Direito Civil Comentado - Art. 1.207, 1.208, 1.209
Do Direito das Coisas - VARGAS, Paulo S. R.
- Livro III
– Título I – Da Posse (Art. 1.196 ao
1.368)
Capítulo II – Da
Posse e Sua Classificação
(Art. 1.204 a 1.209) – digitadorvargas@outlook.com –
Art.
1.207. O sucessor universal
continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é
facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.
No entender de Francisco Eduardo
Loureiro, parte
dos efeitos da posse depende do tempo que ela dura, em especial a usucapião. Em
determinadas situações, a posse de uma pessoa é insuficiente para gerar certos
efeitos. Faz-se, então, necessário somar à sua posse a daquele a quem adquiriu.
A posse representa um valor patrimonial, e por isso é passível de transmissão,
como expressamente admite o ordenamento jurídico. O artigo em exame trata dos
casos de transmissão e de conjunção - união - das posses, regulando-as de modo
distinto. Sucessio possessiotiis: A
primeira parte do preceito estabelece que o sucessor universal continua dc
direito a posse de seu antecessor. Trata-se da figura da sucessio possessionis, na qual a transmissão se opera ex lege. A posse é una, de modo que não
pode o possuidor atual descartar a posse do transmitente, porque maculada por
vícios que não lhe convêm. Em termos diversos, não pode o sucessor inaugurar um
novo período possessório, desprezando a posse de seu antecessor.
A
questão maior está na exata compreensão da expressão “sucessor universal”.
Sabe-se que a transmissão pode dar-se a título universal ou singular. Universal
quando se transmite todo o patrimônio ou fração ideal dele. Singular quando se
transmite coisa certa ou destacada do patrimônio. Via de regra, a sucessão
universal dá-se a título causa mortis
e a singular a título inter vivos. Isso, porém, nem sempre acontece. Pode
perfeitamente ocorrer a transmissão universal por ato inter vivos, por exemplo no casamento pelo regime da comunhão
universal de bens, ou pela incorporação/fusão de pessoas jurídicas, assim como
a transmissão singular causa mortis, como nos legados. Embora controverta a
doutrina a respeito do tema, a interpretação sistemática dos CC 1.207 e 1.206
leva à conclusão de que o termo “a título universal causa mortis” atinge não somente o herdeiro como também o
legatário. Isso porque, como observa Clóvis Bevilaqua, com razão, o legatário,
embora sucessor a título particular, sucede por herança, de modo que, com a
morte do testador, a posse dos bens transfere-se aos herdeiros, e estes a
entregam ao legatário, sem alteração ou solução de continuidade (Direito das coisas, 3. ed. Rio de
Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. I, p. 52).
Cabe,
porém, destacar que a regra da transmissão da posse a título universal -
impossibilidade de descartar a posse anterior - atinge também atos inter vivos, acima mencionados. Tomem-se
como exemplos o casamento pelo regime da comunhão universal de bens ou a
incorporação/fusão de pessoas jurídicas, em que não cabe ao adquirente
desprezar a posse anterior, uma vez que a transmissão é de todo o patrimônio,
ou de parte ideal dele, de modo que a posse é una. Em termos diversos, a posse
tem fundamento no título primitivo do antecessor do adquirente e não no ato ou
negócio em que interveio pessoalmente, razão pela qual não pode ser desprezada,
para efeito de contagem de tempo.
Accessio possessionis: Já
na aquisição de modo derivado, a titulo singular, por ato inter vivos,
denominada de accessio possessionis,
o adquirente recebe nova posse, podendo juntá-la ou não à posse anterior.
Cuida-se de mera faculdade do possuidor, que pode ou não acrescer o tempo do
antecessor, para determinados efeitos, especialmente de usucapião.
A
escolha da acessão - ou não - será ditada pelo interesse do possuidor atual,
dependendo de sua utilidade. Muitas vezes, a acessão será útil para completar o
prazo exigido para determinada modalidade de usucapião. Outras vezes, será
contraindicada a acessão, como no caso de usucapião ordinário, se somente a sua
posse for de boa-fé e não a posse do antecessor. Se invocar a posse do
antecessor de má-fé, cabe somente usucapião extraordinário, com prazo de quinze
anos. Se desprezar a posse anterior, será possível o usucapião ordinário, com
prazo de dez anos. Lembre-se de que a má-fé do antecessor não contamina a posse
atual, se o possuidor ignora o vício. Basta ler o CC. 1.212, para constatar que
“o possuidor pode ajuizar a ação de esbulho ou a de indenização contra terceiro
que recebeu a coisa esbulhada, sabendo que o era”. A acessão da posse exige
três requisitos: continuidade, homogeneidade e vínculo jurídico. As posses a
ser somadas devem ser contínuas, sem interrupção ou solução. Devem ser homogêneas,
vale dizer ter as mesmas qualidades, para gerar os efeitos positivos almejados.
Deve haver, finalmente, um vínculo jurídico entre o possuidor atual e o
anterior. Esse vínculo pode revestir-se de várias modalidades, por exemplo um
negócio jurídico, ou, então, uma arrematação em hasta pública. Caso o vínculo
seja um negócio jurídico inter vivos,
deve haver consenso entre as partes quanto à transmissão da posse. Questão
relevante é a forma desse negócio jurídico, que envolve a natureza jurídica da
posse. Embora polêmico o tema, não está a posse elencada no rol dos direitos
reais previstos no CC 1.225. Assim, em atenção ao princípio do numerus clausus, não é a posse um
direito real. É um instituto sui generis,
um exercício de fato de poderes semelhantes aos do proprietário, que gera
consequências jurídicas. Daí a possibilidade de afastar a incidência do CC 108,
que diz ser a escritura pública requisito de validade para a alienação de bens
imóveis acima da taxa legal. Não há requisito formal para a transmissão da
posse, que, assim, pode ser verbal, desde que provada de modo concludente.
Finalmente,
nem todas as modalidades de usucapião comportam a soma das posses por accessio possessionis. Tanto a usucapião
especial rural (CC 1.239) como a especial urbana (CC 1.240) exigem certas
condições: o primeiro que a área se torne produtiva pelo trabalho do
usucapiente que nela estabeleça sua moradia e o segundo que o lote sirva de
moradia ao próprio usucapiente e sua família. Logo, em tais casos a posse deve
ser pessoal dos próprios usucapientes, não se admitindo o exercício por
terceiro, ainda que antecessor por ato inter
vivos. Ressalte-se, porem, que o art. 10, § I o, do Estatuto da Cidade, ao
disciplinar o usucapião coletivo, admite expressamente a soma das posses por accessio possessionis, retirando o
requisito da pessoalidade da posse. A matéria será mais bem examinada adiante,
ao se comentarem os aludidos artigos. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.157-58. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado
10/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Muito tímido o comentário apresentado na doutrina
de Ricardo Fiuza, como relator: Ao sucessor singular (accessio possessionis) é facultado unir
a sua posse à do antecessor, para os efeitos legais. A matéria sobre a união de
posses assume maior relevância, quando levada ao plano da prescrição
aquisitiva.
Diferentemente expandem-se Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, já que o CC 1.207 delimita a
transmissão hereditária da posse, restringindo o alcance do CC 1.206, de acordo
com a espécie de sucessão ocorrente, ou seja, propicia uma diferenciação entre
a sucessão universal e a sucessão testamentária para este fim. Cabe aqui
distinguir a sucessão universal da singular. A primeira (universitas iuris) se dá quando o
herdeiro é chamado a suceder na totalidade dos bens do de cujus, ou mesmo em uma parte (ou fração) deles. Assim, o
sucessor se sub-roga na posição do falecido substituindo-o, e assumindo seu
passivo (Rodrigues, 2002, p. 17).
A sucessão singular ocorre quando o falecido dispõe em testamento que
deixará para alguém (legatário) um bem certo de determinado, especificando-o
devidamente, como uma casa, um título de clube etc. aqui não há uma
universalidade, de forma genérica, mas uma disposição certa e particularizada.
Voltando ao CC 1.207, pode-se
agora explicitar que, se a sucessão se der a título universal, ao receber o herdeiro a totalidade do patrimônio
(ou fração dele), receberá a posse no mesmo estado em que o falecido a deixou.
Assim, se a posse continha vícios
(violência, clandestinidade), ou tiver sido obtida de má-fé (CC 1.201), será transmitida com tais defeitos ao herdeiro
universal. Melhor dizendo: o caráter da posse, no momento do falecimento, será
transmitido ao herdeiro universal,
sem sofrer alterações. O mesmo não ocorrendo em se tratando de sucessão a título singular. Nesta hipótese, em que
há testamento dispondo sobre bem certo e determinado, o legatário (ou sucessor a título singular) poderá unir sua posse com
a do antecessor, de maneira facultativa,
e não obrigatória. Se quiser unir sua posse com a anterior, para fins de
contagem de tempo para usucapião,
terá que assumir os eventuais vícios que aquela já continha. Caso não pretenda
a unificação legal, sua posse reiniciará
sem quaisquer vícios, como uma nova posse. É certo que, neste caso, a
contagem de tempo para a usucapião não
poderá considerar a posse anterior. Se o possuidor optar pela usucapião extraordinária, prevista no CC
1.238, poderá unir a posse anterior, gravada de má-fé, porque esta espécie de
prescrição aquisitiva dispensa a prova da boa-fé,
em razão do extenso lapso de tempo exigido.
Enfim, o CC 1.207 reporta-se à possibilidade legal
de o possuidor vir a usucapir o
imóvel do qual adquiriu a posse e, para tanto, há de se analisar a espécie de
sucessão ocorrida, se a título universal
ou singular. Dá-se a sucessão a
título singular, de igual forma,
quando o comprador adquire o bem por título jurídico, podendo ou não unir sua
posse à do anterior vendedor para fins de usucapião. Enunciado 494 do Conselho
da Justiça Federal: “A faculdade
conferida ao sucessor singular de somar ou não o tempo da posse de seu
antecessor não significa que, ao optar por nova contagem, estará livre do vício
objetivo que maculava a posse anterior”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 10.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
1.208. Não induzem posse os atos
de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os
atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a
clandestinidade.
Estudando com Francisco Eduardo Loureiro tem-se que o
CC 1.208 que
reproduz integralmente o disposto no art. 497 do Código Civil de 1916, contém
os demais obstáculos legais que degradam típicas situações possessórias,
rebaixando-as para detenção. O primeiro obstáculo - servidão da posse - já foi
visto no CC 1.198. As dúvidas que o dispositivo suscitava no Código de
1916 ainda persistem, de modo que perdeu o legislador oportunidade única para
esclarecer se as figuras contempladas no artigo, especialmente as ocupações
violentas e clandestinas, realmente dizem respeito a casos de detenção e não de
posse injusta, como afirma parte da doutrina. Note-se que o preceito é dividido
em duas partes distintas, que contêm obstáculos de natureza diversa, que
desnaturam a posse.
Permissão
e tolerância: Como alerta Moreira Alves, o preceito não encontra similar no
Código alemão, mas, por outro lado e curiosamente, reproduz dispositivos do
Código Civil francês e do italiano, que se inclinam pela teoria subjetiva de
Savigny (“A detenção no direito brasileiro”. In: Posse e propriedade, 3. ed., coord. Yussef Said Cahali. São Paulo,
Saraiva, 1987, p. 13). Os dois termos - permissão e tolerância - não se
confundem. A permissão exige conduta positiva do possuidor, que, sem perda do
controle e da vigilância sobre a coisa, entrega-a voluntariamente a terceiro,
para que este a tenha momentaneamente. Vê-se, assim, que o possuidor, em tal
situação, não se exonera da posse, mas apenas entrega alguns de seus poderes ao
detentor, ou os compartilha com ele, até segunda ordem. Há apenas uma limitação
da posse, em razão da entrega momentânea cie poderes sobre a coisa a terceiro.
Como acentua Moreira Alves, a permissão, via de regra, diz respeito a atos que
ainda serão realizados, ao contrário da tolerância, que concerne a atividades
já realizadas ou em andamento. Diz o autor que “a permissão é a declaração de
vontade do possuidor pela qual este, sem renunciar à posse nem fazer nascer
para si qualquer obrigação que anteriormente não existia, confere a terceiro -
o detentor - a faculdade de realizar, com relação à coisa, atos que, sem isso,
seriam ilícitos” (op. cit., p. 17). A tolerância é o comportamento de inação,
omissivo, consciente ou não do possuidor, que, mais uma vez sem renunciar à
posse, admite a atividade de terceiro em relação à coisa ou não intervém quando
ela acontece. Sendo uma mera indulgência, uma simples condescendência, não
implica transferência de direitos. Ambas - permissão e tolerância - podem
interromper-se ad nutum, revogáveis a qualquer tempo. Os exemplos clássicos são
os empréstimos momentâneos de coisas, sem que o possuidor sobre elas perca o
controle, como o aluno que usa o livro no interior de uma biblioteca, ou alguém
que recebe um hóspede em sua residência, cedendo-lhe por curto período o uso de
um cômodo. Note-se que, tal como na servidão da posse, a tolerância e a
permissão tratam de casos de detenção dependente, como instrumentos de
utilização da coisa pelo verdadeiro possuidor.
Violência
e clandestinidade: A segunda parle do artigo em exame diz que “não autorizam
sua (a da posse) aquisição os atos
violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou
clandestinidade”. É o que se denomina de detenção autônoma ou interessada.
Note-se que é autônoma, mas ilícita, ao contrário dos casos de servidão da
posse, de permissão e de tolerância, que são detenções dependentes, mas
lícitas. O preceito gera importante cisão doutrinária. A doutrina tradicional,
seguindo a lição de Clóvis Bevilaqua, afirma que tais casos versam não sobre
detenção mas sim sobre posse injusta e inábil para usucapião. Ensina o autor,
em lição que fez história, que “em face deste artigo, os vícios da violência e
da clandestinidade são temporários, quando por Direito romano prevalecia a
regra: quod ab initio vitiosum est non
potest tractu. Pelo Código Civil, desde que a violência e a clandestinidade
cessam, a posse começa a firmar-se utilmente, de modo que, passados anos, não
seja o possuidor despojado dela, simplesmente, por esse vício originário” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil
Comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1930, v. III, p. 24). Os
demais autores, com pouca variação, atestam que a violência e a
clandestinidade, enquanto perduram, tornam a posse injusta. Cessados os vícios,
nasce a posse justa; ela convalesce como se nunca tivesse sido viciada. Sílvio
Rodrigues vai mais longe, afirmando que, passado um ano e um dia da cessação da
violência e da clandestinidade, a coisa não mais pode ser retomada por ação
possessória, mas somente por ação petitória, o que não parece exato.
Sofreu
a doutrina tradicional consistente crítica cie Moreira Alves, para quem, com
razão, a parte final do CC 1.208 não alude à posse injusta ou à posse inábil
para usucapião, mas, em vez disso, é clara ao dispor que os atos violentos ou
clandestinos não autorizam a aquisição da posse, enquanto não cessarem os
ilícitos. Trata-se de mais um obstáculo que degrada uma situação aparentemente
possessória, aviltando-a em detenção. O erro dos autores tradicionais foi
buscar a interpretação do preceito no Código italiano e no francês, que, embora
contenham regras semelhantes à ora em estudo, seguem a teoria subjetiva de
Savigny. Via de consequência, nos exatos termos da segunda parte deste artigo,
enquanto perduram a violência e a clandestinidade, não há posse, mas simples
detenção. No momento em que cessam os mencionados ilícitos, nasce a posse, mas
injusta, porque contaminada de moléstia congênita. Dizendo de outro modo, a
posse injusta, violenta ou clandestina, tem vícios ligados à sua causa ilícita.
São vícios pretéritos, mas que maculam a posse mantendo o estigma da origem.
Isso porque, como acima dito, enquanto persistirem os atos violentos e
clandestinos, nem posse haverá, mas mera detenção.
Causa
perplexidade o fato de os ocupantes violentos ou clandestinos, porque meros
detentores, não terem defesa possessória contra a agressão injusta de
terceiros. Como, porém, alerta Nelson Rosenvald, essa é a única hipótese em que
o detentor, por não ser mero instrumento da posse de terceiro, tem a tutela
possessória contra o ataque injusto de terceiros, que não a vítima, de quem
obteve o poder imediato de modo vicioso (no sentido do texto, além da lição
maior de Moreira Alves, cf: Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro, Borsoi, 1955, t. X, p.
351; g o n ç a l v e s , Marcus Vinicius Rios. Dos vícios da posse. São Paulo,
Oliveira Mendes, 1998, p. 31; e Nascimento, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e propriedade, 3. ed. São Paulo,
Saraiva, 1987, p. 79).
Uma
última questão sobre a detenção diz respeito a uma das causas da perda da posse
existentes no inciso IV do art. 520 do Código Civil de 1916, qual seja o fato
de a coisa ter sido posta fora de comércio. Tal preceito não foi reproduzido no
Código Civil de 2002, já que o CC 1.223 diz apenas que se perde a posse quando
cessam os poderes de fato típicos do proprietário, embora o CC 100 diga que os
bens de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis. Diante disso,
persiste relevante questão sobre se pode haver posse de particular sobre bem
público, ou se se trata de mera detenção. Moreira Alves, no regime do Código
anterior, afirmava que a posse era possível apenas em relação aos bens públicos
dominicais, como, de resto, já se admitia e continua previsto em diversas leis
especiais. Em relação aos bens de uso comum do povo e de uso especial, tem o
particular mera detenção, podendo o Estado reclamar a devolução da coisa, quer
usando o poder de polícia, quer pelos interditos possessórios (op. cit., p.
29). No mesmo sentido, Ernane Fidélis dos Santos afirma a impossibilidade da
existência de posse de particulares sobre bens com destinação pública, sejam de
uso comum cio povo, sejam de uso especial, o que não impede o ente público de
usar os remédios possessórios ou do poder de polícia para repelir o
molestamento de sua posse. Já os bens dominicais podem ser possuídos por
particulares, mas a posse não se converterá em propriedade por usucapião (Comentários ao Novo Código Civil, v. XV,
coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2007). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.159-61.
Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 10/09/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Os atos e circunstâncias
apresentadas na Doutrina de Ricardo Fiuza e descritas nesse artigo são
do tipo que não conferem efeitos possessórios, tendo em vista que a
manifestação de ingerência sobre determinado bem da vida é insuficiente para a
configuração da relação fatual potestativa em questão. Por conseguinte, os
sujeitos que se enquadram nessas hipóteses impeditivas à aquisição da posse não
são possuidores. A norma estatuída fundamenta-se na garantia dos direitos do
possuidor que tolera ou permite certos atos praticados por outrem (atividade
social, econômica e/ou produtiva), em seu próprio prejuízo, no uso ou gozo da
coisa, assim procedendo com o objetivo exclusivo de favorecer a convivência
social, especialmente as relações de vizinhança. Tanto os atos de permissão,
que decorrem de consentimento expresso do possuidor, como os atos de
tolerância, que importam em uma autorização tácita, derivam de um espírito de
condescendência, de relações de amizade e de boa vizinhança, caracterizados,
via de regra, por elementos da transitoriedade e passividade. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 623, apud Maria Helena Diniz
Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 10/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No ritmo de Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, descrevem-se como atos de permissão aqueles em que o possuidor consentiu expressamente para que terceiros viessem a praticar determinados
atos ou a utilizar o bem, sem que extraia qualquer benefício, para si, desta
situação. Os atos de mera tolerância
são aqueles que importam em uma autorização tácita por parte do possuidor, sem
qualquer manifestação por escrito, com os mesmos objetivos e finalidades já
referidas, como admitir que alguém possa retirar água de seu poço ou cortar
caminho por área de seu domínio.
Tanto na permissão
como na tolerância o que se verifica
é a deflagração de uma política de convivência social entre as partes, típico
de uma saudável conduta de boa vizinhança, com relações de amizade,
caracterizados pela transitoriedade e passividade (Dias, 2003, p. 1077). No que
tange às consequências destes atos, é forçoso dizer que eles não constituem
atos possessórios, não gerando, pois,
os resultados jurídicos que estão presentes no exercício da posse. Com efeito,
aquele que exerce atos originados por permissão
ou tolerância não é considerado
possuidor, dado o caráter da temporiedade.
Não se verifica, nestes casos, qualquer direito potestativo. Assim, a sujeição da outra parte – a qual deverá
suportar o exercício de um direito alheio, exercido pelo outro titular (direito potestativo) – não se verifica
nos atos de permissão ou tolerância. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 10.09.2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
1.209. A posse do imóvel faz presumir, até prova contrária,
a das coisas móveis que nele estiverem.
A posse do imóvel cria
presunção relativa, aponta Francisco
Eduardo Loureiro, que vigora até prova em sentido contrário,
de abranger as coisas móveis que nele estiverem. Retirou o legislador apenas a
expressão “objetos”, que constava do art. 498 do Código Civil revogado, o que
não altera o alcance do preceito. O dispositivo tem razão de ser, porque, via
de regra, as coisas móveis que se encontrem no interior do imóvel ali estão
para seu uso e serviço. O dispositivo, porém, deve ser lido em consonância com
o que contêm os CC 92 a 97, que tratam dos bens reciprocamente considerados.
Desapareceu da Parte Geral do Código Civil a figura dos bens imóveis por
acessão intelectual, substituída que foi pelo instituto das pertenças. Há,
portanto, que fazer importante distinção. Se os bens acessórios forem parte
integrante do imóvel, como os frutos, produtos e rendimentos, mantém-se a regra
geral de que o acessório segue o principal. No entanto, se os bens móveis que
não são parte integrante do imóvel encontrarem-se temporariamente ao seu uso,
serviço ou aformoseamento, a regra é outra. Presume-se, em tal caso, que o
possuidor do imóvel tenha a posse das coisas móveis que nele se encontram, mas
eventuais negócios que digam respeito ao bem principal - por exemplo, cessão de
posse - não abrangem as pertenças, salvo se uma convenção ou as circunstâncias
do caso indicarem o contrário. (Francisco
Eduardo Loureiro, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.162. Barueri,
SP: Manole, 2010. Acessado 10/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Historicamente, o presente dispositivo não
foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da
Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação
atual é a mesma do anteprojeto. Esse
dispositivo tem redação quase idêntica à do art. 498 do CC de 1916.
Já
na doutrina de Fiuza trata-se de presunção juris
tantum. Porém a regra está fundamentada na circunstância de que os móveis,
como acessórios, pertencem ao respectivo imóvel.
Encerrando o capítulo com Luís Paulo
Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, há presunção jurídica de que os bens
móveis que estão contidos nos imóveis deles façam parte de forma indissociável,
fazendo gerar a mesma ideia quanto ao exercício de fato aplicável àqueles. Como
trata expressamente o dispositivo, a presunção é relativa, pois se admite prova do contrário, como pode ocorrer no
caso de se demonstrar que o plano existente naquele imóvel destinado para um
conservatório musicar pertence a determinado professor, e não aos
administradores. O preceito abarca a ideia de que a posse sobre bens móveis
nada mais é do que uma extensão
exercida em relação aos bens imóveis, com a ressalva legal de se tratar de uma
presunção relativa. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 10.09.2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
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