Direito Civil Comentado - 1.380,
1.381, 1.382, 1.383
O Exercício das Servidões – VARGAS, Paulo S. R.
- Parte Especial – Livro III – Título V – Capítulo II – Do Exercício das Servidões (Art. 1.380 a
1.386) - digitadorvargas@outlook.com
Art. 1.380. O dono de uma servidão pode fazer todas as obras necessárias à sua conservação
e uso, e, se a servidão pertencer a mais de um prédio, serão as despesas
rateadas entre os respectivos donos.
No lecionar de Francisco Eduardo Loureiro, este artigo manteve o conteúdo do revogado artigo correspondente do Código Civil de 1916, substituindo-se a expressão tem direito por pode. Consagra o preceito a regra básica de ter o dono da servidão direito a tudo o que é necessário ao exercício dela. De nada valeria a servidão, sem fornecer os meios para seu regular exercício. Dessa forma, em determinadas servidões, por sua natureza, criam-se servidões acessórias: a servidão de retirada de água do prédio vizinho tem como acessória a servidão de passagem para chegar à fonte; a servidão de aqueduto tem como acessória a servidão de ingressar no imóvel vizinho para fazer limpeza e reparos imprescindíveis (Santos, J. M. Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX, p. 135-6). Essas servidões acessórias seguem o destino da principal.
O proprietário do prédio dominante pode fazer as obras necessárias
a sua conservação e uso. Tais obras podem ou não estar discriminadas no título
constitutivo da servidão. No silêncio do contrato, as obras são determinadas em
razão da natureza da servidão e de suas condições. No curso das obras, podem
ocorrer danos ao prédio serviente, somente indenizáveis se não forem inerentes
ao incômodo da própria servidão ou se decorrerem de ato culposo do titular do
prédio dominante. O titular da servidão pode deixar de exercer seu direito de
se utilizar dela. Logo, pode também deixar de fazer as obras necessárias a sua
utilização, não podendo ser constrangido a tanto, salvo se a obrigação tiver
sido expressamente convencionada, ou a omissão causar danos ao prédio serviente.
A parte final do artigo prevê a hipótese de a servidão ser constituída a favor
de mais de um prédio, caso no qual, como é natural, as despesas com as obras
serão rateadas entre os respectivos donos. Se o prédio dominante for um
condomínio, as despesas serão rateadas de modo proporcional aos respectivos
quinhões. (Francisco Eduardo Loureiro,
apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de
10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p.
1.440. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 09/12/2020. Revista e atualizada
nesta data por VD).
No entender de Ricardo Fiuza, como reflete em sua doutrina, o proprietário do prédio dominante tem direito a tudo o que for necessário ao exercício da servidão — são os adminicula servitutis. Pertencendo a servidão a mais de um prédio, as despesas deverão ser divididas entre os proprietários. • O artigo é idêntico ao art. 699 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 707, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 09/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Como apontam os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo refere-se à possibilidade de o dono do prédio dominante vir a realizar obras relacionadas à estrutura de manutenção e conservação da servidão estabelecida no prédio serviente, ou seja, obras de natureza estruturais que possibilitem a real utilização doo bem, cabendo a este o ônus correspondente. A exceção do dispositivo se dá no caso de a servidão ter abrangência para além do prédio serviente, caso em que ocorrerá o rateio das despesas para sua regular manutenção. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acessado em 09.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.381. As obras a que se refere o artigo antecedente devem ser feitas pelo dono do prédio dominante, se o contrário não dispuser expressamente o título.
Segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo em tela apenas esclarece o sentido do conteúdo anterior ressalvando que as referidas despesas com obras de manutenção e/ou conservação poderão ser atribuídas ao dono do prédio serviente. Se assim vier estipulado no título de constituição de servidão. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acessado em 09.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Como alerta Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, citado por Francisco Eduardo Loureiro, não cria o preceito uma obrigação do titular do prédio dominante, exigível pelo titular do prédio serviente. Há somente o dever de executar as obras se quiser ter o exercício da servidão (Direito real de servidão. Rio de Janeiro, Aide, 1985, p. 77). A obra pode beneficiar, de modo concomitante, ambos os prédios, o dominante e o serviente, por exemplo uma servidão de passagem, também utilizada pelo dono do imóvel onerado. Em tal caso, embora silente a lei, a doutrina é tranquila no sentido de o encargo de conservação incumbir a ambas as partes, na proporção do interesse de cada uma, de modo a evitar enriquecimento sem causa.
A regra é dispositiva, razão pela qual nada impede de convencionarem as partes em sentido diverso: que despesas e obras caibam ao titular do prédio serviente. Tal obrigação, constante do título levado a registro, ganha natureza propter rem, irradiando efeitos em relação a terceiros e acompanhando a servidão, enquanto esta durar. Deve o registro do título fazer menção à obrigação do titular do prédio serviente, alertando eventuais adquirentes quanto às cláusulas acessórias da servidão. Caso, porém, seja a convenção firmada apenas entre as partes, sem ingressar no registro imobiliário, cria-se mero direito de crédito, inoponível a terceiros adquirentes de boa-fé. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.440-41. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 09/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
O site Consultor Jurídico, em outubro de 2019, sobre Direitos de Vizinhança, aborda o tema “Brigas de vizinhos chegam ao STJ, que busca harmonia em decisões”. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXII, estabeleceu que é garantido o direito de propriedade, e que ela atenderá a sua função social. Ocorre que esse direito não é absoluto, podendo sofrer restrições para assegurar a segurança, o sossego, a saúde e outras garantias dos que habitam nas residências vizinhas.
Com a finalidade de evitar o uso indevido da propriedade e coibir interferências abusivas entre moradias próximas, o Código Civil (CC) tratou em seu Capítulo V dos direitos de vizinhança. Entre os temas abordados no capítulo estão a passagem de cabos e tubulações em terrenos privados para prover serviços de utilidade pública, a passagem das águas para atender necessidades de terrenos próximos e os limites para edificação entre prédios.
No Superior Tribunal de Justiça, são frequentes os recursos que discutem esses temas. A jurisprudência construída pelos ministros no julgamento de tais processos busca proteger o direito individual de propriedade e, ao mesmo tempo, promover o bem da coletividade e preservar a convivência harmônica e saudável entre vizinhos. Em setembro de 2016, no REsp 1.616.038, a 3ª Turma do STJ decidiu que o proprietário de imóvel tem o direito de construir aqueduto no terreno do seu vizinho, independentemente do consentimento deste, para receber águas provenientes de outro imóvel, desde que não existam outros meios de passagem da água para a sua propriedade e que haja o pagamento de prévia indenização ao vizinho prejudicado.
Na ação, uma empresa demandou outra objetivando o reconhecimento do direito de usar parte da sua propriedade para passar aqueduto e, assim, obter água para a irrigação de lavoura de arroz, mediante indenização. Ao STJ, a empresa que teria seu imóvel afetado pela construção do aqueduto alegou que deveria haver um direito real à água, que seria pressuposto à constituição da servidão de aqueduto e que somente poderia ser reconhecido ao imóvel contíguo às águas. Ela sustentou que não se pode desviar água de forma artificial em favor de um imóvel que não a receba naturalmente. Relatora, a ministra Nancy Andrighi destacou que o direito à água e ao seu curso e transporte é tema de grande importância para a sobrevivência de toda a sociedade, possuindo nítido caráter social. Além disso, a relatora lembrou que atualmente a água é considerada bem de domínio público, que a todos pertence — ainda que esteja em propriedade privada. "O direito à água essencial é, portanto, sob a ótica do direito civil, um direito de vizinhança, um direito ao aproveitamento de uma riqueza natural pelos proprietários de imóveis que sejam ou não abastecidos pelo citado recurso hídrico."
Porém, a magistrada asseverou que a identificação de um direito abstrato à água não conduz, necessariamente, ao reconhecimento do direito de vizinhança de exigir do vizinho a passagem de aqueduto; é preciso comprovar que não há nenhum caminho público até a fonte de água. "Se houver outros meios possíveis de acesso à água, não deve ser reconhecido o direito de vizinhança, pois a passagem de aqueduto, na forma assim pretendida, representaria mera utilidade – o que afasta a incidência do artigo 1.293, restando ao proprietário a possibilidade de instituição de servidão, nos termos do artigo 1.380 do CC/2002." Nancy Andrighi acrescentou que, por se tratar de direito de vizinhança, a única exigência para a construção do aqueduto neste caso — em que a irrigação do plantio de arroz de um vizinho depende da transposição do imóvel do outro — é o pagamento de prévia indenização.
Abertura de Janelas: No REsp 1.531.094, de relatoria do ministro Villas Bôas Cueva, a 3ª Turma entendeu que a proibição de abrir janelas, ou fazer terraço ou varanda, a menos de um metro e meio do terreno vizinho — CC 1.301, caput — não pode ser relativizada, pois as regras e vedações contidas no capítulo relativo ao direito de construir possuem natureza objetiva e cogente.
No caso, uma proprietária propôs ação demolitória contra seu vizinho objetivando a derrubada de segundo pavimento construído por ele em desacordo com a legislação municipal, além do fechamento de janelas voltadas para o imóvel dela a menos de um metro e meio da divisa entre os dois terrenos.
"A proibição é objetiva, bastando para a sua configuração a presença do elemento objetivo estabelecido pela lei — construção da janela a menos de metro e meio do terreno vizinho —, de modo que independe da aferição de aspectos subjetivos relativos à eventual atenuação do devassamento visual, por exemplo", afirmou o relator.
Prescrição: Ao julgar o REsp 1.659.500, a 3ª Turma do STJ firmou a tese de que, no caso de danos permanentes causados por um vizinho a outro, o marco inicial do prazo prescricional para ajuizar ação de reparação civil se renova diariamente enquanto não cessar a causa do dano.
A decisão veio após o colegiado analisar recurso especial de uma empresa de telefonia contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que a condenou ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5 mil, por suposto abandono de terreno de sua propriedade, causando prejuízos a uma residência vizinha.
Em seu voto, a relatora do processo,
ministra Nancy Andrighi, ressaltou que, de fato, o prazo de prescrição previsto
no artigo 206, parágrafo 3º, V, do Código Civil de 2002 para a reparação civil
é de três anos, porém esse prazo não pode ser contado a partir do início do
evento danoso, e sim do seu encerramento.
"Não há que se falar em ocorrência de prescrição na hipótese de danos constantes e permanentes e que subsistem até o ajuizamento da demanda. Afinal, se o dano decorre de causa que se protrai no tempo, é a partir da cessação da causa que passa a fluir o prazo prescricional", afirmou a magistrada.
Queimadas: A 4ª Turma, no REsp 1.381.211, manteve decisão do Tribunal de Justiça do Tocantins que condenou um fazendeiro a pagar indenização por danos morais e materiais ao proprietário de fazenda vizinha, em razão de queimada praticada em seu terreno ter atingido a propriedade ao lado, causando morte de animais, degradação do solo e destruição de cercas e pastagens. A relatoria foi do ministro Marco Buzzi.
Em sua defesa, o réu alegou que não poderia ser culpado pelo incêndio, pois sua propriedade estava sob a responsabilidade de comodatário que desenvolvia atividade agrícola no local. Alegou também que, diferentemente do entendido pelo TJ-TO, o caso não tratava de responsabilidade ambiental e, sim, de responsabilidade civil tradicional.
As alegações não foram acolhidas pelo colegiado, que entendeu, a partir das características do dano, tratar-se de lesão ambiental na modalidade individual, reflexa ou por ricochete. "O conceito de dano ambiental engloba, além dos prejuízos causados ao meio ambiente, em sentido amplo, os danos individuais, operados por intermédio deste, também denominados danos ambientais por ricochete – hipótese configurada nos autos, em que o patrimônio jurídico do autor foi atingido em virtude da prática de queimada em imóvel vizinho", destacou o relator.
Responsabilidade objetiva: Quanto à modalidade de responsabilização, Marco Buzzi lembrou que tanto a Constituição Federal quanto a Lei 6.938/1981 preveem a responsabilidade objetiva nos casos de dano ambiental, respondendo direta ou indiretamente todo aquele que lesionar o meio ambiente.
"A excludente de
responsabilidade civil consistente no fato de terceiro, na seara ambiental, só
poderá ser reconhecida quando o ato praticado pelo terceiro for completamente
estranho à atividade desenvolvida pelo indigitado poluidor, e não se possa
atribuir a este qualquer participação na consecução do dano — ato omissivo ou
comissivo, o que não se verifica na hipótese, consoante estabelecido nas
instâncias ordinárias."
O magistrado ressaltou que "o
fato de o proprietário não ser o possuidor direto do imóvel não afasta sua
responsabilidade, vez que conserva a posse indireta e, em consequência, o dever
de vigilância em relação ao bem". Com informações da
assessoria de imprensa do STJ. (Consultor
Jurídico, em outubro de 2019, sobre Direitos
de Vizinhança, aborda o tema “Brigas de vizinhos chegam ao STJ, que busca
harmonia em decisões”. Acessado 09/12/2020. Revista e atualizada nesta data por
VD).
Art. 1.382. Quando a obrigação incumbir ao dono do prédio serviente, este
poderá exonerar-se, abandonando, total ou parcialmente, a propriedade ao dono
do dominante.
Parágrafo único. Se o proprietário do prédio dominante se recusar a receber a propriedade do serviente, ou parte dela, caber-lhe-á custear as obras.
No dizer de Francisco Eduardo Loureiro, a cabeça do artigo ganhou apenas a expressão total ou parcialmente quanto ao abandono, implícita na legislação revogada. O abandono parcial, é claro, tem como pressuposto lógico a servidão afetar apenas parte do prédio, por exemplo um caminho de passagem. Além disso, foi acrescido um parágrafo disciplinando a hipótese de o proprietário do prédio dominante se recusar a receber o prédio serviente abandonado.
O direito de abandonar todo ou parte do prédio serviente, segundo o preceito, cabe a seu titular quando, na hipótese do artigo anterior, houver convencionalmente sido transferida a responsabilidade e o custeio das obras necessárias ao exercício da servidão. O abandono acarreta exoneração e extinção da obrigação de fazer. A norma é dispositiva, nada impede de se convencionar a renúncia antecipada do direito de abandono, ou este somente ser possível em relação a certas obras. Não cabe a figura em estudo, porém, quando o dever de realizar obras decorrer não de estipulação convencional, mas de ato culposo do titular do prédio serviente, como destruição de um aqueduto.
O termo abandono não foi usado pelo legislador cm seu sentido técnico, pois não basta o comportamento intencional do titular do prédio serviente para operar transferência do fundo gravado. Deve haver instrumento público, se acima da taxa legal, levado ao registro imobiliário, que tem efeito constitutivo em aquisição e perda de direitos reais sobre coisas imóveis. Há, na verdade, negócio de alienação do prédio serviente, tendo como causa liberação da obrigação de custear ou manter as obras necessárias ao exercício da servidão. Como diz Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, essa renúncia tem dupla eficácia: é liberatória e transmissiva (Direito real de servidão. Rio de Janeiro, Aide, 1985, p. 81).
A novidade está no acréscimo do parágrafo único, que deixa explícito o titular do prédio dominante poder recusar-se a receber a propriedade serviente. Dessa forma, não mais tem sentido a dúvida doutrinária quanto à possibilidade dessa alienação constituir ato unilateral do titular do prédio serviente, pois exige a lei concordância do titular do prédio dominante. Sem concordância, não há alienação, mas pode haver renúncia pura, com exoneração da obrigação de custear ou manter as obras da servidão, passando o encargo, em qualquer hipótese, ao titular do prédio dominante.
Finalmente, a omissão do titular do prédio serviente em fazer ou
manter as obras contratadas não acarreta perda do prédio serviente, ou de parte
dele. A alienação e a renúncia previstas no preceito não são compulsórias,
dependem sempre de iniciativa do titular do prédio serviente. O titular do
prédio dominante, no caso de inadimplemento, tem apenas o direito de exigir
realização ou manutenção das obras necessárias ao exercício da servidão, mas
não a transferência da propriedade. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.441-42. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado
09/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Em sua doutrina, Ricardo Fiuza alude ter o caput do dispositivo praticamente a mesma redação do art. 701 do Código Civil de 1916, mas ressalta que o parágrafo único faz uma inovação, ao obrigar que o proprietário do prédio dominante receba a propriedade do serviente, sob pena de ter de custear as obras necessárias. Deve, no entanto, receber o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 708, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 09/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Dando sequência à interpretação anterior, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a obrigação pelo custeio de obras de manutenção ou conservação da servidão instituída será do dono do prédio dominante, salvo estipulação em contrário. Caso se firme o contrário, o titular do prédio que suporta a servidão (serviente) poderá abandonar voluntariamente sua propriedade, eximindo-se, assim, da obrigação então firmada, chamado de abandono liberatório. Em ocorrendo o abandono liberatório, receberá a propriedade o titular do prédio dominante e, em caso de sua recusa, terá que custear por conta própria as despesas realizadas com as obras em comento (Diniz, 2011, p. 374). Abando liberatório tem origem no revogado Código Comercial (art. 494), sendo o ato pelo qual o dono do navio, para se eximir da responsabilidade resultante de atos ou fatos do capitão, abandona, aos credores, o navio e o frete. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acessado em 09.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.383. o dono do prédio serviente não poderá embaraçar de modo algum o exercício legítimo da servidão.
Na sequência, os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, lecionam o dispositivo versar sobre os deveres do dono do prédio serviente, dentre os quais – e talvez o mais importante – está o de abster-se da conduta de criar empecilhos ao regular funcionamento ou existência da servidão estabelecida sobre sua propriedade. Desta maneira, edificar muros divisórios ou levantar cercas na servidão de passagem, colocando portas e entreves ao seu regular exercício violam nitidamente o direito do titular do prédio dominante.
A norma cogente em tela refere-se ao dever de abstenção do dono do prédio serviente, consistente em obrigação legal de não fazer, sob a expressão “de modo algum”, ou seja, admitindo uma ampla margem de atos que deverão ser evitados por aquele, os quais possam dificultar o pleno exercício da servidão estabelecida. Em caso de descumprimento do preceito, poderá o titular dominante se utilizar dos interditos possessórios previstos em lei, em sendo servidões aparentes. A constituição de uma servidão predial não significa eliminar do titular do prédio serviente seu direito de propriedade, mas apenas o limita no que tange à sua total utilização, sendo esse, aliás, o sentido maior do instituto jurídico da servidão. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acessado em 09.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na visão de Ricardo Fiuza, como exposto em sua doutrina, em sendo servidão afirmativa (o mesmo que servidão ativa, ou seja, a servidão em que a busca do benefício incumbe ao proprietário do prédio dominante, o dono do prédio serviente nada fará que possa embaçar o uso da servidão . Se a servidão for negativa (o mesmo que servidão passiva, i. é , a instituída para impedir que o proprietário faca algo no prédio serviente em prejuízo dominante), o dono do prédio abster-se-á dos atos cuja omissão consista no gravame a que está sujeito sua propriedade. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 708, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 09/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na toada de Francisco Eduardo Loureiro, o conteúdo do artigo foi mantido, aprimorando-se a redação com a troca do termo uso por exercício, mais técnico e adequado à figura da servidão. No comentário ao CC 1.378, vimos que as servidões, quanto a seu conteúdo, podem ser afirmativas (positivas) ou negativas. As afirmativas possibilitam um comportamento positivo do titular do prédio dominante, como a servidão de passagem. As negativas não conferem ao titular do prédio dominante qualquer conduta a tomar, mas apenas a de exigir abstenção do serviente, como a servidão de não construir além de certa altura. Dessa forma, vantagens e correspondentes restrições, de acordo com a natureza da servidão, podem ser de variado teor: algumas exigem do titular do prédio serviente obrigação de não fazer, como não construir além de certa altura; outras vão além, exigindo ação de tolerância (pati), como suportar a incursão alheia em seu imóvel, nos casos da servidão cie passagem ou tirada de água.
O inadimplemento dessas obrigações de tolerar, ou de não fazer, confere ao titular do prédio dominante invocar a tutela possessória, nos termos dos CC. 1.210 a 1.213, sem prejuízo das providências previstas no art. 497 caput e parágrafo único do CPC, inclusive a fixação de multa diária por descumprimento do preceito, além da composição de perdas c danos. Como alerta Carvalho Santos, o dono do prédio serviente deve observar as restrições impostas pela servidão, mas, afora isso, conserva todas as demais faculdades inerentes ao domínio. Logo, somente é vedado ao dono do prédio serviente “ fazer inovações que diminuam ou prejudiquem o uso da servidão, ou o torne mais incômodo, tendo-se em vista o seu objeto e a sua natureza, ou, para usarmos da expressão legal, o seu uso legítimo” (Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX, p. 219).
Deve-se levar cm conta, também, a servidão ter como causa as
utilidades que proporciona ao prédio dominante e o respeito ao prédio serviente.
Assim, admitem-se certas condutas do titular do prédio serviente, considerando
a proporcionalidade entre as consequências do gravame e o incômodo ao titular
do prédio dominante. Tome-se o exemplo dado por Carvalho Santos, do
proprietário do prédio gravado com servidão de passagem, que coloca na entrada
de seu imóvel uma porteira para preservar sua segurança, com o cuidado, porém,
de oferecer uma chave ao titular da servidão, de modo a lhe causar o mínimo
embaraço possível (op. cit., v. IX, p. 215). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.442-43. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado
09/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
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