sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.238 - continua Da Usucapião - Da Propriedade - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.238 - continua

Da Usucapião  - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.238 ao 1.244) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção I – Da Usucapião digitadorvargas@outlook.com

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Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

 

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

 

Acabando com quaisquer dúvidas, Francisco Eduardo Loureiro define a Usucapião (termo que o atual Código Civil utiliza no feminino), como modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada e qualificada por requisitos estabelecidos em lei. É modo originário de aquisição da propriedade, pois não há relação pessoal entre um precedente e um subsequente sujeito de direito. O direito do usucapiente não se funda sobre o direito do titular precedente, não constituindo este direito o pressuposto daquele, muito menos lhe determinando a existência, as qualidades e a extensão. São efeitos do fato da aquisição ser a título originário: não haver necessidade de recolhimento do importo de transmissão quando do registro de sentença, com a ressalva, porém, que a negativa fiscal do IPTU dos últimos cinco anos deve ser apresentada; o título judicial ingressar no registro independentemente de registro anterior, ou seja, constituir exceção ao princípio da continuidade e mitigação ao princípio da especialidade registrárias; os direitos reais limitados e eventuais defeitos que gravam ou viciam a propriedade não se transmitirem ao usucapiente; e, caso resolúvel a propriedade, o implemento da condição não resolver a propriedade plena adquirida pelo usucapiente, constituir esplêndido instrumento jurídico; sanar os vícios de propriedade defeituosa adquirida a título derivado.

 

A usucapião tem por objeto tanto a propriedade plena como outros direitos reais limitados que implicam em posse dos objetos sobre os quais recaem, especialmente os direitos reais de gozo e fruição sobre coisa alheia, como o domínio útil na enfiteuse, a superfície, o usufruto, o uso, a habitação e a servidão aparente. Com exceção da servidão aparente, os demais direitos reais sobre coisa alheia, normalmente, serão adquiridos por usucapião ordinária, com justo título, constituído por quem não é o verdadeiro proprietário, no caso clássico de aquisição a non domino. Já as servidões aparentes, contínuas ou descontínuas, podem ser usucapidas com ou sem justo título, bastando a posse prolongada do titular do prédio dominante, com os demais requisitos estabelecidos em lei. A usucapião é modo não só de adquirir a propriedade, mas também de sanar os vícios de propriedade ou outros direitos reais adquiridos com vícios a título derivado.

 

Somente são usucapidas as coisas in commercio. Os bens públicos, qualquer que seja sua natureza, não são passíveis de usucapião, como expressam os CC 102, e 183 e 191 da Constituição da República. Ainda na vigência do Código Civil de 1916, a Súmula n. 340 do Supremo Tribunal Federal já consagrava igual entendimento, apenas positivado no Código Civil de 2002. Exceção a tal regra é a possibilidade de se usucapir terras devolutas rurais, desde que o lapso quinquenal tenha transcorrido anteriormente à vigência da Constituição Federal de 1988, pois desde a Constituição de 1934, passando pela Lei n. 6.969/81, havia previsão para usucapião especial rural de terras devolutas. Os arts. 183 e 191 da atual Carta Política passara a vedar tal possibilidade, mas não retroagem para alcançar períodos aquisitivos anteriores com prazo já consumado. A restrição à usucapião, porém, não alcança os bens pertencentes a empresas públicas e de sociedade de economia mista, pois se regem pelas normas das pessoas jurídicas de direito privado, consoante entendimento reiterado do STJ, salvo se tiverem destinação pública. Isso porque “tratando-se de bens públicos propriamente ditos, de uso especial, integrados no patrimônio do ente politico e afetados à execução de um serviço público, são eles inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis” (STJ, REsp n. 242.073/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão).

 

Os imóveis sem registro, ou com titular não localizado no registro imobiliário, podem ser usucapidos, devendo o poder público provar a propriedade sobre eles. A falta de localização do registro não significa, por si só, que o imóvel seja público. No que se refere à herança jacente, os CC 1.829 e 1.844 deixam claro que o Estado não é herdeiro, por não se encontrar na ordem de vocação hereditária, mas recebe a herança, na falta ou renúncia dos herdeiros. Não se aplica ao Estado o direito de saisine, ou seja, não se torna proprietário e possuidor no momento da morte, havendo necessidade da sentença de vacância dos bens. É esse o entendimento majoritário da jurisprudência (RSTJ 94/215, 133/101 e 142/216; RT 721/285, 727/131, 755/201, 773/194, 728/236 e 787/207), embora haja precedente do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a sentença de vacância é declaratória e retroage à data na qual o óbito completa cinco anos, sem habilitação de herdeiros (RTJ 101/267, RT 709/56).

 

Podem ser usucapidos bens de família, ou gravados, com cláusula de inalienabilidade, pois a usucapião é modo originário de aquisição, não ocorrendo transmissão por parte do titular registrário da propriedade. Não se confundem inalienabilidade e a imprescritibilidade, salvo demonstração de fraude à lei, ou seja, de a usucapião ser modo oblíquo de contornar a cláusula restritiva de alienação, na hipótese de usucapião ordinária.

 

Ainda no que se refere ao objeto, o entendimento dos tribunais é do cabimento da usucapião entre condôminos no condomínio tradicional, desde que seja o condomínio pro diviso, ou haja posse exclusiva de um condômino sobre a totalidade da coisa comum. Exige-se, em tal caso, que a posse seja inequívoca, manifestada claramente aos demais condôminos, durante todo o lapso temporal exigido em lei. Deve estar evidenciado aos demais comunheiros que o usucapiente não reconhece a soberania alheia ou a concorrência de direitos sobe a coisa comum.

 

No que tange a possibilidade de usucapião sobre área comum de condomínio edilício, o entendimento é outro, embora persista divergência nos tribunais. As áreas comuns, por norma cogente, são inalienáveis separadamente da unidade autônoma e não podem se usadas com exclusividade por um dos condôminos, razão pela qual não podem ser usucapidas por um contra os demais (RTJ 80/851; RJTJSP 129/266, 180/43 E 207/15; RT 734/343 e 753/236). Em casos excepcionais, admite-se usucapião sobre áreas comuns específicas, especialmente se não houver oposição da parte dos demais condôminos (RSTJ 130/367). O Superior Tribunal de Justiça, em mais de uma oportunidade, entendeu que o prolongado uso de área comum de condomínio edilício não gera usucapião, mas a posse deve continuar em poder do condômino, em razão da prolongada inércia do condomínio, gerador de supressio (ver jurisprudência a seguir). Nada impede, porém, que tenha a usucapião por objeto a própria unidade autônoma, inclusive garagem, caso em que a propriedade será declarada também sobre a correspondente fração ideal de terreno, determinada na constituição do condomínio edilício. Em tal caso, não há necessidade da citação de todos os demais condôminos, mas apenas do condomínio na pessoa do síndico. A razão da desnecessidade da citação de todos os demais condôminos é simples: recairá a usucapião sobre propriedade plena da unidade autônoma, com a indissociável fração ideal constante da instituição do condomínio edilício. Perderá a propriedade apenas o titular registrário da unidade autônoma, sendo a usucapião indiferente aos demais condôminos, que não verão afetadas as respectivas frações ideais. Não se cogita também da possibilidade de invasão dos imóveis confinantes, levando em conta a natureza peculiar e delimitada da unidade autônoma.

 

Quanto ao objeto, finalmente, controvertem doutrina e jurisprudência sobre a possibilidade da usucapião incidir sobre imóveis rurais de área de superfície inferior ao módulo rural, ou sobre imóveis urbanos de área inferior à Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/79) ou leis municipais. O melhor entendimento é admitir a usucapião, salvo prova de marcada fraude à lei, levando em conta o modo originário de aquisição c a consolidação de situação jurídica já sedimentada de fato. De igual modo, a ausência da menção à existência de acessões não impede o registro da sentença, pois a aquisição originária do solo inclui a das construções acessórias. Controverte a doutrina sobre questões atinentes a parcelamentos do solo clandestinos, ocupação de áreas de mananciais e de proteção ambiental, de risco ou inadequadas para moradias. É preciso entender, porém, que eventuais ilegalidades dizem respeito à ocupação do solo, e não à declaração de propriedade. Parece pouco lógico que se negue a usucapião, mas se mantenham as posses sobre imóveis irregulares, perpetuando situação de incerteza. A usucapião não gera a ocupação irregular do solo, mas apenas é o primeiro passo para futura rurbanização.

 

Requisitos da posse: Dois elementos estão sempre presentes, em qualquer modalidade de usucapião, o tempo e a posse. Não basta a posse normal (ad interdicta), exigindo-se posse ad usucapionem, na qual, além da visibilidade do domínio, deve ter o usucapiente uma posse com qualidades especiais, previstas no CC 1.238: prazo de quinze anos, sem interrupção (posse contínua), nem oposição (posse pacífica), e ter como seu o imóvel (animus domini). O prazo é de quinze anos, contando-se pelo calendário gregoriano e observando-se a regra de contagem de prazos do art. 132 do Código Civil. Por exemplo, posse iniciada em 11.02.2003 consuma usucapião em 11.02.2018, à meia-noite. A posse deve ser contínua, sem interrupção, que, caso ocorra, faz voltar o prazo ao termo inicial. Exige-se regular sucessão de atos de posse, sem falhas ou com intervalos curtos que não configurem lacunas. Se houver esbulho por parte do titular do registro ou de terceiros, mas o possuidor usar a autodefesa ou mesmo a reintegração de posse, com sucesso, não se considera a posse interrompida. Não se exige contato físico do usucapiente com a coisa, mas somente comportamento similar ao do proprietário, que não só usa como frui e extrai o proveito do que é seu. A posse deve ser, na dicção da lei, sem oposição, ou pacífica. Pacífica não se opõe à violenta, mas à posse incontestada. A oposição eficaz parte de interessados, em especial do titular da propriedade ou de outros direitos reais, contra quem corre a usucapião. Os atos de oposição praticados por terceiros não favorecem o titular do domínio, se ele permaneceu inerte. Não basta qualquer ato de inconformismo por parte de interessados ou do titular do domínio. Estes atos não podem ser ilegais, como, por exemplo, a retomada violenta, repelida pelo usucapiente por meio da tutela possessória. Mesmo as oposições judiciais devem ser sérias e procedentes. Assim, eventuais ações possessórias ou reivindicatórias somente atingem a pacificidade da posse caso sejam julgadas procedentes. A oposição deve ser feita antes da consumação do lapso prescricional da usucapião. Eventuais atos de defesa da posse, por parte do usucapiente, não retiram o requisito da pacificidade. Recente precedente do ST] assentou que “a posse mansa e pacífica não se interrompe quando o possuidor direto propõe medidas judiciais contra o suposto turbador, especialmente se tais medidas de proteção são declaradas improcedentes” (STJ, AR n. 3.449/GO, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 13.02.2008). Deve o usucapiente possuir animus domini, ou, na dicção da lei, “como seu” o imóvel. Controverte a doutrina sobre o exato sentido do animus domini, consistente na vontade de tornar-se dono, de ter a coisa como sua, de ter a coisa para si - animus rem sibi habendi. Existem autores que entendem que o elemento animus domini da usucapião estaria ligado à teoria subjetiva de Savigny. Predomina a corrente, porém, que entende o animus estar essencialmente ligado à causa possessionis, à razão pela qual se possui, não constituindo elemento meramente subjetivo. Possui a coisa como sua quem não reconhece a supremacia do direito alheio. Ainda que saiba que a coisa pertence a terceiro, o usucapiente se arroga soberano e repele a concorrência ou a superioridade do direito de outrem sobre a coisa.

 

A parte final do CC 1.238 diz que o usucapiente adquire a propriedade, “ independentemente de título e boa-fé”. Dispensa o legislador a existência de uma causa jurídica que justifique a posse ad usucapionem, por se fundar a usucapião na posse e não no direito à posse. Mais ainda, admite-se que o possuidor usucapiente conheça os vícios que acometem sua posse. Disso decorre a posse injusta poder gerar usucapião, ao contrário do que afirma parte da doutrina. Remete-se o leitor aos comentários do CC 1.200 do Código Civil. As posses violenta e clandestina somente nascem quando cessam a violência e a clandestinidade, nos exatos termos do CC 1.208, parte final, do Código Civil. Antes, são elas meras detenções, pois impedem a reação do esbulhado, por este desconhecer o ato ilícito ou o conhecer, mas se ver acuado pelo comportamento violento do detentor. Cessadas a violência e a clandestinidade, nasce, então, posse, mas viciada, porque sua origem é ilícita. Pode o esbulhado reagir contra o ato ilícito, usando da tutela possessória. Caso não o faça, a inércia faz fluir contra si o prazo da usucapião.

 

No que se refere à posse precária, é ela imprestável para usucapião não por ser injusta, mas por faltar ao possuidor animus domini, já que reconhece a supremacia do direito de terceiro sobre a coisa. Caso, porém, o precarista inverta a qualidade de sua posse, quer alterando a causa (exemplo, o locatário ou comodatário que adquirem a posse indireta sobre a coisa locada ou emprestada), quer por atos de oposição, que demonstrem ao titular do domínio de modo inequívoco o não reconhecimento do direito alheio, deixando clara a vontade do possuidor de alterar a natureza da posse, inverte-se sua qualidade. Continua injusta, mas o esbulho faz nascer ao esbulhado o direito de retomar a coisa, usando a tutela possessória. Caso permaneça inerte em face do esbulho, passa a fluir daí o prazo da usucapião. A existência somente da vontade não altera o caráter da posse, segundo o CC 1.203. Ninguém pode, apenas mudando de vontade, transformar uma relação possessória existente. A transformação decorre da inversão do título da posse, que decorre de ato negociai ou de conduta inequívoca do possuidor frente ao esbulhado. São casos comuns o de locatários, ou de comodatários, ou de promitentes compradores inadimplentes, que almejam usucapir os imóveis ocupados. A princípio, não se admite tal prática, pois aludidos possuidores diretos admitem a supremacia da situação dos possuidores indiretos, salvo se inverterem a qualidade da posse por atos ostensivos e inequívocos, deixando claro aos titulares do domínio que não mais os reconhecem como tais, ou que não se curvam à sua posição jurídica.

 

Usucapião de posse-trabalho: Finalmente, o parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil dispõe que o prazo se reduz a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele tenha realizado obras ou serviços de caráter produtivo. É o que o prof. Miguel Reale denomina posse-trabalho, uma “posse socialmente qualificada, isto é, a posse além do exercício de fato de uma das faculdades inerentes à propriedade” (“Visão geral do projeto de Código Civil”. In: Revista dos Tribunais. São Paulo, Revista dos Tribunais, junho/l 998, v. 752, p. 24). O legislador, em tal caso, encurta o prazo da usucapião, como estímulo à conduta socialmente relevante do possuidor. Os requisitos adicionais da posse-trabalho, consistentes na moradia ou realização de investimentos e serviços de caráter produtivo, são alternativos e não cumulativos. Um ou outro atendem à função social da posse. Note-se que tal modalidade não exige a pessoalidade da posse, de tal modo que se aplicam as figuras da accessio e da successio possessionis.

 

Direito intertemporal e a redução dos prazos de usucapião: Os CC 2.028 e 2.029 das disposições finais do Código Civil de 2002 contêm regras de direito intertemporal sobre prazos prescricionais. O CC 2.028 alude apenas aos prazos prescricionais, mas se aplica também aos prazos alterados das modalidades de usucapião, em atenção ao que contém o CC 1.244 do Código Civil. Se as causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição se aplicam à usucapião, parece razoável que igual extensão incida também sobre as normas de direito intertemporal que disciplinam a redução dos prazos prescricionais. A defeituosa redação do CC 2.028 merece interpretação criativa, seguindo as seguintes regras: no caso de prazo ampliado, aplica-se a lei nova, computando o prazo já decorrido na vigência da lei antiga; no caso de prazo reduzido, já consumado cm mais da metade na vigência da antiga lei, aplica-se o antigo Código Civil; no caso de prazo reduzido com porção igual ou inferior à metade consumado na antiga lei, aplica-se por inteiro o prazo da lei nova a partir de sua vigência. Em tal hipótese, o prazo menor será aplicado, mas se antes de seu vencimento completar-se o prazo antigo, este prevalecerá. Além disso, o prazo da usucapião por posse-trabalho, reduzido para dez anos, teve um acréscimo de mais dois anos (portanto, doze anos), nos primeiros dois anos de vigência do Código Civil de 2002, a fim de não surpreender os titulares registrários do domínio em seu poder de reação e retomada da coisa. Parte da doutrina e da jurisprudência entendeu que a usucapião com posse-trabalho constitui nova modalidade de usucapião, razão pela qual todo o prazo decenal (ou de doze anos, nos primeiros dois anos de vigência do atual CC/2002) somente poderia ser computado a contar de janeiro de 2003. Por essa razão o Tribunal de Justiça de São Paulo já teve oportunidade de afirmar que o prazo de usucapião regido pelo parágrafo único do mencionado CC 1.238 só pode ser computado a partir da vigência do Código Civil (TJSP, Ap. cl revisão n. 449.809-4/1, rel. Des. Testa Marchi, j. 23.09.2008).

 

Tal visão se mostra equivocada. Em texto recente, ainda não publicado e gentilmente cedido por Hamid Charaf Bdine Júnior, “o fato de se tratar de nova modalidade de usucapião não impedia o legislador de determinar que o prazo que antecedeu o novo diploma legal fosse computado na contagem, como o fez expressamente no referido art. 2.029 do CC, do qual consta que até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do CC 1.238 e no parágrafo único do CC 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior’. Desse modo, é possível concluir que o tempo decorrido na vigência do Código revogado deverá ser computado para os fins dessas novas modalidades de usucapião. Essa contagem, porém, poderia surpreender o proprietário que, no dia seguinte ao da entrada em vigor do Código Civil, em janeiro de 2003, perderia a propriedade, para alguém que exercesse posse originalmente injusta - já que na usucapião em exame o justo título e a boa-fé são dispensados. De fato, se o possuidor tivesse posse do imóvel há doze anos, independentemente de justo título e boa-fé no primeiro dia de vigência do Código Civil, e nele houvesse estabelecido sua moradia habitual ou realizado obras e serviços de natureza produtiva, a propriedade lhe seria conferida por intermédio da usucapião disciplinada no parágrafo único do CC 1.238, sem mais delongas. Nessa hipótese, note-se, o proprietário perderia o imóvel sem tempo para agir em defesa de seu direito, surpreendido pelo abrupto encurtamento do prazo, o que não se pode admitir, nem era intenção do legislador, que procurou afastar essa possibilidade com a regra do art. 2.029 do Código Civil. Como, porém, o parágrafo único do CC 1.238 contempla uma nova modalidade de usucapião, o encurtamento de prazo permitiria, cm uma primeira análise, que a aquisição do domínio pelo possuidor pudesse ocorrer nos primeiros dias de vigência do Código. Assim seria, porque os dois anos acrescidos singelamente ao prazo do CC 1.238, parágrafo único, autorizaria a usucapião com prazo de doze anos, em qualquer hipótese. Para evitar tal conclusão e impedir que o proprietário seja abruptamente surpreendido, a interpretação do CC 2.029 deve ser feita de modo sistemático, com especial destaque para sua parte final, que prevê o acréscimo de dois anos ‘qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior’. Tal compreensão do texto remete à afirmação de que a usucapião por posse-trabalho só será possível após os dois primeiros anos de vigência do Código Civil, o que assegura proteção ao antigo proprietário, sem desprezar o prazo antigo. Destarte, ainda que a posse tenha sido exercida por doze anos antes do novo Código, para a aplicação adequada do mencionado CC 2.029, o prazo para usucapir só se completaria em 2015. Assim, ‘qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior’ (doze anos no exemplo dado), haverá acréscimo de dois anos, o que impede, em absoluto, que a usucapião surpreenda o proprietário. A favor dessa interpretação, pesa o fato de que a frase do parágrafo anterior seria dispensável, assim como todo o dispositivo seria dispensável, se o prazo de posse anterior à vigência do Código não pudesse ser computado para fins dc incidência do disposto no parágrafo único dos arts. 1.238 e 1.242 do CC. E, como é sabido, não é regra adequada de interpretação concluir pela inaplicabilidade ou pela inutilidade do dispositivo. Acrescente-se que a situação ora em exame não se confunde com as dos arts. 183 e 191 da CF, cuja incidência só foi admitida pela jurisprudência para período posterior à da edição do texto constitucional (STF, AI no Ag. Reg. n. 290.022, rel. Min. Nelson Jobim, j. 20.02.2001), pois, para essas situações não havia regra de transição expressa e o risco de prejuízo aos proprietários acabou sendo a razão determinante para a imediata incidência da regra”. Em suma, o CC 2.029 contém regra explícita de direito intertemporal que preserva o direito de defesa do proprietário registrário, o qual perderá o imóvel por usucapião. Admite-se a utilização do prazo já decorrido no regime do Código Civil de 1916, desde que o biênio adicional a que alude o CC 2.029 decorra na vigência do Código Civil de 2002, permitindo ao dono evitar a consumação da prescrição aquisitiva. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.212-17. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 25/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Historicamente, O dispositivo foi objeto de duas emendas, ambas da parte da Câmara dos Deputados. A primeira, no período inicial de tramitação do projeto, para redução dos prazos da usucapião extraordinária. O relatório Ernani Satyro registra ser aqui mais “um dos casos em que se pretendeu diminuir o ‘tempus possessionis’, para efeito de aquisição da propriedade. Nessa matéria defrontam-se os conservantistas, que pretendiam manter os longos prazos estabelecidos pelo Código Civil vigente e, do outro, os progressistas, que consideram tais prazos excessivos, exigindo reduções que chegam até o limite de dois anos... No Projeto, ditos prazos já sofreram diminuição, mas, de maneira geral, tem-se reconhecido que seus autores ainda se houveram com excessiva prudência. Mas, também, não se justifica o exagero oposto, sobretudo num País como o nosso de áreas sono-econômicas tão diversas, com índices demográficos gigantescamente diferentes. A alegação de que os atuais meios de comunicação ensejam ao proprietário modos de mais fácil e pronta vigilância de sua propriedade, além de ser procedente só em parte, não corresponde ao valor que se deve, em princípio, atribuir à propriedade, por mais que se diga que ‘quem detém a posse está em posição social mais respeitável do que aquele que se desinteressou ou a perdeu’. Embora fazendo essa observação, andou bem o douto Relator especial colocando-se numa posição intermediária: no caso de usucapião extraordinário, não acolhe nem os 20 anos, pretendidos no Projeto, nem os 10 anos exiguamente reclamados nas Emendas”. A segunda emenda deu-se no período de tramitação final do projeto, substituindo-se as expressões “transcrição” e “Registro de Imóveis” pela palavra “registro” e por “Cartório de Registro de Imóveis”, respectivamente, visando adequar o texto do artigo à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.01 5/73).

 

Mostra a doutrina de Ricardo Fiuza que Usucapião é a aquisição da propriedade pela posse prolongada; que, o Código Civil/2002 adotou a palavra “usucapião no gênero feminino, que não é usual, mas também correta, já que são admitidas as duas formas no vernáculo; que, semelhante ao art. 550 do Código Civil de 1916, trata o dispositivo em comento da usucapião extraordinária, tendo seu prazo sido reduzido de vinte anos para quinze anos, prazo este que pode ser a soma da posse de seus antecessores, desde que seja contínua (RT, 691193). Na hipótese de o possuidor residir no imóvel ou nele desenvolver atividades produtivas, o prazo de que fala o caput do artigo será reduzido para dez anos. A propriedade tem de cumprir sua função social, e o possuidor não pode esperar, por longo tempo, para adquirir o domínio ‘pela prescrição aquisitiva; do contrário, seria beneficiado o proprietário negligente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 640, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 25/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo o lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a usucapião é uma das formas de aquisição da propriedade imóvel, também denominada prescrição aquisitiva, que se realiza pelo exercício contínuo da posse, de forma ininterrupta, em relação ao bem imóvel. Difere-se da prescrição extintiva, que é aquela em que a pretensão não é exercida por um determinado lapso de tempo, como na hipótese de o credor deixar de cobrar uma certa dívida, nascendo para o devedor um direito de não ser cobrado judicialmente pela obrigação (Coelho, 2006, p. 88)

 

De fato, exercendo o possuidor a posse mansa e pacífica sobre o bem, com o animus domini, pelo lapso de tempo legal, passa aquele a ter direito de propriedade, pelo transcurso temporal, enquanto o antigo proprietário o perde. O direito à propriedade nasce, assim, em favor do possuidor, em razão da posse contínua e sem oposição. A prescrição, aqui, é geradora de direitos e não extintiva.

 

É modo originário de aquisição da propriedade, pela posse contínua no tempo, uma vez que não há vínculo jurídico ou relação negocial entre o atual possuidor e o anterior proprietário. O art. 191 da Constituição Federal dispõe que os bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião.

 

O CC 1.238 trata da usucapião extraordinária, de forma mais tradicional de prescrição aquisitiva, determinado que adquire a propriedade aquele que exercer a posse sobre o bem imóvel por quinze anos, como se fosse seu (animus domini), de forma ininterrupta e sem oposição, independentemente da prova de justo título ou boa-fé, que estão presumidos. É desnecessária a comprovação de qualquer título hábil à transferência do domínio (justo título) ou da boa-fé no momento da aquisição da posse, posto que estes são elementos que a lei considera, muito embora essenciais, como absorvidos pela modalidade de usucapião extraordinária, em face do longo lapso temporal exigido (praescrptio longi temporis).

 

O parágrafo único do CC 1.238 trata de uma situação particular, que gera o encurtamento do lapso temporal para a usucapião extraordinária. Assim, o atual Código passou a tratar da posse-trabalho (ou posse social), exigindo o prazo de dez anos de posse contínua em caso de moradia habitual do possuidor ou da realização de obras ou serviços de natureza produtiva em relação ao bem. De observar-se que basta, para esta modalidade de prescrição aquisitiva, a prova da moradia efetiva ou da realização de obras de caráter produtivo, de maneira alternativa e não-cumulativa. Impende destacar, também, que são consideradas obras ou serviços aquelas atividades que representam uma fixação do possuidor ao bem, valorizando-o e exteriorizando a nítida intenção de mantê-lo sob seu domínio. O pagamento de tributos é apenas um início de prova em relação a tal aspecto.

 

Enunciado 497 do Conselho da Justiça Federal: “O prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor”.

 

Enunciado 564 do Conselho da Justiça Federal: “As normas relativas à usucapião extraordinária (CC 1.238, caput) e a usucapião ordinária (CC 1.242, caput), por estabelecerem redução de prazo em benefício do possuidor, têm aplicação imediata, não incidindo o disposto no CC 2.028)”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 25.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.233, 1.234, 1.235, 1.236, 1.237 - Da Descoberta - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.233, 1.234, 1.235, 1.236, 1.237

- Da Descoberta - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.233 ao 1.237) Capítulo I – Da Propriedade em Geral

Seção II – Da Descoberta digitadorvargas@outlook.com

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Art. 1.233. Quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor.

 

Parágrafo único. Não o conhecendo, o descobridor fará por encontrá-lo, e, se não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente.

 

No saber de Francisco Eduardo Loureiro, o Código Civil de 2002 deslocou corretamente o instituto da descoberta - antes denominado invenção - dos modos de aquisição da propriedade de coisas móveis para o capítulo inicial da propriedade em geral, em seção própria. Isso porque, ao contrário do que ocorre nos ordenamentos jurídicos alemão e português, a descoberta, ou achado, não é modo de aquisição da propriedade. A descoberta nada mais é do que o achado de coisas perdidas. Ao contrário das coisas abandonadas (res derelicta), ou sem dono (res nullius), a coisa perdida tem dono, que apenas está privado de sua posse. Impõe a lei ao descobridor o dever de restituir a coisa recolhida ao proprietário, ou ao legítimo possuidor.

 

Ninguém é obrigado a recolher coisa perdida, mas, se o faz, o comportamento gera para o descobridor determinados deveres explicitados no artigo em exame. A descoberta é ato jurídico em sentido estrito, pois, embora o descobridor não o deseje, a produção de certos efeitos decorrem automaticamente da conduta voluntária de recolher coisa perdida por outrem. O primeiro dever, já referido, é o de restituir a coisa recolhida ao dono sem posse. O segundo dever é de diligência, pois, desconhecido o dono, deve o descobridor envidar esforços para encontrá-lo. O terceiro dever - frustradas as tentativas de localização do dono, ou havendo fundada dúvida sobre a titularidade de quem se apresenta como tal - e o de entregar a coisa perdida à autoridade competente. Os arts. 1.170 e seguintes do Código de Processo Civil de 1973 (Correspondência na Seção VIII – Das Coisas Vagas – Art. 746 e ss., no CPC/2015), definem a autoridade competente para receber a coisa perdida. A autoridade pode ser a judiciária ou a policial. Quando a arrecadação for feita por autoridade policial, esta, desde logo, encaminhará a coisa à autoridade judiciária, acompanhada do respectivo auto de apreensão. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.209. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 24/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Sob o prisma de Ricardo Fiuza, descoberta, o mesmo que invenção, que quer dizer achar, encontrar, descobrir, em princípio não gera direito à coisa; apenas uma recompensa por devolvê-la. Na hipótese de o descobridor não conhecer nem conseguir achar o dono da coisa descoberta, deve entregar o bem à autoridade competente, que, por via de regra, é a autoridade policial. O artigo é idêntico ao art. de n. 603 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Há, apenas, mudança terminológica no título, que usa o vocábulo “descoberta” em vez de “invenção”, constante do Código Civil de 1916. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 638, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 24/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Não tendo mais como expandirem, para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o Código Civil estabelece àquele que achar coisa alheia perdida (res perdita) o dever de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor e, quando desconhecidos, o dever de procura-los. Caso não obtenha êxito, o descobridor deverá entregar a coisa achada à autoridade competente. (Ver Seção VIII – Das Coisas Vagas – Art. 746 e ss., no CPC/2015 -Grifo Nosso/VD). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.234. Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antecedente, terá direito a uma recompensa não inferior a cinco por cento do seu valor, e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-la.

 

Parágrafo único. Na determinação do montante da recompensa, considerar-se-á o esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono, ou o legítimo possuidor, as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação econômica de ambos.

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, como visto nos comentários ao artigo anterior, o recolhimento da coisa achada cria para o descobridor certos deveres jurídicos. Em contrapartida, confere-lhe o direito de obter do dono ou do legítimo possuidor da coisa uma recompensa, além do reembolso das despesas de conservação e transporte. A novidade do Código Civil está no estabelecimento de parâmetros para a fixação da recompensa. Ao contrário do Código Civil de 1916, o atual impõe um patamar mínimo de 5% para a recompensa, sem prejuízo do reembolso das despesas de conservação e transporte, desde que comprovadas. Além disso, o parágrafo único do artigo em exame cria balizas para a fixação da recompensa acima do patamar mínimo: o esforço desenvolvido pelo descobridor, a possibilidade que o dono teria de encontrar a coisa perdida sem concurso do descobridor e a situação econômica de ambos.

Bons os critérios estabelecidos pelo legislador que, sem prioridade de um sobre outro, servem como vetores para a fixação da recompensa. O primeiro critério premia o esforço, sendo a recompensa proporcional ao grau de diligência do achador, que pode despender maior ou menor tempo, envidar mais ou menos energia e vigor na busca do dono da coisa recolhida. O segundo critério leva em conta o benefício que aufere o dono da coisa, com a devolução do que havia perdido. Quanto menor a probabilidade de recuperação da coisa sem o auxílio do descobridor, mais elevada será a recompensa. Relevantes, em tal critério, a natureza da coisa perdida, as circunstâncias e local onde foi achada. Finalmente, o derradeiro critério considera a situação econômica do dono da coisa e do achador. Razoável que pessoa abonada pague recompensa mais elevada do que aquele cujo dispêndio desfalcará necessidades básicas. No mais, indiferente é a eventual negligência do dono ao perder a coisa, desprezada pelo legislador como critério de fixação da recompensa.

A parte final do CC 1.234 diz que o dono da coisa tem a seu favor a opção de abandoná-la, em vez de pagar as despesas e a recompensa do descobridor. A regra comporta temperamento. É razoável que opte o dono entre a coisa e a recompensa, mas não entre a coisa e as despesas, que de boa-fé fez o achador para restituí-la ao dono. Caso se aceite o abandono, a res delericta pode ser apropriada pelo descobridor. Aqueles que por dever de ofício ou convenção devem procurar ou restituir coisas achadas não fazem jus à recompensa. São os casos de empregados a que se incumbe procurar objetos perdidos do patrão, ou de departamentos de achados e perdidos de lojas ou repartições públicas. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.209-10. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 24/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No mesmo sentido a doutrina de Ricardo Fiuza, onde a recompensa deve ser entendida como a indenização paga pela conservação e transporte da coisa, não tendo o dono abandonado o bem descoberto. Para se fixar o valor da recompensa devem ser adotados os seguintes parâmetros: a) o esforço despendido pelo descobridor para encontrar o dono ou o legítimo possuidor da coisa; b) a possibilidade de o dono ou legítimo possuidor do bem acha-lo; e c) a situação econômica do descobridor e do dono. Sobreleva notar que o teto é de cinco por cento. A redação do artigo é idêntica à do art. 604 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 638, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 24/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Estendendo-se um tanto mais Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o CC 1.234 em comento, dispõe que aquele que restituir a coisa achada terá direito a uma recompensa, que não pode ser inferior a 5% (cinco por cento) do seu valor, e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-la. A recompensa também é denominada achádego, uma vez que decorre do ato de achar coisa alheia. O esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono ou o legítimo possuidor da coisa, as possibilidades que estes teriam de encontra-la e a situação econômica de ambos, são elementos que devem orientar o juiz da causa ao fixar o valor da recompensa, tratando-se de típica hipótese de julgamento por equidade. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.235.  O descobridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário ou possuidor legítimo, quando tiver procedido com dolo.

 

Esclarecendo o artigo em comento na visão de Francisco Eduardo Loureiro, manteve o legislador conteúdo idêntico ao contido no Código Civil revogado em seu art. 605, com o nítido propósito de descolar e tornar inconfundíveis as figuras do descobridor e do depositário. Os riscos pela perda e deterioração da coisa achada, com ou sem culpa do descobridor, são do proprietário ou legítimo possuidor. Não se atribui ao descobridor o dever de custodiar e zelar pela incolumidade da coisa, como se sua fosse, tal como ocorre no contrato de depósito e se consagra em outros sistemas jurídicos. Explicita o artigo em comento que o descobridor só responde pelos prejuízos causados ao dono da coisa por conduta dolosa. A regra, porém, somente beneficia o descobridor que não se apossou indevidamente da coisa alheia. Se assim procedeu, deixando de entregar a coisa perdida ao dono ou à autoridade competente, age como esbulhador, deslocando-se, então, os riscos pela perda ou deterioração da coisa para o ex descobridor, na forma do CC 1.218 do Código Civil. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.210. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 24/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No site modeloinicial.com.br, encontra-se Jurisprudências atuais que citam CC.1.235 – Apelação – indenização por Dano Moral – Outros / Indenização por Dano Moral / Responsabilidade Civil / Direito Civil: Ementa: apelação civil. Ação de obrigação de fazer c/c Indenização por Danos Morais. Cachorro que fugiu da residência do autor. Acolhimento pelo réu. Suposta recusa de devolução do animal. Sentença de procedência. Inconformismo do réu. Recurso provido parcialmente. Cinge-se a controvérsia recursal quanto à condenação ao pagamento de danos morais em razão de demora na devolução do cão que havia fugida da residência do aturo esposa do autor admitiu que deixou o portão da residência destrancado e que, por tal motivo, o cachorro teria fugido. Após encontrar o animal, o demandado tratou de procurar os donos. Réu só teve ciência da identidade dos donos em sede policial. Proposta de acordo amigável para devolução do animal recusada pela esposa do autor, uma vez que não contemplava indenização por danos morais. Eventual demora na devolução do cão, que não pode ser imputada ao réu. Não incidência do CC 1.235. a ausência de dolo. Transação penal aceita pelo réu I JECRIM da Comarca de Niterói não implica em reconhecimento de culpabilidade a ensejar a pleiteada indenização por danos morais, conforme entendimento pacificado no C. STJ. Dessa forma, não se encontram razões bastantes de convencimento para manutenção da condenação por danos morais, eis que não se verificou má-fé na conduta do réu, deixando o autor de comprovar o fato constitutivo de seu direito, ônus que lhe incumbia, na forma do art. 373, I, do CPC/2015. Configurada a litigância de má-fé, razão pela qual fica o ônus sucumbenciais. Provimento Parcial do Recurso. Conclusões: Por unanimidade, deu-se parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Des. Relator. (TJ-RJ. APELAÇÃO 0002710-75.2016.8.19.02.12. Relator: Des. André Emílio Ribeiro Von Melentovytch, Publicado em: 12/08/2019). (Site modeloinicial.com.br, Acessado 24/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o descobridor responderá pelos prejuízos causados ao proprietário ou possuidor legítimo quando tiver procedido com dolo, hipótese em que o ônus da prova caberá a estes, uma vez que se presume a boa-fé do descobridor. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.236. A autoridade competente dará conhecimento da descoberta através da imprensa e outros meios de informação, somente expedindo editais se o seu valor os comportar.

 

Como leciona Francisco Eduardo Loureiro, constitui o artigo inovação tanto em relação ao CC/1916 quanto ao Código de Processo Civil de 1973, que disciplinam o procedimento a ser seguido pela autoridade que receber a coisa perdida, na busca e entrega ao respectivo dono (arts. 746 e ss., no CPC/2015). A novidade está na utilização, pela autoridade competente, de mecanismos diversos de divulgação, através da imprensa e outros meios de informação, como medidas primárias de localização do dono da coisa perdida. A publicação de editais, medida de duvidosa eficácia, somente será feita caso frustrados os mecanismos referidos e subordinada, ainda, à proporcionalidade de seu custo, em relação ao valor da coisa. As demais providências previstas nos arts. 1.170 (auto de arrecadação) e 1.172 (oitiva do Ministério Público e Fazenda Pública antes da entrega da coisa a quem se apresente como dono) do Código de Processo Civil, arts. 746 e ss., no CPC/2015 continuam vigentes, derrogada apenas a publicação pronta de editais, sem prévia utilização de outros meios de divulgação do achado. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.211. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 24/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo parecer de Ricardo Fiuza e levando em consideração o histórico e a doutrina editada, este artigo não foi alvo de nenhuma espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. Doutrina. O artigo é uma inovação introduzida pelo Código Civil de 2002, restringindo a expedição do edita, se o valor da descoberta o comportar. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 639, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 24/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.237. Decorridos sessenta dias da divulgação da notícia pela imprensa, ou do edital, não se apresentando quem comprove a propriedade sobre a coisa, será esta vendida em hasta pública e, deduzidas do preço as despesas, mais a recompensa do descobridor, pertencerá o remanescente ao Município em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido. [VD1] 

 

Parágrafo único. Sendo de diminuto valor, poderá o Município abandonar a coisa em favor de quem a achou.

 

Concluindo o Capítulo, para Francisco Eduardo Loureiro, As principais alterações do artigo em exame referem-se ao prazo pelo qual se aguarda o comparecimento do dono e quem será o destinatário, caso ninguém procure a coisa perdida. O prazo foi reduzido de seis meses para sessenta dias. Também o termo inicial de sua fluência foi alterado. Antes, corria o prazo a contar do aviso à autoridade, enquanto agora corre a contar da divulgação do achado pela imprensa ou por editais. No que tange ao destinatário do achado, pertence agora o saldo do preço apurado em hasta pública, abatidas despesas e a recompensa, ao Município onde foi encontrada a coisa, alterando-se a regra do art. 1.173 do Código de Processo Civil, que a destinava à União, ao Estado ou ao Distrito Federal. O parágrafo único diz que sendo a coisa de diminuto valor, poderá o Município abandoná-la em favor do descobridor. Embora mencione o termo abandono, a figura melhor se enquadra como cessão de direitos. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.211. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 24/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No ritmo de Fiuza, historicamente o dispositivo em comentário não se submeteu a nenhuma modificação pelo Senado Federal ou pela Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. Na Doutrina este dispositivo se assemelha ao art. 606 do Código Civil de 1916, com duas importantes alterações: a) reduz o prazo de seis meses para sessenta dias; b) faculta ao Município. agora o único ente público que pode beneficiar-se da descoberta, abandoná-la se o seu valor for ínfimo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 639, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 24/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Nas anotações de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o CPC/1973 em seus artigos 1.170 a 1.176, (observar Seção VIII, Das coisas vagas, art. 746 do CPC/2015, já comentado acima, Grifo VD), trata do procedimento para a arrecadação e entrega da coisa, regramento este que deve ser complementado com o disposto nos CC 1.236 e 1.237. Aquele que achar a coisa perdida, não lhe conhecendo o dono ou legítimo possuidor, a entregará à autoridade judiciária ou policial, que a arrecadará, mandando lavrar o respectivo auto, dele constando a sua descrição e as declarações do inventor (observar Seção VIII, Das coisas vagas, art. 746 e §§ do CPC/2015).

 

Depositada a coisa, o juiz mandará publicar edital (se o valor comportar – CC 1.236), por duas vezes, no órgão oficial, com intervalo de 10 (dez dias), para que o dono ou legítimo possuidor a reclame (observar Seção VIII, Das coisas vagas, art. 746 e §§ do CPC/2015). Comparecendo o dono ou o legítimo possuidor dentro do prazo e provando o seu direito, o juiz, ouvindo o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública, mandará entregar-lhe a coisa (observar Seção VIII, Das coisas vagas, art. 746 e §§ do CPC/2015 – Grifo VD). Caso não seja reclamada, a coisa será avaliada e alienada em hasta pública, deduzindo-se do preço as despesas e recompensa do inventor, pertencendo o saldo ao Município em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido (CC 1.237). Se o dono preferir abandonar a coisa, poderá o descobridor requerer que lhe seja adjudicada (observar Seção VIII, Das coisas vagas, art. 746 e §§ do CPC/2015 – Grifo VD). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).



quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.229, 1.230, 1.231, 1.232 Da Propriedade em Geral - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.229, 1.230, 1.231, 1.232

Da Propriedade em Geral - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.228 ao 1.232) Capítulo I – Da Propriedade em Geral

Seção I - Disposições Preliminares digitadorvargas@outlook.com

vargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade  úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.

 

Na balada de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo trata da extensão do direito de propriedade sobre coisa imóvel, dispondo que não se limita apenas ao solo ou a sua superfície, mas se estende, também, em linha vertical, ao espaço aéreo e ao subsolo correspondes. Note-se que não é a propriedade que se estende para cima ou para baixo, mas apenas as faculdades do proprietário, com o propósito de lhe assegurar a utilidade do uso e fruição do solo. Claro que as faculdades de usar e fruir seriam inoperantes, se estivessem limitadas apenas à superfície do imóvel, impossibilitando o titular de construir ou de plantar. O que assegura a lei é a expansão das faculdades do proprietário ao espaço aéreo e ao subsolo do imóvel, limitada, porém, à utilidade do exercício, ao interesse prático na exploração econômica da coisa. Segue nosso Código Civil a linha alemã (art. 905 do BGB - Código Civil alemão) que limita a projeção vertical dos poderes do proprietário a seu interesse, ou à utilidade de seu aproveitamento. O Código Civil de 2002 deu redação mais adequada à extensão das faculdades do proprietário. Atenuou a antiga redação, eliminando a expressão “desde que não tenha ele (proprietário) interesse algum em impedir a atividade de terceiros”. Usa agora o legislador o termo mais adequado interesse legítimo, usando critério utilitário, que afasta aproveitamento remoto, ou meramente teórico, dos espaços acima e abaixo do solo. Na lição de Orlando Gomes, o direito de exclusão, em resumo, tem por medida o interesse do proprietário, que, por seu turno, é determinado pela utilidade do exercício da propriedade.

 

É por isso que o proprietário pode reclamar da passagem de linhas de transmissão de energia elétrica, ou de tubulações de pouca profundidade instaladas pelo poder público, ou, ainda, de sacadas, terraços, ou painéis de publicidade que invadam o espaço de seu imóvel, uma vez que tal situação impede a construção ou plantação de grande porte. Não pode, porém, rebelar-se contra o avião que sobrevoa o imóvel, ou contra um túnel de metrô que passa a grande profundidade, porque em nada embaraçam o aproveitamento da coisa. Na lição de Caio Mário da Silva Pereira, no caso de espaço aéreo, tem o proprietário o direito de reclamar da conduta que lhe traga danos ou incômodos, mas não invocar o direito de propriedade para proibir a passagem de aeronaves. Note-se que a propriedade de minas, jazidas e demais recursos minerais, bem como os potenciais de energia elétrica e os monumentos arqueológicos têm disciplina diversa, constituindo bens da União, por força do que dispõem os arts. 20, VIII a X, e 176 da CF. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.206. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 23/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Historicamente, o artigo em tela não foi atingido por nenhuma modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto.

 

A Doutrina de Ricardo Fiuza atenta para o espaço aéreo que é caracterizado pela sua utilização, sem que agrida a propriedade de outrem nem ofenda a ordem pública. Subsolo é uma coisa corpórea que, pela sua natureza e ligação íntima com o solo, é suscetível de ser objeto do direito de propriedade (v. Carlos Alberto Dabus Malut Limitações ao direito de propriedade, São Paulo, Saraiva, 1997, p. 85 e 91). Esse artigo repetiu a regra do art. 526 do Código Civil de 1916, condenando, mais uma vez, o uso nocivo da propriedade para prejudicar terceiro. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 636, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 23/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na sua participação, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, já aludem sobre o proprietário dever suportar ingerências ao seu domínio, como nas hipóteses previstas no CC 1.230, ao dispor que as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos, dentre outros bens previstos em leis especiais, não estão abrangidos pela propriedade do solo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.230. A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais.

 

Parágrafo único. O proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos a transformação industrial, obedecido o disposto em lei especial.

 

Na sequência Francisco Eduardo Loureiro à propriedade das riquezas do subsolo, porque interessa à economia nacional, destaca-se da propriedade do solo e é atribuída à União Federal, por força do que dispõem os artigos 20 e 176 da CF. O artigo em comento era dispensável, diante dos preceitos da Carta Política, de modo que apenas se limita a reproduzir que a propriedade do solo não estende as faculdades do proprietário às riquezas do subsolo. Não pode o proprietário do solo, portanto, explorar pessoalmente sem concessão ou autorização da União Federal ou impedir que terceiros concessionários explorem as jazidas, tornando-se estes proprietários do produto da lavra. Nos exatos termos do art. 176 da CF, ao proprietário do solo cabe apenas participação no resultado da lavra, na forma e valor regulados pelo Decreto n. 227/67.

 

Diz ainda o artigo em exame que a propriedade do solo não abrange os potenciais de energia hidráulica, o que está em consonância com o disposto no art. 176 da CF. Não diz o Código Civil, mas diz a Carta Política, que o aproveitamento de potencial de energia renovável de capacidade reduzida independe de autorização ou convenção. Em tal caso, cabe a exploração ao proprietário do solo, que pode repelir atos de terceiros, que se reputam ilícitos.

 

Ressalva o parágrafo único do CC 1.230 que a dicotomia das faculdades do proprietário do solo, em relação às riquezas do subsolo, não abrange os recursos minerais com emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos à transformação industrial, obedecido o disposto em lei especial. Seria o caso, por exemplo, de pedras, areia ou argila existentes em um terreno, ou mesmo em seu subsolo, que podem ser imediatamente empregados pelo proprietário na construção civil, independentemente de qualquer processo industrial para seu aproveitamento. Teve o legislador a cautela de destacar a obediência a disciplina própria em lei especial, com destaque para lei ambiental. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.207. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 23/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Historicamente este dispositivo foi objeto de uma única emenda por parte da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto, com o fim de alterar a redação do parágrafo único. O texto do caput é o mesmo do projeto, para efeito de sua exploração ou aproveitamento. A mesma regra se aplica aos achados arqueológicos e a outros bens definidos em lei especial. O objetivo do artigo foi trazer para a lei civil disposição já contida no art. 8° do antigo Código de Minas e repetida pelo Decreto-Lei n. 227, de 28-2-1967.

 

Como leciona Ricardo Fiuza em sua doutrina, antigamente, e até no regime do Código Civil de 1916, as minas eram de propriedade do dono do solo. Posteriormente, as Constituições estabeleceram uma legislação especial referente às riquezas do subsolo e à mineração (CF de 1988, art. 176 e seus parágrafos). Hoje, jazidas. minas e demais recursos minerais são propriedade distinta do solo, para efeito de sua exploração ou aproveitamento. A Mesma regra se aplica aos achados arqueológicos e a outros bens definidos em lei especial. O Objetivo do artigo for trazer para a lei civil disposição já contida no art. 8º do antigo Código de Minas e repetida pelo Decreto-Lei n. 227, de 28-2-1967. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 637, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 23/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na redação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, trata-se de restrição à propriedade com o escopo de atender à finalidade social e aos interesses coletivos, tratando-se de matéria disciplinada pela Constituição federal de 1988 ao estabelecer em seu artigo 175 que “as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra”.

 

O Código de Mineração (Decreto-lei 227/1967) define a pesquisa mineral como sendo a execução de trabalhos necessários à definição da jazida, sua avaliação e determinação da exequibilidade do seu aproveitamento econômico. Nos termos da Súmula 238 do Superior Tribunal de Justiça, compete ao Juízo Estadual da situação do imóvel a avaliação da indenização devida ao proprietário do solo, em razão de alvará de pesquisa mineral.

 

O parágrafo único limita a exploração dos recursos minerais, afastando a possibilidade de transformação industrial e condicionando à observância da legislação especial. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.231. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.

 

Segundo Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em estudo pouco modifica o que continha o Código de 1916, apenas substituindo corretamente os termos domínio por propriedade e ilimitado por pleno. Com a primeira substituição, evitou o legislador que se fizesse a clássica distinção entre domínio e propriedade; o primeiro relativo a sujeitos de direito que tem por objeto direto e imediato coisas corpóreas, e a segunda compreensiva de todos os direitos que compõem nosso patrimônio. Com a segunda substituição, evitou que a expressão ilimitado induzisse à falsa ideia de propriedade livre das limitações gerais decorrentes do direito de vizinhança, ou de normas administrativas. Sabido que a propriedade pode ser plena, quando todas suas faculdades estão enfeixadas nas mãos do proprietário, mas sofre limitações diversas de ordem legal. Não se pode esquecer que os deveres decorrentes da função social não constituem limitações, mas o próprio conteúdo do direito de propriedade.

 

A propriedade enfeixa diversas faculdades, como as de usar, fruir, dispor e reivindicar. Via de regra, esses atributos reúnem-se na pessoa do proprietário, conferindo-lhe propriedade plena ou alodial. Pode ocorrer, porém, que essas faculdades sejam desmembradas, criando-se direitos reais limitados a favor de terceiros, restringindo a extensão. Tome-se como exemplo a possibilidade do proprietário entregar a terceiros a faculdade real de usar ou de dispor, criando os direitos reais de servidão, usufruto, uso e habitação. Pode, também, a propriedade ser gravada com direitos reais de garantia, ou, ainda, com cláusulas restritivas do poder de disposição (cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, CC 1.911).

 

Diz o artigo, além disso, que a propriedade se presume exclusiva, vale dizer, é excludente de outra senhoria sobre a mesma coisa, consequência natural do efeito erga omnes do direito real e da própria natureza do iura in re, que dispensa a intermediação de terceiros na relação direta entre o sujeito de direito e o objeto. Claro que o condomínio não constitui exceção à regra, pois a propriedade incide sobre parte ideal da coisa, não excluindo direito do comunheiro sobre a outra fração. A presunção a que alude o artigo é relativa, persistindo até prova em sentido contrário, a ser produzida por aquele a quem interessa a existência do ônus ou da restrição. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.207-08. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 23/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Sem comentários modificativos sobre o que até aqui foi dito sobre o artigo, a Doutrina de Ricardo Fiuza mostra que dentre as principais características do direito de propriedade temos a exclusividade e a plenitude que não são absolutas, mas sim presumidas, pois admitem prova em contrário (juris tantum). Este artigo é idêntico ao art. 527 do Código civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 637, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 23/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Ilusória a noção de propriedade que dá ao artigo os doutores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira ao dizerem ser a propriedade plena e exclusiva, ou seja, não sofrer qualquer limitação ou restrição no exercício do direito de seu titular (plenitude), salvo em casos especiais, como se dá com o gravame de inalienabilidade, por força da lei ou da vontade (MÁRIO). Ora, é exclusiva a propriedade, pelo fato de não admitir o exercício de dois ou mais titulares sobre o mesmo direito, ou seja, o direito de um exclui o do outro, sendo que o condomínio não afasta esta noção, por se tratar de uma propriedade cujos titulares detém apenas frações ideais sobre o todo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com  acesso em 23.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.232. Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem.

 

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame reproduz quase integralmente o contido no art. 528 do Código revogado, limitando-se a substituir a expressão motivo jurídico por preceito jurídico. Foi salutar a alteração, eliminando eventuais dúvidas que o termo motivo pudesse causar ao intérprete. Em diversas passagens, o Código Civil de 2002 utiliza o termo motivo determinante como equivalente à causa do negócio jurídico. Já o termo motivo sem a qualificação é razão de caráter puramente subjetivo do agente e não influi, via de regra, na validade ou eficácia no negócio jurídico. Diz o artigo que frutos e produtos, ainda quando separados, pertencem ao proprietário. Cuida-se de consequência natural de uma das faculdades federadas da propriedade, o direito de fruir, que permite ao proprietário extrair da coisa suas utilidades e riquezas. Frutos são as riquezas e utilidades que a coisa periodicamente produz. Produtos são aquilo que a coisa produz, mas não reproduz. Consistem também em riquezas e utilidades, que, uma vez retiradas, desfalcam a substância da coisa, como, por exemplo, as pedras de uma pedreira, ou o petróleo de um poço. Tanto os frutos como os produtos, enquanto estiverem pendentes, são acessórios da coisa. No momento em que são separados da coisa - percebidos -, adquirem autonomia, mas, ainda assim, pertencem ao proprietário da coisa que os produziu. O preceito se limita aos frutos e produtos, não engloba as pertenças, que, nos termos do CC 93, não constituem parte integrante da coisa, mas se destinam, de modo duradouro, a seu uso, serviço ou aformoseamento. O CC 94 ressalva que os negócios que dizem respeito à coisa principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da convenção, ou de circunstâncias do caso. A regra se estende à propriedade das pertenças, a que a lei não atribui identidade com a propriedade da coisa a que elas servem. Termina o artigo em exame com a exceção à regra de que os frutos e produtos pertencem ao proprietário da coisa. Ressalva a existência de preceito jurídico especial, que os atribua a outrem. Esse preceito a que alude o legislador pode decorrer de relação de direito pessoal, como por exemplo comodato ou locação, ou de relação de direito real, como por exemplo usufruto. Pode, ainda, e com especial atenção, decorrer da posse de boa-fé que, enquanto durar, confere os frutos ao possuidor, em detrimento do retomante, nos termos do CC1.214. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.208. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 23/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na mesma direção aponta a Doutrina de Ricardo Fiuza: O direito aos frutos e demais produtos é modalidade do gozo da coisa, estendendo-se a todas as utilidades produzidas por ela. Por essa disposição legal, são sempre do seu proprietário, mesmo quando separados, admitindo-se que outra norma jurídica especial disponha ao contrário. Este dispositivo é idêntico ao art. 528 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 638, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 23/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Estendem-se algo mais, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, ao fazerem análise mais detalhada do artigo e comento, para o alcance da compreensão do neófito. Os frutos e os produtos são acessórios da coisa, de modo que, em regra, pertencem ao seu proprietário, ainda quando separados. Os primeiros são bens que saem do principal sem que ocorra alteração em relação á sua quantidade, ao passo que os segundos implicam em diminuição do principal.

 

A primeira parte do artigo prevê a regra de que o acessório segue o principal (acessorium sequitur principale), o que comporta exceções (parte final), como a prevista no CC 94, ao estabelecer que o negócio jurídico que diz respeito ao principal, em regra, não repercute nas pertenças. As pertenças (CC 93) referem-se aos bens que não fazem parte integrante do principal, ou seja, são bens destacáveis da própria coisa, podendo dela se separar sem destruí-la, como se dá como aparelho de ar condicionado em relação à loja, ou com um trator em relação a uma chácara, gerando conforto e utilidade, respectivamente. Só fará parte integrante da coisa principal se assim for convencionado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).