Direito Civil Comentado - Art. 1.204, 1.205, 1.206
Da Aquisição da Posse - VARGAS, Paulo S. R.
- Livro III
– Título I – Da Posse (Art. 1.196 ao
1.368)
Capítulo II – Da
Aquisição da Posse
(Art. 1.204 a 1.209) – digitadorvargas@outlook.com –
Art.
1.204. Adquire-se
a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio,
de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.
De forma clara,
leciona Francisco Eduardo Loureiro, a aquisição da
posse, segundo dispõe o Código Civil de 2002, se dá no momento em que “se torna
possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à
propriedade”. A redação é sensivelmente superior à do antigo art. 493 do
CC/1916, que procurava fornecer o catálogo das condutas semelhantes às do
proprietário, tarefa inglória diante de sua amplitude e das infindáveis
possibilidades. Basta ver que no rol do art. 493 não se encontrava o constituto
possessório, que a doutrina sempre considerou modo de aquisição e de perda da
posse.
De
modo simétrico, o CC 1.223 do atual Código, adiante examinado, diz que ocorre a
perda da posse quando cessa o exercício de fato de poderes inerentes à
propriedade. O preceito que trata da aquisição da posse tem estreita conexão
com o CC 1.196, que define quem é possuidor. Seguindo a doutrina de Ihering,
adotada em nosso direito, adquire a posse aquele que procede em relação à
coisa, em nome próprio, da maneira como o proprietário habitualmente o faz.
Assim, para verificar se alguém adquiriu a posse, basta constatar se ocorre uma
situação de fato análoga à conduta do proprietário em relação às suas coisas,
tendo sempre presente o binômio corpus
e animus. Ou, na expressão de
Ihering, “pergunte-se como o proprietário tem o hábito de agir com suas coisas,
e se saberá quando admitir a posse e quando rejeitá-la”.
O CC 1.204, em exame, faz a
ressalva de que o exercício dos poderes deve ser em nome próprio, para
distinguir a aquisição da posse da mera detenção, em que se tem poder sobre a
coisa, mas esse poder é dependente - em nome, por conta e em proveito de
terceiros. É por isso que nas hipóteses dos CC 1.198 e 1.208, primeira parte,
embora o ocupante aja como dono e possa ter affectio
tenendi, não adquire posse, porque a sua conduta apenas representa ou
instrumentaliza a posse de terceiro, este sim o verdadeiro possuidor. Já na
segunda parte do CC 1.208, tem-se que a detenção, embora independente, não é
posse, porque encontra obstáculo previsto em lei, que degrada situação
tipicamente possessória.
Claro
que os diversos modos de aquisição da posse particularizados no Código de 1916
- apreensão da coisa ou do direito, disposição de coisa ou do exercício do
direito - encontram-se abrangidos na boa redação genérica deste artigo, uma vez
que, cm todos os casos, alguém passa a agir como dono, com ou sem contato
físico com a coisa, mas dando-lhe a natural destinação econômica ou social.
Cabe aqui breve alusão à distinção entre a posse civil e a posse natural, a que
se referia o inciso I do revogado art. 493. A posse civil adquire-se como consequência
de uma relação jurídica, sem que haja necessidade de apreensão da coisa. Já a
posse natural é resultado do simples comportamento do possuidor, que passa a
agir de fato como dono, independentemente de prévia relação jurídica que
confira direito à posse. Na lição de Clóvis Beviláqua, pode a posse ser
adquirida por ato unilateral, por ato bilateral, quando o possuidor a transfere
a outrem, ou por sucessão causa mortis (Direito
das coisas, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, 1. 1, p. 49). Na
aquisição por ato unilateral, diz-se que a posse é adquirida a título
originário. Na aquisição por ato bilateral, ou por sucessão hereditária, diz-se
que a posse é adquirida a título derivado. Embora o Código Civil de 2002 não
trate expressamente da figura do constituto possessório, como fazia o Código
Civil de 1916, cuida-se de instituto ainda aplicável, que merece breve menção,
porque se amolda ao critério genérico de aquisição da posse previsto no CC
1.203. Como consta do Enunciado n. 77 da I Jornada de Direito Civil 2004, “CC
1.205: A posse das coisas móveis e imóveis também pode ser transmitida pelo
constituto possessório”.
No
constituto possessório, o possuidor de uma coisa em nome próprio passa a
possuí-la em nome alheio. Exemplo clássico é o que se verifica quando o
alienante conserva a coisa em seu poder mediante cláusula contratual denominada
cláusula constituti. O adquirente,
assim, recebe a coisa por mera convenção, sem posse física. O alienante apenas
deixa de possuir para si mesmo e passa a possuir em nome do adquirente, ou
seja, converte sua posse em detenção, sem nenhum ato exterior que ateste essa
mudança. Parte da doutrina diz que também se configura o constituto possessório
quando o alienante que tinha posse plena passa a ter posse direta, como nos
casos do locatário, do comodatário ou do depositário. Tal posição, exata
somente para a teoria subjetiva da posse, parece não se ajustar ao nosso
sistema objetivo, porque, para nós, o locatário, o comodatário e o depositário
também são possuidores, com todos os efeitos inerentes à posse, salvo a
usucapião, porque lhes falta o animus
domini. Em termos diversos, o constituto possessório, nos exemplos citados
anteriormente, não seria modo de aquisição ou perda da posse, mas apenas de
mudança de categoria da posse, de posse plena para posse direta. Por isso é
que, ao tratarmos o constituto possessório como modo cie aquisição e de perda
da posse, o mais correto é restringi-lo aos casos em que o alienante se
converte de possuidor em detentor, passando a possuir em nome alheio. Operação
inversa ocorre na traditio brevi manu,
pela qual o possuidor de uma coisa em nome alheio (detentor - fâmulo, ato de
permissão ou tolerância), ou com mera posse direta (locatário, comodatário,
usufrutuário etc.), passa a possuir ou em nome próprio ou com posse plena, sem
necessidade de se promover ato físico de entrega da coisa. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.153-54.
Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 09/09/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Em
sua doutrina, Ricardo Fiuza passa a impressão de desagrado e desconformidade ao
citar “A alteração a que se procedeu no
texto original do anteprojeto, modificando a sua redação, suprimindo a
referência ao constituto possessório, foi providência, no mínimo, infeliz, que
está a merecer reparo legislativo urgente, sem contar com outros aspectos de
ordem técnica doutrinária que não podem passar despercebidos, em face da
importância do dispositivo e da reformulação implementada com a reforma do
Código.” E continua: “Em primeiro
lugar, a posse não se adquire pelo “exercício” do poder, mas pela obtenção do
poder de fato ou poder de ingerência socioeconômica sobre um determinado bem da
vida que, por sua vez, acarreta a abstenção de terceiros em relação a este
mesmo bem (fenômeno dialético).” Portanto, basta que se adquira o poder de
fato em relação a determinado bem da vida e que o titular deste poder tenha
ingerência potestativa socioeconômica sobre ele, para que a posse seja
efetivamente adquirida. Ademais, para se adquirir posse, não se faz mister o
exercício do poder; basta a possibilidade de exercício. Não se pode prescindir
é da existência do poder de ingerência.
Em
segundo lugar, é importante fazer a referência ao instituto jurídico do constituto possessório neste CC 1.204,
excluído acertadamente do atual CC 1.205, que versa apenas sobre os sujeitos da
aquisição (diferentemente do que se verificava no CC de 1916, Art. 494, que
mesclava formas distintas de aquisição), mas eliminado sem razão do dispositivo
em questão, para não se correr o risco de fazer crer (erroneamente). Aos mais
afoitos, que ele teria desaparecido do sistema material. Por outro lado, a sua
não inclusão neste dispositivo, por si só, não teria o condão de do sistema, sobretudo
porque aparece mencionado em outros dispositivos do Livro dos Direitos Reais, e
porque também, na qualidade de instituto jurídico milenar transcende tal
circunstância. De qualquer sorte, é de boa técnica e sistematização adequada
que exista previsão normativa específica no Titulo 1 (Da Posse), a respeito do constituto possessório, prevenindo-se
quaisquer dúvidas sobre tão importante matéria. • Ademais, não se pode ainda
esquecer de que se trata de instituto jurídico que encontra grande
aproveitamento nos dias de hoje, notadamente nas relações contratuais
envolvendo a posse (v.g.,
arrendamento mercantil, leasehold,
leaseback, leasing etc.).
Por
último, veja-se, a esse respeito, a redação do CC 1.223 sobre a “perda da
posse”, cujo teor vai justamente ao encontro do nosso entendimento (CC 1.223.
Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder
sobre o bem, ao qual se refere o CC 1.196).
Em outros termos, o que se há de propor é a manutenção da redação
primitiva do texto do anteprojeto, com pequenas alterações, tendo-se em conta
que atende a melhor técnica jurídica e redacional. Constituto
possessório é o instituto jurídico que se verifica quando o possuidor na
qualidade de absoluto (posse própria e plena), transfere a outrem a posse
absoluta indireta (ou própria e mediata) e reserva para si a posse relativa
direta (não-própria imediata). O constituto possessório não se presume (clausula constituti). É forma de
aquisição e perda da posse. É instituto muito utilizado também para obtenção
rápida de capital de giro (working
capital), à medida que se convertem os custos de ocupação em aluguel (leaseback).
Sugestão
legislativa: Pelas razões antes expostas, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza
a seguinte sugestão: CC 1.204. Adquire-se a posse de um bem quando sobre ele o
adquirente obtém poderes de ingerência, inclusive pelo constituto possessório. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 620-21, apud Maria Helena
Diniz Código Civil Comentado já
impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 09/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No
lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira, é como registro imobiliário do título de transferência que se
opera a aquisição da propriedade imobiliária, inter vivos, de acordo com a sistemática civil pátria (CC 1.245).
no que tange à posse, em geral, a prova desta aquisição não se viabiliza, por
se tratar de uma mera situação fática, ainda que sob a proteção do direito.
Assim sendo, a posse tem início, do ponto de vista legal, a partir da
manifestação de quaisquer dos atos que representem a exteriorização do domínio,
praticados em nome próprio. Isso é
importante, pois não são considerados atos tipicamente possessórios aqueles realizados por detentor, qual seja, aquele que exerce atos de posse, subordinado
às ordens ou determinações de terceiros.
De fato, para efeito da
contagem do prazo de ano e dia,
previsto no art. 558 do CPC/1973, (relacionado aos atuais artigos 932, II, 995, 1.019 do CPC/2015), há de
se obter um critério único para a delimitação do início da posse, e este se concretiza pelo exercício de atos
típicos de quem pareça ser proprietário, embora não o seja, já que, pela teoria
objetivista (CC 1.196), possuidor é
aquele que procede, em relação à coisa, como o dono habitualmente o faria.
Não se exige mais a apreensão da coisa, nem o fato
de se dispor da coisa ou do direito – na dicção da codificação civil anterior –
para a caracterização da titularidade possessória, bastando, agora assim, o
simples exercício da posse em nome próprio. Enunciado 301 do Conselho da
Justiça Federal: “É possível a conversão
da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de
exercício em nome próprio dos atos possessórios”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 09.09.2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.205. A posse pode ser adquirida
I – pela própria
pessoa que a pretende ou por seu representante;
II – por terceiro
sem mandato, dependendo de ratificação.
No lecionar de Francisco
Eduardo Loureiro, Mais
uma vez, a redação deste artigo do Código Civil é sensivelmente superior à do
art. 494 do revogado Código de 1916. A primeira melhoria diz respeito à
eliminação do constituto possessório como uma das hipóteses de legitimação à
aquisição da posse. Como foi visto anteriormente, tal figura é uma forma ou um
meio de aquisição ou perda da posse, na qual o alienante representa o
adquirente na posse, encaixando-se portanto na hipótese do inciso II do CC
1.505 do novo livro.
Podem
adquirir a posse, segundo o inciso I do artigo em exame, a própria pessoa que a
pretende, ou o seu representante. No caso da própria pessoa, podem adquirir
tanto a pessoa natural como a pessoa jurídica, esta mediante atuação de seus
órgãos. Não podem adquirir a posse, portanto, as pessoas jurídicas irregulares,
porque não são dotadas de personalidade. Já no que se refere às pessoas
naturais, cabe uma distinção: se a posse é adquirida por simples ato jurídico
de apreensão, desprovido de vontade negociai, pode o incapaz realizá-la por si,
independentemente de representação. São os casos do estudante que apreende
livros, ou da criança que se apossa de um brinquedo. São atos-fato, em que não
se cogitam os requisitos de validade do CC 104. Caso, porém, a posse seja
adquirida por negócio jurídico, o incapaz somente pode adquiri-la por atuação
de seu representante.
No
caso da posse adquirida por representante, bem andou o legislador ao não
mencionar, porque dispensável, a figura do procurador, como fazia o Código de
1916. A representação, na dicção do CC 115, pode ser legal ou convencional.
Logo, tanto podem o pai, o tutor e o curador adquirir a posse da coisa em nome
do filho, do pupilo e do curatelado como o procurador em nome do representado.
Note-se que o corpus é do
representante, que, porém, age em nome de representado e com o animus exercido em proveito deste. O
representante, então, tem a mera detenção, porque age em nome do representado,
este o verdadeiro possuidor. A expressão “adquirir a posse por representante”
abrange também diversas atividades jurídicas de cooperação, sem a conotação
estrita cio instituto da representação previsto nos CC 115 e seguintes. Claro
que pode a aquisição da posse dar-se pela atuação jurídica em nome de outrem,
sobre o qual devem recair os efeitos negociais. Mesmo aqueles não instituídos
de poderes para praticar atos em nome do representado podem adquirir a posse em
nome alheio. É o caso da detenção dependente, em que não há propriamente
representação, mas uma incumbência, um vínculo jurídico que faz alguém atuar em
proveito de outrem ou em cooperação com outrem, como o empregado e o preposto
sem poder de representação.
Finalmente,
dispõe o inciso II deste artigo que a posse pode ser adquirida por terceiro sem
mandato, dependendo de ratificação. É o caso do gestor de negócios, em que uma
pessoa age no interesse de outra, sem ter recebido essa incumbência. Note-se
que o gestor age espontaneamente, sem conhecimento do dono do negócio, mas a
ratificação retroage ao começo da gestão e produz todos os efeitos do mandato. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.155-56.
Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 09/09/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Pouca ou nenhuma expansão na doutrina de Ricardo
Fiuza, quando além
da hipótese de sucessão universal, por ato entre vivos, adquire-se a posse
diretamente pela pessoa natural que pretende atingir esse escopo, ou por
terceiro com mandato (seu representante) ou sem mandato, dependendo de
ratificação sua. Tratando-se de pessoa jurídica, por atos praticados por seus
representantes legais. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 622, apud Maria Helena Diniz
Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 09/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na concepção de Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira, quando a própria pessoa interessada exerce atos de posse,
diz-se que se trata de posse originária,
pois que não advém de qualquer relação jurídica anterior ou título determinado.
É o exercício físico e genérico do interessado sobre a coisa que caracteriza a posse propriamente dita. De igual forma,
pode haver posse originária (e justa), em relação àquele que planta em imóvel
do qual não tem a propriedade, desde que não se caracterize atos de esbulho.
O representante legal, ou procurador,
também pode adquirir a posse pessoalmente e, posteriormente, transmiti-la ao
representado. Mas pode adquiri-la, de igual forma, em nome do representado,
sendo deste a deliberação no que diz respeito ao corpus e ao animus. Como
se vê, exige-se a manifestação de vontade tanto do representante quanto do
representado.
Tal representação se dá em
casos de menores ou incapazes em geral (art. 3º), quando se confunde, por
derivação legal, a vontade do incapaz com a do seu representante. Por ser uma
situação meramente de fato (vontade
natural), não é preciso a manifestação pessoal do incapaz. De observar-se,
igualmente, que não há necessidade de instrumento de mandato para que alguém
exerça a posse em nome de outro, sendo suficiente, tão somente, a existência de
tal encargo ou múnus.
Já o nascituro, por ter apenas uma expectativa de direito, de caráter
provisório, e não se titular de direitos subjetivos, não poderá ser considerado
possuidor. A posse também pode ser adquirida pela figura do gestor de negócios, ou seja, aquela
pessoa que administra sem autorização, negócios alheios, sendo realizada
independentemente de mandato. Trata-se de uma procuração presumida, uma vez que
o gestor procura fazer exatamente aquilo que o dono do negócio faria, se fosse
necessária uma procuração expressa. Exige-se, neste caso, uma ratificação
posterior, que retroage à data do ato praticado pelo terceiro.
Enunciado 77 do Conselho de Justiça Federal: “A posse das coisas móveis e imóveis também
pode ser transmitida pelo constituto possessório”. Enunciado 236 do
Conselho de Justiça Federal: “Considera-se
possuidor, pata todos os efeitos legais, também a coletividade desprovida de
personalidade jurídica”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 09.09.2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do
possuidor com os mesmos caracteres.
Como
aponta Francisco Eduardo Loureiro, o
artigo em questão nada alterou, na substância, o que continha o art. 495 do
Código Civil de 1916. Tem o preceito estreita ligação com outros dispositivos
que tratam da conservação e transmissão da posse, como os CC 1.203, 1.207 e
1.212, do Código Civil de 2002. No Direito romano, a posse era intransmissível.
Os Códigos modernos, porém, consagraram o princípio da saisina - le mort saisit le v
if-, de modo que, com a morte do possuidor, a posse transmite-se
imediatamente e sem necessidade de apreensão da coisa pelos herdeiros. A
transmissão da posse é ex lege, em
razão única do título da sucessão hereditária.
Note-se
que este artigo não trata do momento em que se transmite a posse, porque
engloba as figuras dos herdeiros legítimos ou testamentários, que recebem a
título universal, e dos legatários, que recebem a título singular. É sabido que
ao herdeiro se aplica o instituto da saisina
e que este, num segundo momento, entrega a posse dos legados ao legatário. No
que se refere às qualidades da posse que se transmite, porém, é irrelevante
tratar-se de herdeiro ou legatário.
Na
transmissão da posse por ato causa mortis,
denominada successio possessionis, a
posse do de cujus incorpora-se na
posse dos herdeiros e legatários com todos os seus caracteres. Se tinha o
defunto posse direta/indireta, posse justa/injusta, posse de boa-fé/má-fé,
posse ad interdicta/ad usucapionem,
as mesmas qualidades, os mesmos vícios ou limitações terão os herdeiros e
legatários. Até mesmo a ignorância dos herdeiros e legatários quanto a
eventuais vícios não é levada em conta se o defunto os conhecia.
Há
continuação da posse do antecessor, de modo que o herdeiro simplesmente fica no
lugar do defunto, como se fossem uma só pessoa. A posse se transmite como um
todo, com os elementos objetivo e subjetivo que tinha o defunto. Disso decorre
que herdeiros e legatários podem invocar a posse que tinha o defunto para
ajuizar ações possessórias que este poderia propor, assim como para somar prazo
necessário à usucapião. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.155-56.
Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 09/09/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Historicamente, o
dispositivo em tela tinha a seguinte redação, quando da remessa do anteprojeto
à Câmara dos Deputados: “A posse transmite-se aos herdeiros do possuidor com os
mesmos caracteres, no momento de sua morte”. Quando da primeira votação pela
Câmara, por meio de emenda do Deputado João Castelo, o dispositivo ganhou a
redação atual, não tendo sido atingido por qualquer outra espécie de
modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos
Deputados, no período final de tramitação do projeto. A emenda procurou restaurar a redação do CC de
1916. Segundo o autor, era desnecessário acrescentar a expressão “no momento de
sua morte”, uma vez que, pelo princípio dominante no direito das sucessões, a
herança se transmite com a morte. No caso, ao falar-se em herança, já está
patente a configuração da morte do possuidor. Redação praticamente idêntica à do art. 495 do
CC de 1916.
Fiuza
em sua doutrina, aponta que o caráter ou natureza da posse mantém-se inalterado
durante o período de permanência com seu titular, transmitindo-se aos herdeiros
e legatários, tal como ocorria precedentemente. Recebendo-a, o sucessor, a
título universal dá continuidade à posse de seu antecessor com os mesmos
caracteres previamente estabelecidos (successio
possessionis). Logo, se a posse padecia de algum vício objetivo ou
subjetivo, assim permanecerá com o seu sucessor. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 622, apud Maria Helena Diniz
Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 09/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em Direito.Com, Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira fala sobre o artigo tratar-se da ideia do transpasse do direito de posse do falecido para seus
beneficiários (herdeiros e legatários), em relação aos bens do acervo
hereditário, na condição de titulares legítimos desse exercício fático,
trazendo a noção, ainda, de que a posse mantém seu caráter inalterado durante o exercício de seu titular, assim prosseguindo
quando de sua morte. Desta forma, ocorrendo a transmissão hereditária, o sucessor universal herdará a posse com os mesmos caracteres que
vigorava anteriormente; se possuía vicia, assim será mantida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 09.09.2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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