Direito Civil Comentado - Art. 1.297,
1.298
Dos Limites entre Prédios e do
Direito de Tapagem – VARGAS, Paulo S. R. - Parte
Especial – Livro III – Título III – Da Propriedade (Art. 1.297
e 1.298) Capítulo V – Dos Direitos de Vizinhança – Seção VI - Dos Limites entre
Prédios e do Direito de Tapagem- digitadorvargas@outlook.com
Na lição de Humberto Theodoro Júnior, o “direito de tapar é, para o proprietário do imóvel, o direito de garantir ou tornar efetiva a exclusividade de seu domínio por meio de ato material tendente a impedir acesso de estranhos à coisa” (“Demarcação, divisão, tapumes”. In: Terras particulares, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 15). Constitui uma das facetas da propriedade, qual seja, a exclusividade, que se materializa pelo termo “tapumes”, que abrange todos os anteparos e obras que se destinam a separar, vedar, proteger o imóvel. A menção do legislador a cercas, muros, valas, sebes e banquetas é exemplificativa e desnecessária, porque nada mais são do que espécies do gênero “tapume”, que se define como tudo quanto serve para cercar e separar um terreno de outro, segundo os costumes locais. A construção de tapumes é prerrogativa do dono, mas está sujeita à observância de restrições administrativas e mesmo convencionais em loteamentos no que se refere à altura, localização e materiais utilizados. Diz expressamente a lei que o proprietário tem o direito de tapar, por ser essa uma decorrência da exclusividade do direito real. Nada impede, porém, que titulares de direitos reais sobre coisa alheia, como o usufrutuário, o superficiário e especialmente o promitente comprador com título registrado tenham o mesmo direito de cercar o prédio, impedindo o acesso de terceiros. Embora não diga o legislador, é razoável e lícito que os possuidores, com o fito de preservar a segurança, o sossego e a privacidade, também exerçam o direito de tapagem, cercando e protegendo o prédio que ocupam. Os três parágrafos do CC 1.297 se referem ao direito de tapagem. O § Iº cria presunção relativa de condomínio entre vizinhos do tapume de divisa. Cuida-se de condomínio necessário e a presunção cede diante de prova contrária de que não se encontra o tapume sobre a linha divisória, ou de que apenas um vizinho concorreu para sua construção. Deve o preceito ser lido juntamente com o disposto no CC 1.328 do Código Civil, que subordina a aquisição da meação sobre o muro divisório à prévia indenização de metade do valor da obra e do terreno por ele ocupado. A obrigação do vizinho não é de edificar, mas de pagar metade das despesas com a construção e manutenção do muro divisório. A edificação é ato unilateral do vizinho interessado no tapume, que cobra do outro a parte correspondente das despesas. Embora aluda a lei a partes iguais, em certos casos deve haver proporcionalidade aos interesses das partes e aos usos e costumes do local onde se constrói. Como ressalta Nelson Rosenvald, “se um dos vizinhos pretende edificar tapagem suntuosa em local de residência de comunidade de parcos recursos econômicos, deverá arcar com os custos que excedem o valor do tapume usualmente adotado pelos moradores da região” (Direitos reais, teoria e questões. Niterói, Impetus, 2004, p. 172). O § 3º do CC 1.297, em consonância com o exposto anteriormente, disciplina a construção de tapumes especiais, destinados a impedir a passagem de animais de pequeno porte, cujo diferencial atende às necessidades de um dos vizinhos, que arca com a despesa correspondente.
O § 2º do CC 1.297 traz regra intuitiva, qual seja a de que árvores, sebes ou plantas que sirvam de marco divisório somente podem ser cortadas por consenso dos vizinhos. A segunda parte do CC 1.297 refere-se ao direito de demarcar. Demarcação, segundo a melhor doutrina, “é a operação pela qual se fixa (ou define) a linha divisória entre dois terrenos, assinalando-a, em seguida, com elementos materiais sobre o solo” (Theodoro Jr., Op. cit., p. 28). É expressa a lei, com a concordância da doutrina e da jurisprudência, de que a ação demarcatória é corolário do direito de propriedade, cabendo a qualquer condômino, sem necessidade da anuência dos demais. É de natureza petitória e imprescritível, perdendo-se com a propriedade. Razão não há, porém, para privar outros titulares de direitos reais, como o usufrutuário, o usuário, o enfiteuta, o superficiário e o compromitente comprador com título registrado, do direito de extremar suas divisas, prevenindo litígios entre vizinhos. Cabe a ação demarcatória, segundo o Código Civil, em três situações jurídicas: a) levantar linha divisória, em prédios onde nunca foram antes fixadas; b) aviventação de rumos apagados; c) renovação de marcos destruídos. O art. 946 do Código de Processo Civil/1973, hoje correspondendo ao art. 569 no CPC/2015, alude apenas a duas hipóteses - fixação de novos limites e aviventação dos já apagados -, compreendendo-se na última delas a renovação de marcos. Em resumo, cabe a demarcação no caso de indefinição da linha divisória, quer porque nunca foi fixada, quer porque havia limites, cujos sinais se deterioraram ou foram destruídos. Pressupõe sempre a incerteza nos limites entre prédios particulares, porque, se o confinante é o Poder Público, a ação correta é a discriminatória. Admite-se a cumulação de ação demarcatória com pedido reivindicatório (art. 951 do CPC1973, sem correspondente ao atual CPC/2015) ou mesmo divisório (art. 947 do CPC/1973, este sim, correspondente ao art. 570 do CPC/2015, com idêntica redação). Note-se, porém, que na ação reivindicatória as divisas são certas, mas o proprietário se encontra despojado da posse daquilo que é seu, ao passo que na demarcatória as divisas são incertas e, após sua fixação, cabe pedido sucessivo de entrega da posse sobre coisa alheia. A jurisprudência vacila sobre a possibilidade de se considerar implícito o pedido reivindicatório na ação demarcatória, sem necessidade de pleito expresso. O efeito da ação demarcatória é tornar visível a linha divisória de duas propriedades. Pode a sentença ser levada ao registro imobiliário, adequando o prédio ao princípio da especialidade registrária. As despesas com a demarcação são rateadas proporcionalmente entre os proprietários vizinhos. Não diz a lei qual é o critério de proporcionalidade, presumindo-se seja a testada de cada um dos prédios vizinhos em relação à linha divisória demarcanda. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.302-03. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 27/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Sob o crivo da doutrina de Ricardo Fiuza, este artigo disciplina o direito de tapagem, que pode ser definido como o poder que tem o proprietário de vedar o seu prédio, urbano ou rural. Os tapumes sempre se presumem comuns, e, em havendo danos, sua reparação é obrigatória. Qualquer das formas de divisão previstas no § 1º pertencem a ambos os proprietários dos terrenos vizinhos. sendo obrigação deles, conforme o costume local, arcar com todas as despesas advindas dessas divisórias. As cercas vivas, elencadas no § 2º , só podem ser podadas ou arrancadas com a concordância dos dois vizinhos. A construção de tapumes especiais, prevista no § 3º , será suportada pelo vizinho que provocou a necessidade da construção. O artigo em exame é a compatibilização dos arts. 569, 571 e 588 do Código Civil de 1916. Aprimorou-se sua redação e é, tecnicamente, mais bem apresentado. Deve ser dado a ele o mesmo tratamento dispensado àqueles. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 667, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 27/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Para o entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o proprietário poderá cercar, murar ou tapar seu prédio, urbano ou rural, podendo forçar seu confinante a proceder à demarcação entre os dois prédios, dividindo-se as despesas. Os muros ou cercas divisórias são considerados de propriedade comum, sendo que estes arcos divisórios so poderão ser retirados, posteriormente, de comum acordo.
O direito de tapagem e o de limites entre prédios eram tratados separados na legislação anterior. O direito tratado no dispositivo abrange as figuras do usuário, usufrutuário e o superficiário. Caso a solução seja de comum acordo, as despesas de demarcação entre os dois prédios será rateada. O procedimento judicial, na falta de acordo, será a ação demarcatória, cuja decisão final deverá ser registrada à margem da matrícula do imóvel.
Distingue-se a ação demarcatória da divisória, sendo a primeira a que determina o vizinho a especificar e fixar os novos limites apagados pelo tempo, e a divisória presta-se a determinar aos condôminos que partilhem devidamente o bem em questão.
Considera-se imprescritível a ação demarcatória, de rito especial, para a fixação de marcos divisórios determinados ou para aviventar aqueles já existentes, visando assegurar a perfeita demarcação em relação àqueles já existentes, visando assegurar a perfeita demarcação em relação aos prédios confrontantes. Ainda que o pedido seja cumulado com ação petitória, somente esta se sujeita aos prazos prescricionais.
Quando o proprietário do prédio vizinho vier a invadir parte da área do confinante, transbordando seu direito limítrofe, caberá a interposição de ação possessória ou reivindicatória contra este, e não pleito demarcatório, pois nesse caso haverá violação unilateral de um direito anteriormente estabelecido.
Para a construção unilateral de muros divisórios entre duas propriedades distintas, a jurisprudência vem interpretando que é necessário, antes, compelir o vizinho a ratear os gastos, por ação cominatória, sob pena de não poder, posteriormente, cobrar sua parte devida (RT 180/378). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.298. Sendo confusos, os limites, em falta de outro meio, se determinarão de conformidade com a posse justa; e, não se achando ela provada, o terreno contestado se dividirá por partes iguais entre os prédios, ou, não sendo possível a divisão cômoda, se adjudicará a um deles, mediante indenização ao outro.
Bebendo do conhecimento de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame corresponde ao art. 570 do Código Civil de 1916, com pequenas alterações. Traça, em resumo, os critérios sucessivos para o estabelecimento da linha divisória entre os imóveis. O critério primário são os títulos dominiais e documentos complementares, como mapas, registros de imóveis vizinhos e plantas de loteamento, passíveis de indicar o traçado da linha divisória. O primeiro critério subsidiário, na falta de títulos ou documentos suficientes, é a existência de posse justa, vale dizer, não maculada pelos vícios da violência, clandestinidade e precariedade. Não custa lembrar, como já feito nos comentários ao art. 1.200 do Código Civil, que os vícios da posse são relativos, ou seja, a posse somente é injusta em relação àquele contra quem foi praticado o ato ilícito. Logo, o argumento de que a posse de um dos vizinhos é injusta somente pode ser usado pelo esbulhado, aquele que perdeu a posse em razão de ato ilícito praticado por outrem. O segundo critério subsidiário, somente usado na falta do primeiro, é a partilha da faixa contestada em porções iguais entre os vizinhos. A novidade do Código Civil é que a partilha não mais segue regra proporcional, como determinava o diploma revogado, sem, no entanto, dizer a que se atrelava a proporção. Diante de tal lacuna, tomou o legislador posição e adotou a doutrina clássica de Clóvis Bevilaqua, criando critério objetivo de divisão em partes iguais. O critério residual, somente utilizado na falta ou insuficiência dos antecedentes, determina a adjudicação da faixa contestada a um dos confinantes, mediante indenização do outro, embora não decline critério para dizer qual deles ficará com a terra e qual deles com o valor de metade em dinheiro. Utiliza-se critério de equidade, lembrado por Lopes da Costa: “entre, por exemplo, dois prédios, um muito grande e outro muito pequeno, este deverá ser preterido. Entre dois terrenos, dos quais um ficará sem aguada se o terreno litigioso for adjudicado ao outro, ao primeiro deve ser feita a adjudicação” (Digesto apud Theodoro Jr., Humberto. “ Demarcação, divisão, tapumes”. In: Terras particulares, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 233). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.305. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 27/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Sobre o ”Direito de Vizinhança”, tem-se sob a visão de Flavio Tartuce, Vol. 3, Direito Civil, 2018, a matéria que regula o direito de vizinhança tem natureza de ordem pública, pois interessam muito mais do que almejam as partes envolvidas, ou seja, aos proprietários dos terrenos vizinhos. As normas de regência dos direitos de vizinhança são preferentemente cogentes, porque os conflitos nessa matéria tendem ao litígio e ao aguçamento de ânimos. Encerrando o tratamento do direito de tapagem, sendo confusos os limites entre as propriedades, em falta de outro meio, se determinarão de conformidade com a posse justa (CC 1.298 ). Pelo mesmo comando legal, não sendo essa posse justa provada, o terreno contestado se dividirá por partes iguais entre os prédios, ou, não sendo possível a divisão cômoda, se adjudicará a um deles, mediante indenização ao outro. Assim, a prioridade é a definição dos limites pela posse justa (art. 1.200 do CC). Não havendo tal prova, haverá determinação, em ação demarcatória, da linha divisória das propriedades. Isso fica claro pelo que consta dos arts. 578 a 581 do CPC/2015, que tratam da referida demanda, a saber: “Art. 578. Após o prazo de resposta do réu, observar-se-á o procedimento comum”. “Art. 579. Antes de proferir a sentença, o juiz nomeará um ou mais peritos para levantar o traçado da linha demarcanda”. “Art. 580. Concluídos os estudos, os peritos apresentarão minucioso laudo sobre o traçado da linha demarcanda, considerando os títulos, os marcos, os rumos, a fama da vizinhança, as informações de antigos moradores do lugar e outros elementos que coligirem”. “Art. 581. A sentença que julgar procedente o pedido determinará o traçado da linha demarcanda. Parágrafo único. A sentença proferida na ação demarcatória determinará a restituição da área invadida, se houver, declarando o domínio ou a posse do prejudicado, ou ambos”.
Percebe-se que
o trabalho será
de engenharia, a
fim de se
determinar por trabalho técnico qual a propriedade de cada um. Se a
divisão da área não for cômoda, levando-se
em conta a
função social da propriedade e
o caso concreto (particularmente o
animus dos envolvidos), caberá
ação de adjudicação da área por
um dos confinantes, sendo indenizado o outro. (Flavio Tartuce, Vol. 3, Direito
Civil, 2018, ”Direito de Vizinhança”, encontrado na sala de estudo do
site unisalesiano.edu.br/, Acessado 27/10/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
No dizer de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, em caso de dúvida ou confusão no estabelecimento de limites divisórios entre dois prédios, ou seja, quando o registro imobiliário não esclarecer devidamente, utilizar-se-á o critério da posse justa (não violenta, precária ou clandestina), para a distribuição da área. Assim, o proprietário terá direito, apenas, à área que não foi objeto de vício da posse.
Se o critério da posse justa não for passível de constatação, a lei determina que a área seja dividida em porções iguais entre os titulares confinantes. Se também não for possível, adjudicar-se-á esta área litigiosa a um deles, mediante ressarcimento ao outro. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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