segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.294, 1.295, 1.296 Dos Direitos de Vizinhança – Das Águas – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.294, 1.295, 1.296

Dos Direitos de Vizinhança – Das Águas – VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial – Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.288 a 1.296) Capítulo V – Dos Direitos de Vizinhança – Seção V – Das Águas -  

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Art. 1.294. Aplica-se ao direito de aqueduto o disposto nos artigos 1.286 e 1.287.

A resposta de Francisco Eduardo Loureiro, é que o Código Civil de 1916 não continha regra similar. Tudo o que foi dito acerca da passagem forçada de cabos e tubulações, a que se remete o leitor, aplica-se à passagem de aqueduto, com vista da similitude de situações. Algumas consequências advêm de extensão do regime jurídico. A primeira delas diz respeito ao cálculo da indenização, que deve ser cabal, abrangendo não somente a desvalia da passagem do canal como também a desvalorização do remanescente; a segunda, ao direito do titular do prédio onerado exigir caução no caso de risco plausível decorrente das obras; a terceira afirma que desaparece a servidão legal se não mais persistir sua causa; a quarta, que pode o titular do prédio onerado remanejar a suas expensas a passagem, desde que não cause prejuízo ao prédio beneficiário, que já pagou por ela. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.300. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo entendimento do autor Tauã Lima Verdan, em seu artigo intitulado: “Do direito de edificação da servidão de aqueduto em terreno vizinho à luz do entendimento jurisprudencial”, na parte referente ao artigo em comento aponta que  em decorrência da similitude existente entre o aqueduto e a passagem de tubulações e cabos, o CC 1.294, expressamente, diccionar acerca da aplicação das disposições contidas nos artigos 1.286 e 1.287. denota-se que o fito da norma é assegurar, por meio da incidência dos artigos supramencionados, maiores garantias ao titular do prédio serviente no que se refere à matéria de segurança e indenização pela desvalorização da área remanescente, em decorrência da edificação de aquedutos. Sobre a instituição dos aquedutos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já assentou que: “Ementa: Apelação Cível. Servidão legal de aqueduto. Direitos de vizinhança. Legitimidade ativa ad causam do arrendatário. Irrigação de lavoura de arroz. Impossibilidade de condução da água por meio distinto. Prévia indenização. Preenchimento dos requisitos legais. Em que pese a denominação atribuída pelo Código de Águas (Decreto n. 24.643/1934), a servidão de aqueduto é espécie de direito de vizinhança, não se tratando de direito real sobre coisa alheia. Assim, detêm legitimidade ativa para buscar sua instituição tanto o proprietário do prédio dominante, quanto seu possuidor. Hipótese em que a necessidade de passagem das águas pelo imóvel rural da ré encontra respaldo no CC 1.293 c/c art. 117, b, do Código de Águas, porquanto se trata de medida indispensável à irrigação de lavoura arrozeira, ou seja, ao desenvolvimento da agricultura. [...]”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Vigésima Câmara Cível/Apelação Cível n. 70059836361/Relator: Desembargador Dilso Domingos Pereira/Julgado em 19.11.2014).

“Ementa: Servidão. Uma vez instituída a servidão para passagem de água entre particulares e doada a área serviente, a relação passa a existir exclusivamente entre este proprietário e o dono do aqueduto. É inexistente o cancelamento da servidão feita por quem não mais é do detentor do domínio do imóvel. Recurso provido apenas para excluir da lide empregado do serviente, executor do serviço que danificou o aqueduto.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do sul – Segunda Turma Recursal Cível / Recurso Cível n. 71000613851/Relatora: Rosane Wanner da Silva Bordasch/ Julgado em 26.01.2005).

Meirelles, em tom de arremate, assinala que a faculdade legal de promover a canalização das águas através de terrenos alheios é, concomitantemente, um direito do proprietário e uma restrição da vizinhança, sendo classificada como servidão de aqueduto, sendo concedida uma ação de rito especialíssimo para sua obtenção. Aludida ação tanto pode ser utilizada pelo particular como pelo Poder Público, com a diferença de que, no primeiro caso, o direito de atravessar com aqueduto as propriedades particulares será reconhecido em juízo, sendo, para tanto, imprescindível um provimento jurisdicional para tal constituição. Já no segundo caso, o Poder Público interessado, previamente, decretará a servidão, cominando judicialmente, caso não haja consenso, o montante da indenização a ser paga aos prejudicados.

Do Direito de Edificação da Servidão de Aqueduto em Terreno Vizinho à luz do entendimento jurisprudencial do STJ – Em consonância com os argumentos apresentados até o momento, cuida destacar que um dos aspectos mais relevantes nas limitações inerentes ao direito de propriedade diz respeito aos direitos de vizinhança, os quais consistem em restrições legais ao livre exercício dos poderes inerentes à propriedade em prol da convivência harmoniosa entre titulares de direitos entre prédios vizinhos. A doutrina estrangeira costumava identificar os institutos dos direitos de vizinhança como “servidões legais”. Entretanto, há que distinguir os dois institutos: os direitos de vizinhança têm por finalidade regulamentar, por meio da lei, os próprios limites do direito de propriedade em relação aos demais direitos de propriedade potencialmente em conflito. Portanto, para um determinado direitos ser qualificado como de vizinhança, é necessário que a utilização de parcela da propriedade alheia seja essencial ao aproveitamento do prédio, razão pela qual será exigível, de maneira impositiva, por decorrência da lei, a submissão do direito de propriedade de um vizinho ao do outro.

Ademais, o termo “vizinhança”, no sentido empregado pelo instituto correspondente, tem acepção própria, não necessariamente coincidente com o sentido comum, consistindo nos prédios que podem sofrer repercussão dos atos propagados de prédios próximos ou que com esses possam ter vínculos jurídicos, não se limitando, pois, às propriedades confinantes. O direito às águas e a seu curso e transporte constitui matéria de inegável importância para a sobrevivência de pessoas e animais e também para a indústria, notadamente a agrícola, apresentando, pois, nítido caráter social. O acesso à água é, contudo, restrito pelas peculiaridades dos diversos terrenos, razão pela qual a disciplina de seu aproveitamento se torna relevante para o estudo do direito de propriedade, o que motiva o tratamento do tema nos direitos de vizinhança. Neste sentido, sobre a temática, é possível transcrever a ementa do Recurso Especial nº 1.616.038, de relatoria da Ministra Nancy Abdrighi, que estabelece a possibilidade de edificação da servidão de aqueduto, em terreno vizinho, mesmo sem a autorização do proprietário do imóvel afetado: “Ementa: Recurso Especial. Direito processual cível e civil. Embargos de declaração. Omissão, contradição ou obscuridade. Não ocorrência. Direito ás águas. Art. 1.293 do CC/02. Direito de vizinhança. Propriedade. Função social. Restrições internas. Passagem de águas. Obrigatoriedade. Requisitos. Água. Bem de domínio público. Uso múltiplo. Art. 1º, I e IV, da Lei 9.433/05. Prévia indenização. Desprovimento. 1. Ação ajuizada em 12/11/2009. Recurso especial interposto em 10/02/2015. Conclusão ao gabinete em 25/08/2016. 2. Trata-se de afirmar se i) ocorreu negativa de prestação jurisdicional; e ii) o proprietário de um imóvel tem o direito de transportar a água proveniente de outro imóvel através do prédio vizinho, e qual a natureza desse eventual direito. 3. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração. 4. O direito de propriedade, de acordo com o constitucionalismo moderno, deve atender a sua função social, não consistindo mais, como anteriormente, em um direito absoluto e ilimitado, já que a relação de domínio, agora, possui uma configuração complexa – em tensão com outros direitos igualmente consagrados no ordenamento jurídico. 5. Os direitos de vizinhança são manifestação da função social da propriedade, caracterizando limitações legais ao próprio exercício caracteriza um determinado direito como de vizinhança é a sua imprescindibilidade ao exercício do direito de propriedade em sua função social. 6. O direito à água é um direito de vizinhança, um direito ao aproveitamento de uma riqueza natural pelos proprietários de imóveis que sejam ou não abastecidos pelo citado recurso hídrico, haja vista que de acordo com a previsão do art. 1º, I e IV, da Lei 9.433/97, a água é um bem de domínio público, e sua gestão deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas. 7. Se não existem outros meios de passagem de água, o vizinho tem o direito de construir aqueduto no terreno alheio independentemente do consentimento de seu vizinho; trata-se de imposição legal que atende ao interesse social e na qual só se especifica uma indenização para evitar que seja sacrificada a propriedade individual. 8. Recurso especial desprovido” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/REsp 1.616.038/RS/Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 27.09.2016/ Publicado no DJe em 07.10.2016).

Como a água é um bem de domínio público de uso múltiplo, tendo, portanto, a recorrida o direito de a ela ter acesso – cumpre verificar se o recorrente tem o dever de suportar a passagem de aqueduto por sua propriedade. De fato, a identificação de um direito abstrato à água não conduz, necessariamente, ao reconhecimento do direito de vizinhança de exigir do vizinho a passagem de aqueduto. A exegese da permissão contida no CC 1.293 deve, assim, partir da averiguação de uma contingência: não deve haver outro meio de acesso às águas. Caso presente essa eventualidade, a leitura de referido dispositivo há de resultar no reconhecimento de que se cuida de verdadeiro direito de vizinhança e, portanto, limite interno inerente ao direito de propriedade. A obrigatoriedade da sujeição ao direito do vizinho às águas é também ressaltada pelo CC 1.294, que prevê a aplicação ao aqueduto das regras da passagem de cabos e tubulações, a qual é obrigatória, conforme as regras dos artigos 1.286 e 1.287 da Lei 10.406/2002. Entretanto, se houver outros meios possíveis de acesso à água, não deve ser reconhecido o direito de vizinhança, pois a passagem de aqueduto, na forma assim pretendida, representaria mera utilidade – o que afasta a incidência de servidão, nos termos do CC 1.380 da legislação supramencionada. (Tauã Lima Verdan, em seu artigo intitulado: “Do direito de edificação da servidão de aqueduto em terreno vizinho à luz do entendimento jurisprudencial”, publicado em âmbitojurídico.com.br em 01-02-2017, Acessado em 26/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.295. O aqueduto não impedirá que os proprietários cerquem os imóveis e construam sobre ele, sem prejuízo para a sua segurança e conservação, os proprietários dos imóveis poderão usar das águas do aqueduto para as primeiras necessidades da vida.

Assegura esse dispositivo aos proprietários dos imóveis, onde passa o aqueduto, que utilize de suas águas para as primeiras necessidades. Faculta-lhes, também, cercar os seus imóveis e construir sobre o aqueduto, desde que não haja prejuízo para a sua segurança e conservação. O artigo é a repetição, com aprimoramento, da redação do art. 130 do Código de Águas (Dec. n. 24.643, de 10-7-1934), devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 666, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 26/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na observação de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não encontra correspondente no Código Civil de 1916. Reproduz e condensa parcialmente o que contêm os arts. 130 e 134 do Código de Águas. O dono ou possuidor do prédio serviente pode cercar ou construir ao redor ou sobre o aqueduto, desde que de modo compatível com sua segurança e conservação. O Código de Águas, mais minucioso, reza que há a favor do prédio dominante o direito de trânsito pelas margens do aqueduto, para seu exclusivo serviço. No caso de cercas ou construções, o acesso e as reparações necessárias não podem ser impedidos, sendo que, em tais casos, o dominante avisará previamente o serviente (art. 130, parágrafo único). A segunda parte do artigo reproduz o que contém o art. 134, § 2º, do Código de Águas, assegurando ao dono ou possuidor do prédio onerado o direito de também utilizar a água canalizada, desde que limitada às primeiras necessidades da vida, ou seja, para uso estritamente pessoal e doméstico. Note-se que não se trata de águas supérfluas, cuja utilização mais ampla e onerosa é tratada no artigo seguinte. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.301. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Gizando o artigo em comento Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, com o objetivo de conciliar os interesses dos vizinhos, o legislador estabeleceu a impossibilidade do aqueduto inibir a realização de cercas ou construções no imóvel onerado, bem como a possibilidade de utilização das águas do aqueduto para as primeiras necessidades da vida do proprietário. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 26.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.296. Havendo no aqueduto águas supérfluas, outros poderão canalizá-las, para os fins previstos no CC 1.293, mediante pagamento de indenização aos proprietários, prejudicados e ao dono do aqueduto, de importância equivalente às despesas que então seriam necessárias para a condução das águas até o ponto de derivação.

Parágrafo único. Têm preferência os proprietários dos imóveis atravessados pelo aqueduto.

Finalizando a seção V, Francisco Eduardo Loureiro afirma o artigo em exame não encontrar correspondente no Código Civil de 1916, reproduzindo, com algumas inovações, o preceito do art. 134 do Código de Águas (Decreto n. 24.643/34). Porquanto, o objeto da norma são as águas supérfluas, vale dizer, aquelas que sobram, o remanescente da utilização pelo titular do prédio dominante. Como não se tolera o desperdício nem o abuso de direito, podem os interessados, proprietários ou possuidores vizinhos constituir novo aqueduto, para os fins do art. 1.293, anteriormente comentado. O novo aqueduto é oneroso. Paga-se indenização ao dono ou possuidor do prédio serviente em razão de eventual agravamento de sua situação, não coberta pela indenização original. Paga-se, ainda, indenização ao dono do aqueduto, de importância equivalente ao custo de condução da água até o ponto de derivação. Cumpre apenas notar que essa indenização é proporcional, uma vez que a passagem beneficiará ambos os titulares, como refere o art. 134 do Código de Águas, evitando o enriquecimento sem causa de qualquer das partes interessadas. O artigo termina, em seu parágrafo único, estabelecendo critério de preferência entre os vizinhos interessados na utilização das sobras da água canalizada. Tem preferência, como é natural, o dono ou possuidor do prédio onerado, em relação a estranhos. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.301. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente O artigo em análise não foi atingido por nenhuma modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto.

Em sua Doutrina, Ricardo Fiuza comenta que estando sobrando águas (águas supérfluas ou sobejas), estas poderão ser utilizadas por outros proprietários, mediante prévia indenização e pagando, proporcionalmente, as despesas feitas com a condução delas, e confirma o histórico, sobre ser o dispositivo repetição, com aprimoramento, do texto do art. 134 do Código de Águas (Dec. n. 24.643, de 10-7-1934), devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 666, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 26/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

De excelente completude o artigo de Péricles Ribeiro Reges, intitulado “Direito de Vizinhança”, expande para todos os artigos referentes ao direito às águas, obrigando a leitor dedicar-se com o máximo de atenção à devida compreensão do instituto perquirido. São incontáveis os casos de problemas derivados de conflitos entre vizinhos, conflitos que independem do local (urbano ou rural) ou condição econômica. A verdade é que conviver em coletividade não é tarefa fácil e aceitar as diferenças de pensamentos, opiniões, etc., é um esforço hercúleo, mas cotidiano e extremamente necessário.

Em tese, nosso lar é o local onde procuramos paz e sossego, se o seu dono, obviamente, assim desejar. Ocorre que, residir próximos à outras pessoas, sendo esta a regra do nosso cenário mundial, podem gerar interferências na medida em que o direito de um morador pode provar atritos/restrições, até mesmo a violação, aos direitos do outro morador, seu vizinho. Daí que, diante dos infinitos, e mais diferentes casos de conflitos entre vizinhos, a legislação brasileira estabeleceu regras, direitos e deveres, para que moradores que residam próximos não venham a conviver em uma verdadeira e constante “guerra”.

A previsão do Direito de Vizinhança, que, grosseiramente falando, nada mais é do que limitações ao uso da propriedade imóvel, edificou emaranhado de normas no Código Civil brasileiro de 2002 (CC/02) visando coordenar e regular a convivência pacífica dos moradores vizinhos. Tais previsões encontram-se do art. 1.277 ao 1.313, do CC/02 e traz diversas seções normativas elencando os direitos e deveres dos moradores quando se trata de respeitar e limitar suas ações ao se deparar com as propriedades vizinhas.

Pode-se citar, como exemplos, o que fazer quando há risco do prédio vizinho ruir (art. 1280, CC/02 – Do Uso Anormal da Propriedade), a quem pertence a árvore, ou parte da árvore, quando esta encontra-se entre duas propriedades vizinhas (art. 1282, CC/02 – Das Árvores Limítrofes), o direito de abrir passagem na propriedade do vizinho quando o morador não tiver acesso a estrada (art. 1285, CC/02 – Da Passagem Forçada), o direito de acesso à água quando o morador não tiver por força das propriedades vizinhas (arts. 1288 ao 1296, CC/02 – Das Águas), dentre outros diversos, cujos quais, inclusive, podem até mesmo não estar positivados em lei.

É importante ressaltar que os imóveis vizinhos não são apenas considerados aqueles confinantes, ou, em outras palavras, “parede com parede”, visto que os imóveis que se localizam próximos também são abraçados pela legislação pertinente, desde que o ato praticado por um morador venha a repercutir na esfera de propriedade do outro morador, cansando-lhe incômodo, frustração ou prejuízos. Na maioria dos conflitos e dos problemas entre vizinhos, deve-se buscar a via judicial para saná-los. Isso porque se na prática, hipoteticamente falando, a convivência já não é fácil, solucionar problemas advindos da vizinhança se torna quase que impossível.

O Superior Tribunal de Justiça já proferiu uma série de decisões acerca do tema do Direito de Vizinhança e, dentre elas, podemos encontrar diversas situações do cotidiano, daquelas que jamais imaginaríamos encontrar no Judiciário. Questões, por exemplo, que envolvem o subsolo, uso indevido do imóvel, ruídos de vizinhos, acidentes geográficos, interesse público, infiltrações, e assim por diante. Em sua grande maioria, envolve situações em que o morador vizinho praticou atos que prejudicaram o sossego, a saúde ou a segurança do (s) outro (s) proprietário (s), de modo que se a questão ultrapassar esses três pontos, nos afastamos das regras atinentes ao Direito de Vizinhança.

 Relevante informar que o Direito de Vizinhança é uma externação do direito de propriedade, que vigora sob a ótica da função social da propriedade, devendo ser levada em consideração, sem sombra de dúvidas, a boa-fé na (s) conduta (s) entre vizinho (s). Por fim, apropriado informar algumas das principais Ações que são movidas/ajuizadas para salvaguardar os Direitos de Vizinhança, podendo serem aduzidas as seguintes:

 ▪ Ações que visam defender a posse do morador = Ações Possessórias;

 ▪ Ação que visa obstar/impedir algo, como uma construção, ainda em seu início = Nunciação de Obra Nova;

 ▪ Ações que visam demarcar algum território ou dividi-lo = Ação Demarcatória e Ação Divisória;

 ▪ Ações que têm como objetivo condenar o vizinho morador a fazer, não fazer, dar coisa certa ou incerta = Ações Condenatórias. 

 Ademais de outras ações que não possuem um título específico, mas que advêm da legislação aplicável ao caso. Posto isto, podemos concluir que o Direito de Vizinhança é mais complexo do que se imagina. Envolve complicados temas e sua própria legislação já não é tão simples de entender. (Pérecles Ribeiro Reges, em artigo intitulado “Direito de Vizinhança” publicado em março de 2018 no site jus.com.br. Acessado em 26/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.291, 1.292, 1.293 Dos Direitos de Vizinhança – Das Águas – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.291, 1.292, 1.293

Dos Direitos de Vizinhança – Das Águas – VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial – Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.288 a 1.296) Capítulo V – Dos Direitos de Vizinhança – Seção V – Das Águas -  

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Art. 1.291. O possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores; as demais, que poluir, deverá recuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas.

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dono do imóvel superior não poderá poluir as águas que ali correm, sob pena de risco à saúde, devendo recuperar ou ressarcir os prejuízos causados aos possuidores do prédio inferior.

Enunciado 244 do conselho da Justiça Federal: “O CC 1.291 deve ser interpretado conforme a Constituição, não sendo facultada a poluição das águas, quer sejam essenciais ou não às primeiras necessidades da vida”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 23.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em estudo não tem equivalente no Código Civil de 1916 e conflita, ao menos em parte, com o disposto no art. 225, caput, da Constituição Federal, que assegura a todos o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Não tem sentido, portanto, que o CC 1.291 crie obrigação de não fazer - não poluir - apenas às águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores. O dever de não poluir as águas - dispensáveis ou indispensáveis às necessidades básicas de outrem - está consagrado não somente no art. 225 da Constituição Federal, como também constitui crime, nos termos do art. 54 da Lei n. 9.605/98. O vetusto Código de Águas, nos arts. 109 a 116, ainda em vigor, porque afinados com a Constituição Federal, já previa que “a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízo de terceiros” (art. 109). Logo, a leitura do preceito em consonância com a Lei Maior deve ser a de que o possuidor não pode poluir as águas, quer venham de nascentes ou sejam águas pluviais, sem distinção de origem. E, se assim o fizer, por indispensável a sua atividade, deverá recuperá-las, sem prejuízo de indenizar os danos individuais causados aos vizinhos e os danos gerais ao meio ambiente. A primeira e primária obrigação, portanto, é de não poluir. Se poluir, nasce obrigação de reparar o dano in natura, recuperando as águas atingidas, sem prejuízo da composição de perdas e danos, quer no caso de impossibilidade de recuperação, quer no caso da recuperação tardia causar algum prejuízo aos vizinhos. O desvio do curso artificial das águas poluídas, mencionado na parte final do CC 1.291, pode ser sanção lateral, que não elimina os deveres básicos de recuperar e de indenizar. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.298. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 23/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

As autoras Franceschina e Aline Oliveira Mendes de Medeiros, em seu artigo “Possibilidade de Limitações Civis: Direito da Vizinhança/Comentários: Artigo por Artigo”, publicado em Lex.com.br, estendem-se por todo o trabalho, como anunciado no título, toda a legislatura em referência, e, no artigo em comento dizem:

"O direito ao uso irrestrito da água, em proveito próprio, é uma decorrência necessária da propriedade da fonte. Impõe-lhe, todavia, a restrição de não impedir o curso natural das águas remanescentes para os prédios inferiores, desde que não se trate de fonte captada. Tendo havido captação, como é o caso da condução do líquido a reservatório, através de encanamento, já não subsistem os direitos dos proprietários dos prédios inferiores, ainda que daí resulte desvio do fluxo para outros vizinhos."

Assim assevera Peluso (obra citada), na direção de que, tal artigo limita a utilização da água "às necessidades de seu consumo", sendo ilícito o seu desperdício em conformidade com o art. 187 do CC, o qual expressa que, "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes," tal critério é objetivo e finalístico, ou seja, considera cada caso de forma específica. Nesta direção:

"Art. 1.291. O possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores; as demais, que poluir, deverá recuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas."

Apregoa o referido autor que tal direito, advém do art. 225 da CF, como também constitui crime em conformidade com o art. 54 da Lei 9.605/98, o Código das Águas, por meio dos arts. 109 até 116, o qual faz expressão de que, "a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízo de terceiros." E se assim o mesmo proceder, deverá recuperá-las assim como indenizar aos prejuízos causados tanto aos vizinhos quanto aos danos acarretados ao meio ambiente. O autor ainda pode sofrer uma sanção lateral de ter que desviar o curso das águas poluídas, porém, tal não isenta o dever de recuperar e indenizar. (Franceschina e Aline Oliveira Mendes de Medeiros, em seu artigo “Possibilidade de Limitações Civis: Direito da Vizinhança/Comentários: Artigo por Artigo”, publicado em Lex.com.br, Acessado 23/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.292. O proprietário tem direito de construir barragens, açudes, ou outras obras para represamento de água em seu prédio; se as águas represadas invadirem prédio, será o seu proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido.

Em seu artigo “Direito Civil (Reais) direitos de vizinhança, Sua real proteção, publicado por Maria Izabel Vargas no site JusBrasil.com.br. De acordo com o CC 1.292, "O proprietário tem direito de construir barragens, açudes, ou outras obras para represamento de água em seu prédio; se as águas represadas invadirem prédio alheio, será o seu proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido."

 

Ações possessórias - São próprias para a defesa da posse. A legitimação ativa é do possuidor, mediato ou imediato, próprio ou impróprio; a passiva, daquele que seja o autor do esbulho, da turbação ou de ameaça à posse do primeiro. Existem três tipos de ação possessória: reintegração, manutenção e interdito proibitório. A primeira é o remédio jurídico para os casos em que a posse é esbulhada; a segunda, para os casos de turbação; e a terceira, para os casos de mera ameaça à posse.

Nunciação de obra nova - Trata-se de ação pessoal, e não possessória, visto que a posse só é invocada no processo para demonstrar da legitimidade para o pleito. Estas ações possuem, em regra, quatro pretensões: o embargo à construção, o pedido cominatório, a condenação em perdas e danos ou a apreensão de materiais, que podem ou não ser cumulados com pedido indenizatório. Todavia, a obra deve estar iniciada, mesmo que seja somente mediante atos preparatórios. Caso já tenha sido concluída, não caberá mais a ação jurídica .Tem legitimidade ativa para propor esta ação: o proprietário, o possuidor, o condômino e o poder público. Tem legitimidade passiva: o dono da obra, principalmente se for o poder público. As ações demarcatórias e divisórias tem como ponto em comum sua natureza de ações reais e seu resultado final de restituição de área, havendo entre elas possibilidade de cumulação. Entretanto, a ação demarcatória pressupõe prédios contíguos, enquanto a divisória pressupõe condomínio; a primeira serve não só para demarcar , como também para avivar marcos já existentes. O procedimento de ambas as ações possui duas fases: primeiro ocorre o julgamento da pretensão de demarcar ou dividir, em que se admite julgamento antecipado, e na segunda fase é preponderantemente executiva, em que se julga a divisão ou a demarcação propriamente dita. A legitimidade ativa ad causam é dos proprietários e condôminos, se ampliando aos possuidores, caso a ação se refira a outro possuidor e que um deles seja titular de direito real limitado.

As ações condenatórias, além de declarar um direito, também criam o título executivo judicial. Elas se fundamentam na prestação de dar coisa certa ou incerta, ou de fazer ou não fazer algo, podendo o rito ser ordinário ou sumário, a considerar o valor da causa e a matéria.

Ao estudar este respectivo tema, pode-se concluir que os direitos de vizinhança dão o direito de uso e proveito da propriedade e ao mesmo tempo a obrigação de utilizar a mesma de forma correta e de acordo com as normas estabelecidas pela lei. Desse modo, existem não apenas direitos, como também deveres a serem cumpridos. E por fim, como consequência, há o objetivo de desfazer os conflitos que porventura surjam das relações de proximidade e do exercício deste direito, através destas normas. (Direito Civil (Reais) direitos de vizinhança, sua real proteção, publicado por Maria Izabel Vargas no site JusBrasil.com.br., Acessado 23/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo o entendimento das autoras Franceschina e Aline Oliveira Mendes de Medeiros, em seu artigo “Possibilidade de Limitações Civis: Direito da Vizinhança/Comentários: Artigo por Artigo”, publicado em Lex.com.br, estendem-se por todo o trabalho, como anunciado no título, toda a legislatura em referência, e, no artigo em comento dizem: Apregoa o referido autor que tal direito, advém do art. 225 da CF, como também constitui crime em conformidade com o art. 54 da Lei 9.605/98, o Código das Águas, por meio dos arts. 109 até 116, o qual faz expressão de que, "a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízo de terceiros." E se assim o mesmo proceder, deverá recuperá-las assim como indenizar aos prejuízos causados tanto aos vizinhos quanto aos danos acarretados ao meio ambiente. O autor ainda pode sofrer uma sanção lateral de ter que desviar o curso das águas poluídas, porém, tal não isenta o dever de recuperar e indenizar.

"Art. 1.292. O proprietário tem direito de construir barragens, açudes, ou outras obras para represamento de água em seu prédio; se as águas represadas invadirem prédio alheio, será o seu proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido."

O mencionado dispositivo aduz o direito que o proprietário possui de canalizar a água mesmo que em barragens, por mais que as águas represadas estendam-se até a dimensão dos prédios vizinhos, o que resulta no dever de indenizar, deduzindo o valor dos prejuízos que auferir. A doutrina refere-se à construção de hidroelétricas, necessárias ao desenvolvimento do País, em atendimento constitucional da função social da propriedade, destacando a indenização pelo dano fomentado, em desconto do benefício recebido. Trata-se da aplicação da regra de equidade, estipulando um equilíbrio entre os direitos confrontados. (Franceschina e Aline Oliveira Mendes de Medeiros, em seu artigo “Possibilidade de Limitações Civis: Direito da Vizinhança/Comentários: Artigo por Artigo”, publicado em Lex.com.br, Acessado 23/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o prisma de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não tinha precedente no Código Civil de 1916. Assegura ao proprietário - e, embora a lei não explicite, também ao possuidor - o direito dc represar águas em seu prédio, mediante a construção, por exemplo, de obras como barragens e açudes. Note-se, porém, que o potencial de energia hidráulica constitui bem público e não integra a propriedade do solo, a teor do CC 1.230 do Código Civil, já comentado. O preceito deve ser lido em consonância com o que dispõem s CC 1.288 e 1.289, já comentados. O represamento, por se tratar de obra artificial, não pode agravar a situação do imóvel inferior, no que se refere à recepção das águas. De igual modo, vale o que foi dito no comentário ao CC 1.290: o titular do imóvel superior pode reter as águas necessárias a seu uso, mas deve deixar escoar o remanescente, não privando o prédio inferior do bem. Assim sendo, o represamento deve ser feito gradualmente, de modo a não privar o vizinho de água durante lapso temporal expressivo. Os riscos cie rompimento de açudes ou represas é do titular do prédio onde se localizam. A invasão do prédio alheio por águas represadas confere ao vizinho prejudicado direito à indenização, independentemente de culpa do titular do prédio superior. A responsabilidade é objetiva, bastando ao ofendido demonstrar o evento, o dano e o nexo de causalidade. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.298. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 23/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.293. É permitido a quem quer que seja, mediante prévia indenização aos proprietários prejudicados, construir canais, através de prédios alheios, para receber as águas a que tenha direito, indispensáveis às primeiras necessidades da vida, e, desde que não cause prejuízo considerável à agricultura e à indústria, bem como para o escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos.

§ Iº Ao proprietário prejudicado, em tal caso, também assiste direito a ressarcimento pelos danos que de futuro lhe advenham da infiltração ou irrupção das águas, bem como da deterioração das obras destinadas a canalizá-las.

§ 2º O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subterrânea a canalização que atravessa áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou quintais.

§ 3º O aqueduto será construído de maneira que cause o menor prejuízo aos proprietários dos imóveis vizinhos, e a expensas do seu dono, a quem incumbem também as despesas de conservação.

No lecionar de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em comento corresponde ao art. 567 do CC 1916, que, por sua vez, já fora revogado pelos arts. 117  a 138 do Código de Águas, que regula minuciosamente o direito de aqueduto. Não resta dúvida que a lei especial disciplina de modo mais completo o tema do que o Código Civil de 2002. Assim sendo, o CC 1.293 revoga o Código de Águas (Decreto n. 24.643/34) em tudo aquilo que for com ele incompatível, aplicando-se de modo residual, porém, as demais regras da lei especial que se conciliam e completam o novo regime jurídico do aqueduto. Da lição clássica de Carvalho Santos, servidão de aqueduto “é a faculdade que tem alguém de conduzir água por prédio alheio, ou de prédio alheio para o seu prédio, em benefício ou utilidade próprios” (Código Civil brasileiro interpretado, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943, v. V III, p. 93). Embora a doutrina use a expressão “servidão”, não custa lembrar que se trata de servidão legal decorrente do direito de vizinhança e não de direito real de servidão, de modo que é direito potestativo, podendo ser exigido judicialmente contra o vizinho renitente. Além disso, o registro não tem natureza constitutiva. O artigo em exame não disciplina, de outro lado, a desapropriação para a implantação dos canais ou outros equipamentos de condução de água, promovida pelo Poder Público. Limita-se às restrições do direito de vizinhança, entre particulares. Usa a lei expressão larga - a quem quer que seja - facultando não só ao proprietário como ao possuidor, a qualquer título, exigir a passagem de aqueduto. Está o direito de aqueduto sujeito a alguns requisitos cumulativos, a saber: • primeiro, é oneroso, de modo que o titular do prédio serviente faz jus à prévia indenização, a ser paga antes do início do exercício da passagem. A indenização abrange a desvalorização do prédio serviente decorrente da passagem e do recuo necessário a sua manutenção e será judicialmente fixada, se não houver consenso entre as partes. O § 1º do artigo em exame diz que a indenização abrange a deterioração causada pelas obras de implantação da canalização;

• segundo, somente cabe para receber as águas a que tenha direito, a qualquer título, desde que indispensáveis para as primeiras necessidades da vida ou para o escoamento das águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos. Note-se que a atual redação restringiu sobremaneira as hipóteses do art. 117 do Código de Águas, que referia também à necessidade para os serviços de agricultura ou indústria. Parece razoável, porém, que a utilização econômica do prédio dominante preencha o requisito da necessidade econômica básica e especialmente da função social da propriedade, de modo que continua implícito no Código Civil de 2002;

• terceiro, que a servidão de aqueduto não cause prejuízo considerável à agricultura e à indústria do prédio serviente. Não deseja o legislador que o benefício concedido a um vizinho seja causa da ruína econômica de outro. Claro está, embora não diga o legislador, que também a passagem que afete de modo severo ou impossibilite as condições de moradia ou utilização do prédio serviente é incompatível com a imposição da servidão. Note-se a alteração em relação ao que dispõe o art. 118 do Código de Águas, que excluía da condição de imóvel serviente as casas de habitação, os quintais e as alamedas a ela contíguas. Agora a vedação exige prova do prejuízo ou ônus excessivo causado ao prédio serviente, não mais persistindo a avaliação a priori do legislador.

O que admite a lei em seu § 2º é que o dono ou possuidor do prédio serviente exija que a canalização seja subterrânea quando atravesse pátios, hortas, jardins e quintais. O § 1º do artigo desloca o risco dos danos futuros que advenham da infiltração ou irrupção de águas para o titular do prédio beneficiário, ou dominante, independentemente de culpa. A responsabilidade pela construção e conservação das obras do aqueduto é do titular do prédio dominante. Claro está que o pressuposto para a cobrança da indenização é a prévia ocorrência do dano, de modo que sua fixação não pode ser feita no momento da constituição da passagem. Não proíbe o Código Civil e admite o art. 121 do Código de Águas que, no caso de razoável probabilidade da ocorrência de danos, o titular ou possuidor do prédio dominante preste caução. A regra geral é a de que o rumo do aqueduto deve ser traçado de modo a causar o menor prejuízo aos imóveis servientes, podendo a passagem ser cercada ou murada, desde que não se impeça o acesso para as obras de conservação. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.299-300. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 23/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, sempre que for imprescindível a captação de águas para as primeiras necessidades da vida, o titular de um prédio poderá exigir a construção de canais (aquedutos), pelo dono de outro prédio indenizando-o previamente. O dono do imóvel poderá exigir a passagem subterrânea, e os gastos com a obra daquele que deles necessita.

Enunciado 245 do Conselho da Justiça Federal: “Muito embora omisso acerca da possibilidade de canalização forçada de águas por prédios alheios, para fins de agricultura ou indústria, o CC 1.293 não exclui a possibilidade da canalização forçada pelo vizinho, com prévia indenização aos proprietários prejudicados”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 23.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Dita o histórico, o presente artigo ter sido objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto. A redação era a seguinte: “É permitido a quem quer que seja, mediante prévia indenização aos proprietários prejudicados, construir canais, através de prédios alheios, para receber as águas a que tenha direito, indispensáveis às primeiras necessidades da vida, à agricultura e à indústria, bem como para o escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos. § 1º Ao proprietário prejudicado, em tal caso, também assiste direito a ressarcimento pelos danos que de futuro lhe advenham da infiltração ou irrupção das águas, bem como da deterioração das obras destinadas a canalizá-las. § 2º O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subterrânea a canalização que atravessa áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou quintais. § 3º O aqueduto será construído de maneira que cause o menor prejuízo aos proprietários dos imóveis vizinhos, e às expensas do seu dono, a quem incumbem também as despesas de conservação”.

• Cogita-se, neste artigo, caput, do direito de construir canais, através de prédios alheios, para captação ou escoamento de águas, ou drenagem de terrenos. Segundo o texto proposto, a canalização é permitida, em tais condições, mediante prévia indenização aos prejudicados o proprietário do prédio serviente, ainda que daí lhe resultem prejuízos. Quando muito, ser-lhe-á dado postular indenização, inclusive no tocante ao ressarcimento dos danos que de futuro lhe advenham da infiltração ou irrupção das águas, bem como da deterioração das obras destinadas a canalizá-las (4º. Já no regime do Código Civil de 1916 (art. 567), o direito de construir canais só se exercia sobre prédios rústicos, excluídas chácaras ou sítios murados, quintais, pátios, hortas, ou jardins. para o escoamento das águas superabundantes; d) para o enxugo ou bonificação de: terrenos. E ainda preceituava que não seriam passíveis de servidão as “... casas de habitação e os pátios, jardins, alamedas, ou quintais, contíguos às casas”, salvo no caso de concessão por utilidade pública, “... quando ficar demonstrada a impossibilidade material ou econômica de se executarem as obras sem a utilização dos referidos prédios...” (art. 118). Compreende-se, perfeitamente, o porque de tais limitações apostas pelo legislador ao direito de construir canais em prédios alheios, seja no Código Civil, seja no Código de Águas. Tratou ele, em tais passos, de impedir que o exercício daquela faculdade jurídica, instituída em favor de um, viesse a gerar dano irreparável a outro, mediante a mutilização do uso do prédio serviente. De fato, hipóteses podem ocorrer em que a construção de canais em determinados prédios, dadas as suas características, pode tornar impraticável a sua utilização. Pergunta-se: qual o interesse que há de merecer a proteção jurídica? O do proprietário do prédio dominante ou o do proprietário do prédio serviente? Parece-nos que, à míngua de um interesse público ou de relevante valor social, deve prevalecer o direito de propriedade sobre o de servidão. Inexplicavelmente, porém, o CC 1.293 o esquecera e afagava dessa equânime solução jurídica, ao acolher o direito absoluto de servidão, ressalvada, apenas, em favor do prejudicado, a alternativa única do ressarcimento pelos danos emergentes. Para corrigir, no dispositivo em apreço, semelhante distorção, foi incorporada ao texto, por meio de emenda, só prévia como justa, do prejuízo considerável, se admitirá o exercício do direito de construir canais

Em sua Doutrina Ricardo Fiuza, o relator afirma ser um direito, de quem quer que seja, captar águas (construir canais) para seu consumo primordial, indenizando os proprietários prejudicados. A construção de canais para a captação de águas não pode prejudicar a agricultura e a indústria. Fará jus a indenização o proprietário prejudicado que sofra qualquer tipo de infiltração, podendo, ainda, exigir que seja a captação feita por canalização subterrânea através de áreas edificadas, hortas, jardins etc. O aqueduto (duto ou tubulação destinado a levar água) será construído à custa de seu dono, devendo também arcar com os ônus de manutenção, sendo que a construção deverá ser a menos gravosa para os proprietários dos imóveis vizinhos. • O artigo é a simples conjugação do art. 567 do Código Civil de 1916 com o art. 117 do Código de Águas (Dec. n. 24.643/34), dando assim um tratamento mais homogêneo à matéria. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 666, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 23/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.288, 1.289, 1.290 Dos Direitos de Vizinhança – Das Águas – VARGAS, Paulo S. R

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.288, 1.289, 1.290

Dos Direitos de Vizinhança – Das Águas – VARGAS, Paulo S. R. - 

Parte Especial – Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.288 a 1.296) 

Capítulo V – Dos Direitos de Vizinhança – Seção V – Das Águas -  

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Art. 1.288. O dono ou possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo; porém, a condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio superior. 

Toda a seção em estudo, que trata do regime jurídico das águas nas relações de vizinhança, segundo parecer de Francisco Eduardo Loureiro, também é disciplinada pelo Decreto n. 24.643/34 - Código de Águas. A primeira tarefa do intérprete é saber se o Código Civil de 2002 ab-rogou, derrogou ou manteve incólumes os preceitos da legislação especial anterior. O Código de Águas tem objeto mais amplo, não se limitando às relações de vizinhança, mas sobretudo disciplinando o domínio e o controle do Poder Público sobre as águas de interesse da coletividade. Assim, foram revogados apenas e tão somente os preceitos da lei especial que regulam os efeitos das águas sobre o direito de vizinhança e se mostram incompatíveis com as regras da lei posterior ao Código Civil de 2002. Embora se trate de lei geral, revoga o Código Civil leis especiais anteriores, quando haja incompatibilidade entre os dois diplomas, ou seja, inexista situação jurídica específica, ou grupo peculiar a proteger, que justifique ou discrímine de aplicação de norma especial em detrimento da geral. Em suma, houve derrogação do Código de Águas no que se refere aos preceitos relativos às relações entre vizinhos incompatíveis com artigos do Código Civil. O artigo em exame corresponde aos arts. 563 do Código Civil de 1916 e 69 do Código de Águas. Recebeu redação aperfeiçoada e mais completa, vedando não somente a hipótese do dono ou possuidor do prédio superior realizar obras danosas como também o inverso, ou seja, o dono ou possuidor do prédio inferior realizar obras que embaracem o fluxo natural das águas. O preceito alcança tanto os proprietários como os possuidores dos prédios vizinhos, não necessariamente contíguos, públicos ou privados, abrangendo, portanto, comodatários, locatários e outros possuidores diretos. No dizer de autores clássicos, o artigo nada mais faz do que sancionar juridicamente um decreto da natureza, o de que as águas correm dos prédios mais elevados para os mais baixos. O preceito se aplica, porém, somente aos casos em que as águas corram por força da natureza, em duplo sentido: quanto ao modo que brotam e quanto ao modo de serem conduzidas ou escoadas, abrangendo tanto as águas pluviais como as nascentes (Carvalho Santos, J. M. Código Civil brasileiro interpretado, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943, v. V III, p. 50). Não se aplica, por consequência, às águas tiradas artificialmente, como poços, bombas ou reservatórios, ainda que de modo acidental, como as que brotam com sondagens ou escavações de uma construção, ou mesmo escoadas artificialmente, como as que correm de telhados ou paredes, que são disciplinadas no artigo seguinte. A regra contém dois comandos potestativos, vale dizer, não sujeitos à prescrição, com uma única finalidade: a de permitir o escoamento natural das águas. O primeiro comando é para o dono ou possuidor do prédio inferior, no sentido de que se abstenha de construir qualquer obra que embarace o fluxo natural. De outro lado, não está compelido a fazer obras que facilitem o escoamento nem a conservar as já existentes, ficando tal ônus a cargo do titular do prédio superior. O segundo comando é para o proprietário ou possuidor do prédio superior, no sentido de que se abstenha de realizar qualquer obra que agrave a situação do prédio inferior. Note-se que não se proíbe a realização de obras, aliás comuns para conduzir as águas em um só ponto, desde que não prejudiquem o vizinho. Se o escoamento é natural, não cabe qualquer indenização ou reclamação do prédio inferior, inclusive no que se refere a sedimentos trazidos pelas águas. A questão da retenção das águas naturais pelo prédio superior está disciplinada nos artigos seguintes. O preceito em exame trata apenas do escoamento e não da retenção. Cabem ações possessórias e de obrigação de fazer ou de não fazer para assegurar o cumprimento do preceito, sem prejuízo da composição de perdas e danos. Pouco importa que as obras danosas já estivessem feitas quando da aquisição do prédio, porque se trata de obrigação propter rem, que acompanha a coisa, obrigando o titular do direito real. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.294-95. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 22/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A posição de Ricardo Fiuza é de que  “Quanto a água correr naturalmente do prédio superior (aquele que se encontra em altitude além daquela na qual se encontra outro prédio) para o prédio inferior (aquele que se encontra em altitude aquém daquele na qual se encontra o outro prédio), este não poderá, de modo algum, interromper seu fluxo. O dono do prédio superior não pode, por seu turno, realizar obras que importem em mais gravames, além dos naturais, ao dono do prédio inferior”.  É o artigo idêntico ao de n. 563 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Ressalte-se que referido artigo foi substituído pelos arts. 68 a 138 do Código de Águas (Dec. n. 24.643, de 10-7-1934), embora não conflitem com o disposto no novo Código Civil. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 662, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 22/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, as águas que vierem a correr naturalmente do prédio superior ao inferior não poderão ser represadas, artificialmente, pelo dono deste último, que será obrigado a recebe-las. Assim ocorre quando as aguas de chuvas, que se acumulam no prédio topograficamente superior, acabam jorrando, naturalmente, no prédio inferior. Neste caso, se o titular deste vier a construir obras ou diques que impeçam seu curso, poderá provocar dano ainda maior. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 22.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Art. 1.289. Quando as águas, artificialmente levadas ao prédio superior, ou aí colhidas, correrem dele para o inferior, poderá o dono deste reclamar que se desviem, ou se lhe indenize o prejuízo que sofrer.

 

Parágrafo único. Da indenização será reduzido o valor do benefício obtido.

No diapasão de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame corresponde ao art. 564 do Código Civil de 1916, recebendo apenas leve aperfeiçoamento em sua redação. O preceito agora refere não somente às águas artificialmente levadas ao prédio superior mas também às águas lá colhidas do mesmo modo. O art. 92 do Código de Águas (Decreto n. 24.643/34), por seu turno, reza que “mediante indenização, os donos dos prédios inferiores, de acordo com as normas da servidão legal de escoamento, são obrigados a receber as águas das nascentes artificiais”. Constata-se, assim, o contraste entre a regra do Código de Águas, que prevê apenas a possibilidade de indenização, e a do atual Código Civil, que prevê não somente indenização mas também o desvio das águas artificiais escoadas para o prédio inferior. As águas artificiais abrangem não só aquelas que brotam do solo em poços, bombas ou escavações como também as águas pluviais captadas ou escoadas por indústria humana, provenientes de telhados e construções. Note-se a diferença de tratamento entre as águas naturais e artificiais. O escoamento das primeiras é ônus do prédio inferior, porque decorre de lei natural. O escoamento das segundas pode ser evitado, ou indenizado, porque nesse caso o dano tem causa na conduta do titular do prédio superior. O direito do dono ou possuidor do prédio inferior desdobra-se em duas vertentes: exigir a realização de obras de desvio das águas e requerer indenização por perdas e danos. Nada impede, ainda, que cumule os pedidos, o de obrigação de fazer com o de indenização pelos danos já causados pelo escoamento artificial das águas. O parágrafo único do artigo positiva cláusula geral que veda o enriquecimento sem causa, determinando se compensem perdas e danos com eventuais benefícios auferidos pelo titular do prédio inferior com o escoamento das águas, em especial para fins de irrigação. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.296. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 22/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, o presente artigo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto.

Segundo a Doutrina de Fiuza, se o proprietário do prédio superior trouxer águas de outras fontes, ou extrai-las do subsolo, levando à piora das condições do prédio vizinho, deverá indenizá-lo, deduzindo-se da indenização o montante do benefício, se existir, sob pena de enriquecimento sem justa causa. O artigo é idêntico ao art. 564 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Ressalte-se que referido artigo foi substituído pelos arts. 68 a 138 do Código de Águas (Dec. n. 24.643, de 10-7-1934), embora não conflitem com o disposto no novo Código Civil. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 662, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 22/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão dos doutores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, em se tratando d águas levadas artificialmente para o prédio superior que corram ao inferior, poderá o dono deste exigir o desvio de seu curso, por canalização, ou que seja paga indenização por prejuízos que sofrer. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 22.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.290. O proprietário da nascente, ou do solo onde caem águas pluviais, satisfeitas as necessidades de seu consumo, não pode impelir, ou desviar o curso natural das águas remanescentes pelos prédios inferiores. 

Buscando a lição de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em estudo amplia o que continha o art. 565 do Código Civil de 1916, passando agora a abranger as nascentes e as águas pluviais captadas e não captadas. Também os arts. 89 a 95 e 102 a 108 do Código de Águas (Decreto n. 24.643/34), disciplinam, respectivamente, a utilização e a destinação das nascentes e das águas pluviais, de modo que devem ser compatibilizados com o Código Civil de 2002. O que disciplina o presente artigo, ao contrário dos anteriores, não é a obrigação da realização de obras de escoamento das águas, mas, em vez disso, o direito à utilização das águas, de acordo com as necessidades de seu consumo pelo dono ou possuidor do imóvel onde brotam as nascentes, e o correlato dever de deixar as águas remanescentes escoarem naturalmente para os prédios inferiores. A definição de nascente está no art. 89 do Código de Águas: “Consideram-se nascentes, para efeito deste Código, as águas que surgem naturalmente ou por indústria humana, e correm dentro de um só prédio particular, e ainda que o transponham, quando elas não tenham sido abandonadas pelo proprietário do mesmo”. Já a definição de águas pluviais está no art. 102 do Código de Águas: “Consideram-se águas pluviais as que procedem imediatamente da chuva”. Em outros termos, a captação de água por atividade do homem, em poços ou escavações, também configura nascente para efeitos legais e faz incidir a regra do CC 1.290. Como acima dito, o artigo agora se estende à captação de águas pluviais, quer por fato natural, quer por indústria do dono ou possuidor. 

A obrigação que a lei atribui ao dono do prédio superior é a de deixar escoar as águas remanescentes ao imóvel inferior. Tal dever abrange as obrigações negativas de não impedir e de não desviar as águas de seu curso natural. Caso o dono ou possuidor do prédio superior faça alguma obra para melhor aproveitar as águas nascentes ou pluviais, as sobras deverão seguir seu curso natural, vale dizer, aquele original e anterior às obras. Não mais persiste em nosso Código Civil a distinção entre águas naturais e captadas, como fazia o Código Civil de 1916. Também é incompatível com a nova legislação a regra do art. 94 do Código de Águas, que diz que o proprietário de uma nascente não pode desviar-lhe o curso quando da mesma se abasteça uma população. Agora a obrigação de não fazer - não desviar o curso - abrange todo e qualquer vizinho, haja ou não o interesse de uma população em jogo. De igual modo, o art. 103 do Código de Águas não é compatível com o Código Civil de 2002, uma vez que o dono ou o possuidor do imóvel onde caem as águas pluviais não mais pode dispor delas à vontade, mas, ao contrário, está sujeito às limitações do CC 1.290 em estudo.

A utilização das águas pelo dono ou possuidor do prédio onde nascem ou caem, segundo o CC 1.290, está limitada “às necessidades de seu consumo”. Não se tolera desperdício, uma vez que o exercício do direito de usar bem precioso, essencial e gradualmente mais raro, como a água, está em nítida conexão com o art. 187 do Código Civil. Haverá ato ilícito sempre que a utilização da água, independentemente de culpa do agente, foi feita de modo a exceder manifestamente seus fins econômicos e sociais, a boa-fé e os bons costumes. O critério é objetivo e finalístico, levando em conta, caso a caso, os interesses em jogo e as necessidades de cada um dos vizinhos. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.296-97. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 22/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico, o dispositivo foi alvo de alteração, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto. A redação original do projeto era a seguinte: “O proprietário de nascente, ou do solo onde caem águas pluviais, satisfeitas as necessidades estritas de seu consumo, não pode impedir, ou desviar o curso natural das águas supérfluas pelos prédios inferiores; mas poderá dar-lhes novo aproveitamento, de irrecusável interesse social ou econômico, ainda que restrinja o seu uso pelos possuidores dos prédios inferiores”. O art. 565 do Código Civil de 1916 já consagrava o direito do proprietário de nascente ao uso absoluto das águas que dela fluem. O direito ao uso irrestrito da água, em proveito próprio, é uma decorrência necessária da propriedade da fonte. Impõe-lhe, todavia, a restrição de não impedir o curso natural das águas remanescentes para os prédios inferiores, desde que não se trate de fonte captada. Tendo havido captação, como é o caso da condução do liquido a reservatório, através de encanamento, já não subsistem os direitos dos proprietários dos prédios inferiores, ainda que daí resulte desvio do fluxo para outros vizinhos. Assim focaliza a hipótese Carvalho Santos (Código Civil brasileiro interpretado, 5. cd., v. 8. p. 70): “A situação é precisamente esta: o dono da fonte não captada não pode desviar as águas do seu curso natural, alterando a superfície do terreno e fazendo-as pender por outros declives que os existentes no solo..., enquanto que o dono da fonte por ele captada pode, sem dúvida, dar outro rumo às águas, resultante do trabalho de captação, não lhe sendo licito, apenas, desviar as águas depois de prestarem elas o seu serviço. E daquele lugar, e que não mais utilidade apresentam para o dono do prédio superior, por diante é que este terá de respeitar a direção que lhes imprimir a situação e o declive natural do terreno. Assim, por exemplo, a água que não captada iria escoar pelo terreno de A, se captada e levada para uma caixa situada em outra direção, tomar naturalmente outro curso, indo escoar pelo terreno de li. não se poderá dizei que haja aí alteração do fluxo natural das águas, porque as sobras se verificaram naquele lugar em que foram utilizadas e daquele lugar é que é preciso ver que direção natural tornarão elas , para que dessa direção natural possam ser desviadas pelo dono da fonte o sistema em vigor quanto às águas nascentes. O CC 1.290 do projeto, no entanto, o acolhe com reserva, visto como omite a exceção relativa à fonte captada. Nota-se, porém, no texto, outra inovação, quando permite que o proprietário, além do consumo pertinente às suas necessidades estritas, ainda possa dar às águas “novo aproveitamento de irrecusável interesse social ou econômico, ainda que restrinja o seu curso pelos possuidores de prédios inferiores”. Este último tópico oferece inconveniente. O princípio básico é este: defere-se ao proprietário da nascente o consumo para as primeiras necessidades da vida ou para outra utilização no seu legítimo interesse, devendo respeito, apenas, ao curso natural das águas sobejas, no ponto de saída de seu prédio. Dessa forma, esgota-se toda a enunciação do direito atribuído, faltando, pois, razão para que se preveja a possibilidade de “novo aproveitamento de irrecusável valor social ou econômico ”. Uma expressão como essa poderá ensejar interpretação desgarrada de sua inteligência e capaz, por isso mesmo, de desvirtuar a mens legis. Na redação proposta pela emenda, surge novo modelo para o artigo em apreço, de concepção mais simples, cuja providência principal é escoimar-lhe de qualquer expressão dúbia. Assim, segundo a redação proposta, o aproveitamento permitido é aquele correspondente às necessidades do consumo, cuja amplitude, evidentemente, condicionar-se-á à destinação do prédio respectivo.

De forma que para a Doutrina de Ricardo Fiuza, a fonte, por ser acessório, ou parte componente do solo, é de propriedade do dono. Não pode ele, contudo, depois da utilização das águas, impedir que fluam para os prédios inferiores. E uma espécie de uso comum das águas, com direito de preferência do senhor da fonte, que não pode, igualmente, desviá-las. O dispositivo é idêntico ao art. 565 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Ressalte-se que referido artigo foi substituído pelos arts. 68 a 138 do Código de Águas (Dec. n. 24.643, de 10-1-1934), embora não conflitem com o disposto no novo Código Civil. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 663, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 22/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No dizer de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a coisa torna-se simples assim: Se existir nascente no prédio superior, seu dono não pode obstruir seu curso natural ao prédio inferior. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 22.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).