terça-feira, 27 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.297, 1.298 Dos Limites entre Prédios e do Direito de Tapagem – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.297, 1.298

Dos Limites entre Prédios e do Direito de Tapagem – VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial – Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.297 e 1.298) Capítulo V – Dos Direitos de Vizinhança – Seção VI - Dos Limites entre Prédios e do Direito de Tapagem- digitadorvargas@outlook.com

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 Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas.

 § Iº. Os intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios, tais como sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas, presumem-se, até prova em contrário, pertencer a ambos os proprietários confinantes, sendo estes obrigados, de conformidade com os costumes da localidade, a concorrer, em partes iguais, para as despesas de sua construção e conservação.

 § 2º As sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de marco divisório, só podem ser cortadas, ou arrancadas, de comum acordo entre proprietários.

 § 3º  A construção de tapumes especiais para impedir a passagem de animais de pequeno porte, ou para outro fim, pode ser exigida de quem provocou a necessidade deles, pelo proprietário, que não está obrigado a concorrer para as despesas.

 Sob a luz de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame condensa os preceitos dos arts. 588 e 569 do Código Civil de 1916. O primeiro período do caput trata do direito de tapagem, ao passo que o segundo período disciplina o direito de demarcação.

Na lição de Humberto Theodoro Júnior, o “direito de tapar é, para o proprietário do imóvel, o direito de garantir ou tornar efetiva a exclusividade de seu domínio por meio de ato material tendente a impedir acesso de estranhos à coisa” (“Demarcação, divisão, tapumes”. In: Terras particulares, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 15). Constitui uma das facetas da propriedade, qual seja, a exclusividade, que se materializa pelo termo “tapumes”, que abrange todos os anteparos e obras que se destinam a separar, vedar, proteger o imóvel. A menção do legislador a cercas, muros, valas, sebes e banquetas é exemplificativa e desnecessária, porque nada mais são do que espécies do gênero “tapume”, que se define como tudo quanto serve para cercar e separar um terreno de outro, segundo os costumes locais. A construção de tapumes é prerrogativa do dono, mas está sujeita à observância de restrições administrativas e mesmo convencionais em loteamentos no que se refere à altura, localização e materiais utilizados. Diz expressamente a lei que o proprietário tem o direito de tapar, por ser essa uma decorrência da exclusividade do direito real. Nada impede, porém, que titulares de direitos reais sobre coisa alheia, como o usufrutuário, o superficiário e especialmente o promitente comprador com título registrado tenham o mesmo direito de cercar o prédio, impedindo o acesso de terceiros. Embora não diga o legislador, é razoável e lícito que os possuidores, com o fito de preservar a segurança, o sossego e a privacidade, também exerçam o direito de tapagem, cercando e protegendo o prédio que ocupam. Os três parágrafos do CC 1.297 se referem ao direito de tapagem. O § Iº cria presunção relativa de condomínio entre vizinhos do tapume de divisa. Cuida-se de condomínio necessário e a presunção cede diante de prova contrária de que não se encontra o tapume sobre a linha divisória, ou de que apenas um vizinho concorreu para sua construção. Deve o preceito ser lido juntamente com o disposto no CC 1.328 do Código Civil, que subordina a aquisição da meação sobre o muro divisório à prévia indenização de metade do valor da obra e do terreno por ele ocupado. A obrigação do vizinho não é de edificar, mas de pagar metade das despesas com a construção e manutenção do muro divisório. A edificação é ato unilateral do vizinho interessado no tapume, que cobra do outro a parte correspondente das despesas. Embora aluda a lei a partes iguais, em certos casos deve haver proporcionalidade aos interesses das partes e aos usos e costumes do local onde se constrói. Como ressalta Nelson Rosenvald, “se um dos vizinhos pretende edificar tapagem suntuosa em local de residência de comunidade de parcos recursos econômicos, deverá arcar com os custos que excedem o valor do tapume usualmente adotado pelos moradores da região” (Direitos reais, teoria e questões. Niterói, Impetus, 2004, p. 172). O § 3º do CC 1.297, em consonância com o exposto anteriormente, disciplina a construção de tapumes especiais, destinados a impedir a passagem de animais de pequeno porte, cujo diferencial atende às necessidades de um dos vizinhos, que arca com a despesa correspondente.

 O entendimento mais moderno dos tribunais é no sentido de que o direito de o titular obrigar o vizinho a contribuir com parte das despesas para a construção do tapume não está subordinado a prévio ajuste entre as partes ou, em sua falta, a sentença judicial. Cumpre apenas ao proprietário ou possuidor que as fez demonstrar que eram necessárias no montante e no modo em que erigidas (Gomes , Orlando. Direitos reais. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 210; Theodoro Jr., Humberto. “ Demarcação, divisão, tapumes”. In: Terras particulares, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 508).

O § 2º do CC 1.297 traz regra intuitiva, qual seja a de que árvores, sebes ou plantas que sirvam de marco divisório somente podem ser cortadas por consenso dos vizinhos. A segunda parte do CC 1.297 refere-se ao direito de demarcar. Demarcação, segundo a melhor doutrina, “é a operação pela qual se fixa (ou define) a linha divisória entre dois terrenos, assinalando-a, em seguida, com elementos materiais sobre o solo” (Theodoro Jr., Op. cit., p. 28). É expressa a lei, com a concordância da doutrina e da jurisprudência, de que a ação demarcatória é corolário do direito de propriedade, cabendo a qualquer condômino, sem necessidade da anuência dos demais. É de natureza petitória e imprescritível, perdendo-se com a propriedade. Razão não há, porém, para privar outros titulares de direitos reais, como o usufrutuário, o usuário, o enfiteuta, o superficiário e o compromitente comprador com título registrado, do direito de extremar suas divisas, prevenindo litígios entre vizinhos. Cabe a ação demarcatória, segundo o Código Civil, em três situações jurídicas: a) levantar linha divisória, em prédios onde nunca foram antes fixadas; b) aviventação de rumos apagados; c) renovação de marcos destruídos. O art. 946 do Código de Processo Civil/1973, hoje correspondendo ao art. 569 no CPC/2015, alude apenas a duas hipóteses - fixação de novos limites e aviventação dos já apagados -, compreendendo-se na última delas a renovação de marcos. Em resumo, cabe a demarcação no caso de indefinição da linha divisória, quer porque nunca foi fixada, quer porque havia limites, cujos sinais se deterioraram ou foram destruídos. Pressupõe sempre a incerteza nos limites entre prédios particulares, porque, se o confinante é o Poder Público, a ação correta é a discriminatória. Admite-se a cumulação de ação demarcatória com pedido reivindicatório (art. 951 do CPC1973, sem correspondente ao atual CPC/2015) ou mesmo divisório (art. 947 do CPC/1973, este sim, correspondente ao art. 570 do CPC/2015, com idêntica redação). Note-se, porém, que na ação reivindicatória as divisas são certas, mas o proprietário se encontra despojado da posse daquilo que é seu, ao passo que na demarcatória as divisas são incertas e, após sua fixação, cabe pedido sucessivo de entrega da posse sobre coisa alheia. A jurisprudência vacila sobre a possibilidade de se considerar implícito o pedido reivindicatório na ação demarcatória, sem necessidade de pleito expresso. O efeito da ação demarcatória é tornar visível a linha divisória de duas propriedades. Pode a sentença ser levada ao registro imobiliário, adequando o prédio ao princípio da especialidade registrária. As despesas com a demarcação são rateadas proporcionalmente entre os proprietários vizinhos. Não diz a lei qual é o critério de proporcionalidade, presumindo-se seja a testada de cada um dos prédios vizinhos em relação à linha divisória demarcanda. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.302-03. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 27/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o crivo da doutrina de Ricardo Fiuza, este artigo disciplina o direito de tapagem, que pode ser definido como o poder que tem o proprietário de vedar o seu prédio, urbano ou rural. Os tapumes sempre se presumem comuns, e, em havendo danos, sua reparação é obrigatória. Qualquer das formas de divisão previstas no § 1º pertencem a ambos os proprietários dos terrenos vizinhos. sendo obrigação deles, conforme o costume local, arcar com todas as despesas advindas dessas divisórias. As cercas vivas, elencadas no § 2º , só podem ser podadas ou arrancadas com a concordância dos dois vizinhos. A construção de tapumes especiais, prevista no § 3º , será suportada pelo vizinho que provocou a necessidade da construção. O artigo em exame é a compatibilização dos arts. 569, 571 e 588 do Código Civil de 1916. Aprimorou-se sua redação e é, tecnicamente, mais bem apresentado. Deve ser dado a ele o mesmo tratamento dispensado àqueles. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 667, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 27/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para o entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o proprietário poderá cercar, murar ou tapar seu prédio, urbano ou rural, podendo forçar seu confinante a proceder à demarcação entre os dois prédios, dividindo-se as despesas. Os muros ou cercas divisórias são considerados de propriedade comum, sendo que estes arcos divisórios so poderão ser retirados, posteriormente, de comum acordo.

O direito de tapagem e o de limites entre prédios eram tratados separados na legislação anterior. O direito tratado no dispositivo abrange as figuras do usuário, usufrutuário e o superficiário. Caso a solução seja de comum acordo, as despesas de demarcação entre os dois prédios será rateada. O procedimento judicial, na falta de acordo, será a ação demarcatória, cuja decisão final deverá ser registrada à margem da matrícula do imóvel.

Distingue-se a ação demarcatória da divisória, sendo a primeira a que determina o vizinho a especificar e fixar os novos limites apagados pelo tempo, e a divisória presta-se a determinar aos condôminos que partilhem devidamente o bem em questão.

Considera-se imprescritível a ação demarcatória, de rito especial, para a fixação de marcos divisórios determinados ou para aviventar aqueles já existentes, visando assegurar a perfeita demarcação em relação àqueles já existentes, visando assegurar a perfeita demarcação em relação aos prédios confrontantes. Ainda que o pedido seja cumulado com ação petitória, somente esta se sujeita aos prazos prescricionais.

Quando o proprietário do prédio vizinho vier a invadir parte da área do confinante, transbordando seu direito limítrofe, caberá a interposição de ação possessória ou reivindicatória contra este, e não pleito demarcatório, pois nesse caso haverá violação unilateral de um direito anteriormente estabelecido.

Para a construção unilateral de muros divisórios entre duas propriedades distintas, a jurisprudência vem interpretando que é necessário, antes, compelir o vizinho a ratear os gastos, por ação cominatória, sob pena de não poder, posteriormente, cobrar sua parte devida (RT 180/378). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 27.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.298. Sendo confusos, os limites, em falta de outro meio, se determinarão de conformidade com a posse justa; e, não se achando ela provada, o terreno contestado se dividirá por partes iguais entre os prédios, ou, não sendo possível a divisão cômoda, se adjudicará a um deles, mediante indenização ao outro.

Bebendo do conhecimento de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame corresponde ao art. 570 do Código Civil de 1916, com pequenas alterações. Traça, em resumo, os critérios sucessivos para o estabelecimento da linha divisória entre os imóveis. O critério primário são os títulos dominiais e documentos complementares, como mapas, registros de imóveis vizinhos e plantas de loteamento, passíveis de indicar o traçado da linha divisória. O primeiro critério subsidiário, na falta de títulos ou documentos suficientes, é a existência de posse justa, vale dizer, não maculada pelos vícios da violência, clandestinidade e precariedade. Não custa lembrar, como já feito nos comentários ao art. 1.200 do Código Civil, que os vícios da posse são relativos, ou seja, a posse somente é injusta em relação àquele contra quem foi praticado o ato ilícito. Logo, o argumento de que a posse de um dos vizinhos é injusta somente pode ser usado pelo esbulhado, aquele que perdeu a posse em razão de ato ilícito praticado por outrem. O segundo critério subsidiário, somente usado na falta do primeiro, é a partilha da faixa contestada em porções iguais entre os vizinhos. A novidade do Código Civil é que a partilha não mais segue regra proporcional, como determinava o diploma revogado, sem, no entanto, dizer a que se atrelava a proporção. Diante de tal lacuna, tomou o legislador posição e adotou a doutrina clássica de Clóvis Bevilaqua, criando critério objetivo de divisão em partes iguais. O critério residual, somente utilizado na falta ou insuficiência dos antecedentes, determina a adjudicação da faixa contestada a um dos confinantes, mediante indenização do outro, embora não decline critério para dizer qual deles ficará com a terra e qual deles com o valor de metade em dinheiro. Utiliza-se critério de equidade, lembrado por Lopes da Costa: “entre, por exemplo, dois prédios, um muito grande e outro muito pequeno, este deverá ser preterido. Entre dois terrenos, dos quais um ficará sem aguada se o terreno litigioso for adjudicado ao outro, ao primeiro deve ser feita a adjudicação” (Digesto apud Theodoro Jr., Humberto. “ Demarcação, divisão, tapumes”. In: Terras particulares, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 233). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.305. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 27/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sobre o ”Direito de Vizinhança”, tem-se sob a visão de Flavio Tartuce, Vol. 3, Direito Civil, 2018, a matéria que  regula  o  direito  de  vizinhança tem natureza de ordem pública, pois interessam muito mais do que almejam as partes envolvidas, ou seja, aos proprietários dos terrenos vizinhos. As normas de  regência  dos  direitos  de  vizinhança  são  preferentemente  cogentes,  porque os conflitos nessa matéria tendem ao litígio e ao aguçamento de ânimos. Encerrando o tratamento  do  direito  de  tapagem,  sendo  confusos  os limites  entre  as  propriedades,  em  falta  de  outro  meio,  se  determinarão  de conformidade  com  a  posse  justa  (CC  1.298  ). Pelo  mesmo  comando legal, não sendo essa posse justa provada, o terreno contestado se dividirá por partes  iguais  entre  os  prédios,  ou,  não  sendo  possível  a  divisão  cômoda,  se adjudicará a um deles, mediante indenização ao outro. Assim, a prioridade é a definição  dos  limites  pela  posse  justa  (art.  1.200  do  CC).  Não  havendo  tal prova,  haverá  determinação,  em  ação  demarcatória,  da  linha  divisória  das propriedades. Isso fica claro pelo que consta dos arts. 578 a 581 do CPC/2015, que tratam da referida demanda, a saber: “Art. 578. Após o prazo de resposta do  réu,  observar-se-á o procedimento comum”. “Art. 579. Antes de proferir a sentença, o  juiz  nomeará  um  ou  mais  peritos  para  levantar o  traçado da  linha demarcanda”.  “Art.  580.  Concluídos  os  estudos,  os  peritos  apresentarão minucioso laudo sobre o traçado da linha demarcanda, considerando os títulos, os  marcos,  os  rumos,  a  fama da  vizinhança,  as  informações  de  antigos moradores do lugar e outros elementos que coligirem”. “Art. 581. A sentença que  julgar  procedente  o  pedido  determinará  o  traçado  da  linha  demarcanda. Parágrafo  único.  A  sentença  proferida  na  ação  demarcatória  determinará  a restituição  da  área  invadida,  se  houver,  declarando  o  domínio  ou  a  posse  do prejudicado, ou ambos”. 

Percebe-se  que  o  trabalho  será  de  engenharia,  a  fim  de  se  determinar por trabalho técnico qual a propriedade de cada um. Se a divisão da área não for  cômoda,  levando-se  em  conta  a  função  social  da propriedade  e  o  caso concreto   (particularmente   o   animus   dos   envolvidos),   caberá   ação   de adjudicação da área por um dos confinantes, sendo indenizado o outro. (Flavio Tartuce, Vol. 3, Direito Civil, 2018, ”Direito de Vizinhança”, encontrado na sala de estudo do site unisalesiano.edu.br/, Acessado 27/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No dizer de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, em caso de dúvida ou confusão no estabelecimento de limites divisórios entre dois prédios, ou seja, quando o registro imobiliário não esclarecer devidamente, utilizar-se-á o critério da posse justa (não violenta, precária ou clandestina), para a distribuição da área. Assim, o proprietário terá direito, apenas, à área que não foi objeto de vício da posse.

Se o critério da posse justa não for passível de constatação, a lei determina que a área seja dividida em porções iguais entre os titulares confinantes. Se também não for possível, adjudicar-se-á esta área litigiosa a um deles, mediante ressarcimento ao outro. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 27.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.294, 1.295, 1.296 Dos Direitos de Vizinhança – Das Águas – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.294, 1.295, 1.296

Dos Direitos de Vizinhança – Das Águas – VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial – Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.288 a 1.296) Capítulo V – Dos Direitos de Vizinhança – Seção V – Das Águas -  

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Art. 1.294. Aplica-se ao direito de aqueduto o disposto nos artigos 1.286 e 1.287.

A resposta de Francisco Eduardo Loureiro, é que o Código Civil de 1916 não continha regra similar. Tudo o que foi dito acerca da passagem forçada de cabos e tubulações, a que se remete o leitor, aplica-se à passagem de aqueduto, com vista da similitude de situações. Algumas consequências advêm de extensão do regime jurídico. A primeira delas diz respeito ao cálculo da indenização, que deve ser cabal, abrangendo não somente a desvalia da passagem do canal como também a desvalorização do remanescente; a segunda, ao direito do titular do prédio onerado exigir caução no caso de risco plausível decorrente das obras; a terceira afirma que desaparece a servidão legal se não mais persistir sua causa; a quarta, que pode o titular do prédio onerado remanejar a suas expensas a passagem, desde que não cause prejuízo ao prédio beneficiário, que já pagou por ela. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.300. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo entendimento do autor Tauã Lima Verdan, em seu artigo intitulado: “Do direito de edificação da servidão de aqueduto em terreno vizinho à luz do entendimento jurisprudencial”, na parte referente ao artigo em comento aponta que  em decorrência da similitude existente entre o aqueduto e a passagem de tubulações e cabos, o CC 1.294, expressamente, diccionar acerca da aplicação das disposições contidas nos artigos 1.286 e 1.287. denota-se que o fito da norma é assegurar, por meio da incidência dos artigos supramencionados, maiores garantias ao titular do prédio serviente no que se refere à matéria de segurança e indenização pela desvalorização da área remanescente, em decorrência da edificação de aquedutos. Sobre a instituição dos aquedutos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já assentou que: “Ementa: Apelação Cível. Servidão legal de aqueduto. Direitos de vizinhança. Legitimidade ativa ad causam do arrendatário. Irrigação de lavoura de arroz. Impossibilidade de condução da água por meio distinto. Prévia indenização. Preenchimento dos requisitos legais. Em que pese a denominação atribuída pelo Código de Águas (Decreto n. 24.643/1934), a servidão de aqueduto é espécie de direito de vizinhança, não se tratando de direito real sobre coisa alheia. Assim, detêm legitimidade ativa para buscar sua instituição tanto o proprietário do prédio dominante, quanto seu possuidor. Hipótese em que a necessidade de passagem das águas pelo imóvel rural da ré encontra respaldo no CC 1.293 c/c art. 117, b, do Código de Águas, porquanto se trata de medida indispensável à irrigação de lavoura arrozeira, ou seja, ao desenvolvimento da agricultura. [...]”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Vigésima Câmara Cível/Apelação Cível n. 70059836361/Relator: Desembargador Dilso Domingos Pereira/Julgado em 19.11.2014).

“Ementa: Servidão. Uma vez instituída a servidão para passagem de água entre particulares e doada a área serviente, a relação passa a existir exclusivamente entre este proprietário e o dono do aqueduto. É inexistente o cancelamento da servidão feita por quem não mais é do detentor do domínio do imóvel. Recurso provido apenas para excluir da lide empregado do serviente, executor do serviço que danificou o aqueduto.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do sul – Segunda Turma Recursal Cível / Recurso Cível n. 71000613851/Relatora: Rosane Wanner da Silva Bordasch/ Julgado em 26.01.2005).

Meirelles, em tom de arremate, assinala que a faculdade legal de promover a canalização das águas através de terrenos alheios é, concomitantemente, um direito do proprietário e uma restrição da vizinhança, sendo classificada como servidão de aqueduto, sendo concedida uma ação de rito especialíssimo para sua obtenção. Aludida ação tanto pode ser utilizada pelo particular como pelo Poder Público, com a diferença de que, no primeiro caso, o direito de atravessar com aqueduto as propriedades particulares será reconhecido em juízo, sendo, para tanto, imprescindível um provimento jurisdicional para tal constituição. Já no segundo caso, o Poder Público interessado, previamente, decretará a servidão, cominando judicialmente, caso não haja consenso, o montante da indenização a ser paga aos prejudicados.

Do Direito de Edificação da Servidão de Aqueduto em Terreno Vizinho à luz do entendimento jurisprudencial do STJ – Em consonância com os argumentos apresentados até o momento, cuida destacar que um dos aspectos mais relevantes nas limitações inerentes ao direito de propriedade diz respeito aos direitos de vizinhança, os quais consistem em restrições legais ao livre exercício dos poderes inerentes à propriedade em prol da convivência harmoniosa entre titulares de direitos entre prédios vizinhos. A doutrina estrangeira costumava identificar os institutos dos direitos de vizinhança como “servidões legais”. Entretanto, há que distinguir os dois institutos: os direitos de vizinhança têm por finalidade regulamentar, por meio da lei, os próprios limites do direito de propriedade em relação aos demais direitos de propriedade potencialmente em conflito. Portanto, para um determinado direitos ser qualificado como de vizinhança, é necessário que a utilização de parcela da propriedade alheia seja essencial ao aproveitamento do prédio, razão pela qual será exigível, de maneira impositiva, por decorrência da lei, a submissão do direito de propriedade de um vizinho ao do outro.

Ademais, o termo “vizinhança”, no sentido empregado pelo instituto correspondente, tem acepção própria, não necessariamente coincidente com o sentido comum, consistindo nos prédios que podem sofrer repercussão dos atos propagados de prédios próximos ou que com esses possam ter vínculos jurídicos, não se limitando, pois, às propriedades confinantes. O direito às águas e a seu curso e transporte constitui matéria de inegável importância para a sobrevivência de pessoas e animais e também para a indústria, notadamente a agrícola, apresentando, pois, nítido caráter social. O acesso à água é, contudo, restrito pelas peculiaridades dos diversos terrenos, razão pela qual a disciplina de seu aproveitamento se torna relevante para o estudo do direito de propriedade, o que motiva o tratamento do tema nos direitos de vizinhança. Neste sentido, sobre a temática, é possível transcrever a ementa do Recurso Especial nº 1.616.038, de relatoria da Ministra Nancy Abdrighi, que estabelece a possibilidade de edificação da servidão de aqueduto, em terreno vizinho, mesmo sem a autorização do proprietário do imóvel afetado: “Ementa: Recurso Especial. Direito processual cível e civil. Embargos de declaração. Omissão, contradição ou obscuridade. Não ocorrência. Direito ás águas. Art. 1.293 do CC/02. Direito de vizinhança. Propriedade. Função social. Restrições internas. Passagem de águas. Obrigatoriedade. Requisitos. Água. Bem de domínio público. Uso múltiplo. Art. 1º, I e IV, da Lei 9.433/05. Prévia indenização. Desprovimento. 1. Ação ajuizada em 12/11/2009. Recurso especial interposto em 10/02/2015. Conclusão ao gabinete em 25/08/2016. 2. Trata-se de afirmar se i) ocorreu negativa de prestação jurisdicional; e ii) o proprietário de um imóvel tem o direito de transportar a água proveniente de outro imóvel através do prédio vizinho, e qual a natureza desse eventual direito. 3. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração. 4. O direito de propriedade, de acordo com o constitucionalismo moderno, deve atender a sua função social, não consistindo mais, como anteriormente, em um direito absoluto e ilimitado, já que a relação de domínio, agora, possui uma configuração complexa – em tensão com outros direitos igualmente consagrados no ordenamento jurídico. 5. Os direitos de vizinhança são manifestação da função social da propriedade, caracterizando limitações legais ao próprio exercício caracteriza um determinado direito como de vizinhança é a sua imprescindibilidade ao exercício do direito de propriedade em sua função social. 6. O direito à água é um direito de vizinhança, um direito ao aproveitamento de uma riqueza natural pelos proprietários de imóveis que sejam ou não abastecidos pelo citado recurso hídrico, haja vista que de acordo com a previsão do art. 1º, I e IV, da Lei 9.433/97, a água é um bem de domínio público, e sua gestão deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas. 7. Se não existem outros meios de passagem de água, o vizinho tem o direito de construir aqueduto no terreno alheio independentemente do consentimento de seu vizinho; trata-se de imposição legal que atende ao interesse social e na qual só se especifica uma indenização para evitar que seja sacrificada a propriedade individual. 8. Recurso especial desprovido” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/REsp 1.616.038/RS/Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 27.09.2016/ Publicado no DJe em 07.10.2016).

Como a água é um bem de domínio público de uso múltiplo, tendo, portanto, a recorrida o direito de a ela ter acesso – cumpre verificar se o recorrente tem o dever de suportar a passagem de aqueduto por sua propriedade. De fato, a identificação de um direito abstrato à água não conduz, necessariamente, ao reconhecimento do direito de vizinhança de exigir do vizinho a passagem de aqueduto. A exegese da permissão contida no CC 1.293 deve, assim, partir da averiguação de uma contingência: não deve haver outro meio de acesso às águas. Caso presente essa eventualidade, a leitura de referido dispositivo há de resultar no reconhecimento de que se cuida de verdadeiro direito de vizinhança e, portanto, limite interno inerente ao direito de propriedade. A obrigatoriedade da sujeição ao direito do vizinho às águas é também ressaltada pelo CC 1.294, que prevê a aplicação ao aqueduto das regras da passagem de cabos e tubulações, a qual é obrigatória, conforme as regras dos artigos 1.286 e 1.287 da Lei 10.406/2002. Entretanto, se houver outros meios possíveis de acesso à água, não deve ser reconhecido o direito de vizinhança, pois a passagem de aqueduto, na forma assim pretendida, representaria mera utilidade – o que afasta a incidência de servidão, nos termos do CC 1.380 da legislação supramencionada. (Tauã Lima Verdan, em seu artigo intitulado: “Do direito de edificação da servidão de aqueduto em terreno vizinho à luz do entendimento jurisprudencial”, publicado em âmbitojurídico.com.br em 01-02-2017, Acessado em 26/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.295. O aqueduto não impedirá que os proprietários cerquem os imóveis e construam sobre ele, sem prejuízo para a sua segurança e conservação, os proprietários dos imóveis poderão usar das águas do aqueduto para as primeiras necessidades da vida.

Assegura esse dispositivo aos proprietários dos imóveis, onde passa o aqueduto, que utilize de suas águas para as primeiras necessidades. Faculta-lhes, também, cercar os seus imóveis e construir sobre o aqueduto, desde que não haja prejuízo para a sua segurança e conservação. O artigo é a repetição, com aprimoramento, da redação do art. 130 do Código de Águas (Dec. n. 24.643, de 10-7-1934), devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 666, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 26/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na observação de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não encontra correspondente no Código Civil de 1916. Reproduz e condensa parcialmente o que contêm os arts. 130 e 134 do Código de Águas. O dono ou possuidor do prédio serviente pode cercar ou construir ao redor ou sobre o aqueduto, desde que de modo compatível com sua segurança e conservação. O Código de Águas, mais minucioso, reza que há a favor do prédio dominante o direito de trânsito pelas margens do aqueduto, para seu exclusivo serviço. No caso de cercas ou construções, o acesso e as reparações necessárias não podem ser impedidos, sendo que, em tais casos, o dominante avisará previamente o serviente (art. 130, parágrafo único). A segunda parte do artigo reproduz o que contém o art. 134, § 2º, do Código de Águas, assegurando ao dono ou possuidor do prédio onerado o direito de também utilizar a água canalizada, desde que limitada às primeiras necessidades da vida, ou seja, para uso estritamente pessoal e doméstico. Note-se que não se trata de águas supérfluas, cuja utilização mais ampla e onerosa é tratada no artigo seguinte. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.301. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Gizando o artigo em comento Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, com o objetivo de conciliar os interesses dos vizinhos, o legislador estabeleceu a impossibilidade do aqueduto inibir a realização de cercas ou construções no imóvel onerado, bem como a possibilidade de utilização das águas do aqueduto para as primeiras necessidades da vida do proprietário. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 26.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.296. Havendo no aqueduto águas supérfluas, outros poderão canalizá-las, para os fins previstos no CC 1.293, mediante pagamento de indenização aos proprietários, prejudicados e ao dono do aqueduto, de importância equivalente às despesas que então seriam necessárias para a condução das águas até o ponto de derivação.

Parágrafo único. Têm preferência os proprietários dos imóveis atravessados pelo aqueduto.

Finalizando a seção V, Francisco Eduardo Loureiro afirma o artigo em exame não encontrar correspondente no Código Civil de 1916, reproduzindo, com algumas inovações, o preceito do art. 134 do Código de Águas (Decreto n. 24.643/34). Porquanto, o objeto da norma são as águas supérfluas, vale dizer, aquelas que sobram, o remanescente da utilização pelo titular do prédio dominante. Como não se tolera o desperdício nem o abuso de direito, podem os interessados, proprietários ou possuidores vizinhos constituir novo aqueduto, para os fins do art. 1.293, anteriormente comentado. O novo aqueduto é oneroso. Paga-se indenização ao dono ou possuidor do prédio serviente em razão de eventual agravamento de sua situação, não coberta pela indenização original. Paga-se, ainda, indenização ao dono do aqueduto, de importância equivalente ao custo de condução da água até o ponto de derivação. Cumpre apenas notar que essa indenização é proporcional, uma vez que a passagem beneficiará ambos os titulares, como refere o art. 134 do Código de Águas, evitando o enriquecimento sem causa de qualquer das partes interessadas. O artigo termina, em seu parágrafo único, estabelecendo critério de preferência entre os vizinhos interessados na utilização das sobras da água canalizada. Tem preferência, como é natural, o dono ou possuidor do prédio onerado, em relação a estranhos. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.301. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente O artigo em análise não foi atingido por nenhuma modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto.

Em sua Doutrina, Ricardo Fiuza comenta que estando sobrando águas (águas supérfluas ou sobejas), estas poderão ser utilizadas por outros proprietários, mediante prévia indenização e pagando, proporcionalmente, as despesas feitas com a condução delas, e confirma o histórico, sobre ser o dispositivo repetição, com aprimoramento, do texto do art. 134 do Código de Águas (Dec. n. 24.643, de 10-7-1934), devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 666, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 26/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

De excelente completude o artigo de Péricles Ribeiro Reges, intitulado “Direito de Vizinhança”, expande para todos os artigos referentes ao direito às águas, obrigando a leitor dedicar-se com o máximo de atenção à devida compreensão do instituto perquirido. São incontáveis os casos de problemas derivados de conflitos entre vizinhos, conflitos que independem do local (urbano ou rural) ou condição econômica. A verdade é que conviver em coletividade não é tarefa fácil e aceitar as diferenças de pensamentos, opiniões, etc., é um esforço hercúleo, mas cotidiano e extremamente necessário.

Em tese, nosso lar é o local onde procuramos paz e sossego, se o seu dono, obviamente, assim desejar. Ocorre que, residir próximos à outras pessoas, sendo esta a regra do nosso cenário mundial, podem gerar interferências na medida em que o direito de um morador pode provar atritos/restrições, até mesmo a violação, aos direitos do outro morador, seu vizinho. Daí que, diante dos infinitos, e mais diferentes casos de conflitos entre vizinhos, a legislação brasileira estabeleceu regras, direitos e deveres, para que moradores que residam próximos não venham a conviver em uma verdadeira e constante “guerra”.

A previsão do Direito de Vizinhança, que, grosseiramente falando, nada mais é do que limitações ao uso da propriedade imóvel, edificou emaranhado de normas no Código Civil brasileiro de 2002 (CC/02) visando coordenar e regular a convivência pacífica dos moradores vizinhos. Tais previsões encontram-se do art. 1.277 ao 1.313, do CC/02 e traz diversas seções normativas elencando os direitos e deveres dos moradores quando se trata de respeitar e limitar suas ações ao se deparar com as propriedades vizinhas.

Pode-se citar, como exemplos, o que fazer quando há risco do prédio vizinho ruir (art. 1280, CC/02 – Do Uso Anormal da Propriedade), a quem pertence a árvore, ou parte da árvore, quando esta encontra-se entre duas propriedades vizinhas (art. 1282, CC/02 – Das Árvores Limítrofes), o direito de abrir passagem na propriedade do vizinho quando o morador não tiver acesso a estrada (art. 1285, CC/02 – Da Passagem Forçada), o direito de acesso à água quando o morador não tiver por força das propriedades vizinhas (arts. 1288 ao 1296, CC/02 – Das Águas), dentre outros diversos, cujos quais, inclusive, podem até mesmo não estar positivados em lei.

É importante ressaltar que os imóveis vizinhos não são apenas considerados aqueles confinantes, ou, em outras palavras, “parede com parede”, visto que os imóveis que se localizam próximos também são abraçados pela legislação pertinente, desde que o ato praticado por um morador venha a repercutir na esfera de propriedade do outro morador, cansando-lhe incômodo, frustração ou prejuízos. Na maioria dos conflitos e dos problemas entre vizinhos, deve-se buscar a via judicial para saná-los. Isso porque se na prática, hipoteticamente falando, a convivência já não é fácil, solucionar problemas advindos da vizinhança se torna quase que impossível.

O Superior Tribunal de Justiça já proferiu uma série de decisões acerca do tema do Direito de Vizinhança e, dentre elas, podemos encontrar diversas situações do cotidiano, daquelas que jamais imaginaríamos encontrar no Judiciário. Questões, por exemplo, que envolvem o subsolo, uso indevido do imóvel, ruídos de vizinhos, acidentes geográficos, interesse público, infiltrações, e assim por diante. Em sua grande maioria, envolve situações em que o morador vizinho praticou atos que prejudicaram o sossego, a saúde ou a segurança do (s) outro (s) proprietário (s), de modo que se a questão ultrapassar esses três pontos, nos afastamos das regras atinentes ao Direito de Vizinhança.

 Relevante informar que o Direito de Vizinhança é uma externação do direito de propriedade, que vigora sob a ótica da função social da propriedade, devendo ser levada em consideração, sem sombra de dúvidas, a boa-fé na (s) conduta (s) entre vizinho (s). Por fim, apropriado informar algumas das principais Ações que são movidas/ajuizadas para salvaguardar os Direitos de Vizinhança, podendo serem aduzidas as seguintes:

 ▪ Ações que visam defender a posse do morador = Ações Possessórias;

 ▪ Ação que visa obstar/impedir algo, como uma construção, ainda em seu início = Nunciação de Obra Nova;

 ▪ Ações que visam demarcar algum território ou dividi-lo = Ação Demarcatória e Ação Divisória;

 ▪ Ações que têm como objetivo condenar o vizinho morador a fazer, não fazer, dar coisa certa ou incerta = Ações Condenatórias. 

 Ademais de outras ações que não possuem um título específico, mas que advêm da legislação aplicável ao caso. Posto isto, podemos concluir que o Direito de Vizinhança é mais complexo do que se imagina. Envolve complicados temas e sua própria legislação já não é tão simples de entender. (Pérecles Ribeiro Reges, em artigo intitulado “Direito de Vizinhança” publicado em março de 2018 no site jus.com.br. Acessado em 26/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.291, 1.292, 1.293 Dos Direitos de Vizinhança – Das Águas – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.291, 1.292, 1.293

Dos Direitos de Vizinhança – Das Águas – VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial – Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.288 a 1.296) Capítulo V – Dos Direitos de Vizinhança – Seção V – Das Águas -  

digitadorvargas@outlook.com - vargasdigitador.blogpot.com

Art. 1.291. O possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores; as demais, que poluir, deverá recuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas.

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dono do imóvel superior não poderá poluir as águas que ali correm, sob pena de risco à saúde, devendo recuperar ou ressarcir os prejuízos causados aos possuidores do prédio inferior.

Enunciado 244 do conselho da Justiça Federal: “O CC 1.291 deve ser interpretado conforme a Constituição, não sendo facultada a poluição das águas, quer sejam essenciais ou não às primeiras necessidades da vida”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 23.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em estudo não tem equivalente no Código Civil de 1916 e conflita, ao menos em parte, com o disposto no art. 225, caput, da Constituição Federal, que assegura a todos o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Não tem sentido, portanto, que o CC 1.291 crie obrigação de não fazer - não poluir - apenas às águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores. O dever de não poluir as águas - dispensáveis ou indispensáveis às necessidades básicas de outrem - está consagrado não somente no art. 225 da Constituição Federal, como também constitui crime, nos termos do art. 54 da Lei n. 9.605/98. O vetusto Código de Águas, nos arts. 109 a 116, ainda em vigor, porque afinados com a Constituição Federal, já previa que “a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízo de terceiros” (art. 109). Logo, a leitura do preceito em consonância com a Lei Maior deve ser a de que o possuidor não pode poluir as águas, quer venham de nascentes ou sejam águas pluviais, sem distinção de origem. E, se assim o fizer, por indispensável a sua atividade, deverá recuperá-las, sem prejuízo de indenizar os danos individuais causados aos vizinhos e os danos gerais ao meio ambiente. A primeira e primária obrigação, portanto, é de não poluir. Se poluir, nasce obrigação de reparar o dano in natura, recuperando as águas atingidas, sem prejuízo da composição de perdas e danos, quer no caso de impossibilidade de recuperação, quer no caso da recuperação tardia causar algum prejuízo aos vizinhos. O desvio do curso artificial das águas poluídas, mencionado na parte final do CC 1.291, pode ser sanção lateral, que não elimina os deveres básicos de recuperar e de indenizar. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.298. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 23/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

As autoras Franceschina e Aline Oliveira Mendes de Medeiros, em seu artigo “Possibilidade de Limitações Civis: Direito da Vizinhança/Comentários: Artigo por Artigo”, publicado em Lex.com.br, estendem-se por todo o trabalho, como anunciado no título, toda a legislatura em referência, e, no artigo em comento dizem:

"O direito ao uso irrestrito da água, em proveito próprio, é uma decorrência necessária da propriedade da fonte. Impõe-lhe, todavia, a restrição de não impedir o curso natural das águas remanescentes para os prédios inferiores, desde que não se trate de fonte captada. Tendo havido captação, como é o caso da condução do líquido a reservatório, através de encanamento, já não subsistem os direitos dos proprietários dos prédios inferiores, ainda que daí resulte desvio do fluxo para outros vizinhos."

Assim assevera Peluso (obra citada), na direção de que, tal artigo limita a utilização da água "às necessidades de seu consumo", sendo ilícito o seu desperdício em conformidade com o art. 187 do CC, o qual expressa que, "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes," tal critério é objetivo e finalístico, ou seja, considera cada caso de forma específica. Nesta direção:

"Art. 1.291. O possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores; as demais, que poluir, deverá recuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas."

Apregoa o referido autor que tal direito, advém do art. 225 da CF, como também constitui crime em conformidade com o art. 54 da Lei 9.605/98, o Código das Águas, por meio dos arts. 109 até 116, o qual faz expressão de que, "a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízo de terceiros." E se assim o mesmo proceder, deverá recuperá-las assim como indenizar aos prejuízos causados tanto aos vizinhos quanto aos danos acarretados ao meio ambiente. O autor ainda pode sofrer uma sanção lateral de ter que desviar o curso das águas poluídas, porém, tal não isenta o dever de recuperar e indenizar. (Franceschina e Aline Oliveira Mendes de Medeiros, em seu artigo “Possibilidade de Limitações Civis: Direito da Vizinhança/Comentários: Artigo por Artigo”, publicado em Lex.com.br, Acessado 23/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.292. O proprietário tem direito de construir barragens, açudes, ou outras obras para represamento de água em seu prédio; se as águas represadas invadirem prédio, será o seu proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido.

Em seu artigo “Direito Civil (Reais) direitos de vizinhança, Sua real proteção, publicado por Maria Izabel Vargas no site JusBrasil.com.br. De acordo com o CC 1.292, "O proprietário tem direito de construir barragens, açudes, ou outras obras para represamento de água em seu prédio; se as águas represadas invadirem prédio alheio, será o seu proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido."

 

Ações possessórias - São próprias para a defesa da posse. A legitimação ativa é do possuidor, mediato ou imediato, próprio ou impróprio; a passiva, daquele que seja o autor do esbulho, da turbação ou de ameaça à posse do primeiro. Existem três tipos de ação possessória: reintegração, manutenção e interdito proibitório. A primeira é o remédio jurídico para os casos em que a posse é esbulhada; a segunda, para os casos de turbação; e a terceira, para os casos de mera ameaça à posse.

Nunciação de obra nova - Trata-se de ação pessoal, e não possessória, visto que a posse só é invocada no processo para demonstrar da legitimidade para o pleito. Estas ações possuem, em regra, quatro pretensões: o embargo à construção, o pedido cominatório, a condenação em perdas e danos ou a apreensão de materiais, que podem ou não ser cumulados com pedido indenizatório. Todavia, a obra deve estar iniciada, mesmo que seja somente mediante atos preparatórios. Caso já tenha sido concluída, não caberá mais a ação jurídica .Tem legitimidade ativa para propor esta ação: o proprietário, o possuidor, o condômino e o poder público. Tem legitimidade passiva: o dono da obra, principalmente se for o poder público. As ações demarcatórias e divisórias tem como ponto em comum sua natureza de ações reais e seu resultado final de restituição de área, havendo entre elas possibilidade de cumulação. Entretanto, a ação demarcatória pressupõe prédios contíguos, enquanto a divisória pressupõe condomínio; a primeira serve não só para demarcar , como também para avivar marcos já existentes. O procedimento de ambas as ações possui duas fases: primeiro ocorre o julgamento da pretensão de demarcar ou dividir, em que se admite julgamento antecipado, e na segunda fase é preponderantemente executiva, em que se julga a divisão ou a demarcação propriamente dita. A legitimidade ativa ad causam é dos proprietários e condôminos, se ampliando aos possuidores, caso a ação se refira a outro possuidor e que um deles seja titular de direito real limitado.

As ações condenatórias, além de declarar um direito, também criam o título executivo judicial. Elas se fundamentam na prestação de dar coisa certa ou incerta, ou de fazer ou não fazer algo, podendo o rito ser ordinário ou sumário, a considerar o valor da causa e a matéria.

Ao estudar este respectivo tema, pode-se concluir que os direitos de vizinhança dão o direito de uso e proveito da propriedade e ao mesmo tempo a obrigação de utilizar a mesma de forma correta e de acordo com as normas estabelecidas pela lei. Desse modo, existem não apenas direitos, como também deveres a serem cumpridos. E por fim, como consequência, há o objetivo de desfazer os conflitos que porventura surjam das relações de proximidade e do exercício deste direito, através destas normas. (Direito Civil (Reais) direitos de vizinhança, sua real proteção, publicado por Maria Izabel Vargas no site JusBrasil.com.br., Acessado 23/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo o entendimento das autoras Franceschina e Aline Oliveira Mendes de Medeiros, em seu artigo “Possibilidade de Limitações Civis: Direito da Vizinhança/Comentários: Artigo por Artigo”, publicado em Lex.com.br, estendem-se por todo o trabalho, como anunciado no título, toda a legislatura em referência, e, no artigo em comento dizem: Apregoa o referido autor que tal direito, advém do art. 225 da CF, como também constitui crime em conformidade com o art. 54 da Lei 9.605/98, o Código das Águas, por meio dos arts. 109 até 116, o qual faz expressão de que, "a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízo de terceiros." E se assim o mesmo proceder, deverá recuperá-las assim como indenizar aos prejuízos causados tanto aos vizinhos quanto aos danos acarretados ao meio ambiente. O autor ainda pode sofrer uma sanção lateral de ter que desviar o curso das águas poluídas, porém, tal não isenta o dever de recuperar e indenizar.

"Art. 1.292. O proprietário tem direito de construir barragens, açudes, ou outras obras para represamento de água em seu prédio; se as águas represadas invadirem prédio alheio, será o seu proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido."

O mencionado dispositivo aduz o direito que o proprietário possui de canalizar a água mesmo que em barragens, por mais que as águas represadas estendam-se até a dimensão dos prédios vizinhos, o que resulta no dever de indenizar, deduzindo o valor dos prejuízos que auferir. A doutrina refere-se à construção de hidroelétricas, necessárias ao desenvolvimento do País, em atendimento constitucional da função social da propriedade, destacando a indenização pelo dano fomentado, em desconto do benefício recebido. Trata-se da aplicação da regra de equidade, estipulando um equilíbrio entre os direitos confrontados. (Franceschina e Aline Oliveira Mendes de Medeiros, em seu artigo “Possibilidade de Limitações Civis: Direito da Vizinhança/Comentários: Artigo por Artigo”, publicado em Lex.com.br, Acessado 23/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o prisma de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não tinha precedente no Código Civil de 1916. Assegura ao proprietário - e, embora a lei não explicite, também ao possuidor - o direito dc represar águas em seu prédio, mediante a construção, por exemplo, de obras como barragens e açudes. Note-se, porém, que o potencial de energia hidráulica constitui bem público e não integra a propriedade do solo, a teor do CC 1.230 do Código Civil, já comentado. O preceito deve ser lido em consonância com o que dispõem s CC 1.288 e 1.289, já comentados. O represamento, por se tratar de obra artificial, não pode agravar a situação do imóvel inferior, no que se refere à recepção das águas. De igual modo, vale o que foi dito no comentário ao CC 1.290: o titular do imóvel superior pode reter as águas necessárias a seu uso, mas deve deixar escoar o remanescente, não privando o prédio inferior do bem. Assim sendo, o represamento deve ser feito gradualmente, de modo a não privar o vizinho de água durante lapso temporal expressivo. Os riscos cie rompimento de açudes ou represas é do titular do prédio onde se localizam. A invasão do prédio alheio por águas represadas confere ao vizinho prejudicado direito à indenização, independentemente de culpa do titular do prédio superior. A responsabilidade é objetiva, bastando ao ofendido demonstrar o evento, o dano e o nexo de causalidade. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.298. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 23/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.293. É permitido a quem quer que seja, mediante prévia indenização aos proprietários prejudicados, construir canais, através de prédios alheios, para receber as águas a que tenha direito, indispensáveis às primeiras necessidades da vida, e, desde que não cause prejuízo considerável à agricultura e à indústria, bem como para o escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos.

§ Iº Ao proprietário prejudicado, em tal caso, também assiste direito a ressarcimento pelos danos que de futuro lhe advenham da infiltração ou irrupção das águas, bem como da deterioração das obras destinadas a canalizá-las.

§ 2º O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subterrânea a canalização que atravessa áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou quintais.

§ 3º O aqueduto será construído de maneira que cause o menor prejuízo aos proprietários dos imóveis vizinhos, e a expensas do seu dono, a quem incumbem também as despesas de conservação.

No lecionar de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em comento corresponde ao art. 567 do CC 1916, que, por sua vez, já fora revogado pelos arts. 117  a 138 do Código de Águas, que regula minuciosamente o direito de aqueduto. Não resta dúvida que a lei especial disciplina de modo mais completo o tema do que o Código Civil de 2002. Assim sendo, o CC 1.293 revoga o Código de Águas (Decreto n. 24.643/34) em tudo aquilo que for com ele incompatível, aplicando-se de modo residual, porém, as demais regras da lei especial que se conciliam e completam o novo regime jurídico do aqueduto. Da lição clássica de Carvalho Santos, servidão de aqueduto “é a faculdade que tem alguém de conduzir água por prédio alheio, ou de prédio alheio para o seu prédio, em benefício ou utilidade próprios” (Código Civil brasileiro interpretado, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943, v. V III, p. 93). Embora a doutrina use a expressão “servidão”, não custa lembrar que se trata de servidão legal decorrente do direito de vizinhança e não de direito real de servidão, de modo que é direito potestativo, podendo ser exigido judicialmente contra o vizinho renitente. Além disso, o registro não tem natureza constitutiva. O artigo em exame não disciplina, de outro lado, a desapropriação para a implantação dos canais ou outros equipamentos de condução de água, promovida pelo Poder Público. Limita-se às restrições do direito de vizinhança, entre particulares. Usa a lei expressão larga - a quem quer que seja - facultando não só ao proprietário como ao possuidor, a qualquer título, exigir a passagem de aqueduto. Está o direito de aqueduto sujeito a alguns requisitos cumulativos, a saber: • primeiro, é oneroso, de modo que o titular do prédio serviente faz jus à prévia indenização, a ser paga antes do início do exercício da passagem. A indenização abrange a desvalorização do prédio serviente decorrente da passagem e do recuo necessário a sua manutenção e será judicialmente fixada, se não houver consenso entre as partes. O § 1º do artigo em exame diz que a indenização abrange a deterioração causada pelas obras de implantação da canalização;

• segundo, somente cabe para receber as águas a que tenha direito, a qualquer título, desde que indispensáveis para as primeiras necessidades da vida ou para o escoamento das águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos. Note-se que a atual redação restringiu sobremaneira as hipóteses do art. 117 do Código de Águas, que referia também à necessidade para os serviços de agricultura ou indústria. Parece razoável, porém, que a utilização econômica do prédio dominante preencha o requisito da necessidade econômica básica e especialmente da função social da propriedade, de modo que continua implícito no Código Civil de 2002;

• terceiro, que a servidão de aqueduto não cause prejuízo considerável à agricultura e à indústria do prédio serviente. Não deseja o legislador que o benefício concedido a um vizinho seja causa da ruína econômica de outro. Claro está, embora não diga o legislador, que também a passagem que afete de modo severo ou impossibilite as condições de moradia ou utilização do prédio serviente é incompatível com a imposição da servidão. Note-se a alteração em relação ao que dispõe o art. 118 do Código de Águas, que excluía da condição de imóvel serviente as casas de habitação, os quintais e as alamedas a ela contíguas. Agora a vedação exige prova do prejuízo ou ônus excessivo causado ao prédio serviente, não mais persistindo a avaliação a priori do legislador.

O que admite a lei em seu § 2º é que o dono ou possuidor do prédio serviente exija que a canalização seja subterrânea quando atravesse pátios, hortas, jardins e quintais. O § 1º do artigo desloca o risco dos danos futuros que advenham da infiltração ou irrupção de águas para o titular do prédio beneficiário, ou dominante, independentemente de culpa. A responsabilidade pela construção e conservação das obras do aqueduto é do titular do prédio dominante. Claro está que o pressuposto para a cobrança da indenização é a prévia ocorrência do dano, de modo que sua fixação não pode ser feita no momento da constituição da passagem. Não proíbe o Código Civil e admite o art. 121 do Código de Águas que, no caso de razoável probabilidade da ocorrência de danos, o titular ou possuidor do prédio dominante preste caução. A regra geral é a de que o rumo do aqueduto deve ser traçado de modo a causar o menor prejuízo aos imóveis servientes, podendo a passagem ser cercada ou murada, desde que não se impeça o acesso para as obras de conservação. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.299-300. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 23/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, sempre que for imprescindível a captação de águas para as primeiras necessidades da vida, o titular de um prédio poderá exigir a construção de canais (aquedutos), pelo dono de outro prédio indenizando-o previamente. O dono do imóvel poderá exigir a passagem subterrânea, e os gastos com a obra daquele que deles necessita.

Enunciado 245 do Conselho da Justiça Federal: “Muito embora omisso acerca da possibilidade de canalização forçada de águas por prédios alheios, para fins de agricultura ou indústria, o CC 1.293 não exclui a possibilidade da canalização forçada pelo vizinho, com prévia indenização aos proprietários prejudicados”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 23.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Dita o histórico, o presente artigo ter sido objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de tramitação do projeto. A redação era a seguinte: “É permitido a quem quer que seja, mediante prévia indenização aos proprietários prejudicados, construir canais, através de prédios alheios, para receber as águas a que tenha direito, indispensáveis às primeiras necessidades da vida, à agricultura e à indústria, bem como para o escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos. § 1º Ao proprietário prejudicado, em tal caso, também assiste direito a ressarcimento pelos danos que de futuro lhe advenham da infiltração ou irrupção das águas, bem como da deterioração das obras destinadas a canalizá-las. § 2º O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subterrânea a canalização que atravessa áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou quintais. § 3º O aqueduto será construído de maneira que cause o menor prejuízo aos proprietários dos imóveis vizinhos, e às expensas do seu dono, a quem incumbem também as despesas de conservação”.

• Cogita-se, neste artigo, caput, do direito de construir canais, através de prédios alheios, para captação ou escoamento de águas, ou drenagem de terrenos. Segundo o texto proposto, a canalização é permitida, em tais condições, mediante prévia indenização aos prejudicados o proprietário do prédio serviente, ainda que daí lhe resultem prejuízos. Quando muito, ser-lhe-á dado postular indenização, inclusive no tocante ao ressarcimento dos danos que de futuro lhe advenham da infiltração ou irrupção das águas, bem como da deterioração das obras destinadas a canalizá-las (4º. Já no regime do Código Civil de 1916 (art. 567), o direito de construir canais só se exercia sobre prédios rústicos, excluídas chácaras ou sítios murados, quintais, pátios, hortas, ou jardins. para o escoamento das águas superabundantes; d) para o enxugo ou bonificação de: terrenos. E ainda preceituava que não seriam passíveis de servidão as “... casas de habitação e os pátios, jardins, alamedas, ou quintais, contíguos às casas”, salvo no caso de concessão por utilidade pública, “... quando ficar demonstrada a impossibilidade material ou econômica de se executarem as obras sem a utilização dos referidos prédios...” (art. 118). Compreende-se, perfeitamente, o porque de tais limitações apostas pelo legislador ao direito de construir canais em prédios alheios, seja no Código Civil, seja no Código de Águas. Tratou ele, em tais passos, de impedir que o exercício daquela faculdade jurídica, instituída em favor de um, viesse a gerar dano irreparável a outro, mediante a mutilização do uso do prédio serviente. De fato, hipóteses podem ocorrer em que a construção de canais em determinados prédios, dadas as suas características, pode tornar impraticável a sua utilização. Pergunta-se: qual o interesse que há de merecer a proteção jurídica? O do proprietário do prédio dominante ou o do proprietário do prédio serviente? Parece-nos que, à míngua de um interesse público ou de relevante valor social, deve prevalecer o direito de propriedade sobre o de servidão. Inexplicavelmente, porém, o CC 1.293 o esquecera e afagava dessa equânime solução jurídica, ao acolher o direito absoluto de servidão, ressalvada, apenas, em favor do prejudicado, a alternativa única do ressarcimento pelos danos emergentes. Para corrigir, no dispositivo em apreço, semelhante distorção, foi incorporada ao texto, por meio de emenda, só prévia como justa, do prejuízo considerável, se admitirá o exercício do direito de construir canais

Em sua Doutrina Ricardo Fiuza, o relator afirma ser um direito, de quem quer que seja, captar águas (construir canais) para seu consumo primordial, indenizando os proprietários prejudicados. A construção de canais para a captação de águas não pode prejudicar a agricultura e a indústria. Fará jus a indenização o proprietário prejudicado que sofra qualquer tipo de infiltração, podendo, ainda, exigir que seja a captação feita por canalização subterrânea através de áreas edificadas, hortas, jardins etc. O aqueduto (duto ou tubulação destinado a levar água) será construído à custa de seu dono, devendo também arcar com os ônus de manutenção, sendo que a construção deverá ser a menos gravosa para os proprietários dos imóveis vizinhos. • O artigo é a simples conjugação do art. 567 do Código Civil de 1916 com o art. 117 do Código de Águas (Dec. n. 24.643/34), dando assim um tratamento mais homogêneo à matéria. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 666, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 23/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).