sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado - 1.387, 1.388, 1.389 Da Extinção das Servidões – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - 1.387, 1.388, 1.389

Da Extinção das Servidões  – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IIITítulo V – Capítulo III – Da Extinção das Servidões (Art. 1.387 a 1.389) - digitadorvargas@outlook.com

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Art. 1.387. Salvo nas desapropriações, a servidão, uma vez registrada, só se extingue, com respeito a terceiros, quando cancelada.

 

Parágrafo único. Se o prédio dominante estiver hipotecado, e a servidão se mencionar no título hipotecário, será também preciso, para a cancelar, o consentimento do credor.

 

Como esclarece Francisco Eduardo Loureiro, em comparação com o direito anterior, apenas o termo transcrição foi atualizado para registro, em consonância com o regime da Lei n. 6.015/73. Traça o preceito regra geral de ser o registro, salvo exceções, constitutivo do direito real de servidão; sua extinção, em relação a terceiros, somente se dará com o respectivo cancelamento por averbação junto ao registro imobiliário. Há um fato extintivo e, como efeito desse fato, o cancelamento do registro da servidão. Entre as partes, normalmente, a servidão deixa de produzir efeito desde o fato extintivo; em relação a terceiros, somente do momento no qual se averba o cancelamento junto ao registro imobiliário. A própria lei traça uma exceção ao princípio: nas desapropriações, o cancelamento da servidão ocorre independentemente do registro, em razão do modo originário de aquisição da propriedade pelo Poder Público. A perda da servidão por desapropriação é indenizável, devendo, por consequência, ser citado o titular do prédio dominante. Nada impede, de outro lado, o próprio Poder Público, ao desapropriar um imóvel, de optar pela preservação da servidão, em vez de indenizar, caso no qual esta será preservada, continuando a onerar o prédio serviente. A não exigência do cancelamento vale somente para a desapropriação; não vale para aquisições de imóveis pelo Poder Público a título derivado, provenientes de negócio jurídico.

 

Esqueceu-se o legislador, porém, de que também a usucapião do prédio serviente, dado seu modo originário de aquisição, cria uma nova cadeia dominial, desligada da propriedade anterior e de todos os direitos reais sobre coisa alheia a ela acessórios, inclusive a servidão. Logo, consumada a usucapião sobre a propriedade plena do prédio serviente, extingue-se o direito real de servidão, independentemente do cancelamento do registro. É por essa razão que o titular do imóvel dominante é litisconsorte passivo necessário na ação de usucapião sobre o imóvel serviente. Ressalva-se, é claro, a possibilidade do usucapiente possuir como seu o imóvel, mas respeitar a servidão que o grava. Em tal hipótese, a aquisição da propriedade por usucapião não provocará a extinção da servidão.

A servidão proporciona utilidade ao imóvel dominante e o valoriza, ao potencializar sua exploração. Decorre daí a regra do parágrafo único do artigo em exame: caso esteja o imóvel hipotecado, o credor hipotecário deverá anuir ao cancelamento, pois haverá desfalque da garantia real. Embora não diga a lei, o mesmo ocorrerá em relação a outros direitos reais sobre coisa alheia, como usufruto e superfície. O cancelamento da servidão, se atingir direitos do usufrutuário ou do superficiário - e normalmente isso ocorrerá - deverá contar com a anuência deles quando tiver origem em negócio jurídico. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.448. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 11/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

O artigo foi modificado pela Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O vocábulo “inscrita” foi substituído pela palavra “registrada”, com vistas a adequar a redação do artigo da Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73). Em sua Doutrina como Ricardo Fiuza registra, esta norma é a aplicação do princípio, de que os direitos reais se constituem e se transmitem por atos entre vivos, como o registro de títulos no Cartório de Registro de Imóveis.. • A servidão é uma qualidade do prédio dominante, aumentando-lhe o valor, e por ser acessória está com o prédio vinculada ao ônus hipotecário. Assim sendo, seu cancelamento depende da concordância do credor. • É o artigo idêntico aos arts. 708 e 712 do Código Civil de 1916; deve, portanto, receber o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 710, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 11/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão simplificada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, ocorrendo o registro imobiliário da servidão, somente com seu cancelamento cartorário se dará a extinção. Caso o prédio dominante esteja hipotecado, constando a servidão do respectivo título, para o cancelamento desta será preciso a anuência do credor hipotecário, prevenindo-o quanto à possível desvalorização do bem, uma vez que a servidão se propõe a dar maior utilidade ao imóvel dominante. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 11.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.388. O dono do prédio serviente tem direito, pelos meios judiciais, ao cancelamento do registro, embora o dono do prédio dominante lho impugne: 

I — quando o titular houver renunciado a sua servidão;

II — quando tiver cessado, para o prédio dominante, a utilidade ou a comodidade que determinou a constituição da servidão;

III — quando o dono do prédio serviente resgatar a servidão.

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro a inovação restringiu-se ao inciso II, aperfeiçoando o dispositivo. Em vez de se referir à espécie servidão de passagem, como fazia a lei revogada, alude a atual ao gênero, determinando a extinção da servidão pelo desaparecimento de utilidade ou comodidade que lhe deu causa. O Código Civil contém um rol meramente enunciativo das causas de extinção da servidão, nos CC 1.388 e 1.389. Além das causas enumeradas na lei, há outras, implícitas ou lógicas: perecimento do prédio dominante ou serviente, como invasão de um deles, em caráter permanente, por águas de represa ou mar; resolução do domínio de quem as constituiu, pois, resolvido o domínio dos prédios serviente ou dominante, resolvem-se os direitos reais concedidos em sua pendência, como determina o CC 1.359; expiração de termo ou condição resolutiva a que se subordina a servidão, já que não tem caráter necessariamente perpétuo, podendo ser constituída por prazo certo, ou ter sua eficácia subordinada a evento futuro e incerto; usucapião do prédio serviente por terceiro, que rompe a cadeia dominial e os direitos reais atrelados à propriedade perdida; desapropriação, comentada no artigo anterior; abandono especificado, comentado no CC 1.382. 

Em relação às três causas previstas de modo explícito no artigo em análise, cabem algumas observações. A cabeça do artigo tem redação deficiente, dando falsa impressão de o cancelamento do registro em razão das causas arroladas nos três incisos ocorrer exclusivamente por decisão judicial. A intervenção judicial, porém, somente se faz necessária quando depender do exame de prova dos fatos das causas extintivas. Tanto a renúncia expressa quanto o resgate, desde que deduzidos pelos interessados por documento escrito hábil, podem ser diretamente levados ao registro imobiliário, sem necessidade de decisão judicial, na forma do art. 250, III, da Lei n. 6.015/73.

Para a renúncia (inciso I), o renunciante deve ser capaz e legitimado. A regra é somente poder renunciar à servidão quem puder constituí-la, ou seja, quem pode dispor do prédio dominante. Se casado for, necessita da outorga uxória, salvo se o regime de bens for de separação absoluta. Se o prédio dominante é em condomínio, a servidão não se extingue pela renúncia de um só dos condôminos, em razão de sua indivisibilidade. A renúncia é unilateral, não se exigindo, por consequência, a anuência dos titulares do prédio serviente. A renúncia expressa é solene e exige forma de escritura pública, se acima do valor legal, em obediência ao disposto no CC 108. Pode a renúncia ser expressa ou tácita, a última dedutível do comportamento concludente do titular do prédio dominante, incompatível com a persistência da servidão. Tomem-se como exemplos os casos do titular de direito de aqueduto, que desfaz as obras e nada coloca em seu lugar; ou do titular de direito de não construir, que aconselha e auxilia o titular do prédio serviente a fazer a construção proibida. A renúncia tácita, cuja aferição depende de exame de conduta, pressupõe sempre pronunciamento judicial. 

O inciso II trata da extinção por cessação da utilidade ou comodidade, que modelam o exercício da servidão. No dizer de Marco Aurélio Viana, “a extinção vem como decorrência da perda da razão de ser da servidão. O novo estado de fato supre a função que a servidão exercitava” (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XV I, p. 604). O binômio utilidade-comodidade serve como causa do negócio jurídico gerador do direito real de servidão. O desaparecimento posterior da causa não leva à invalidade, mas à frustração da restrição, que perde o sentido e não mais se justifica. A prova dessa causa extintiva deve ser feita judicialmente e não perante o oficial do registro, diante da necessidade de se aferir o fato da ausência de utilidade ou comodidade. A ação é imprescritível, pois se trata de direito potestativo, sem prazo decadencial assinado em lei.

O inciso III trata do resgate da servidão pelo dono do prédio serviente. Omitiu-se a lei, porém, em definir a figura do resgate. No direito real de enfiteuse constitui prerrogativa do proprietário, que pode exercê-lo contra a vontade do enfiteuta. Na servidão, tem o resgate natureza convencional, ou, no dizer de Carvalho Santos, “é a liberação do prédio serviente, mediante acordo dos interessados” (Santos. J. M. Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX, p. 227). O titular do prédio serviente recobra, readquire do dono do prédio dominante direitos e vantagens transmitidos ao constituir a servidão. A vontade geradora do negócio jurídico que serve de título para a servidão atua em sentido contrário e leva à sua morte, em negócio extintivo solene, por escritura pública, se acima do valor legal, e levado ao registro imobiliário. O resgate não constitui direito potestativo do titular do prédio serviente, mas, ao contrário, somente se dá pelo consenso das partes. Esse ajuste pode ser feito tanto no próprio negócio constitutivo da servidão, acordando desde logo as partes o direito de resgate, inclusive quanto à oportunidade e preço, quanto em negócio posterior. Caso tenha sido ajustado no momento da constituição da servidão, gera direito potestativo ao dono do prédio serviente; e, diante de eventual resistência do titular do prédio dominante, tem o primeiro ação judicial na qual deposita o preço e postula a declaração de extinção da servidão, levando o mandado judicial ao registro imobiliário. Lembre-se de que o direito de resgate é conferido para o titular do prédio serviente recomprar a restrição que onera seu prédio, não dando ao titular do prédio dominante, salvo ajuste explícito entre as partes, direito de exigir o preço sem anuência da parte contrária. Finalmente, caso o resgate seja instrumentalizado por escritura pública, pode ser levado diretamente ao registro imobiliário, sem necessidade de qualquer intervenção judicial. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.449-50. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 11/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Nos comentários ao CC 1388, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, dizem: Da Renúncia: ocorrerá quando o titular do prédio dominante, de maneira unilateral, vem a abrir mão de seu direito de servidão, liberando o ônus real incidente sobre o prédio serviente. 

O término da utilidade ou comodidade: ocorrerá em qualquer hipótese da qual não mais se faça útil a servidão, como a construção de um novo acesso mais curto e seguro, ou pela execução de poço artesiano que torne inócua a servidão de passagem de água antes estabelecida. 

Quanto ao resgate: trata-se de hipótese de liberação da servidão instituída, mediante cancelamento no registro imobiliário competente, devendo o titular do prédio serviente efetuar respectivo pagamento ao dono do prédio dominante. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 11.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.389. Também se extingue a servidão, ficando ao dono do prédio serviente a faculdade de fazê-la cancelar, mediante a prova da extinção: 

I – pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa; 

II – pela supressão das respectivas obras por efeito de contrato, ou de outro título expresso;

III – pelo não uso, durante dez anos contínuos. 

Os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, iniciam seus comentários falando de 1 – Confusão: Como não há juridicamente a servidão instituída sobre o próprio bem – e sim somente em relação à de outro titular – quando o titular do prédio serviente (ou vice-versa) adquire a propriedade do dominante, extingue-se a servidão por inexistência de elemento constitutivo; 2. Obras: se foram realizadas obras necessárias à efetiva utilização da servidão, sua supressão implica na negação da própria servidão, tornando-a impropria ao fim para o qual se destina – o que se aplica apenas nas servidões aparentes exigindo-se que tal supressão faça constar expressamente de contrato para o cancelamento da servidão; 3. Desuso: É ônus do titular do prédio serviente a prova de que a servidão não está sendo utilizada pelo tempo decimal previsto em lei, presumindo-se não mais propiciar qualquer utilidade, sendo caso de prescrição liberatória, apta a extinguir o respectivo direito e 4. Ação confessória: é aquela a serviço do dono do prédio dominante, o qual busca a declaração judicial de afirmação da existência de uma determinada servidão predial. Ação negatória trata-se do oposto, onde o titular do prédio serviente busca uma declaração judicial da inexistência ou desconstituição de uma determinada servidão predial, da qual a parte contrária afirma existir e ser seu legítimo titular. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 11.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, foi alterada apenas a cabeça do artigo, e para pior, criando falsa impressão de as três causas extintivas da servidão, previstas nos respectivos incisos, independerem de intervenção judicial, podendo ser levadas diretamente ao registro imobiliário. Melhor seria que se agrupassem todas as causas extintivas em único artigo, com a regra simples de que causas comprováveis documentalmente independem de intervenção judicial. Em especial a causa prevista no inciso III demanda análise de fatos – não uso – e, necessariamente, deve ser objeto de sentença judicial. 

O inciso I trata da confusão que ocorre quando os prédios dominante e serviente passam a pertencer ao mesmo titular. A servidão é incompatível com a homogeneidade dominial, pressupondo prédios vizinhos pertencentes a titulares diversos. Se uma das aquisições for em caráter resolúvel, ou padecer de invalidade, desaparece a figura da confusão definitiva e a servidão persiste. Se houver condomínio, somente se extingue a servidão se em ambos os prédios houver a mesma titularidade dominial, ainda que em frações diferentes. A averbação do cancelamento pode ser feita diretamente pelo oficial do registro imobiliário, sem intervenção judicial. 

A maior dúvida a respeito do tema está em saber se, cessada a homogeneidade dominial sobre ambos os prédios por causa superveniente, como alienação de um deles para terceiro, ressurge a servidão, que estaria apenas adormecida, convertida em serventia. A doutrina se divide a respeito do tema (a favor da restauração da servidão, Serpa Lopes e Tupinambá Miguel Castro do Nascimento; contra, Carvalho Santos, Marco Aurélio Viana e Pontes de Miranda). Como provoca confusão a extinção da servidão, em caráter definitivo, a melhor posição está em negar seu ressurgimento, em homenagem à boa-fé de terceiros adquirentes, que certamente seriam surpreendidos com a restauração do registro inoperante em razão da anterior homogeneidade dominial. Caso desejem as partes, deverão constituir nova servidão, por negócio jurídico ou usucapião.

O inciso II trata da supressão das obras necessárias ao exercício da servidão, desde que essa eliminação tenha sido contratada ou haja outro título expresso a demonstrando. Esse negócio de supressão exige sempre o consentimento de todos os interessados, manifestado por escritura pública, se superior à taxa legal, pois importa renúncia ou distrato que leva à extinção de direito real. O instrumento que materializa a supressão pode ser levado diretamente ao registro imobiliário, sem intervenção judicial. Explicita a lei que a supressão tenha causa cm negócio jurídico ou outro título expresso. As mutações fáticas, que impliquem abandono ou destruição das obras, sem convenção explícita, podem apenas suspender ou impossibilitar momentaneamente o exercício da servidão, mas não a extingue. A destruição das obras sem base em título explícito pode, quando muito, configurar renúncia tácita ao direito de servidão, nos termos do CC 1.388, I. 

O inciso III trata da extinção da servidão pelo não uso por dez anos contínuos. A longa inércia do titular do prédio serviente faz presumir inutilidade da servidão, e não há razão para continuar a onerar o prédio serviente. Todas as modalidades de servidões - contínuas e não contínuas, aparentes e não aparentes, afirmativas e negativas - extinguem-se pelo não uso. Não vale aqui, portanto, a regra inversa, de somente se adquirirem pela prescrição aquisitiva (usucapião) as servidões aparentes. O não uso pode ocorrer desde o momento da constituição da servidão, ou iniciar-se em um momento posterior. A causa em exame exige reconhecimento na via judicial, pois não pode o oficial do registro imobiliário aferir situação de fato, consistente do não uso da servidão por determinado prazo. 

No que se refere ao termo a quo contagem do prazo de dez anos, a melhor solução, embora não explicitada em nosso direito positivo, é a adoção do que contêm os arts. 3.059 do Código Civil argentino e 2.228 do Código Civil português: “a prescrição correrá, nas servidões descontínuas, desde o dia em que se deixe de usar, e nas contínuas, desde o dia em que se começar a interrupção da servidão”, vale dizer, do dia em que o titular do prédio serviente praticar o ato que lhe era vedado.

A mesma lição é enunciada por Pontes de Miranda de modo diverso, levando em conta a natureza afirmativa ou negativa da servidão: “ nas servidões afirmativas (contínuas ou descontínuas), começa-se a contar o decênio do momento em que cessa o exercício; e. g., deixa de tirar água da fonte, cai o aqueduto, fechou a passagem. Nas servidões negativas, desde que o dono do prédio serviente pratica o ato que não devia praticar, não importa se houve, ou não, força maior para o não uso. O exercício, que interrompe o curso do decênio, pode ser por pessoa que represente o dono do prédio dominante, ou por terceiro, que o pratique como exercício do direito de servidão. Se o prédio dominante é comum, basta, para a interrupção, que o pratique qualquer dos comunheiros. Se contra um deles não corre o prazo, a suspensão aproveita a todos” (Pontes de Miranda , F. C. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1983, t. X V III, p. 418-9).

A maioria da doutrina não distingue o não uso da servidão e sua prescrição. Na verdade, há relevante distinção. Somente há prazo prescricional quando houver pretensão, ou seja, reação contra ato ou conduta do titular do prédio serviente que praticar o ato vedado (servidões negativas) ou impedir ao titular do prédio dominante fazer o permitido pela servidão (servidões afirmativas). No exato momento em que há o ato ilícito do titular do prédio serviente, nasce a pretensão, sujeita à prescrição pela inércia do titular do prédio dominante. Aplicam-se, aí, as causas suspensivas e interruptivas do prazo prescricional, previstas nos CC 197 a 204. As causas inerentes ou de iniciativa de um dos titulares do prédio dominante aos demais aproveita, em vista da indivisibilidade da servidão. Diversa, porém, é a situação na qual, com servidões afirmativas, há pura inércia do titular, sem qualquer conduta ilícita do dono do prédio serviente. Nesse caso, não há pretensão a ser exercida, pela simples razão de não haver ação ou medida a ser proposta em face do dono do prédio serviente, que nunca se opôs à servidão. Cuida-se de singela falta de exercício de direito material, que se perderá pelo decurso do tempo. O prazo é decadencial e não prescricional, razão pela qual o prazo flui de modo contínuo, sem interrupção ou suspensão, ressalvadas as hipóteses mencionadas no art. 208 do Código Civil (cf. as posições de Pontes de Miranda, F. C. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1983, t. X V III, p. 419; e Nascimento, Tupinambá Miguel Castro. Direito real de servidão. Rio de Janeiro, Aide, 1985, p. 247-8). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.451-52. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 11/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Dando sequência e finalizando o Capítulo III, do Título V, Ricardo Fiuza, no histórico ressalta que o dispositivo em tela não foi alvo de nenhuma espécie de alteração, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. E conclui em sua Doutrina: Também se extingue a servidão: a) se os dois prédios passam a pertencer ao mesmo dono; b) quando as obras previstas no contrato ou no título forem suprimidas; e c) quando não for utilizada por dez anos contínuos. • Equipara-se esta regra aos arts. 710 e 711 do Código Civil de 1916, conjugando esses dispositivos com considerável melhora na redação. No mais, deve ser dispensado à matéria o mesmo tratamento doutrinário dado aos dispositivos apontados. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 711, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 11/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado - 1.384, 1.385, 1.386 O Exercício das Servidões – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - 1.384, 1.385, 1.386

O Exercício das Servidões  – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IIITítulo V – Capítulo II – Do Exercício das Servidões (Art. 1.380 a 1.386) - digitadorvargas@outlook.com

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Art. 1.384. A servidão pode ser removida, de um local para outro, pelo dono do prédio serviente e à sua custa, se em nada diminuir as vantagens do prédio dominante, ou pelo dono deste e à sua custa, se houver considerável incremento da utilidade e não prejudicar o prédio serviente. 

Sob enfoque de Francisco Eduardo Loureiro, houve considerável alteração de conteúdo em relação ao Código Civil revogado, acrescentando também a possibilidade de remoção da servidão pelo dono do prédio dominante. Dois vetores orientam o direito real de servidão. De um lado, a necessidade do prédio dominante e, de outro, o mínimo gravame possível ao prédio serviente. O artigo em comento reflete os dois valores prestigiados pelo legislador, em homenagem à função social da propriedade, permitindo a remoção da servidão de um local a outro, sempre que não houver qualquer prejuízo à outra parte. Por positivar a cláusula geral da função social, a norma em exame é cogente, considerando-se não escrita eventual cláusula negocial em sentido contrário. Cuida-se de direito potestativo, tanto do titular dominante como do serviente, não sujeito à prescrição, podendo ser exercido a qualquer tempo, sem limitação do número de vezes. Independe da anuência da outra parte, razão pela qual o deslocamento da servidão pode ser adotado de modo unilateral, mediante mera comunicação. Caso haja resistência, deve-se ingressar na via judicial, fazendo-se prova da inocorrência de prejuízo para a outra parte, pois não se admite a autotutela no caso concreto. As alterações devem sempre ser levadas ao registro imobiliário, para ganhar publicidade frente a terceiros. Para o titular do prédio serviente, a remoção da servidão está sujeita a duplo requisito cumulativo: ausência de prejuízo para o prédio dominante e pagamento de todas as despesas necessárias para a remoção. Não é necessário justificar a remoção ou demonstrar alteração das circunstâncias em comparação com o momento de sua constituição. Para o titular do prédio dominante, há terceiro requisito cumulativo: a remoção lhe trazer “considerável incremento da utilidade”, razão pela qual tem o ônus de provar também a ocorrência de benefício expressivo. Vê-se, portanto, que os requisitos não são os mesmos para os prédios serviente e dominante. 

É correta a posição de Pontes de Miranda, para quem cabe também, por aplicação analógica do preceito, a remoção de modo e tempo do exercício da servidão. Assim, “ nada obsta, por exemplo, que se substitua o cano ao rego ou vala, ou a bomba a motor elétrico a bomba manual. Quanto ao tempo, se a servidão exercida durante o dia melhor vantagem dá durante a noite, sem prejuízo para o prédio dominante, nem despesas a mais, nada obsta que o dono do prédio serviente mude as horas de exercício” (Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1983, t. X V III, p. 385).

Finalmente, embora controversa a doutrina, nada impede a servidão de ser removida de um prédio para outro, do mesmo proprietário serviente, ou mesmo para um prédio de terceiro com expressa anuência deste. Os requisitos mencionados devem estar presentes, e a remoção, no caso, como se faz em benefício ou em gravame de prédio, deve ser levada ao registro imobiliário. Haverá, como consequência do direito potestativo de remoção, extinção de uma servidão e constituição de outra, sobre prédio diverso. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.444. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 10/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Corroborando com o comentário de Loureiro, acima, a doutrina de Ricardo Fiuza, é permitido ao dono do prédio serviente mudar de um local para outro a servidão, devendo fazê-lo a suas expensas, sem prejudicar as vantagens do prédio dominante. • Equipara-se o dispositivo aos arts. 703 do Código Civil de 1916, com considerável melhora em sua redação. No mais, deve ser aplicado à matéria o mesmo tratamento doutrinário ao dispositivo apontado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 709, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 10/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Como lembram os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  o Código anterior previa a possibilidade de remoção da servidão apenas em relação ao dono do prédio serviente e, com a alteração do dispositivo, passou-se a admitir tal remoção também por iniciativa do dono do prédio dominante. Em ambos os casos, desde que se verifique um aumento considerável da capacidade de utilização (incrementação) de um dos prédios em questão, seja o serviente ou o dominante, poderá ocorrer a referida remoção da servidão, considerando-se, entretanto, que referida remoção não poderá prejudicar o direito do titular do outro prédio. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 10.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.385. Restringir-se-á o exercício da servidão às necessárias do prédio dominante, evitando-se, quando possível, agravar o encargo ao prédio serviente. 

§ I º Constituída para certo fim, a servidão não se pode ampliar a outro.

§ 2º Nas servidões de trânsito, a de maior inclui a de menor ônus, e a menor exclui a mais onerosa.

§ 3º Se as necessidades da cultura, ou da indústria, do prédio dominante impuserem à servidão maior largueza, o dono do serviente é obrigado a sofrê-la; mas tem direito a ser indenizado pelo excesso. 

Tiago Costa Camilo, com o título “A proteção possessória das servidões”, apresenta sua tese pela PUCMG em camiloadvocacia.com.br., regulada pelo artigo 509 no Código Civil de 1916, agora normatizada no CC 1.213. fazendo-se necessário analisar o conceito do supracitado direito, sua localização no ordenamento jurídico, suas características e classificações, até ao respaldo que o ordenamento dá ao estado de fato consubstanciado no exercício da quase-posse. O problema central a ser trabalhado foca-se na possibilidade de proteção possessória às servidões descontínuas aparentes, buscando-se interpretação coerente do antigo artigo 509 com o comando do artigo 698 do CC/1916, que tratava da aquisição da servidão através da usucapião. Não obstante demonstração de impropriedade negativa da tutela possessória a todas servidões descontínuas, também as que sejam aparentes possam ser adquiridas pela prescrição aquisitiva.

Francisco Clementino San Tiago Dantas, in verbis: “O segundo requisito essencial às servidões é a vizinhança. Só há servidões entre prédios vizinhos. Mas, note-se, a vizinhança há de ser entendida com muita   elasticidade;   quase   que   se   podia   dispensar   este   requisito,   porque, desde o momento em que dois prédios guardem entre si uma proximidade tal   que,   entre   eles,   se   pode   estabelecer   utilmente   uma   serventia,   a vizinhança   está   provada,   pouco   importando   que   entre   o   dominante   e   o serviente medeie um quilômetro; se há possibilidade de ser prestado, entre eles, um serviço recíproco, deve-se entender que são vizinhos para o fim de estabelecimento de servidão.”

A partir da análise dos aspectos inerentes às servidões, é interessante abordar, a impresumibilidade de tal direito, característica inclusive prevista expressamente no artigo 696 no CC/1916, conquanto tal comando legal não tenha sido incorporado à atual legislação, a regra continua a vincular o operador do direito, haja vista a plenitude com a qual o domínio deve ser presumido. 

Com efeito, a servidão deve ser tia como uma exceção ao direito de propriedade, o qual deve ser interpretado como desprovido de ônus e gravames até prova em contrário. Destarte, ante a dúvida quanto à existência do jus servitius, àquele que se encontra na posição de proprietário do prédio supostamente dominante incumbe a prova de existência de tal direito.

Outra característica ao instituto é a atipicidade. As modalidades de servidões são infindáveis, não constituindo numerus clausus qualquer relação apresentada a este respeito. Portanto, o conteúdo de tal direito pode ser moldado de acordo com a situação dos prédios, criando-se uma nova forma de servidão desde que trazida uma utilidade ou comodidade a um dos fundos. As servidões são também qualificadas por sua inseparabilidade em relação aos prédios. Isto quer dizer que são elas direitos acessórios, que não podem nunca se desvincular dos prédios dominantes. Assim sendo, o proprietário beneficiário jamais pode alienar separadamente seu direito, como se possível fosse transmitir o gozo do mesmo de forma independente do fundo dominante. Tal óbice decorre justamente do fato de que a servidão institui-se em favor de um prédio e não em função de um indivíduo considerado pessoalmente. Logo, o direito não pode ser transmitido de forma apartada do fundo dominante, visto que foi instituído em proveito deste imóvel e não de seu proprietário momentâneo. Trata-se, por conseguinte, de uma situação jurídica que impõe subserviência de um imóvel em relação ao outro, de tal sorte que a titularidade dos fundos nela envolvidos nesta relegada a segundo plano de relevância, tratando-se da chamada relação de predialidade, cuja  compreensão é imprescindível para a correta delimitação do conteúdo do direito de servidão.

A discussão sobre a existência de uma relação exclusivamente predial chegou a ser tangenciada quando da exposição do efeito de sequela, mas merece destaque, sobretudo por ser capaz de diferenciar outros direitos reais de uso e fruição sobre coisa alheia, que podem equivocadamente ser classificados como servidões. 

No caso da constituição de uma servidão, é instituído um beneficio em favor de um prédio sobre o outro e não sobre um prédio em favor de uma pessoa. Sendo assim, não se institui, v.g., servidão para que fulano, proprietário do fundo X, tenha direito de passar pelo terreno do prédio Y, mas sim a fim de que quem quer que se encontre na situação de proprietário daquele primeiro possa exercer tal faculdade sobre o segundo. 

Outros direitos reais de uso e fruição e fruição sobre coisa alheia, como o usufruto e o uso, trazem para os respectivos titulares a possibilidade de exercer alguma faculdade sobre um bem de propriedade alheia, mas diferenciam-se da servidão porque o benefício é constituído em favor de um individuo considerado pessoalmente, e não em favor do prédio do qual eleé o titular.  

Esclarecendo Luiz da Cunha Gonçalves, in verbis: “É   interessante   verificar   que   um   mesmo   direito,   pelo   modo   que   foi convencionado, pode  ser, ora uma  obrigação, ora um direito real de uso, ora uma servidão. Por exemplo: 1°. se o dono dum palácio situado à beira dum pinhal pertencente a outro proprietário contratar que lhe fornecerá em cada ano, postos naquele palácio, cem metros cúbicos de lenha, pelo preço de 1.000 $ esc. teremos uma obrigação, o vulgar contrato de fornecimento ou compra e venda; - 2°. se o dono do palácio, em troca de 10.000$ esc., adquirir para o direito vitalício de ir ao referido pinhal e cortar certo número de pinheiros, para o consumo da sua casa, ter-se-á um direito de uso; - 3° se   o   dono   do   palácio,   mediante   a   prestação   única   de   20.000,00$   esc., estipular com o dono do pinhal que ele e os futuros proprietários do mesmo  palácio   terão   o   direito   perpétuo   de   colher   cem   metros   cúbicos   de   lenha desse pinhal, estaremos em presença duma servidão.

Por instituírem faculdades em favor de pessoas e assemelharem-se às servidões, os direitos reais de usufruto, uso e habitação chegaram a ser denominados “servidões pessoais”. Isto explica a razão pela qual muitas legislações atuais incorporaram ao termo servidões o adjetivo “prediais”, como era feito pelo Código Civil Brasileiro de 1916 (Capítulo III – Das servidões prediais -, do Título II – Dos direitos reais sobre coisa alheia -, do Livro II – do Direito das Coisas). Contudo, tal denominação era inapropriada, haja vista que há muito já se entendia ser a característica da predialidade pressuposto para a instituição da servidão, tanto que os outros direitos reais de uso e fruição sobre coisa alheia já recebiam, em apartado, classificação jurídica própria.

Isto posto, após o desenvolvimento do presente estudo, a principal conclusão alcançada é a possibilidade de proteção possessória de todas as servidões aparentes, sejam elas contínuas ou descontínuas. Tal afirmação é uma consequência lógica da suscetibilidade à posse e à usucapião de todas as servidões manifestadas por sinais visíveis. Tratando-se de juízo possessório conclui-se, ainda, pela possibilidade de proteção possessória das servidões aparentes ainda que não registradas, vez que a causa de pedir é o exercício de poderes inerentes à servidão, e não a existência do direito real sobre coisa alheia devidamente registrado no cartório de imóveis. O que se busca, na verdade, é a manutenção do estado de fato, que deve ser efetivamente protegido até eventual discussão no juízo petitório. Mais especificamente, ressalta-se a proteção possessória das servidões de passagem consideradas aparentes pela natureza das obras realizadas no caminho pelo qual são exercitadas, ainda que não sejam elas tituladas. Trata-se do exemplo clássico de servidões descontínuas aparentes, cuja análise deu origem ao entendimento jurisprudencial consubstanciado na súmula 415 do Supremo Tribunal Federal. Como o estudo da extensão dos efeitos da posse às servidões passa necessariamente pela análise acurado do caso das servidões de passagem aparentes, foi imprescindível salientar a distinção destas para com o direito de passagem forçada, o que permite concluir pela desnecessidade de encravamento do prédio dominante para o deferimento da tutela possessória. (Tiago Costa Camilo, com o título “A proteção possessória das servidões”, apresenta em 2005 sua tese pela PUCMG em camiloadvocacia.com.br., acessado em 10.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Dando sequência ao artigo em comento, Francisco Eduardo Loureiro, afirma que os três artigos do Código Civil de 1916 foram concentrados em um só preceito, em razão da similitude da matéria tratada. Manteve-se o conteúdo dos artigos originais. A cabeça do artigo, na lição de Carvalho Santos, significa a servidão dever ser exercida “nos termos restritos de sua constituição, de conformidade com o objetivo, ou fim, da servidão e dentro dos limites das necessidades, que ela se propusesse satisfazer” ( Santos , J. M. Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX, p. 223). Como limitação à propriedade, que se presume plena, merece interpretação restritiva, quanto a sua existência e sua amplitude. Critério valioso para interpretar é saber como satisfazer as necessidades do prédio dominante com o mínimo de restrição ao prédio serviente. 

Nas palavras de Pontes de Miranda, “a utilidade limita, porque não se justificaria que se diminuísse, ao prédio serviente o valor, sem que disso se aproveitasse o prédio dominante” (Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1983, t. X V III, p. 367). Em termos diversos, a necessidade do prédio dominante limita conteúdo e exercício da servidão. Decorre do preceito não haver servidão sobre servidão, ou seja, não pode a servidão se estender a prédios diversos daquele para o qual foi constituída. Mesmo que o proprietário dominante adquira outros prédios, a eles não se estende a servidão. Apenas se admite exercício indistinto se a servidão foi constituída de modo genérico, sem fixação de sua finalidade. A parte final do preceito reza dever-se, no exercício da servidão, tanto quanto possível, evitar agravar o encargo ao prédio serviente. A regra se interpreta em dois sentidos. No primeiro, se o exercício pode ocorrer de vários modos, indiferentemente ao prédio dominante, escolhe-se o menos gravoso ao prédio serviente. No segundo, a servidão deve ser exercida de modos qualitativo e quantitativo compatíveis com o título. O título limita conteúdo e exercício da servidão, jamais podendo ser ultrapassados pelo titular do fundo dominante. 

Os §§ 1º e 2º são regras dispositivas que somente valem no silêncio da convenção. A primeira regra diz não se admitir a ampliação da servidão para outro fim, distinto do previsto no título. Não se consideram distorções da finalidade, como visto no comentário ao CC 1.383, atividades necessárias ao exercício da servidão: por exemplo, a passagem para viabilizar tirada de água do prédio vizinho. A segunda regra é a concreção do princípio geral de direito de quem pode o mais pode o menos, pois daí não resulta dano do prédio serviente. Assim, em uma servidão de passagem para escoamento da produção de uma fábrica, podem passar não somente os caminhões, como também os veículos de passeio, ou pessoas a pé que tenham acesso ao prédio dominante. 

Finalmente, o § 3º do artigo em exame contém exceção à regra de não poder a servidão ser ampliada sem consentimento do titular do prédio serviente. Reza o artigo poderem ser as servidões alargadas se as necessidades da cultura ou da indústria do prédio dominante assim o exigirem, mas contra pagamento de indenização pelo excesso. A novidade do Código está na inserção da necessidade também da indústria, omitida na lei anterior, permitindo inferir que a ampliação cabe nos prédios rústicos e nos urbanos. A norma é cogente, pois tem fundamento na função social da propriedade, permitindo a melhor utilização de seus recursos. A ampliação da servidão é compulsória, mesmo contra a vontade do serviente, tratando-se de direito potestativo do titular do prédio dominante, não sujeito, portanto, à prescrição. A recusa injustificada do titular do prédio serviente abrirá caminho para a fixação judicial de novos limites da servidão e correspondente indenização. 

O Código Civil de 2002 não reproduziu o disposto no art. 706, parágrafo único, do Código Civil de 1916, no sentido de o alargamento da servidão não poder ser decorrência da “mudança na maneira de exercer”, como no caso de se pretender edificar em terreno até então destinado à cultura. A regra continua implícita no atual Código Civil, uma vez que se altera a causa da servidão, a sua finalidade original, não prevista e nem desejada pelas partes. Em tal caso, como a passagem de escoamento da produção de uma fábrica em servidão constituída originalmente para trânsito de moradores de uma residência, o alargamento não é compulsório, depende de novo negócio jurídico entre as partes ou ocorrência de usucapião. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.445-46. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 10/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Enfim, afirma a doutrina de Ricardo Fiuza, o exercício da servidão dever ser civiliter modo, ou seja, deve ser evitado qualquer ônus ao prédio serviente, uma vez que a servidão deverá ater-se às necessidades do prédio dominante. • Equipara-se a norma aos arts. 704, 705 e 706 do Código Civil de 1916, conjugando esses dispositivos com considerável melhora de redação . No mais, deve ser dispensado à matéria o mesmo tratamento doutrinário dado aos dispositivos apontados. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 709, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 10/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.386. As servidões prediais são indivisíveis, e subsistem, no caso de divisão dos imóveis, em benefício de cada uma das porções do prédio dominante, e continuam a gravar cada uma das do prédio serviente, salvo se, por natureza, ou destino, só se aplicarem a certa parte de um ou de outro. 

Concluindo Ricardo Fiuza em sua doutrina, da indivisibilidade das servidões prediais ser uma de suas características mais notáveis, e consiste em sua aderência aos prédios, aproveitando todo o prédio dominante e gravando o serviente. • O dispositivo é idêntico ao art. 707 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 709, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 10/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Seguindo na mesma linha de raciocínio, Francisco Eduardo Loureiro, houve melhoria apenas na redação do preceito, mantido, porém, seu conteúdo. A existência da servidão tem causa na necessidade do prédio dominante, de tal modo que se exige o exercício ser completo para atingir sua finalidade. Decorre daí a característica da indivisibilidade do direito real de servidão, cuja consequência mais visível é não se poder adquirir ou perder por partes, pois comprometeria sua causa. É óbvio ser indivisível apenas o exercício, pois frutos e proveito decorrentes da servidão podem ser divisíveis. 

Na lição de Washington de Barros Monteiro, produzem indivisibilidade da servidão as seguintes consequências: “a) a servidão não pode ser instituída em favor de parte ideal do prédio dominante, nem pode incidir sobre parte ideal do prédio serviente; b) se o proprietário do imóvel dominante se torna condômino do serviente, ou vice-versa, mantém-se a servidão; c) defendida a servidão por um dos condôminos do prédio dominante, a todos aproveita a ação” (Monteiro, Washington de Barros. Curso de direito civil, direito das coisas, 37. ed. revista e atualizada. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 276 e 278). 

Diz a lei que, no caso de divisão do prédio dominante ou do serviente, a aderência da servidão faz esta aproveitar ou onerar todas as partes produtos da divisão, do mesmo modo que aproveitava ou onerava a totalidade. As partes resultantes da divisão deverão guardar uma relação de utilidade ou necessidade da servidão. O condômino contemplado com quinhão situado do lado oposto do prédio, por exemplo, pode não ter nenhum interesse em uma servidão de não construir de determinado vizinho agora distante, ou em uma servidão de passagem que atravessa apenas um dos quinhões produto da divisão do prédio serviente sem afetar as outras partes. Cuida a indivisibilidade de atributo acidental, pois a própria lei ressalva, em determinados casos, em razão de natureza ou destino da servidão, sua utilidade não ser afetada pelo fracionamento. Em tal hipótese, se admite o fracionamento. Carvalho Santos dá como exemplo a servidão de água, nada impedindo que diversas pessoas a dividam, fracionando quantidade e período de utilização (Santos, ]. M. Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX, p. 244). Tal fato pode ocorrer, inclusive, no momento da divisão do prédio dominante, fracionando-se o proveito de modo proporcional aos titulares das partes. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.447. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 10/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Em artigo assinado por Jéssica Ramos Farineli, intitulado “Servidão Predial” no site infoescola.com., Servidão predial é a utilização de um prédio por outro. Tal utilização não pode ser indispensável, mas se faz necessária ou vantajosa ao prédio chamado de dominante.

A servidão constitui um ônus real que é imposto voluntariamente a um prédio, chamado de serviente, em favor de outro (o dominante), em virtude do qual o proprietário do prédio serviente perde o exercício de algum de seus direitos dominiais sobre ele, ou tolera que o proprietário do prédio dominante se utilize dele, tornando seu prédio mais útil. Portanto a servidão predial nasce da vontade dos proprietários, não se confundindo com as servidões legais que decorrem exclusivamente da lei, que são direitos de vizinhança impostos coercitivamente. Por isso a voluntariedade é essência da servidão.

As servidões podem tomar formas variadas, sendo a mais conhecida a servidão de passagem, que permite que o proprietário de um imóvel transite pelo imóvel de outra pessoa. No entanto, existem outras modalidades como a servidão de aqueduto, de iluminação ou ventilação e até mesmo de pastagem. Para que seja possível a servidão os prédios devem ser vizinhos, embora não haja a necessidade de que sejam contíguos.

As servidões prediais apresentam algumas características básicas: A servidão é uma relação entre dois prédios distintos, o serviente e o dominante. O serviente sofre um gravame em beneficio do dominante. A vantagem ou desvantagem adere ao imóvel e transmite-se com ele independente da pessoa do proprietário. É necessário que os prédios pertençam a donos diversos. Se pertencerem ao mesmo proprietário, este estará simplesmente usando o que é seu, sem que se estabeleça uma servidão, e sim uma serventia que pode se transformar em direito real se o domínio dos prédios passarem a titulares diferentes.

Nas servidões serve a coisa e não o seu dono, isto porque o proprietário não tem uma obrigação de fazer, mas de não fazer ou de suportar o exercício da servidão. A servidão não se presume, pois só se constitui mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e por posterior registro no Cartório de Imóveis (Art. 1378, CC).

A servidão deve ser útil ao prédio dominante, ela deve trazer alguma vantagem de modo a aumentar o valor do imóvel dominante. Essa vantagem não precisa ser necessariamente reduzida a dinheiro, podendo constituir maior utilidade ou simples comodidade para o prédio dominante.

A servidão é direito real e acessório. É direito real porque incide diretamente sobre os imóveis. Sendo assim, está munido de sequela e ação real e é oponível a terceiros. E é acessório porque decorre do direito de propriedade e acompanha os imóveis mesmo que sejam alienados.

A servidão tem duração indefinida, pois perderia sua característica se fosse estabelecido um limite de tempo. Ela dura por tempo indefinido, enquanto não seja extinta por nenhuma causa legal, ainda que os prédios mudem de donos.

A servidão é indivisível porque não se desdobra em caso de divisão do prédio dominante ou do serviente. Ela só pode ser reclamada em sua totalidade, mesmo que o prédio dominante pertença a várias pessoas (CC 1386). A servidão é inalienável. Por decorrer de uma necessidade do prédio dominante, não se concebe sua transferência a outro prédio, pois isso extinguiria a servidão e constituiria outra.

A classificação mais importante das servidões é a que as distingue pelo exercício. Uma servidão é continua quando é exercida ininterruptamente, independente de uma ação humana. Servidão descontínua é a que tem seu exercício condicionado a algum ato humano atual. A servidão aparente é aquela que se manifesta por obras exteriores, são aquelas que são visíveis e permanentes, como a servidão de passagem, por exemplo. Não aparente é a servidão que não se revela por obras exteriores.

As classificações são importantes porque existem regras diferentes para a constituição, execução e extinção, algumas se aplicam somente às servidões contínuas e aparentes. As servidões ainda podem ser positivas, quando conferem ao dono do prédio dominante o poder de praticar algum ato no prédio serviente, e negativas quando é imposto o dever de se abster da pratica de determinado ato de utilização.

As servidões podem ser constituídas de diversos modos. Embora as servidões possam ser constituídas causa mortis, como o testamento, no entanto, o modo mais frequente de sua constituição é por ato inter vivos, i. é, através de contrato em regra oneroso. Por se tratar de ato de vontade é necessário que as partes sejam capazes, não apenas a capacidade genérica, mas também as especificas para atos de disposição do prédio serviente. A servidão só pode ser estipulada pelo proprietário do prédio.

A servidão pode ser instituída judicialmente pelas sentenças que homologam a divisão, matéria regulamentada no Código de Processo Civil nos arts. 988 a 998.

Também  é possível a usucapião de servidão, mas esta deve ser aparente. Os CC 1380 a 1382 garantem ao dono do prédio dominante os meios necessários para à “conservação e uso” das servidões. Para a realização de serviços e obras necessárias o dono do prédio dominante pode entrar no prédio serviente e depositar matérias de construção no mesmo. No entanto, se causar dano ao proprietário do prédio serviente por culpa, o proprietário do prédio gravame será responsabilizado civilmente.

O exercício das servidões é disciplinado no CC 1383 e 1385. O primeiro dispõe que “o dono do prédio serviente não poderá embaraçar de modo algum o exercício legítimo da servidão”. O segundo dispõe que a servidão se restringirá ás necessidades do prédio dominante devendo agravar o menos possível o prédio serviente.

As servidões podem ser protegidas por ações como a confessória, que visa á obtenção do reconhecimento judicial da existência de servidão negada ou contestada. Ações negatórias se destinam a possibilitar ao dono do prédio serviente a obtenção de sentença que declare a inexistência da servidão ou de direito á sua ampliação. As ações possessórias podem ser invocadas em favor do prédio dominante que é molestado ou esbulhado pelo proprietário do prédio serviente. Também pode ser utilizada quando este não permite a realização de obras de conservação da servidão. Também podem ser invocadas as ações de nunciação de obra nova e de usucapião.

A servidão uma vez registrada só se extingue com respeito a terceiros quando cancelada. Sendo assim, enquanto permanecer registrada no Cartório de Registro de Imóveis subsistirão em favor do dono do prédio dominante. Nos casos de desapropriação, a servidão se extingue mesmo sem o cancelamento do registro.

O titular da servidão pode abrir mão do beneficio, renunciando-o expressamente, desde que seja capaz e tenha poder para dispor. De acordo com o CC1389 ainda a servidão se extingue pela reunião dos dois prédios no domínio de uma mesma pessoa, pela supressão das respectivas obras e pelo não uso contínuo durante dez anos. (Jéssica Ramos Farineli, da “Servidão Predial” no site infoescola.com., acessado em 10.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado - 1.380, 1.381, 1.382, 1.383 O Exercício das Servidões – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - 1.380, 1.381, 1.382, 1.383

O Exercício das Servidões  – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IIITítulo V – Capítulo II – Do Exercício das Servidões (Art. 1.380 a 1.386) - digitadorvargas@outlook.com

   - vargasdigitador.blogpot.com

 

Art. 1.380. O dono de uma servidão pode fazer todas as obras necessárias à sua conservação e uso, e, se a servidão pertencer a mais de um prédio, serão as despesas rateadas entre os respectivos donos. 

No lecionar de Francisco Eduardo Loureiro, este artigo manteve o conteúdo do revogado artigo correspondente do Código Civil de 1916, substituindo-se a expressão tem direito por pode. Consagra o preceito a regra básica de ter o dono da servidão direito a tudo o que é necessário ao exercício dela. De nada valeria a servidão, sem fornecer os meios para seu regular exercício. Dessa forma, em determinadas servidões, por sua natureza, criam-se servidões acessórias: a servidão de retirada de água do prédio vizinho tem como acessória a servidão de passagem para chegar à fonte; a servidão de aqueduto tem como acessória a servidão de ingressar no imóvel vizinho para fazer limpeza e reparos imprescindíveis (Santos, J. M. Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX, p. 135-6). Essas servidões acessórias seguem o destino da principal.

O proprietário do prédio dominante pode fazer as obras necessárias a sua conservação e uso. Tais obras podem ou não estar discriminadas no título constitutivo da servidão. No silêncio do contrato, as obras são determinadas em razão da natureza da servidão e de suas condições. No curso das obras, podem ocorrer danos ao prédio serviente, somente indenizáveis se não forem inerentes ao incômodo da própria servidão ou se decorrerem de ato culposo do titular do prédio dominante. O titular da servidão pode deixar de exercer seu direito de se utilizar dela. Logo, pode também deixar de fazer as obras necessárias a sua utilização, não podendo ser constrangido a tanto, salvo se a obrigação tiver sido expressamente convencionada, ou a omissão causar danos ao prédio serviente. A parte final do artigo prevê a hipótese de a servidão ser constituída a favor de mais de um prédio, caso no qual, como é natural, as despesas com as obras serão rateadas entre os respectivos donos. Se o prédio dominante for um condomínio, as despesas serão rateadas de modo proporcional aos respectivos quinhões. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.440. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 09/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entender de Ricardo Fiuza, como reflete em sua doutrina, o proprietário do prédio dominante tem direito a tudo o que for necessário ao exercício da servidão — são os adminicula servitutis. Pertencendo a servidão a mais de um prédio, as despesas deverão ser divididas entre os proprietários. • O artigo é idêntico ao art. 699 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 707, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 09/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como apontam os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo refere-se à possibilidade de o dono do prédio dominante vir a realizar obras relacionadas à estrutura de manutenção e conservação da servidão estabelecida no prédio serviente, ou seja, obras de natureza estruturais que possibilitem a real utilização doo bem, cabendo a este o ônus correspondente. A exceção do dispositivo se dá no caso de a servidão ter abrangência para além do prédio serviente, caso em que ocorrerá o rateio das despesas para sua regular manutenção. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 09.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.381. As obras a que se refere o artigo antecedente devem ser feitas pelo dono do prédio dominante, se o contrário não dispuser expressamente o título.

Segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo em tela apenas esclarece o sentido do conteúdo anterior ressalvando que as referidas despesas com obras de manutenção e/ou conservação poderão ser atribuídas ao dono do prédio serviente. Se assim vier estipulado no título de constituição de servidão. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 09.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como alerta Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, citado por  Francisco Eduardo Loureiro, não cria o preceito uma obrigação do titular do prédio dominante, exigível pelo titular do prédio serviente. Há somente o dever de executar as obras se quiser ter o exercício da servidão (Direito real de servidão. Rio de Janeiro, Aide, 1985, p. 77). A obra pode beneficiar, de modo concomitante, ambos os prédios, o dominante e o serviente, por exemplo uma servidão de passagem, também utilizada pelo dono do imóvel onerado. Em tal caso, embora silente a lei, a doutrina é tranquila no sentido de o encargo de conservação incumbir a ambas as partes, na proporção do interesse de cada uma, de modo a evitar enriquecimento sem causa. 

A regra é dispositiva, razão pela qual nada impede de convencionarem as partes em sentido diverso: que despesas e obras caibam ao titular do prédio serviente. Tal obrigação, constante do título levado a registro, ganha natureza propter rem, irradiando efeitos em relação a terceiros e acompanhando a servidão, enquanto esta durar. Deve o registro do título fazer menção à obrigação do titular do prédio serviente, alertando eventuais adquirentes quanto às cláusulas acessórias da servidão. Caso, porém, seja a convenção firmada apenas entre as partes, sem ingressar no registro imobiliário, cria-se mero direito de crédito, inoponível a terceiros adquirentes de boa-fé. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.440-41. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 09/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

O site Consultor Jurídico, em outubro de 2019, sobre Direitos de Vizinhança, aborda o tema “Brigas de vizinhos chegam ao STJ, que busca harmonia em decisões”. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXII, estabeleceu que é garantido o direito de propriedade, e que ela atenderá a sua função social. Ocorre que esse direito não é absoluto, podendo sofrer restrições para assegurar a segurança, o sossego, a saúde e outras garantias dos que habitam nas residências vizinhas.

Com a finalidade de evitar o uso indevido da propriedade e coibir interferências abusivas entre moradias próximas, o Código Civil (CC) tratou em seu Capítulo V dos direitos de vizinhança. Entre os temas abordados no capítulo estão a passagem de cabos e tubulações em terrenos privados para prover serviços de utilidade pública, a passagem das águas para atender necessidades de terrenos próximos e os limites para edificação entre prédios. 

No Superior Tribunal de Justiça, são frequentes os recursos que discutem esses temas. A jurisprudência construída pelos ministros no julgamento de tais processos busca proteger o direito individual de propriedade e, ao mesmo tempo, promover o bem da coletividade e preservar a convivência harmônica e saudável entre vizinhos. Em setembro de 2016, no REsp 1.616.038, a 3ª Turma do STJ decidiu que o proprietário de imóvel tem o direito de construir aqueduto no terreno do seu vizinho, independentemente do consentimento deste, para receber águas provenientes de outro imóvel, desde que não existam outros meios de passagem da água para a sua propriedade e que haja o pagamento de prévia indenização ao vizinho prejudicado.

Na ação, uma empresa demandou outra objetivando o reconhecimento do direito de usar parte da sua propriedade para passar aqueduto e, assim, obter água para a irrigação de lavoura de arroz, mediante indenização. Ao STJ, a empresa que teria seu imóvel afetado pela construção do aqueduto alegou que deveria haver um direito real à água, que seria pressuposto à constituição da servidão de aqueduto e que somente poderia ser reconhecido ao imóvel contíguo às águas. Ela sustentou que não se pode desviar água de forma artificial em favor de um imóvel que não a receba naturalmente. Relatora, a ministra Nancy Andrighi destacou que o direito à água e ao seu curso e transporte é tema de grande importância para a sobrevivência de toda a sociedade, possuindo nítido caráter social. Além disso, a relatora lembrou que atualmente a água é considerada bem de domínio público, que a todos pertence — ainda que esteja em propriedade privada. "O direito à água essencial é, portanto, sob a ótica do direito civil, um direito de vizinhança, um direito ao aproveitamento de uma riqueza natural pelos proprietários de imóveis que sejam ou não abastecidos pelo citado recurso hídrico."

Porém, a magistrada asseverou que a identificação de um direito abstrato à água não conduz, necessariamente, ao reconhecimento do direito de vizinhança de exigir do vizinho a passagem de aqueduto; é preciso comprovar que não há nenhum caminho público até a fonte de água. "Se houver outros meios possíveis de acesso à água, não deve ser reconhecido o direito de vizinhança, pois a passagem de aqueduto, na forma assim pretendida, representaria mera utilidade – o que afasta a incidência do artigo 1.293, restando ao proprietário a possibilidade de instituição de servidão, nos termos do artigo 1.380 do CC/2002." Nancy Andrighi acrescentou que, por se tratar de direito de vizinhança, a única exigência para a construção do aqueduto neste caso — em que a irrigação do plantio de arroz de um vizinho depende da transposição do imóvel do outro — é o pagamento de prévia indenização.

Abertura de Janelas: No REsp 1.531.094, de relatoria do ministro Villas Bôas Cueva, a 3ª Turma entendeu que a proibição de abrir janelas, ou fazer terraço ou varanda, a menos de um metro e meio do terreno vizinho — CC 1.301, caput — não pode ser relativizada, pois as regras e vedações contidas no capítulo relativo ao direito de construir possuem natureza objetiva e cogente.

No caso, uma proprietária propôs ação demolitória contra seu vizinho objetivando a derrubada de segundo pavimento construído por ele em desacordo com a legislação municipal, além do fechamento de janelas voltadas para o imóvel dela a menos de um metro e meio da divisa entre os dois terrenos.

"A proibição é objetiva, bastando para a sua configuração a presença do elemento objetivo estabelecido pela lei — construção da janela a menos de metro e meio do terreno vizinho —, de modo que independe da aferição de aspectos subjetivos relativos à eventual atenuação do devassamento visual, por exemplo", afirmou o relator.

Prescrição: Ao julgar o REsp 1.659.500, a 3ª Turma do STJ firmou a tese de que, no caso de danos permanentes causados por um vizinho a outro, o marco inicial do prazo prescricional para ajuizar ação de reparação civil se renova diariamente enquanto não cessar a causa do dano. 

A decisão veio após o colegiado analisar recurso especial de uma empresa de telefonia contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que a condenou ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5 mil, por suposto abandono de terreno de sua propriedade, causando prejuízos a uma residência vizinha. 

Em seu voto, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que, de fato, o prazo de prescrição previsto no artigo 206, parágrafo 3º, V, do Código Civil de 2002 para a reparação civil é de três anos, porém esse prazo não pode ser contado a partir do início do evento danoso, e sim do seu encerramento.

"Não há que se falar em ocorrência de prescrição na hipótese de danos constantes e permanentes e que subsistem até o ajuizamento da demanda. Afinal, se o dano decorre de causa que se protrai no tempo, é a partir da cessação da causa que passa a fluir o prazo prescricional", afirmou a magistrada.

Queimadas: A 4ª Turma, no REsp 1.381.211, manteve decisão do Tribunal de Justiça do Tocantins que condenou um fazendeiro a pagar indenização por danos morais e materiais ao proprietário de fazenda vizinha, em razão de queimada praticada em seu terreno ter atingido a propriedade ao lado, causando morte de animais, degradação do solo e destruição de cercas e pastagens. A relatoria foi do ministro Marco Buzzi.

Em sua defesa, o réu alegou que não poderia ser culpado pelo incêndio, pois sua propriedade estava sob a responsabilidade de comodatário que desenvolvia atividade agrícola no local. Alegou também que, diferentemente do entendido pelo TJ-TO, o caso não tratava de responsabilidade ambiental e, sim, de responsabilidade civil tradicional.

As alegações não foram acolhidas pelo colegiado, que entendeu, a partir das características do dano, tratar-se de lesão ambiental na modalidade individual, reflexa ou por ricochete. "O conceito de dano ambiental engloba, além dos prejuízos causados ao meio ambiente, em sentido amplo, os danos individuais, operados por intermédio deste, também denominados danos ambientais por ricochete – hipótese configurada nos autos, em que o patrimônio jurídico do autor foi atingido em virtude da prática de queimada em imóvel vizinho", destacou o relator. 

Responsabilidade objetiva: Quanto à modalidade de responsabilização, Marco Buzzi lembrou que tanto a Constituição Federal quanto a Lei 6.938/1981 preveem a responsabilidade objetiva nos casos de dano ambiental, respondendo direta ou indiretamente todo aquele que lesionar o meio ambiente. 

"A excludente de responsabilidade civil consistente no fato de terceiro, na seara ambiental, só poderá ser reconhecida quando o ato praticado pelo terceiro for completamente estranho à atividade desenvolvida pelo indigitado poluidor, e não se possa atribuir a este qualquer participação na consecução do dano — ato omissivo ou comissivo, o que não se verifica na hipótese, consoante estabelecido nas instâncias ordinárias." 

O magistrado ressaltou que "o fato de o proprietário não ser o possuidor direto do imóvel não afasta sua responsabilidade, vez que conserva a posse indireta e, em consequência, o dever de vigilância em relação ao bem". Com informações da assessoria de imprensa do STJ. (Consultor Jurídico, em outubro de 2019, sobre Direitos de Vizinhança, aborda o tema “Brigas de vizinhos chegam ao STJ, que busca harmonia em decisões”. Acessado 09/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.382. Quando a obrigação incumbir ao dono do prédio serviente, este poderá exonerar-se, abandonando, total ou parcialmente, a propriedade ao dono do dominante. 

Parágrafo único. Se o proprietário do prédio dominante se recusar a receber a propriedade do serviente, ou parte dela, caber-lhe-á custear as obras.

No dizer de Francisco Eduardo Loureiro, a cabeça do artigo ganhou apenas a expressão total ou parcialmente quanto ao abandono, implícita na legislação revogada. O abandono parcial, é claro, tem como pressuposto lógico a servidão afetar apenas parte do prédio, por exemplo um caminho de passagem. Além disso, foi acrescido um parágrafo disciplinando a hipótese de o proprietário do prédio dominante se recusar a receber o prédio serviente abandonado.

O direito de abandonar todo ou parte do prédio serviente, segundo o preceito, cabe a seu titular quando, na hipótese do artigo anterior, houver convencionalmente sido transferida a responsabilidade e o custeio das obras necessárias ao exercício da servidão. O abandono acarreta exoneração e extinção da obrigação de fazer. A norma é dispositiva, nada impede de se convencionar a renúncia antecipada do direito de abandono, ou este somente ser possível em relação a certas obras. Não cabe a figura em estudo, porém, quando o dever de realizar obras decorrer não de estipulação convencional, mas de ato culposo do titular do prédio serviente, como destruição de um aqueduto.

O termo abandono não foi usado pelo legislador cm seu sentido técnico, pois não basta o comportamento intencional do titular do prédio serviente para operar transferência do fundo gravado. Deve haver instrumento público, se acima da taxa legal, levado ao registro imobiliário, que tem efeito constitutivo em aquisição e perda de direitos reais sobre coisas imóveis. Há, na verdade, negócio de alienação do prédio serviente, tendo como causa liberação da obrigação de custear ou manter as obras necessárias ao exercício da servidão. Como diz Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, essa renúncia tem dupla eficácia: é liberatória e transmissiva (Direito real de servidão. Rio de Janeiro, Aide, 1985, p. 81).

A novidade está no acréscimo do parágrafo único, que deixa explícito o titular do prédio dominante poder recusar-se a receber a propriedade serviente. Dessa forma, não mais tem sentido a dúvida doutrinária quanto à possibilidade dessa alienação constituir ato unilateral do titular do prédio serviente, pois exige a lei concordância do titular do prédio dominante. Sem concordância, não há alienação, mas pode haver renúncia pura, com exoneração da obrigação de custear ou manter as obras da servidão, passando o encargo, em qualquer hipótese, ao titular do prédio dominante.

Finalmente, a omissão do titular do prédio serviente em fazer ou manter as obras contratadas não acarreta perda do prédio serviente, ou de parte dele. A alienação e a renúncia previstas no preceito não são compulsórias, dependem sempre de iniciativa do titular do prédio serviente. O titular do prédio dominante, no caso de inadimplemento, tem apenas o direito de exigir realização ou manutenção das obras necessárias ao exercício da servidão, mas não a transferência da propriedade. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.441-42. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 09/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua doutrina, Ricardo Fiuza alude ter o caput do dispositivo praticamente a mesma redação do art. 701 do Código Civil de 1916, mas ressalta que o parágrafo único faz uma inovação, ao obrigar que o proprietário do prédio dominante receba a propriedade do serviente, sob pena de ter de custear as obras necessárias. Deve, no entanto, receber o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 708, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 09/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Dando sequência à interpretação anterior, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a obrigação pelo custeio de obras de manutenção ou conservação da servidão instituída será do dono do prédio dominante, salvo estipulação em contrário. Caso se firme o contrário, o titular do prédio que suporta a servidão (serviente) poderá abandonar voluntariamente sua propriedade, eximindo-se, assim, da obrigação então firmada, chamado de abandono liberatório. Em ocorrendo o abandono liberatório,  receberá a propriedade o titular do prédio dominante e, em caso de sua recusa, terá que custear por conta própria as despesas realizadas com as obras em comento (Diniz, 2011, p. 374). Abando liberatório tem origem no revogado Código Comercial (art. 494), sendo o ato pelo qual o dono do navio, para se eximir da responsabilidade resultante de atos ou fatos do capitão, abandona, aos credores, o navio e o frete. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 09.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.383. o dono do prédio serviente não poderá embaraçar de modo algum o exercício legítimo da servidão.

Na sequência, os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, lecionam o dispositivo versar sobre os deveres do dono do prédio serviente, dentre os quais – e talvez o mais importante – está o de abster-se da conduta de criar empecilhos ao regular funcionamento ou existência da servidão estabelecida sobre sua propriedade. Desta maneira, edificar muros divisórios ou levantar cercas na servidão de passagem, colocando portas e entreves ao seu regular exercício violam nitidamente o direito do titular do prédio dominante.

A norma cogente em tela refere-se ao dever de abstenção do dono do prédio serviente, consistente em obrigação legal de não fazer, sob a expressão “de modo algum”, ou seja, admitindo uma ampla margem de atos que deverão ser evitados por aquele, os quais possam dificultar o pleno exercício da servidão estabelecida. Em caso de descumprimento do preceito, poderá o titular dominante se utilizar dos interditos possessórios previstos em lei, em sendo servidões aparentes. A constituição de uma servidão predial não significa eliminar do titular do prédio serviente seu direito de propriedade, mas apenas o limita no que tange à sua total utilização, sendo esse, aliás, o sentido maior do instituto jurídico da servidão. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 09.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Ricardo Fiuza, como exposto em sua doutrina, em sendo servidão afirmativa (o mesmo que servidão ativa, ou seja, a servidão em que a busca do benefício incumbe ao proprietário do prédio dominante, o dono do prédio serviente nada fará que possa embaçar o uso da servidão . Se a servidão for negativa (o mesmo que servidão passiva, i. é , a instituída para impedir que o proprietário faca algo no prédio serviente em prejuízo dominante), o dono do prédio abster-se-á dos atos cuja omissão consista no gravame a que está sujeito sua propriedade. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 708, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 09/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na toada de Francisco Eduardo Loureiro, o conteúdo do artigo foi mantido, aprimorando-se a redação com a troca do termo uso por exercício, mais técnico e adequado à figura da servidão. No comentário ao CC 1.378, vimos que as servidões, quanto a seu conteúdo, podem ser afirmativas (positivas) ou negativas. As afirmativas possibilitam um comportamento positivo do titular do prédio dominante, como a servidão de passagem. As negativas não conferem ao titular do prédio dominante qualquer conduta a tomar, mas apenas a de exigir abstenção do serviente, como a servidão de não construir além de certa altura. Dessa forma, vantagens e correspondentes restrições, de acordo com a natureza da servidão, podem ser de variado teor: algumas exigem do titular do prédio serviente obrigação de não fazer, como não construir além de certa altura; outras vão além, exigindo ação de tolerância (pati), como suportar a incursão alheia em seu imóvel, nos casos da servidão cie passagem ou tirada de água.

O inadimplemento dessas obrigações de tolerar, ou de não fazer, confere ao titular do prédio dominante invocar a tutela possessória, nos termos dos CC. 1.210 a 1.213, sem prejuízo das providências previstas no art. 497 caput e parágrafo único do CPC, inclusive a fixação de multa diária por descumprimento do preceito, além da composição de perdas c danos. Como alerta Carvalho Santos, o dono do prédio serviente deve observar as restrições impostas pela servidão, mas, afora isso, conserva todas as demais faculdades inerentes ao domínio. Logo, somente é vedado ao dono do prédio serviente “ fazer inovações que diminuam ou prejudiquem o uso da servidão, ou o torne mais incômodo, tendo-se em vista o seu objeto e a sua natureza, ou, para usarmos da expressão legal, o seu uso legítimo” (Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX, p. 219).

Deve-se levar cm conta, também, a servidão ter como causa as utilidades que proporciona ao prédio dominante e o respeito ao prédio serviente. Assim, admitem-se certas condutas do titular do prédio serviente, considerando a proporcionalidade entre as consequências do gravame e o incômodo ao titular do prédio dominante. Tome-se o exemplo dado por Carvalho Santos, do proprietário do prédio gravado com servidão de passagem, que coloca na entrada de seu imóvel uma porteira para preservar sua segurança, com o cuidado, porém, de oferecer uma chave ao titular da servidão, de modo a lhe causar o mínimo embaraço possível (op. cit., v. IX, p. 215). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.442-43. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 09/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).