em separado, não ocorreria. Anote-se, por fim, que, muito embora a universalidade se apresente como um bem móvel, devendo, quando celebrado negócio jurídico tendo-o por objeto, ser observadas as formalidades próprias a tal espécie de bem, os imóveis incluídos na universalidade recebem tratamento peculiar e os atos relativos são feitos em separado, obedecendo a sua disciplina peculiar. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.108. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o estabelecimento comercial, como complexo de bens organizados pelo empresário para o exercício da empresa, possui caráter unitário, representado não só pela base física onde funciona a empresa (ponto comercial) como por outros elementos corpóreos e incorpóreos que possuem a capacidade de realizar negócios, atrair clientes e gerar lucros na atividade mercantil. Desse modo, o enunciado por este CC 1.143 admite que o estabelecimento pode ser objeto de negócios jurídicos envolvendo ele próprio, desde que compatíveis com sua natureza unitária. Assim, o estabelecimento pode ser alienado a terceiros, operação tradicionalmente denominada trespasse. Pode também o estabelecimento, com todos os seus recursos e elementos, ser objeto de arrendamento, espécie de locação que abrange os bens corpóreos e incorpóreos aplicados na empresa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 592, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).  
Nas palavras de Marcelo Gazzi Taddei, ainda no ritmo d, O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, no Brasil, o Código Comercial de 1850 e a legislação comercial vigente não disciplinaram especificamente a matéria, apenas a antiga e revogada Lei de Falências (art. 52, VIII, Dec.lei nº 7.661/45) referia-se ao estabelecimento prevendo a sua venda e, a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991), prevê proteção indireta ao estabelecimento, assegurando no art. 51 proteção ao ponto empresarial por meio da ação renovatória.

Dentre os pontos positivos do Código Civil vigente, sem dúvida o tratamento legal específico atribuído ao estabelecimento merece destaque. O estabelecimento empresarial constitui elemento da empresarialidade e é essencial para o desenvolvimento de qualquer atividade econômica. Sua disciplina legal é imprescindível para atribuir a segurança jurídica necessária para as questões obrigacionais decorrentes da exploração da empresa, conforme será ressaltado no presente artigo.


O estabelecimento empresarial, muitas vezes, é relacionado simplesmente ao local onde o empresário exerce a atividade econômica. Essa noção vulgar não corresponde à definição jurídica de estabelecimento, que não se resume ao local de desenvolvimento da empresa. É certo que a noção vulgar integra a definição jurídica, mas, o estabelecimento empresarial apresenta uma definição bem mais ampla que o simples local de exploração da atividade econômica, que constitui um dos elementos do estabelecimento, não se confundindo com ele. É uma impropriedade técnica resumir a definição de estabelecimento à ideia de local onde a empresa é exercida.


Natureza do estabelecimento empresarial: CC 1.143. Muito se discutiu em torno da natureza do estabelecimento empresarial, existindo várias teorias diferentes sobre a sua natureza. Atualmente, a doutrina moderna dominante entende que o estabelecimento empresarial apresenta a natureza de universalidade de fato, já que corresponde a um conjunto de bens que se mantém unidos, destinados a uma finalidade, por vontade e determinação do seu proprietário. O estabelecimento, correspondendo a uma unidade organizada para uma finalidade específica, não se confunde com o patrimônio do empresário. Não pode ser considerado universalidade de direito porque esta só se constitui por força de lei, como ocorre com a herança e a massa falida. Para Marcelo Andrade Féres, “Após a codificação de 2002, não há espaço para a formação de dissidências. O trato do estabelecimento, nitidamente inspirado pelo Codice Civile, trilha o caminho da universalidade de fato” (FÉRES, 2007, p.20).


O CC 1.143, prevê: “Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos e constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza”. Segundo Marlon Tomazette (2004, p. 11), o Código Civil classifica o estabelecimento empresarial como uma coisa coletiva ou estabelecimento de fato porque permite que seja como um todo objeto unitário de direitos e negócios jurídicos, sem, contudo, proibir a negociação isolada dos bens integrantes do mesmo. O Código Civil define universalidade de fato no CC 90 como a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária, podendo, entretanto, ser objeto de relações jurídicas próprias. Portanto, os bens integrantes do estabelecimento podem ser objeto de relações jurídicas autônomas ou podem ser negociados de forma unitária, por meio do trespasse, como um conjunto de bens.



Vale lembrar que o estabelecimento empresarial não se confunde com o empresário, que é aquele que exerce a atividade empresarial, e nem com a empresa, que corresponde à própria atividade exercida pelo empresário por meio do estabelecimento empresarial. O estabelecimento não é sujeito de direito (sujeito de direito é o empresário) e não possui personalidade jurídica. O estabelecimento empresarial não é uma pessoa jurídica, é uma universalidade de fato que integra o patrimônio do empresário individual ou da sociedade empresária, sendo objeto de direito, pode ser alienado, onerado, arrestado, penhorado ou objeto de sequestro.


Relacionado à natureza jurídica do estabelecimento empresarial encontra-se o princípio da construção continuada do estabelecimento, pelo qual, o complexo organizado de bens utilizado pelo empresário não é algo estático, é dinâmico, modificando-se constantemente de acordo com o desenvolvimento da atividade econômica (circulação das mercadorias, reforma do imóvel, aquisição e venda de maquinários e veículos). Tudo isso influencia a definição do aviamento e do valor do estabelecimento. Segundo Marcelo Andrade Féres, o estabelecimento nunca está pronto e acabado, ele está sempre em evolução (2007, p. 22).

O estabelecimento empresarial é composto por a) elementos corpóreos (materiais) e b) incorpóreos (imateriais): a) Os elementos materiais abrangem as mercadorias do estoque, utensílios, veículos, móveis, máquinas, edifícios, terrenos, matéria-prima, dinheiro e títulos (atividades bancárias) e todos os demais bens corpóreos utilizados pelo empresário na exploração de sua atividade econômica; b) Os elementos incorpóreos (imateriais) do estabelecimento empresarial são, principalmente, os bens industriais (patentes de invenção e de modelo de utilidade, registros de desenho industrial e de marca registrada), o nome empresarial, o título de estabelecimento, expressão ou sinal de publicidade, o ponto empresarial (local em que se explora a atividade econômica, ponto físico), o nome de domínio (endereço do empresário na Internet, ponto virtual), obras literárias, artísticas ou científicas.


Os contratos não integram o estabelecimento empresarial porque não são bens, como ressalta Marlon Tomazette (2004, p. 16), acompanhando Rubens Requião (2003, p. 284). Nesse sentido, Marcelo Andrade Féres conclui que entre os bens integrantes do estabelecimento empresarial não se compreendem dívidas, créditos ou contratos, para Féres, “as relações jurídicas integram, outrossim, o patrimônio do empresário, ao lado dos elementos do estabelecimento” (FÉRES, 2007, p. 21).



Do aviamento e clientela: O valor atribuído ao estabelecimento empresarial não se confunde com a simples soma dos bens que o compõe, já que o mercado valoriza o investimento realizado pelo empresário na organização do estabelecimento empresarial. A organização do estabelecimento influencia a sua potencialidade de gerar lucro ao empresário, daí a importância do aviamento na definição do preço do estabelecimento. O aviamento corresponde à potencialidade do estabelecimento empresarial gerar lucro, estando diretamente relacionado à clientela: quanto maior a clientela, maior o aviamento. Não se pode considerar o aviamento um bem integrante do estabelecimento, corresponde a um atributo dele, sua capacidade de gerar lucros. Esse é o atual entendimento da doutrina. Nesse sentido, Marcelo de Andrade Féres destaca: “o avviamento constitui um atributo do estabelecimento, e não da empresa, como pretende parte da doutrina. Inegavelmente, o avviamento é o sobrevalor que se confere ao estabelecimento bem organizado.  Suponha-se que um empresário, que vende no varejo calçados de luxo, tenha dois estabelecimentos empresariais, um situado num bairro nobre e outro numa localidade humilde. No primeiro ponto, ele tem ótima clientela, as vendas são significativas. No segundo, o movimento não é suficiente para o pagamento dos custos operacionais. Com certeza, o avviamento não pode estar relacionado à empresa (atividade), pois ela é idêntica em ambas as situações. A capacidade de gerar lucro, assim, decorre diretamente da articulação dos elementos do estabelecimento, inclusive o espacial, o que torna patente que cada azienda tem seu avviamento” (FÉRES, 2007, p. 34).   



De acordo com a doutrina moderna também não se pode incluir a clientela como elemento do estabelecimento empresarial. Clientela é o conjunto de pessoas que adquirem habitualmente os produtos ou serviços fornecidos por um empresário. Não é objeto de apropriação pelo empresário, razão pela qual não se pode incluí-la entre os elementos do estabelecimento empresarial. Também não se pode falar em direito à clientela, afinal, corresponde a um conjunto de pessoas que apresenta alterações no tempo e no espaço, o que afasta um seguro delineamento. Integrando a clientela, existem pessoas que adquirem os produtos ou serviços de forma esporádica, ao acaso, ao passo que outras o fazem por conhecerem a marca, não importando o empresário que celebra o negócio. Por outro lado, existem os clientes ligados ao estabelecimento por questões pessoais, em razão de conhecerem empregados, gerentes, sócios ou o empresário individual. De acordo com Marlon Tomazette: “Não obstante seja incorreto falar-se em direito à clientela, é certo que há uma proteção jurídica a ela, consistente nas ações contra a concorrência desleal. Todavia, tal proteção não torna a clientela objeto de direito do empresário, pois o que se protege na verdade são os elementos patrimoniais da empresa, aos quais está ligada a clientela, esta recebe uma proteção apenas indireta” (TOMAZETTE, 2004, p. 14)



Trespasse - O contrato de compra e venda do estabelecimento empresarial é denominado trespasse. Embora consagrada pela doutrina para designar a transferência, a expressão trespasse não foi adotada pelo Código Civil de 2002, mas, a Lei de Falência e de Recuperação de Empresas (Lei n° 11.101/2005) indica dentre os meios de recuperação judicial no art. 50, VII, o trespasse. No trespasse há a transferência do estabelecimento do patrimônio do empresário alienante (trespassante) para o patrimônio do empresário adquirente (trespassário). O objeto da venda é o complexo de bens corpóreos e incorpóreos. Para que a alienação do estabelecimento empresarial produza efeitos perante terceiros deve preencher os requisitos previstos no Código Civil. O trespasse constitui contrato bilateral realizado entre o alienante do estabelecimento (trespassante) e o adquirente (trespassário). O alienante, assim como o adquirente do estabelecimento, podem ser empresários individuais ou sociedades empresárias.



O aviamento do estabelecimento, ou seja, a capacidade de gerar lucro ao seu titular deve ser informado pelo empresário alienante nas negociações preliminares ao trespasse. Constitui direito do empresário adquirente ser informado sobre o aviamento do estabelecimento que pretende adquirir, sendo dever do empresário alienante apresentar informações verídicas, sob pena de resolução do contrato e da indenização correspondente. Para verificar a realidade do estabelecimento que irá adquirir, o exercício do direito de informação pelo empresário adquirente pode ocorrer por meio da due diligence, que envolve uma análise investigativa sobre a situação econômica do estabelecimento antes da sua aquisição pelo interessado. A análise é baseada na escrituração referente ao estabelecimento em negociação, daí a importância da regularidade da escrituração (CC 1.179), já que as operações omitidas dos registros contábeis equivalem a negociações não realizadas, reduzindo, consequentemente, o valor do aviamento.



Cumpre ressaltar que o trespasse não se confunde com a cessão de quotas sociais de sociedade limitada ou a alienação de controle da sociedade anônima. Na transferência da participação societária o estabelecimento empresarial não muda de titular, tanto antes como após a transação ele pertencia e continua a pertencer à sociedade empresária, à mesma pessoa jurídica, que apenas tem a sua composição de sócios alterada. Na cessão de quotas ou alienação de controle, o objeto da venda é a participação societária, ou seja, as quotas ou as ações, conforme a espécie societária. (, O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado 06/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


Art. 1.144. O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial.

No entendimento de Marcelo Fortes Barbosa Filho, os negócios jurídicos bilaterais referidos no artigo anterior e tendentes à alienação, ao arrendamento ou à instituição do direito real de usufruto sobre o estabelecimento empresarial apresentam, como fator condicionante de sua eficácia, a ampla divulgação de sua consecução. Exige-se, assim, seja tornada pública a notícia da mutação patrimonial sofrida pelo empresário individual ou coletivo (sociedade empresária), para que os efeitos do ato realizado possam se expandir sobre terceiros, não se limitando apenas aos celebrantes de um contrato, seja este oneroso ou gratuito. Tal publicidade se efetiva, num primeiro plano, mediante o arquivamento perante Junta Comercial e a inscrição do empresário do instrumento público ou particular do contrato enfocado, ressaltando-se haver o texto legal utilizado, de maneira imprópria, a palavra “averbado”, em contraste com a legislação especial vigente (art. 32, II, e, da Lei n. 8.934/94). É preciso, num segundo plano, promover a publicação de aviso pela imprensa oficial do Estado-membro em que está sediado o empresário ou, tratando-se do Distrito Federal, no Diário Oficial da União (CC 1.152, § Iº). Ausente uma das duas providências, um terceiro não pode ser atingido pelos efeitos decorrentes do negócio celebrado; a eficácia só permanece plena ante as próprias partes. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.109. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, na redação original, o dispositivo utilizava a expressão “Registro das Empresas”. Emenda de redação que apresentamos atualizou o texto, que passou a empregar “Registro Público de Empresas Mercantis”. Não tem paralelo no Código Civil de 1916 ou na legislação de direito comercial.

Em sua doutrina Ricardo Fiuza aponta como o estabelecimento comercial, considerado como instrumento unitário do exercício da empresa, pode ser objeto de alienação, usufruto ou arrendamento, tal como previsto no CC 1.143, a realização de qualquer desses negócios depende, para ter eficácia jurídica e produzir efeitos perante terceiros, da averbação do instrumento respectivo no Registro Público de Empresas Mercantis, ou seja, na Junta Comercial, com subsequente publicação na imprensa oficial. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 592, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).  

Nas palavras de Marcelo Gazzi Taddei, de acordo com o CC 1.144, CC 2002, o contrato de trespasse deve ser arquivado na Junta Comercial junto ao registro do empresário e publicado na imprensa oficial. A mesma exigência legal vale para os casos de arrendamento ou instituição de usufruto para o estabelecimento. O descumprimento dos requisitos legais previstos impede que o negócio referente ao estabelecimento apresente eficácia perante terceiros. (Marcelo Gazzi Taddei, Advogado, Parecerista, Mestre em Direito pela UNESP de Franca, SP, Professor de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil I da UNIP – Universidade Paulista, de São José do Rio Preto, SP e Professor de Direito Empresarial da ESA – Escola Superior de Advocacia de São José do Rio Preto, SP. , O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado 06/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.140, 1.141 Da Sociedade Estrangeira - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.140, 1.141
Da Sociedade Estrangeira - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo XI –
(Art. 1.134 a 1.141) Seção III – Da Sociedade Estrangeira
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Art. 1.140. A sociedade estrangeira deve, sob pena de lhe ser cassada a autorização, reproduzir no órgão oficial da União, e do Estado, se for o caso, as publicações que, segundo a sua lei nacional, seja obrigada a fazer relativamente ao balanço patrimonial e ao de resultado econômico, bem como aos atos de sua administração.

Parágrafo único. Sob pena, também, de lhe ser cassada a autorização, a sociedade estrangeira deverá publicar o balanço patrimonial e o de resultado econômico das sucursais, filiais ou agências existentes no País.

No conhecimento de Marcelo Fortes Barbosa Filho, prevê-se, no presente artigo, a obrigatoriedade da reprodução de algumas das publicações feitas no exterior, sede da sociedade estrangeira autorizada. Nem todas as publicações precisam ser reproduzidas, limitando-se a necessidade apenas àquelas relativas ao balanço patrimonial, ao demonstrativo de resultados e aos atos de administração. O conteúdo de tais publicações, tratando-se de simples reprodução, não precisa ser adaptado ou remodelado, mantida a concordância com as normas vigentes no país de origem basta, se for o caso, a tradução feita no exterior, resguardada a função de informar minimamente o público brasileiro. O veículo de imprensa usado é sempre o Diário Oficial da União, somando-se, ainda, se o principal estabelecimento de uma sociedade autorizada se situa num Estado-membro, e não no Distrito Federal, a divulgação pela imprensa oficial estadual. Ademais, a sociedade estrangeira deve elaborar e publicar, pelos mesmos órgãos de imprensa (CC 1.152, § 2º), demonstrativos contábeis separados e específicos para a atividade realizada no Brasil, aplicados, então, os critérios aqui vigentes. Se as publicações previstas deixarem de ser feitas, potencializa-se a cassação da autorização antes concedida, não podendo mais a sociedade estrangeira atuar no território nacional. A sanção é gravíssima e, para ser aplicada, depende da instauração de procedimento administrativo, conferindo-se à pessoa jurídica oportunidade para o saneamento da irregularidade caracterizada. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.106. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Acompanhando a doutrina de Ricardo Fiuza, a sociedade estrangeira, no que tange à obrigação de publicação de seu balanço patrimonial e demonstrações contábeis, deve cumprir no Brasil as mesmas exigências a que se encontra sujeita em seu país de origem, assim, se, no país onde foi constituída e tem sua sede, a lei obriga à publicação anual do balanço e demonstrações financeiras, deve ela também providenciar a publicação desses relatórios contábeis na imprensa oficial. Independente da legislação de seu país de origem, caso a sociedade estrangeira mantenha filial, sucursal ou agência funcionando no Brasil, deve publicar, na imprensa oficial, o balanço patrimonial dos estabelecimentos situados em território nacional. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 590, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo o autor José Carlos Fortes, em artigo publicado em 2011, Das Condições Para Sociedade Estrangeira Funcionar No Brasil, onde faz um resumo de condições e exigências quais a atuação de sociedade de outras nações carece de autorização. Assim, a sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no Brasil, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira.

Para que venha pleitear autorização de funcionamento no Brasil, deve requerer a respectiva autorização, juntando os seguintes documentos: I – prova de se achar a sociedade constituída conforme a lei de seu país; II – inteiro teor do contrato ou do estatuto; III – relação dos membros de todos os órgãos da administração da sociedade, com nome, nacionalidade, profissão, domicílio e, salvo quanto a ações ao portador, o valor da participação de cada um no capital da sociedade; IV – cópia do ato que autorizou o funcionamento no Brasil e fixou o capital destinado às operações no território nacional; V – prova de nomeação do representante no Brasil, com poderes expressos para aceitar as condições exigidas para a autorização; e VI – último balanço.

Destaca-se ainda que os documentos serão autenticados, de conformidade com a lei nacional da sociedade requerente, legalizados no consulado brasileiro da respectiva sede e acompanhados de tradução em vernáculo. Para a concessão da autorização, o Poder Executivo pode estabelecer condições convenientes à defesa dos interesses nacionais. Se as condições forem aceitas, expedirá o Poder Executivo decreto de autorização, do qual constará o montante de capital destinado às operações no País, cabendo à sociedade promover a publicação dos atos referidos no art. 1.131 e no § 1º do art. 1.134.

Quanto à legalização para efeitos operacionais, a sociedade autorizada não pode iniciar sua atividade antes de inscrita no registro próprio do lugar em que se deva estabelecer. Ressaltando que uma vez autorizada a funcionar no Brasil, ficará sujeita às leis e aos tribunais brasileiros, quanto aos atos ou operações praticados no Brasil, adotando no território nacional o nome que tiver em seu País de origem, podendo acrescentar as palavras “do Brasil” ou “para o Brasil”. Por outro lado, a sociedade estrangeira autorizada a funcionar é obrigada a ter, permanentemente, representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade. Além do mais, o representante somente pode agir perante terceiros depois de arquivado e averbado o instrumento de sua nomeação.

A lei determina também que qualquer modificação no contrato ou no estatuto dependerá da aprovação do Poder Executivo, para produzir efeitos no território nacional. A sociedade estrangeira se assim desejar, pode se tornar nacional, determinando o código que mediante autorização do Poder Executivo, a sociedade estrangeira admitida a funcionar no País pode nacionalizar-se, transferindo sua sede para o Brasil. (José Carlos Fortes, em artigo publicado em 2011, Das Condições Para Sociedade Estrangeira Funcionar No Brasil, no site classecontabil.com.br, Acesso em 05/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 1.141. Mediante autorização do Poder Executivo, a sociedade estrangeira admitida a funcionar no País pode nacionalizar-se, transferindo sua sede para o Brasil.

§ 1º. Para o fim previsto neste artigo, deverá a sociedade, por seus representantes, oferecer, com o requerimento, os documentos exigidos no CC 1.134, e ainda a prova da realização do capital, pela forma declarada no contrato, ou no estatuto, e do ato em que foi deliberada a nacionalização.

§ 2º. O Poder Executivo poderá impor as condições que julgar convenientes à defesa dos interesses nacionais.

§ 3º. Aceitas as condições pelo representante, proceder-se-á, após a expedição do decreto de autorização, à inscrição da sociedade e publicação do respetivo termo.

Lançando mão do depoimento de Marcelo Fortes Barbosa Filho, autorizada, ou não, a funcionar no Brasil, a pessoa jurídica constituída no exterior poderá adquirir a nacionalidade brasileira mediante autorização específica, a ser expedida no âmbito do Poder Executivo federal, pelo Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, dada já referida delegação de atribuições administrativas (Decreto n. 3.444, de 28.04.2000). Admite-se a nacionalização de sociedade estrangeira, o que se perfaz por meio da transferência de sua sede para o território nacional, formalizada por inscrição perante Junta Comercial ou Oficial de Registro Civil de Pessoa Jurídica. O Pedido de autorização é sempre apresentado pelos representantes da sociedade, devendo ser instruído com os mesmos documentos elencados no § 1º do CC 1.134, necessários à apreciação do pedido de funcionamento, atualizados e acrescidos das provas da completa integralização do capital social e da deliberação dos sócios, aprovando a alteração da sede. Os §§ 2° e 3º contêm regras similares às constantes do caput e parágrafo único do CC 1.135. Ao ser examinado o pedido de concessão de autorização para nacionalização de sociedade estrangeira, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior pode estabelecer condições especiais, sempre em concordância com o interesse público. Há ampla discricionariedade na fixação de tais condições, tudo dependendo da realização de um exame pormenorizado e individualizado. Estabelecidas as condições especiais, a decisão administrativa será comunicada à requerente e, na hipótese de discordância, o pedido de concessão de autorização estará, automaticamente, prejudicado. Se forem, porém, aceitas as condições especiais, edita-se, em sequência, o ato administrativo formalizador do deferimento do pedido formulado, cabendo, então, à sociedade, nos trinta dias seguintes à publicação de tal ato, promover a publicação, pelo Diário Oficial da União, do texto do requerimento de nacionalização deferido e de toda a documentação anexa, postulando, por meio da exibição de um exemplar do periódico referido, a inscrição. O presente artigo reproduz, com pequenos ajustes redacionais, o art. 71 do Decreto-lei n. 2.627/40 e, frise-se, colide, frontalmente, com os atuais movimentos de liberalização da circulação de capitais e atração e desoneração da riqueza produtiva. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.107. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Veja-se na doutrina de Ricardo Fiuza que a legislação brasileira admite que a sociedade estrangeira que funcione no Brasil, mediante autorização, possa nacionalizar-se, i. é, transferir sua sede e administração para o território nacional, renunciando à nacionalidade de seu pais de origem. Neste caso, ocorrerá uma espécie de constituição derivada da sociedade estrangeira, que passará a ser regulada, integralmente, pelas leis brasileiras. Não é o caso de ela se constituir, originariamente, sob as leis nacionais, como ocorre com as empresas multinacionais que têm o controle acionário no exterior, mas de passar a ser dirigida por sua sede localizada no Brasil. O Poder Executivo deverá apreciar o pedido de nacionalização da sociedade estrangeira, e, atendidas as condições fixadas em razão do interesse nacional, será expedido o ato autorizativo, com o cumprimento dos procedimentos complementares de inscrição da sociedade no registro competente e publicação do ato de autorização. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 591, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).  

Nacionalização da sociedade: Mediante autorização do Poder Executivo, a sociedade estrangeira admitida a funcionar no Brasil pode nacionalizar-se, transferindo sua sede para o Brasil. Para esse fim, a sociedade deverá, por seus representantes, oferecer, com o requerimento, os documentos exigidos acima, e ainda a prova da realização do capital, pela forma declarada no contrato, ou no estatuto, e do ato em que foi deliberada a nacionalização. O Poder Executivo poderá impor as condições que julgar convenientes à defesa dos interesses nacionais. Aceitas as condições pelo representante, proceder-se-á, após a expedição do decreto de autorização, à inscrição da sociedade e publicação do respectivo termo. Base Legal: Arts. 1.141 do CC/2002 (Checado pela Valor em 19/07/20). Penalidades: Ao Poder Executivo é facultado, a qualquer tempo, cassar a autorização concedida a sociedade nacional ou estrangeira que infringir disposição de ordem pública ou praticar atos contrários aos fins declarados no seu estatuto. Base Legal: Art. 1.125 do CC/2002. (Checado pela Valor em 19/07/20, Sociedade dependente de autorização . Disponível em: valor.srv.br/matTecs/matTecsIndex.php?idMatTec=890 Acesso em: 05/08/2020." corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).