quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.207, 1.208, 1.209 Do Direito das Coisas - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.207, 1.208, 1.209

Do Direito das Coisas - VARGAS, Paulo S. R.

- Livro IIITítulo I – Da Posse (Art. 1.196 ao 1.368)

Capítulo II – Da Posse e Sua Classificação

(Art. 1.204 a 1.209)digitadorvargas@outlook.com

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Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.

 

No entender de Francisco Eduardo Loureiro, parte dos efeitos da posse depende do tempo que ela dura, em especial a usucapião. Em determinadas situações, a posse de uma pessoa é insuficiente para gerar certos efeitos. Faz-se, então, necessário somar à sua posse a daquele a quem adquiriu. A posse representa um valor patrimonial, e por isso é passível de transmissão, como expressamente admite o ordenamento jurídico. O artigo em exame trata dos casos de transmissão e de conjunção - união - das posses, regulando-as de modo distinto. Sucessio possessiotiis: A primeira parte do preceito estabelece que o sucessor universal continua dc direito a posse de seu antecessor. Trata-se da figura da sucessio possessionis, na qual a transmissão se opera ex lege. A posse é una, de modo que não pode o possuidor atual descartar a posse do transmitente, porque maculada por vícios que não lhe convêm. Em termos diversos, não pode o sucessor inaugurar um novo período possessório, desprezando a posse de seu antecessor.

 

A questão maior está na exata compreensão da expressão “sucessor universal”. Sabe-se que a transmissão pode dar-se a título universal ou singular. Universal quando se transmite todo o patrimônio ou fração ideal dele. Singular quando se transmite coisa certa ou destacada do patrimônio. Via de regra, a sucessão universal dá-se a título causa mortis e a singular a título inter vivos. Isso, porém, nem sempre acontece. Pode perfeitamente ocorrer a transmissão universal por ato inter vivos, por exemplo no casamento pelo regime da comunhão universal de bens, ou pela incorporação/fusão de pessoas jurídicas, assim como a transmissão singular causa mortis, como nos legados. Embora controverta a doutrina a respeito do tema, a interpretação sistemática dos CC 1.207 e 1.206 leva à conclusão de que o termo “a título universal causa mortis” atinge não somente o herdeiro como também o legatário. Isso porque, como observa Clóvis Bevilaqua, com razão, o legatário, embora sucessor a título particular, sucede por herança, de modo que, com a morte do testador, a posse dos bens transfere-se aos herdeiros, e estes a entregam ao legatário, sem alteração ou solução de continuidade (Direito das coisas, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. I, p. 52).

 

Cabe, porém, destacar que a regra da transmissão da posse a título universal - impossibilidade de descartar a posse anterior - atinge também atos inter vivos, acima mencionados. Tomem-se como exemplos o casamento pelo regime da comunhão universal de bens ou a incorporação/fusão de pessoas jurídicas, em que não cabe ao adquirente desprezar a posse anterior, uma vez que a transmissão é de todo o patrimônio, ou de parte ideal dele, de modo que a posse é una. Em termos diversos, a posse tem fundamento no título primitivo do antecessor do adquirente e não no ato ou negócio em que interveio pessoalmente, razão pela qual não pode ser desprezada, para efeito de contagem de tempo.

 

Accessio possessionis: Já na aquisição de modo derivado, a titulo singular, por ato inter vivos, denominada de accessio possessionis, o adquirente recebe nova posse, podendo juntá-la ou não à posse anterior. Cuida-se de mera faculdade do possuidor, que pode ou não acrescer o tempo do antecessor, para determinados efeitos, especialmente de usucapião.

 

A escolha da acessão - ou não - será ditada pelo interesse do possuidor atual, dependendo de sua utilidade. Muitas vezes, a acessão será útil para completar o prazo exigido para determinada modalidade de usucapião. Outras vezes, será contraindicada a acessão, como no caso de usucapião ordinário, se somente a sua posse for de boa-fé e não a posse do antecessor. Se invocar a posse do antecessor de má-fé, cabe somente usucapião extraordinário, com prazo de quinze anos. Se desprezar a posse anterior, será possível o usucapião ordinário, com prazo de dez anos. Lembre-se de que a má-fé do antecessor não contamina a posse atual, se o possuidor ignora o vício. Basta ler o CC. 1.212, para constatar que “o possuidor pode ajuizar a ação de esbulho ou a de indenização contra terceiro que recebeu a coisa esbulhada, sabendo que o era”. A acessão da posse exige três requisitos: continuidade, homogeneidade e vínculo jurídico. As posses a ser somadas devem ser contínuas, sem interrupção ou solução. Devem ser homogêneas, vale dizer ter as mesmas qualidades, para gerar os efeitos positivos almejados. Deve haver, finalmente, um vínculo jurídico entre o possuidor atual e o anterior. Esse vínculo pode revestir-se de várias modalidades, por exemplo um negócio jurídico, ou, então, uma arrematação em hasta pública. Caso o vínculo seja um negócio jurídico inter vivos, deve haver consenso entre as partes quanto à transmissão da posse. Questão relevante é a forma desse negócio jurídico, que envolve a natureza jurídica da posse. Embora polêmico o tema, não está a posse elencada no rol dos direitos reais previstos no CC 1.225. Assim, em atenção ao princípio do numerus clausus, não é a posse um direito real. É um instituto sui generis, um exercício de fato de poderes semelhantes aos do proprietário, que gera consequências jurídicas. Daí a possibilidade de afastar a incidência do CC 108, que diz ser a escritura pública requisito de validade para a alienação de bens imóveis acima da taxa legal. Não há requisito formal para a transmissão da posse, que, assim, pode ser verbal, desde que provada de modo concludente.

 

Finalmente, nem todas as modalidades de usucapião comportam a soma das posses por accessio possessionis. Tanto a usucapião especial rural (CC 1.239) como a especial urbana (CC 1.240) exigem certas condições: o primeiro que a área se torne produtiva pelo trabalho do usucapiente que nela estabeleça sua moradia e o segundo que o lote sirva de moradia ao próprio usucapiente e sua família. Logo, em tais casos a posse deve ser pessoal dos próprios usucapientes, não se admitindo o exercício por terceiro, ainda que antecessor por ato inter vivos. Ressalte-se, porem, que o art. 10, § I o, do Estatuto da Cidade, ao disciplinar o usucapião coletivo, admite expressamente a soma das posses por accessio possessionis, retirando o requisito da pessoalidade da posse. A matéria será mais bem examinada adiante, ao se comentarem os aludidos artigos. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.157-58. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 10/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Muito tímido o comentário apresentado na doutrina de Ricardo Fiuza, como relator: Ao sucessor singular (accessio possessionis) é facultado unir a sua posse à do antecessor, para os efeitos legais. A matéria sobre a união de posses assume maior relevância, quando levada ao plano da prescrição aquisitiva.

 

Diferentemente expandem-se Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, já que o CC 1.207 delimita a transmissão hereditária da posse, restringindo o alcance do CC 1.206, de acordo com a espécie de sucessão ocorrente, ou seja, propicia uma diferenciação entre a sucessão universal e a sucessão testamentária para este fim. Cabe aqui distinguir a sucessão universal da singular. A primeira (universitas iuris) se dá quando o herdeiro é chamado a suceder na totalidade dos bens do de cujus, ou mesmo em uma parte (ou fração) deles. Assim, o sucessor se sub-roga na posição do falecido substituindo-o, e assumindo seu passivo (Rodrigues, 2002, p. 17).

 

A sucessão singular ocorre quando o falecido dispõe em testamento que deixará para alguém (legatário) um bem certo de determinado, especificando-o devidamente, como uma casa, um título de clube etc. aqui não há uma universalidade, de forma genérica, mas uma disposição certa e particularizada.

 

Voltando ao CC 1.207, pode-se agora explicitar que, se a sucessão se der a título universal, ao receber o herdeiro a totalidade do patrimônio (ou fração dele), receberá a posse no mesmo estado em que o falecido a deixou. Assim, se a posse continha vícios (violência, clandestinidade), ou tiver sido obtida de má-fé (CC 1.201), será transmitida com tais defeitos ao herdeiro universal. Melhor dizendo: o caráter da posse, no momento do falecimento, será transmitido ao herdeiro universal, sem sofrer alterações. O mesmo não ocorrendo em se tratando de sucessão a título singular. Nesta hipótese, em que há testamento dispondo sobre bem certo e determinado, o legatário (ou sucessor a título singular) poderá unir sua posse com a do antecessor, de maneira facultativa, e não obrigatória. Se quiser unir sua posse com a anterior, para fins de contagem de tempo para usucapião, terá que assumir os eventuais vícios que aquela já continha. Caso não pretenda a unificação legal, sua posse reiniciará sem quaisquer vícios, como uma nova posse. É certo que, neste caso, a contagem de tempo para a usucapião não poderá considerar a posse anterior. Se o possuidor optar pela usucapião extraordinária, prevista no CC 1.238, poderá unir a posse anterior, gravada de má-fé, porque esta espécie de prescrição aquisitiva dispensa a prova da boa-fé, em razão do extenso lapso de tempo exigido.

 

Enfim, o CC 1.207 reporta-se à possibilidade legal de o possuidor vir a usucapir o imóvel do qual adquiriu a posse e, para tanto, há de se analisar a espécie de sucessão ocorrida, se a título universal ou singular. Dá-se a sucessão a título singular, de igual forma, quando o comprador adquire o bem por título jurídico, podendo ou não unir sua posse à do anterior vendedor para fins de usucapião. Enunciado 494 do Conselho da Justiça Federal: “A faculdade conferida ao sucessor singular de somar ou não o tempo da posse de seu antecessor não significa que, ao optar por nova contagem, estará livre do vício objetivo que maculava a posse anterior”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 10.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

 

Estudando com Francisco Eduardo Loureiro tem-se que o CC 1.208 que reproduz integralmente o disposto no art. 497 do Código Civil de 1916, contém os demais obstáculos legais que degradam típicas situações possessórias, rebaixando-as para detenção. O primeiro obstáculo - servidão da posse - já foi visto no CC 1.198. As dúvidas que o dispositivo suscitava no Código de 1916 ainda persistem, de modo que perdeu o legislador oportunidade única para esclarecer se as figuras contempladas no artigo, especialmente as ocupações violentas e clandestinas, realmente dizem respeito a casos de detenção e não de posse injusta, como afirma parte da doutrina. Note-se que o preceito é dividido em duas partes distintas, que contêm obstáculos de natureza diversa, que desnaturam a posse.

 

Permissão e tolerância: Como alerta Moreira Alves, o preceito não encontra similar no Código alemão, mas, por outro lado e curiosamente, reproduz dispositivos do Código Civil francês e do italiano, que se inclinam pela teoria subjetiva de Savigny (“A detenção no direito brasileiro”. In: Posse e propriedade, 3. ed., coord. Yussef Said Cahali. São Paulo, Saraiva, 1987, p. 13). Os dois termos - permissão e tolerância - não se confundem. A permissão exige conduta positiva do possuidor, que, sem perda do controle e da vigilância sobre a coisa, entrega-a voluntariamente a terceiro, para que este a tenha momentaneamente. Vê-se, assim, que o possuidor, em tal situação, não se exonera da posse, mas apenas entrega alguns de seus poderes ao detentor, ou os compartilha com ele, até segunda ordem. Há apenas uma limitação da posse, em razão da entrega momentânea cie poderes sobre a coisa a terceiro. Como acentua Moreira Alves, a permissão, via de regra, diz respeito a atos que ainda serão realizados, ao contrário da tolerância, que concerne a atividades já realizadas ou em andamento. Diz o autor que “a permissão é a declaração de vontade do possuidor pela qual este, sem renunciar à posse nem fazer nascer para si qualquer obrigação que anteriormente não existia, confere a terceiro - o detentor - a faculdade de realizar, com relação à coisa, atos que, sem isso, seriam ilícitos” (op. cit., p. 17). A tolerância é o comportamento de inação, omissivo, consciente ou não do possuidor, que, mais uma vez sem renunciar à posse, admite a atividade de terceiro em relação à coisa ou não intervém quando ela acontece. Sendo uma mera indulgência, uma simples condescendência, não implica transferência de direitos. Ambas - permissão e tolerância - podem interromper-se ad nutum, revogáveis a qualquer tempo. Os exemplos clássicos são os empréstimos momentâneos de coisas, sem que o possuidor sobre elas perca o controle, como o aluno que usa o livro no interior de uma biblioteca, ou alguém que recebe um hóspede em sua residência, cedendo-lhe por curto período o uso de um cômodo. Note-se que, tal como na servidão da posse, a tolerância e a permissão tratam de casos de detenção dependente, como instrumentos de utilização da coisa pelo verdadeiro possuidor.

 

Violência e clandestinidade: A segunda parle do artigo em exame diz que “não autorizam sua (a da posse) aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou clandestinidade”. É o que se denomina de detenção autônoma ou interessada. Note-se que é autônoma, mas ilícita, ao contrário dos casos de servidão da posse, de permissão e de tolerância, que são detenções dependentes, mas lícitas. O preceito gera importante cisão doutrinária. A doutrina tradicional, seguindo a lição de Clóvis Bevilaqua, afirma que tais casos versam não sobre detenção mas sim sobre posse injusta e inábil para usucapião. Ensina o autor, em lição que fez história, que “em face deste artigo, os vícios da violência e da clandestinidade são temporários, quando por Direito romano prevalecia a regra: quod ab initio vitiosum est non potest tractu. Pelo Código Civil, desde que a violência e a clandestinidade cessam, a posse começa a firmar-se utilmente, de modo que, passados anos, não seja o possuidor despojado dela, simplesmente, por esse vício originário” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1930, v. III, p. 24). Os demais autores, com pouca variação, atestam que a violência e a clandestinidade, enquanto perduram, tornam a posse injusta. Cessados os vícios, nasce a posse justa; ela convalesce como se nunca tivesse sido viciada. Sílvio Rodrigues vai mais longe, afirmando que, passado um ano e um dia da cessação da violência e da clandestinidade, a coisa não mais pode ser retomada por ação possessória, mas somente por ação petitória, o que não parece exato.

 

Sofreu a doutrina tradicional consistente crítica cie Moreira Alves, para quem, com razão, a parte final do CC 1.208 não alude à posse injusta ou à posse inábil para usucapião, mas, em vez disso, é clara ao dispor que os atos violentos ou clandestinos não autorizam a aquisição da posse, enquanto não cessarem os ilícitos. Trata-se de mais um obstáculo que degrada uma situação aparentemente possessória, aviltando-a em detenção. O erro dos autores tradicionais foi buscar a interpretação do preceito no Código italiano e no francês, que, embora contenham regras semelhantes à ora em estudo, seguem a teoria subjetiva de Savigny. Via de consequência, nos exatos termos da segunda parte deste artigo, enquanto perduram a violência e a clandestinidade, não há posse, mas simples detenção. No momento em que cessam os mencionados ilícitos, nasce a posse, mas injusta, porque contaminada de moléstia congênita. Dizendo de outro modo, a posse injusta, violenta ou clandestina, tem vícios ligados à sua causa ilícita. São vícios pretéritos, mas que maculam a posse mantendo o estigma da origem. Isso porque, como acima dito, enquanto persistirem os atos violentos e clandestinos, nem posse haverá, mas mera detenção.

 

Causa perplexidade o fato de os ocupantes violentos ou clandestinos, porque meros detentores, não terem defesa possessória contra a agressão injusta de terceiros. Como, porém, alerta Nelson Rosenvald, essa é a única hipótese em que o detentor, por não ser mero instrumento da posse de terceiro, tem a tutela possessória contra o ataque injusto de terceiros, que não a vítima, de quem obteve o poder imediato de modo vicioso (no sentido do texto, além da lição maior de Moreira Alves, cf: Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro, Borsoi, 1955, t. X, p. 351; g o n ç a l v e s , Marcus Vinicius Rios. Dos vícios da posse. São Paulo, Oliveira Mendes, 1998, p. 31; e Nascimento, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e propriedade, 3. ed. São Paulo, Saraiva, 1987, p. 79).

 

Uma última questão sobre a detenção diz respeito a uma das causas da perda da posse existentes no inciso IV do art. 520 do Código Civil de 1916, qual seja o fato de a coisa ter sido posta fora de comércio. Tal preceito não foi reproduzido no Código Civil de 2002, já que o CC 1.223 diz apenas que se perde a posse quando cessam os poderes de fato típicos do proprietário, embora o CC 100 diga que os bens de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis. Diante disso, persiste relevante questão sobre se pode haver posse de particular sobre bem público, ou se se trata de mera detenção. Moreira Alves, no regime do Código anterior, afirmava que a posse era possível apenas em relação aos bens públicos dominicais, como, de resto, já se admitia e continua previsto em diversas leis especiais. Em relação aos bens de uso comum do povo e de uso especial, tem o particular mera detenção, podendo o Estado reclamar a devolução da coisa, quer usando o poder de polícia, quer pelos interditos possessórios (op. cit., p. 29). No mesmo sentido, Ernane Fidélis dos Santos afirma a impossibilidade da existência de posse de particulares sobre bens com destinação pública, sejam de uso comum cio povo, sejam de uso especial, o que não impede o ente público de usar os remédios possessórios ou do poder de polícia para repelir o molestamento de sua posse. Já os bens dominicais podem ser possuídos por particulares, mas a posse não se converterá em propriedade por usucapião (Comentários ao Novo Código Civil, v. XV, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2007). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.159-61. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 10/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Os atos e circunstâncias apresentadas na Doutrina de Ricardo Fiuza e descritas nesse artigo são do tipo que não conferem efeitos possessórios, tendo em vista que a manifestação de ingerência sobre determinado bem da vida é insuficiente para a configuração da relação fatual potestativa em questão. Por conseguinte, os sujeitos que se enquadram nessas hipóteses impeditivas à aquisição da posse não são possuidores. A norma estatuída fundamenta-se na garantia dos direitos do possuidor que tolera ou permite certos atos praticados por outrem (atividade social, econômica e/ou produtiva), em seu próprio prejuízo, no uso ou gozo da coisa, assim procedendo com o objetivo exclusivo de favorecer a convivência social, especialmente as relações de vizinhança. Tanto os atos de permissão, que decorrem de consentimento expresso do possuidor, como os atos de tolerância, que importam em uma autorização tácita, derivam de um espírito de condescendência, de relações de amizade e de boa vizinhança, caracterizados, via de regra, por elementos da transitoriedade e passividade. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 623, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 10/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No ritmo de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, descrevem-se como atos de permissão aqueles em que o possuidor consentiu expressamente para que terceiros viessem a praticar determinados atos ou a utilizar o bem, sem que extraia qualquer benefício, para si, desta situação. Os atos de mera tolerância são aqueles que importam em uma autorização tácita por parte do possuidor, sem qualquer manifestação por escrito, com os mesmos objetivos e finalidades já referidas, como admitir que alguém possa retirar água de seu poço ou cortar caminho por área de seu domínio.

 

Tanto na permissão como na tolerância o que se verifica é a deflagração de uma política de convivência social entre as partes, típico de uma saudável conduta de boa vizinhança, com relações de amizade, caracterizados pela transitoriedade e passividade (Dias, 2003, p. 1077). No que tange às consequências destes atos, é forçoso dizer que eles não constituem atos possessórios, não gerando, pois, os resultados jurídicos que estão presentes no exercício da posse. Com efeito, aquele que exerce atos originados por permissão ou tolerância não é considerado possuidor, dado o caráter da temporiedade. Não se verifica, nestes casos, qualquer direito potestativo. Assim, a sujeição da outra parte – a qual deverá suportar o exercício de um direito alheio, exercido pelo outro titular (direito potestativo) – não se verifica nos atos de permissão ou tolerância. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 10.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.209. A posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele estiverem.

 

A posse do imóvel cria presunção relativa, aponta Francisco Eduardo Loureiro, que vigora até prova em sentido contrário, de abranger as coisas móveis que nele estiverem. Retirou o legislador apenas a expressão “objetos”, que constava do art. 498 do Código Civil revogado, o que não altera o alcance do preceito. O dispositivo tem razão de ser, porque, via de regra, as coisas móveis que se encontrem no interior do imóvel ali estão para seu uso e serviço. O dispositivo, porém, deve ser lido em consonância com o que contêm os CC 92 a 97, que tratam dos bens reciprocamente considerados. Desapareceu da Parte Geral do Código Civil a figura dos bens imóveis por acessão intelectual, substituída que foi pelo instituto das pertenças. Há, portanto, que fazer importante distinção. Se os bens acessórios forem parte integrante do imóvel, como os frutos, produtos e rendimentos, mantém-se a regra geral de que o acessório segue o principal. No entanto, se os bens móveis que não são parte integrante do imóvel encontrarem-se temporariamente ao seu uso, serviço ou aformoseamento, a regra é outra. Presume-se, em tal caso, que o possuidor do imóvel tenha a posse das coisas móveis que nele se encontram, mas eventuais negócios que digam respeito ao bem principal - por exemplo, cessão de posse - não abrangem as pertenças, salvo se uma convenção ou as circunstâncias do caso indicarem o contrário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.162. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 10/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Historicamente, o presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto.  Esse dispositivo tem redação quase idêntica à do art. 498 do CC de 1916.

 

Já na doutrina de Fiuza trata-se de presunção juris tantum. Porém a regra está fundamentada na circunstância de que os móveis, como acessórios, pertencem ao respectivo imóvel.

 

Encerrando o capítulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, há presunção jurídica de que os bens móveis que estão contidos nos imóveis deles façam parte de forma indissociável, fazendo gerar a mesma ideia quanto ao exercício de fato aplicável àqueles. Como trata expressamente o dispositivo, a presunção é relativa, pois se admite prova do contrário, como pode ocorrer no caso de se demonstrar que o plano existente naquele imóvel destinado para um conservatório musicar pertence a determinado professor, e não aos administradores. O preceito abarca a ideia de que a posse sobre bens móveis nada mais é do que uma extensão exercida em relação aos bens imóveis, com a ressalva legal de se tratar de uma presunção relativa. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 10.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.204, 1.205, 1.206 Da Aquisição da Posse - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.204, 1.205, 1.206
Da Aquisição da Posse - VARGAS, Paulo S. R.
- Livro IIITítulo I – Da Posse (Art. 1.196 ao 1.368)
Capítulo II – Da Aquisição da Posse
(Art. 1.204 a 1.209)digitadorvargas@outlook.com

Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.

De forma clara, leciona Francisco Eduardo Loureiro, a aquisição da posse, segundo dispõe o Código Civil de 2002, se dá no momento em que “se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”. A redação é sensivelmente superior à do antigo art. 493 do CC/1916, que procurava fornecer o catálogo das condutas semelhantes às do proprietário, tarefa inglória diante de sua amplitude e das infindáveis possibilidades. Basta ver que no rol do art. 493 não se encontrava o constituto possessório, que a doutrina sempre considerou modo de aquisição e de perda da posse.

De modo simétrico, o CC 1.223 do atual Código, adiante examinado, diz que ocorre a perda da posse quando cessa o exercício de fato de poderes inerentes à propriedade. O preceito que trata da aquisição da posse tem estreita conexão com o CC 1.196, que define quem é possuidor. Seguindo a doutrina de Ihering, adotada em nosso direito, adquire a posse aquele que procede em relação à coisa, em nome próprio, da maneira como o proprietário habitualmente o faz. Assim, para verificar se alguém adquiriu a posse, basta constatar se ocorre uma situação de fato análoga à conduta do proprietário em relação às suas coisas, tendo sempre presente o binômio corpus e animus. Ou, na expressão de Ihering, “pergunte-se como o proprietário tem o hábito de agir com suas coisas, e se saberá quando admitir a posse e quando rejeitá-la”.

O CC 1.204, em exame, faz a ressalva de que o exercício dos poderes deve ser em nome próprio, para distinguir a aquisição da posse da mera detenção, em que se tem poder sobre a coisa, mas esse poder é dependente - em nome, por conta e em proveito de terceiros. É por isso que nas hipóteses dos CC 1.198 e 1.208, primeira parte, embora o ocupante aja como dono e possa ter affectio tenendi, não adquire posse, porque a sua conduta apenas representa ou instrumentaliza a posse de terceiro, este sim o verdadeiro possuidor. Já na segunda parte do CC 1.208, tem-se que a detenção, embora independente, não é posse, porque encontra obstáculo previsto em lei, que degrada situação tipicamente possessória.

Claro que os diversos modos de aquisição da posse particularizados no Código de 1916 - apreensão da coisa ou do direito, disposição de coisa ou do exercício do direito - encontram-se abrangidos na boa redação genérica deste artigo, uma vez que, cm todos os casos, alguém passa a agir como dono, com ou sem contato físico com a coisa, mas dando-lhe a natural destinação econômica ou social. Cabe aqui breve alusão à distinção entre a posse civil e a posse natural, a que se referia o inciso I do revogado art. 493. A posse civil adquire-se como consequência de uma relação jurídica, sem que haja necessidade de apreensão da coisa. Já a posse natural é resultado do simples comportamento do possuidor, que passa a agir de fato como dono, independentemente de prévia relação jurídica que confira direito à posse. Na lição de Clóvis Beviláqua, pode a posse ser adquirida por ato unilateral, por ato bilateral, quando o possuidor a transfere a outrem, ou por sucessão causa mortis (Direito das coisas, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, 1. 1, p. 49). Na aquisição por ato unilateral, diz-se que a posse é adquirida a título originário. Na aquisição por ato bilateral, ou por sucessão hereditária, diz-se que a posse é adquirida a título derivado. Embora o Código Civil de 2002 não trate expressamente da figura do constituto possessório, como fazia o Código Civil de 1916, cuida-se de instituto ainda aplicável, que merece breve menção, porque se amolda ao critério genérico de aquisição da posse previsto no CC 1.203. Como consta do Enunciado n. 77 da I Jornada de Direito Civil 2004, “CC 1.205: A posse das coisas móveis e imóveis também pode ser transmitida pelo constituto possessório”.

No constituto possessório, o possuidor de uma coisa em nome próprio passa a possuí-la em nome alheio. Exemplo clássico é o que se verifica quando o alienante conserva a coisa em seu poder mediante cláusula contratual denominada cláusula constituti. O adquirente, assim, recebe a coisa por mera convenção, sem posse física. O alienante apenas deixa de possuir para si mesmo e passa a possuir em nome do adquirente, ou seja, converte sua posse em detenção, sem nenhum ato exterior que ateste essa mudança. Parte da doutrina diz que também se configura o constituto possessório quando o alienante que tinha posse plena passa a ter posse direta, como nos casos do locatário, do comodatário ou do depositário. Tal posição, exata somente para a teoria subjetiva da posse, parece não se ajustar ao nosso sistema objetivo, porque, para nós, o locatário, o comodatário e o depositário também são possuidores, com todos os efeitos inerentes à posse, salvo a usucapião, porque lhes falta o animus domini. Em termos diversos, o constituto possessório, nos exemplos citados anteriormente, não seria modo de aquisição ou perda da posse, mas apenas de mudança de categoria da posse, de posse plena para posse direta. Por isso é que, ao tratarmos o constituto possessório como modo cie aquisição e de perda da posse, o mais correto é restringi-lo aos casos em que o alienante se converte de possuidor em detentor, passando a possuir em nome alheio. Operação inversa ocorre na traditio brevi manu, pela qual o possuidor de uma coisa em nome alheio (detentor - fâmulo, ato de permissão ou tolerância), ou com mera posse direta (locatário, comodatário, usufrutuário etc.), passa a possuir ou em nome próprio ou com posse plena, sem necessidade de se promover ato físico de entrega da coisa. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.153-54. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 09/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua doutrina, Ricardo Fiuza passa a impressão de desagrado e desconformidade ao citar “A alteração a que se procedeu no texto original do anteprojeto, modificando a sua redação, suprimindo a referência ao constituto possessório, foi providência, no mínimo, infeliz, que está a merecer reparo legislativo urgente, sem contar com outros aspectos de ordem técnica doutrinária que não podem passar despercebidos, em face da importância do dispositivo e da reformulação implementada com a reforma do Código.” E continua: “Em primeiro lugar, a posse não se adquire pelo “exercício” do poder, mas pela obtenção do poder de fato ou poder de ingerência socioeconômica sobre um determinado bem da vida que, por sua vez, acarreta a abstenção de terceiros em relação a este mesmo bem (fenômeno dialético).” Portanto, basta que se adquira o poder de fato em relação a determinado bem da vida e que o titular deste poder tenha ingerência potestativa socioeconômica sobre ele, para que a posse seja efetivamente adquirida. Ademais, para se adquirir posse, não se faz mister o exercício do poder; basta a possibilidade de exercício. Não se pode prescindir é da existência do poder de ingerência.

Em segundo lugar, é importante fazer a referência ao instituto jurídico do constituto possessório neste CC 1.204, excluído acertadamente do atual CC 1.205, que versa apenas sobre os sujeitos da aquisição (diferentemente do que se verificava no CC de 1916, Art. 494, que mesclava formas distintas de aquisição), mas eliminado sem razão do dispositivo em questão, para não se correr o risco de fazer crer (erroneamente). Aos mais afoitos, que ele teria desaparecido do sistema material. Por outro lado, a sua não inclusão neste dispositivo, por si só, não teria o condão de do sistema, sobretudo porque aparece mencionado em outros dispositivos do Livro dos Direitos Reais, e porque também, na qualidade de instituto jurídico milenar transcende tal circunstância. De qualquer sorte, é de boa técnica e sistematização adequada que exista previsão normativa específica no Titulo 1 (Da Posse), a respeito do constituto possessório, prevenindo-se quaisquer dúvidas sobre tão importante matéria. • Ademais, não se pode ainda esquecer de que se trata de instituto jurídico que encontra grande aproveitamento nos dias de hoje, notadamente nas relações contratuais envolvendo a posse (v.g., arrendamento mercantil, leasehold, leaseback, leasing etc.).

Por último, veja-se, a esse respeito, a redação do CC 1.223 sobre a “perda da posse”, cujo teor vai justamente ao encontro do nosso entendimento (CC 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o CC 1.196).  Em outros termos, o que se há de propor é a manutenção da redação primitiva do texto do anteprojeto, com pequenas alterações, tendo-se em conta que atende a melhor técnica jurídica e redacional.  Constituto possessório é o instituto jurídico que se verifica quando o possuidor na qualidade de absoluto (posse própria e plena), transfere a outrem a posse absoluta indireta (ou própria e mediata) e reserva para si a posse relativa direta (não-própria imediata). O constituto possessório não se presume (clausula constituti). É forma de aquisição e perda da posse. É instituto muito utilizado também para obtenção rápida de capital de giro (working capital), à medida que se convertem os custos de ocupação em aluguel (leaseback).

Sugestão legislativa: Pelas razões antes expostas, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão: CC 1.204. Adquire-se a posse de um bem quando sobre ele o adquirente obtém poderes de ingerência, inclusive pelo constituto possessório. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 620-21, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 09/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, é como registro imobiliário do título de transferência que se opera a aquisição da propriedade imobiliária, inter vivos, de acordo com a sistemática civil pátria (CC 1.245). no que tange à posse, em geral, a prova desta aquisição não se viabiliza, por se tratar de uma mera situação fática, ainda que sob a proteção do direito. Assim sendo, a posse tem início, do ponto de vista legal, a partir da manifestação de quaisquer dos atos que representem a exteriorização do domínio, praticados em nome próprio. Isso é importante, pois não são considerados atos tipicamente possessórios aqueles realizados por detentor, qual seja, aquele que exerce atos de posse, subordinado às ordens ou determinações de terceiros.

De fato, para efeito da contagem do prazo de ano e dia, previsto no art. 558 do CPC/1973, (relacionado aos atuais artigos 932, II, 995, 1.019 do CPC/2015), há de se obter um critério único para a delimitação do início da posse, e este se concretiza pelo exercício de atos típicos de quem pareça ser proprietário, embora não o seja, já que, pela teoria objetivista (CC 1.196), possuidor é aquele que procede, em relação à coisa, como o dono habitualmente o faria.

Não se exige mais a apreensão da coisa, nem o fato de se dispor da coisa ou do direito – na dicção da codificação civil anterior – para a caracterização da titularidade possessória, bastando, agora assim, o simples exercício da posse em nome próprio. Enunciado 301 do Conselho da Justiça Federal: “É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 09.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.205. A posse pode ser adquirida

I – pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante;
II – por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.

No lecionar de Francisco Eduardo Loureiro, Mais uma vez, a redação deste artigo do Código Civil é sensivelmente superior à do art. 494 do revogado Código de 1916. A primeira melhoria diz respeito à eliminação do constituto possessório como uma das hipóteses de legitimação à aquisição da posse. Como foi visto anteriormente, tal figura é uma forma ou um meio de aquisição ou perda da posse, na qual o alienante representa o adquirente na posse, encaixando-se portanto na hipótese do inciso II do CC 1.505 do novo livro.

Podem adquirir a posse, segundo o inciso I do artigo em exame, a própria pessoa que a pretende, ou o seu representante. No caso da própria pessoa, podem adquirir tanto a pessoa natural como a pessoa jurídica, esta mediante atuação de seus órgãos. Não podem adquirir a posse, portanto, as pessoas jurídicas irregulares, porque não são dotadas de personalidade. Já no que se refere às pessoas naturais, cabe uma distinção: se a posse é adquirida por simples ato jurídico de apreensão, desprovido de vontade negociai, pode o incapaz realizá-la por si, independentemente de representação. São os casos do estudante que apreende livros, ou da criança que se apossa de um brinquedo. São atos-fato, em que não se cogitam os requisitos de validade do CC 104. Caso, porém, a posse seja adquirida por negócio jurídico, o incapaz somente pode adquiri-la por atuação de seu representante.

No caso da posse adquirida por representante, bem andou o legislador ao não mencionar, porque dispensável, a figura do procurador, como fazia o Código de 1916. A representação, na dicção do CC 115, pode ser legal ou convencional. Logo, tanto podem o pai, o tutor e o curador adquirir a posse da coisa em nome do filho, do pupilo e do curatelado como o procurador em nome do representado. Note-se que o corpus é do representante, que, porém, age em nome de representado e com o animus exercido em proveito deste. O representante, então, tem a mera detenção, porque age em nome do representado, este o verdadeiro possuidor. A expressão “adquirir a posse por representante” abrange também diversas atividades jurídicas de cooperação, sem a conotação estrita cio instituto da representação previsto nos CC 115 e seguintes. Claro que pode a aquisição da posse dar-se pela atuação jurídica em nome de outrem, sobre o qual devem recair os efeitos negociais. Mesmo aqueles não instituídos de poderes para praticar atos em nome do representado podem adquirir a posse em nome alheio. É o caso da detenção dependente, em que não há propriamente representação, mas uma incumbência, um vínculo jurídico que faz alguém atuar em proveito de outrem ou em cooperação com outrem, como o empregado e o preposto sem poder de representação.

Finalmente, dispõe o inciso II deste artigo que a posse pode ser adquirida por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação. É o caso do gestor de negócios, em que uma pessoa age no interesse de outra, sem ter recebido essa incumbência. Note-se que o gestor age espontaneamente, sem conhecimento do dono do negócio, mas a ratificação retroage ao começo da gestão e produz todos os efeitos do mandato. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.155-56. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 09/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Pouca ou nenhuma expansão na doutrina de Ricardo Fiuza, quando além da hipótese de sucessão universal, por ato entre vivos, adquire-se a posse diretamente pela pessoa natural que pretende atingir esse escopo, ou por terceiro com mandato (seu representante) ou sem mandato, dependendo de ratificação sua. Tratando-se de pessoa jurídica, por atos praticados por seus representantes legais. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 622, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 09/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na concepção de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, quando a própria pessoa interessada exerce atos de posse, diz-se que se trata de posse originária, pois que não advém de qualquer relação jurídica anterior ou título determinado. É o exercício físico e genérico do interessado sobre a coisa que caracteriza a posse propriamente dita. De igual forma, pode haver posse originária (e justa), em relação àquele que planta em imóvel do qual não tem a propriedade, desde que não se caracterize atos de esbulho.

O representante legal, ou procurador, também pode adquirir a posse pessoalmente e, posteriormente, transmiti-la ao representado. Mas pode adquiri-la, de igual forma, em nome do representado, sendo deste a deliberação no que diz respeito ao corpus e ao animus. Como se vê, exige-se a manifestação de vontade tanto do representante quanto do representado.

Tal representação se dá em casos de menores ou incapazes em geral (art. 3º), quando se confunde, por derivação legal, a vontade do incapaz com a do seu representante. Por ser uma situação meramente de fato (vontade natural), não é preciso a manifestação pessoal do incapaz. De observar-se, igualmente, que não há necessidade de instrumento de mandato para que alguém exerça a posse em nome de outro, sendo suficiente, tão somente, a existência de tal encargo ou múnus.

Já o nascituro, por ter apenas uma expectativa de direito, de caráter provisório, e não se titular de direitos subjetivos, não poderá ser considerado possuidor. A posse também pode ser adquirida pela figura do gestor de negócios, ou seja, aquela pessoa que administra sem autorização, negócios alheios, sendo realizada independentemente de mandato. Trata-se de uma procuração presumida, uma vez que o gestor procura fazer exatamente aquilo que o dono do negócio faria, se fosse necessária uma procuração expressa. Exige-se, neste caso, uma ratificação posterior, que retroage à data do ato praticado pelo terceiro.

Enunciado 77 do Conselho de Justiça Federal: “A posse das coisas móveis e imóveis também pode ser transmitida pelo constituto possessório”. Enunciado 236 do Conselho de Justiça Federal: “Considera-se possuidor, pata todos os efeitos legais, também a coletividade desprovida de personalidade jurídica”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 09.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.

Como aponta Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em questão nada alterou, na substância, o que continha o art. 495 do Código Civil de 1916. Tem o preceito estreita ligação com outros dispositivos que tratam da conservação e transmissão da posse, como os CC 1.203, 1.207 e 1.212, do Código Civil de 2002. No Direito romano, a posse era intransmissível. Os Códigos modernos, porém, consagraram o princípio da saisina - le mort saisit le v if-, de modo que, com a morte do possuidor, a posse transmite-se imediatamente e sem necessidade de apreensão da coisa pelos herdeiros. A transmissão da posse é ex lege, em razão única do título da sucessão hereditária.

Note-se que este artigo não trata do momento em que se transmite a posse, porque engloba as figuras dos herdeiros legítimos ou testamentários, que recebem a título universal, e dos legatários, que recebem a título singular. É sabido que ao herdeiro se aplica o instituto da saisina e que este, num segundo momento, entrega a posse dos legados ao legatário. No que se refere às qualidades da posse que se transmite, porém, é irrelevante tratar-se de herdeiro ou legatário.

Na transmissão da posse por ato causa mortis, denominada successio possessionis, a posse do de cujus incorpora-se na posse dos herdeiros e legatários com todos os seus caracteres. Se tinha o defunto posse direta/indireta, posse justa/injusta, posse de boa-fé/má-fé, posse ad interdicta/ad usucapionem, as mesmas qualidades, os mesmos vícios ou limitações terão os herdeiros e legatários. Até mesmo a ignorância dos herdeiros e legatários quanto a eventuais vícios não é levada em conta se o defunto os conhecia.

Há continuação da posse do antecessor, de modo que o herdeiro simplesmente fica no lugar do defunto, como se fossem uma só pessoa. A posse se transmite como um todo, com os elementos objetivo e subjetivo que tinha o defunto. Disso decorre que herdeiros e legatários podem invocar a posse que tinha o defunto para ajuizar ações possessórias que este poderia propor, assim como para somar prazo necessário à usucapião. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.155-56. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 09/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, o dispositivo em tela tinha a seguinte redação, quando da remessa do anteprojeto à Câmara dos Deputados: “A posse transmite-se aos herdeiros do possuidor com os mesmos caracteres, no momento de sua morte”. Quando da primeira votação pela Câmara, por meio de emenda do Deputado João Castelo, o dispositivo ganhou a redação atual, não tendo sido atingido por qualquer outra espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto.  A emenda procurou restaurar a redação do CC de 1916. Segundo o autor, era desnecessário acrescentar a expressão “no momento de sua morte”, uma vez que, pelo princípio dominante no direito das sucessões, a herança se transmite com a morte. No caso, ao falar-se em herança, já está patente a configuração da morte do possuidor.  Redação praticamente idêntica à do art. 495 do CC de 1916.

Fiuza em sua doutrina, aponta que o caráter ou natureza da posse mantém-se inalterado durante o período de permanência com seu titular, transmitindo-se aos herdeiros e legatários, tal como ocorria precedentemente. Recebendo-a, o sucessor, a título universal dá continuidade à posse de seu antecessor com os mesmos caracteres previamente estabelecidos (successio possessionis). Logo, se a posse padecia de algum vício objetivo ou subjetivo, assim permanecerá com o seu sucessor. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 622, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 09/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em Direito.Com, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira fala sobre o artigo tratar-se da ideia do transpasse do direito de posse do falecido para seus beneficiários (herdeiros e legatários), em relação aos bens do acervo hereditário, na condição de titulares legítimos desse exercício fático, trazendo a noção, ainda, de que a posse mantém seu caráter inalterado durante o exercício de seu titular, assim prosseguindo quando de sua morte. Desta forma, ocorrendo a transmissão hereditária, o sucessor universal herdará a posse com os mesmos caracteres que vigorava anteriormente; se possuía vicia, assim será mantida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 09.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).