sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.508, 1.509, 1.510 Da Anticrese - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.508, 1.509, 1.510

Da Anticrese - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo IV – DA ANTICRESE

– (Art. 1.506 a 1.510) - digitadorvargas@outlook.com  

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 Art. 1.508. O credor anticrético responde pelas deteriorações que, por culpa sua, o imóvel vier a sofrer, e pelos frutos e rendimentos que, por sua negligência, deixar de perceber. 

Bom senso, é a direção que aponta o comentário de Loureiro. O credor anticrético tem o poder de administrar, usar e fruir coisa alheia. Não tem, porém, o poder de dispor, muito menos de alterar a substância da coisa dada em garantia. Cabe-lhe, por consequência, o dever de guardar e conservar o imóvel anticrético, além de zelar por ele, a fim de restituí-lo no mesmo estado que o recebeu, quando da solução da dívida e extinção da garantia real. Não responde entretanto pela depreciação decorrente do uso normal nem por aquelas às quais não der causa. Vigora a máxima res perit domini, que no caso é o devedor anticrético, se a coisa se perder ou deteriorar-se sem culpa do credor, que tem a posse direta.

Caso, porém, o imóvel se deteriore por culpa do credor, este responderá por perdas e danos. Também responderá caso entregue o imóvel em arrendamento a terceiro e este provoque o dano. Pode e deve o credor cuidar da conservação do imóvel, realizando as despesas e benfeitorias necessárias, além do pagamento de taxas e impostos. Para tanto, usará os frutos e rendimentos do próprio imóvel, empregando o saldo na amortização da dívida garantida.

Pode ocorrer de, em casos excepcionais, o imóvel nada produzir, situação que deve apenas ser comunicada ao devedor proprietário, para que este providencie, às suas expensas, as despesas necessárias à manutenção do imóvel.

Cuida-se de norma dispositiva, razão pela qual nada impede que convencionem as partes em sentido contrário. Podem ainda estipular as partes que será o imóvel entregue ao arrendamento de terceiro, escolhido em comum acordo, e que o arrendatário arcará com as despesas de manutenção e conservação do imóvel.

Dispõe ainda o artigo que responde o credor anticrético pelos frutos que se perderem por sua culpa. O preceito é lógico, pois a perda culposa de frutos e rendimentos repercutirá na amortização da dívida garantida, em detrimento do devedor. O valor dos frutos perdidos culposamente, assim, deve ser também imputado no pagamento da obrigação. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.614.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 12/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

No mesmo sentido, embora resumidamente, a doutrina de Ricardo Fiuza: O credor anticrético responderá pela deterioração do imóvel dado em anticrese se esse fato ocorrer por sua culpa, bem como será responsabilizado pelo não-recebimento dos frutos e rendimentos da coisa se agir com negligência. • O artigo é idêntico ao de n. 807 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 760, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 12/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Da mesma forma, Guimarães e Mezzalira, o credor anticrético possui as seguintes obrigações: a) guardar a coisa como se fosse sua; b) responder pelas deteriorações que, por culpa sua, o bem imóvel vier a sofrer; c) responder pelos frutos e rendimentos que deixar de receber por sua negligência; d) prestar contas ao proprietário do bem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.508, acessado em 12.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.509. O credor anticrético pode vindicar os seus direitos contra o adquirente dos bens, os credores quirografários e os hipotecários posteriores ao registro da anticrese.

§ 1º Se executar os bens por falta de pagamento da dívida, ou permitir que outro credor o execute, sem opor o seu direito de retenção ao exequente, não terá preferência sobre o preço.

§ 2º O credor anticrético não terá preferência sobre a indenização do seguro, quando o prédio seja destruído, nem, se forem desapropriados os bens, com relação à desapropriação.

Alerta Loureiro que, como qualquer direito real, a anticrese é dotada de sequela, que lhe confere aderência sobre o imóvel e irradiação de efeitos perante terceiros. O caput do artigo em exame apenas reflete tal situação: os adquirentes do imóvel, os credores hipotecários e os quirografários ulteriores ao registro da anticrese devem respeitar os direitos anteriormente constituídos do credor anticrético.

Não perde o devedor o jus disponendi do imóvel, podendo perfeitamente aliená-lo ou dá-lo em hipoteca a terceiros, que, porém, recebem-no já gravado e são obrigados a respeitar os direitos do credor anticrético de administrar, usar, fruir e reter tal imóvel. 

O § I º do artigo se desdobra em dois preceitos. O primeiro diz que pode o credor anticrético executar o imóvel por falta de pagamento da dívida. Lembre-se, todavia, de que a garantia está circunscrita ao proveito - uso e fruição - e não à substância do imóvel. Disso decorre, como ensina Marco Aurélio S. Viana, que, “se executa, ele está tacitamente renunciando à anticrese, o que leva à extinção do ônus. Não sendo mais titular de direito real de garantia, não goza da preferência, equiparando-se aos demais credores quirografários” (Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XV I, p. 880). Em suma, pode penhorar e levar o imóvel à praça, mas como credor quirografário, abdicando da garantia e, por consequência, perdendo o direito de administração, uso, fruição e retenção.

A segunda parte do preceito diz que pode outro credor penhorar o imóvel gravado, pois é ele alienável. O credor anticrético, em regra similar à do CC 1.501, acima comentado, deve ser intimado da penhora e manifestar-se na execução, ressalvando o seu direito de retenção. Se permanecer silente, apesar de intimado, a anticrese se extingue. Note-se apenas que a preferência decorrente do direito real de garantia não incide sobre o preço da arrematação, mas sim sobre os frutos e rendimentos do imóvel. O arrematante ou o adjudicante, assim, devem respeitar os direitos anteriores da anticrese, permanecendo o credor anticrético de posse do bem, recebendo os seus frutos e rendimentos, até a solução integral da dívida.

O § 2º dispõe que o credor anticrético não terá preferência sobre a indenização do seguro ou da desapropriação. A regra do CC 1.425, já comentado, aplica-se somente aos credores hipotecários e pignoratícios. A anticrese confere direito apenas aos frutos e rendimentos, e não sobre a substância do imóvel. Como porém adverte Gladston Mamede, para evitar o enriquecimento sem causa do devedor anticrético, que tinha o imóvel gravado, parle da indenização, proporcional ao valor da anticrese, deverá ser paga ao credor (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 485). 

Na Doutrina do Relator Fiuza, o credor anticrético poderá opor seus direitos contra o adquirente do bem, os credores hipotecários e quirografários, desde que tenha registro anterior da anticrese, não tendo ele preferência sobre o preço se não opuser seu direito de retenção ao exequente, bem como preferência sobre a indenização paga pelo seguro, na hipótese de destruição do prédio, e sobre a indenização pela desapropriação. • O dispositivo tem redação semelhante à do art. 808 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. 

No comentário de Guimarães e Mezzalira, o registro da anticrese adere à coisa, autorizando o credor anticrético a reivindicar os seus direitos contra terceiro que venha a adquirir o bem, bem com como em relação a credores quirografários e hipotecários posteriores ao registro da anticrese.

No caso de excussão do bem, o credor anticrético não possui direito de preferência em relação ao resultado da alienação judicial.

Ainda que o bem esteja no seguro, o direito do credor não se sub-roga na indenização paga pelo segurador. O mesmo ocorrerá no caso de desapropriação imóvel, em que o credor anticrético não se sub-rogará na indenização obtida pelo devedor. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.509, acessado em 12.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.510.  O adquirente dos bens dados em anticrese poderá remi-los antes do vencimento da dívida, pagando a sua totalidade à data do pedido de remição e imitir-se-á, se for o caso, na sua posse.

No lecionar de Francisco Eduardo Loureiro, entende-se com alterações à anticrese o direito de remição, estudado no CC 1.481. Viu-se que o imóvel anticrético pode ser alienado a terceiros, pois a garantia real goza de aderência. O adquirente pode fazer a remição da dívida para liberar o bem, deve fazê-lo, porém, antes do vencimento, e pagando a totalidade da dívida. 

Disso decorre que, se o valor da dívida for superior ao da aquisição, a liberação não ocorrerá somente com o depósito do valor da compra. Deve-se pagar a totalidade da dívida.

Extinta a obrigação, segue a sua sorte jurídica o direito acessório de garantia. O adquirente poderá então se imitir na posse do imóvel e se sub-rogará nos direitos do credor contra o devedor, embora como quirografário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.615.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 12/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Corroborando com Loureiro, Guimarães e Mezzalira, o adquirente do bem dado em garantia por anticrese poderá, antes do vencimento da dívida, pagar a sua totalidade (remição), liberando o imóvel da oneração e imitindo-se na posse. Com a averbação da quitação no registro imobiliário, o adquirente passa aser credor quirografário do devedor e a anticrese será extinta. 

Com a remição da dívida (resgate), ficará habilitado o adquirente a demandar a averbação do cancelamento da anticrese junto ao registro imobiliário competente. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.510, acessado em 12.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Finalizando o livro III, capítulo IV, a respeito da Anticrese, para Ricardo Fiuza em sua doutrina este artigo inova ao permitir que o adquirente do bem dado em anticrese faça sua remição antes do vencimento do débito. Para tanto, deverá pagar o total da dívida no ato da remição e imitir-se na posse do bem, se for o caso. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 761, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 12/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.506, 1.507 Da Anticrese - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.506, 1.507

Da Anticrese - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo IV – DA ANTICRESE

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 Art. 1.506. Pode o devedor ou outrem por ele, com a entrega do imóvel ao credor, ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendimentos. 

§ 1º É permitido estipular que os frutos e rendimentos do imóvel sejam percebidos pelo credor à conta de juros, mas se o seu valor ultrapassar a taxa máxima permitida em lei para as operações financeiras, o remanescente será imputado ao capital.

§ 2º  Quando a anticrese recair sobre bem imóvel, este poderá ser hipotecado pelo devedor ao credor anticrético, ou a terceiros, assim como o imóvel hipotecado poderá ser dado em anticrese.

Historicamente esta era a redação original do presente dispositivo quando de seu envio ao Senado Federal: “Pode o devedor ou outrem por ele, entregando ao credor imóvel, ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendimentos”. Emenda da lavra do Senador Josaphat Marinho foi apresentada com a seguinte justificativa: “modifica-se a redação do dispositivo para facilitar o entendimento, evitando-se a expressão credor imóvel”. A linguagem adotada pela emenda é mais correta, evitando a cacofonia. O relator Fiuza foi pela sua aprovação. No tocante à manutenção do instituto da anticrese, condenada por muitos, o Deputado Fiuza abraça os argumentos de Ernani Satyro: A anticrese “não merece ser excluída do Código, especialmente em virtude da disciplina atualizada que recebeu no Projeto, o que permitirá o seu maior emprego. Não é demais que se disponha de um modelo jurídico que, quando menos se espera, passa a atender, com mais frequência, aos interesses da vida prática. Foi o que se deu com o antes vetusto instituto da ‘superfície’, que reaparece”.

Em seus comentários, Ricardo Fiuza, em sua Doutrina cita, na clássica definição de Clóvis Beviláqua, “anticrese é o direito real sobre imóvel alheio, cru virtude do qual o credor obtém a posse da coisa, a fim de perceber-lhes os frutos e imputá-los no pagamento da dívida, juros e capital sendo, porem permitido estipular que os frutos sejam, na sua totalidade, percebidos à conta de juros” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil).

Equipara-se este dispositivo ao art. 805 do Código Civil de 1916, com considerável melhora em sua redação. No mais, deve ser aplicado à matéria o mesmo tratamento doutrinário dado ao dispositivo apontado.

Muito se tem discutido sobre a utilidade desse tipo de direito real de garantia entendendo-se que a anticrese foi substituída pela hipoteca, que tem preferência, uma vez que o devedor fica com o bem. A nosso ver deve aquela ser mantida, já que amplia os direitos reais de garantia com mais uma opção a credores e devedores, e pode ser mais vantajosa que a hipoteca e o penhor , por não permitir a venda da coisa dada em garantia, sendo apenas um direito de retenção e fruição, até que se pague a totalidade da divida. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 759-60, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 11/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nos comentários de Loureiro, repete o entendimento de Clóvis Beviláqua, citado acima por Ricardo Fiuza no artigo em exame que contém alterações pontuais em seus dois parágrafos, em relação ao correspondente art. 805.

Não se justifica a manutenção da anticrese em nosso ordenamento jurídico, diante de sua escassa utilidade e do raro uso nos negócios. Define-se, na lição de Clóvis Bevilaqua, como “o direito real sobre imóvel alheio, em virtude do qual o credor o possui, a fim de perceber-lhes os frutos e imputá-los no pagamento da dívida, juros e capital, ou somente dos juros” (Direito das coisas, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951,1.1, p. 101).

Recai sobre bens imóveis frutíferos pertencentes ao devedor ou a terceiro prestador da garantia. O objeto da anticrese não é propriamente o imóvel, mas sim os seus frutos. O credor anticrético pode usar o imóvel e receber os seus frutos, retendo a posse até a solução da obrigação, mas não levar o prédio à excussão.

A constituição se dá mediante negócio jurídico solene, sempre por escrito e mediante escritura pública, se de valor superior a trinta salários-mínimos, com a devida especialização. O título é levado ao registro imobiliário, de natureza constitutiva do direito real. Antes do registro, há mero direito obrigacional - iura ad rem - do credor anticrético. A posse direta do imóvel é transferida ao credor, mas sem caráter constitutivo da garantia.

Podem constituir a anticrese não somente o proprietário do imóvel, mas também os titulares de poder de disposição dos rendimentos, entre os quais o enfiteuta, o usufrutuário e o superficiário.

O credor anticrético pode explorar pessoalmente o imóvel, atribuindo valor ao uso, ou entregá-lo à exploração de terceiros e receber os seus frutos e rendimentos, em ambos os casos com a finalidade de amortização da dívida. Nada impede que recaia a anticrese também sobre produtos, mediante expressa convenção entre as partes. Anota com razão Gladston Mamede que nada impede que recaia a anticrese sobre frutos naturais ou industriais e que a cessão do imóvel seja feita com acessórios e pertenças, marca e outros direitos. Haveria negócio de anticrese sobre a base física - imóvel - e penhor sobre bens móveis e pertenças (Código Civil comentado, São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 473).

O § Iº prevê o critério de amortização da dívida garantida com os frutos e rendimentos recebidos pelo credor anticrético. A norma, de caráter dispositivo, vigente no silêncio de convenção em contrário das partes, dispõe que os rendimentos do imóvel anticrético serão imputados preferencialmente no pagamento dos juros. Os juros convencionais e legais encontram limite nos CC 591 e 406 do Código Civil, salvo no caso de instituições financeiras, às quais se permite cobrar juros livremente convencionados, à taxa de mercado. Se os frutos superarem o valor dos juros, serão imputados ao capital.

O § 2º tem relevante novidade, pois não mais adota a limitação, como fazia o Código Civil de 1916, de que a hipoteca e a anticrese de imóveis já gravados com garantia real sejam constituídas apenas em favor do mesmo credor. O devedor anticrético não perde a disponibilidade do imóvel, podendo aliená-lo a terceiros, que respeitarão as garantias reais já constituídas. É lógico, portanto, que o devedor anticrético constitua hipoteca em favor do credor ou de terceiros, ou que o devedor hipotecário possa constituir anticrese em favor do credor ou de terceiros, sem afetar a garantia real anterior. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.612-13.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 11/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

No dizer de Guimarães e Mezzalira, constitui-se a anticrese por uma garantia real instituída em favor do credor (credor anticrético), que retém em seu poder bem imóvel alheio, podendo explorá-lo economicamente a fim de pagar-se integralmente quanto a seu crédito.

Distingue-se da hipoteca – daí sua pífia utilização – pelo fato de o devedor, na anticrese, perder a posse direta do bem imóvel, em favor do credor, que o utiliza com o intuito de perceber os frutos extraídos e contabilizá-los no pagamento da dívida principal.

Se já se torna dificultoso alguém adquirir bem gravado com ônus hipotecário, o que dizer de um bem imóvel onerado de anticrese, onde a posse dieta permanece nas mãos do credor, até que seja pago integralmente seu crédito. Trata-se, pois, de um negócio extremamente desvantajoso para o devedor e complexo demais para o próprio credor.

Prescreve o § 2º do CC 1.506 que o bem gravado de anticrese poderá ser hipotecado pelo devedor ao credor anticrético, ou a terceiros, assim como o bem dado em hipoteca poderá ser dado em anticrese. Ou seja, o mesmo credor anticrético poderá ter a seu favor, cumulativamente, a garantia anticrética e hipotecária em relação ao imóvel. Neste caso, a dificuldade comercial do imóvel, para o devedor, aumenta significativamente.

Distingue-se da hipoteca (e do penhor) por outra razão basilar: na anticrese não há direito de preferência ao credor anticrético em caso de inadimplência da dívida principal. Em favor deste há somente direito de retenção do imóvel, até que seja pago integralmente a obrigação, conforme a primeira parte do CC 1.423.

Extingue-se a anticrese pelas mesmas razões que vierem a extinguir a dívida principal, pois é acessória desta, como mera garantia real. Perecendo o bem, de igual forma perecerá a garantia de que se cuida.

Também será extinta a anticrese pela caducidade, quando decorrido o prazo de quinze anos de sua constituição, nos moldes do CC 1.423, segunda parte, do Código Civil. Após tal prazo, ainda que a dívida persista, a garantia real deixa de existir e, via de consequência, o direito de retenção. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.506, acessado em 11.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.507. 0 credor anticrético pode administrar os bens dados em anticrese e fruir seus frutos e utilidades, mas deverá apresentar anualmente balanço, exato e fiel, de sua administração.

§ Iº Se o devedor anticrético não concordar com o que se contém no balanço, por ser inexato, ou ruinosa a administração, poderá impugná-lo, e, se o quiser, requerer a transformação em arrendamento, fixando o juiz o valor mensal do aluguel, o qual poderá ser corrigido anualmente.

§ 2º O credor anticrético pode, salvo pacto em sentido contrário, arrendar os bens dados em anticrese a terceiro, mantendo, até ser pago, direito de retenção do imóvel, embora o aluguel desse arrendamento não seja vinculativo para o devedor.

O artigo em exame corresponde ao art. 806 do Código Civil de 1916, com significativas alterações. Como explica Loureiro, recebe o credor anticrético a posse direta do imóvel, podendo usá-lo, fruí-lo e administrá-lo, imputando os frutos e rendimentos na amortização da dívida garantida.

A exploração do imóvel poderá ser feita diretamente pelo credor, que usará as vantagens auferidas no pagamento da dívida. Nada impede que as partes ajustem desde logo um valor prefixado de remuneração decorrente do uso, desde que respeitados os princípios cogentes da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual. Caso não haja prévia estipulação do valor da utilização, deverá o credor apresentar anualmente balanço exato de sua administração, demonstrando os rendimentos e os custos da exploração do imóvel.

No caso de divergência fundada do devedor, quando os rendimentos apresentados forem inferiores aos reais, ou a administração do imóvel for ruinosa, inclusive no que se refere à sua conservação, a exploração direta poderá ser convertida em arrendamento. O juiz, na falta de acordo entre as partes, fixará o valor mensal do aluguel pela exploração do imóvel.

Salvo pacto em contrário, pode ainda o credor arrendar o imóvel a terceiro e receber os rendimentos e aluguéis, usando-os na amortização da dívida. Reterá o imóvel até a solução da obrigação garantida, mas o arrendamento não vincula o devedor anticrético, pois é parte estranha ao contrato. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.613-14.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 11/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Constando na doutrina o comentário de Ricardo Fiuza, Credor Anticrético é o titular do direito de retenção do imóvel dado em anticrese. Assim , cabe ao credor anticrético a administração do bem dado em anticrese, devendo prestar contas anualmente ao devedor anticrético . Na hipótese de administração do credor anticrético ser ruinosa, poderá o devedor anticrético impugnar as contas apresentadas, e inclusive transformar a anticrese em arrendamento, sendo o aluguel fixado judicialmente. • O § 2º do artigo trata da faculdade de o credor anticrético arrendar o bem a terceiro, receber o aluguel do arrendamento, que não será vinculado ao devedor, isso se não houver disposição contratual em contrario. • Este dispositivo equipara-se ao art. 806 do Código Civil de 1916, com considerável melhora em sua redação. No mais, deve ser aplicado à matéria o mesmo tratamento doutrinário dado ao referido artigo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 760, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 11/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Complementando Guimarães e Mezzalira, o credor anticrético deve conservar a coisa e administrá-la de acordo com a sua finalidade natural, não podendo aplicar as rendas auferidas com a retenção do bem em outros negócios, limitando-se ao pagamento da obrigação contraída (Gonçalves, 2010, p. 639).

Poderá o credor anticrético, se não quiser utilizar o bem e perceber seus frutos, arrenda-lo a terceiros, salvo se estipulado o contrário no contrato. Deve o credor apresentar balanço anual de sua administração e, se o devedor discordar, poderá impugná-lo e requerer a transformação em arrendamento, fixando o juiz o valor mensal do aluguel. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.507, acessado em 11.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.502, 1.503, 1.504, 1.505 Da Hipoteca de Vias Férreas - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.502, 1.503, 1.504, 1.505

Da Hipoteca de Vias Férreas - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo III – DA HIPOTECA

Seção V – Da Hipoteca de Vias Férreas – (Art. 1.502 a 1.505) –

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 Art. 1.502. As hipotecas sobre as estradas de ferro serão registradas no Município da estação inicial da respectiva linha. 

No comentário de Eduardo Loureiro, o artigo em exame regula o registro da hipoteca de estradas de ferro, a ser feito no oficial do registro de imóveis da estação inicial. Constitui exceção à regra do CC 1.492, no sentido de que o registro deve ser feito em todos os oficiais onde estiverem situados os imóveis hipotecados. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.611.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 10/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entender de Ricardo Fiuza, em sua doutrina, este artigo destaca as estradas de ferro e seus acessórios como objeto de hipoteca, em lace do valor econômico desses bens. A estrada de ferro deve ser compreendida como o leito sobre o qual se assentam a superestrutura metálica (trilhos e dormentes), os prédios destinados às estações, assim como o material rodante, os quais formam um todo que, por estar ligado diretamente ao solo, por acessão intelectual, caracteriza-se como imóvel. • Corresponde ao art. 852 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário.

No mesmo sentido Guimarães e Mezzalira, a hipoteca de estrada de ferro, que abrange o solo, o trilho, as estações, os terrenos marginais e o trem, deve ser registrada no Município da estação inicial da respectiva linha. Trata-se de exceção ao disposto no CC 1.492, uma vez que o seu registro não será feito no local do imóvel. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.502, acessado em 10.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.503. Os credores hipotecários não podem embaraçar a exploração da linha, nem contrariar as modificações, que a administração deliberar, no leito da estrada em suas dependências, ou no seu material.

Para a realidade de Loureiro, a regra nada mais é do que o desdobramento de uma das características do direito real de hipoteca, de que o devedor ou prestador da garantia não transfere a posse do bem ao credor.

Avulta-se a importância do preceito, pois a hipoteca sobre linhas férreas recai sobre bem coletivo, destinado à exploração de atividade de interesse público. A falta de preservação da incolumidade de certos componentes da linha, como composições, poderia comprometer a qualidade e a finalidade do transporte coletivo. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.611.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 10/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

No entender de Guimarães e Mezzalira, o credor hipotecário não pode impedir a utilização e a exploração da linha, uma vez que se trata desserviço público que deve ser contínuo e eficiente, tal como estabelecido na Constituição Federal, na Lei n. 8.987/1995 e no Código de Defesa do Consumidor. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.503, acessado em 10.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No artigo “A hipoteca das estradas de ferro”, publicada por Rogério Tadeu Romano no site jusbrasil.com.br, em setembro de 2020, tem-se generosamente, um panorama em que o autor da um plus ao artigo em comento, veja-se:

 

A hipoteca é o direito real que o devedor confere ao credor, sobre o bem imóvel ou de sua propriedade ou de outrem para que ele responda sobre o resgaste sobre a dívida. Regem a hipoteca os seguintes princípios: a) Inscrição; b) Especialização (na hipoteca judicial ela se fará por sentença); c) Legalidade; d) Prioridade; e) Publicidade. O seu caráter acessório é nítido. Não há hipoteca em que exista um crédito. Diante dos créditos trabalhistas e ainda fazendários, concorrentes, mas não concursais, o crédito hipotecário real perde a sua preferência.

 

A hipoteca pode ser: Convencional, se vem de relações contratuais; Legal, quando emana da lei; Judicial, se surge de uma decisão judicial podendo ter o conteúdo assecuratório.

Discute-se sobre a hipotecabilidade das estradas de ferro. Até 1890 a questão permaneceria em aberto não figurando, entre os dispositivos da legislação hipotecária revogada, qualquer alusão à hipotecabilidade das estradas de ferro, como o que se pode ler no art. § 1º do Decreto 169 – A, de 19 de janeiro de 1890: § 1º Só podem ser objecto de hypotheca: (…) As estradas de ferro, comprehendendo todos os seus immoveis, accessorios, material fixo e rodante.


Ruy Barbosa, em parecer que ofereceu à Companhia Paulista de Vias Férreas e Fluviais, em 6 de agosto de 1904, concluiu sobre a possibilidade das estradas de ferro serem hipotecadas.

 

Comentando o art. 233 do Decreto 370, de 2 de maio de 1890, diz Ruy Barbosa:

reg. n. 370, de 2 de maio de 1890, art. 243 prescreve que “à exceção das concessões diretamente feitas pelo Estado, mediante lei ou decreto, como sejam as de minas, caminhos de ferro e canais, as demais transmissões entre os particulares e o Estado, como pessoa civil, são sujeitas à transcrição do art. 233 desse regulamento”.

 

Ora o art. 233 desse regulamento só adscreve à transcrição a transmissão entre vivos “dos imóveis suscetíveis de hipoteca“. Se, portanto, as concessões de vias férreas não importassem direitos imobiliários, suscetíveis de hipoteca, o art. 243 daquele ato não as teria que excetuar do preceito da transcrição, consignado no art. 233.

 

Logo a seguir, aludindo ao Decreto 169-A, de 1890, disse: A nossa lei hipotecária (dec. n. 169 A, de 1890, art. 2º, § 1º, declara que podem ser objeto de hipoteca “as estradas de ferro, compreendendo todos os seus imóveis, acessórios, material fixo e rodante”.

 

Ora, não se poderiam chamar estrada de ferro as linhas interiores de carris, que os particulares assentam e mantêm dentro nos limites de seus estabelecimentos e propriedades. Mas, tirando essas, só nos restam as vias férreas do Estado e as pelo Estado concedidas. A estas duas espécies, logo, é que alude o texto acima transcrito. A hipotecabilidade ali determinada abrange, pois, as vias férreas exploradas pelo Estado e as vias férreas exploradas pelas empresas a que o Estado as outorga. O decr. de 1890 cortou aqui, assim, a questão sobre dois pontos controversos noutros países. As ferrovias do Estado não são propriedades dominiais; não estão fora de comércio; não são inalienáveis (…).

 

Podem ser, portanto, hipotecadas. A matéria foi objeto de disciplina no artigo 852 a 855 do Código Civil de 1916. Ditava o artigo 180 do Decreto 4.857, de 9 de novembro de 1939, diploma já revogado: Art. 180. Os atos relativos a vias férreas serão registados no cartório correspondente à estação inicial da respectiva linha.

 

Lei dos Registros Públicos, Lei 6.015/73 assim determinou:

 

Art. 171. Os atos relativos, a vias férreas serão registrados no cartório correspondente à estação inicial da respectiva linha. (Renumerado do art. 170 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975)

 

Somente mais tarde, pela redação dada pelo Código Civil (art. 852 e seguintes), a matéria seria adequadamente regulada. Do Código de 1916, migrou para os regulamentos de Registro e atualmente está disciplinada no art. 171 da Lei 6.015, de 1973).

 

Determina o Código Civil, no artigo 1.473, que as estradas de ferro podem ser objeto de hipoteca. A ferrovia é suscetível de hipoteca, como complexo abrangente de material fixo, envolvendo: trilhos assentados, oficinas, estações, linhas telegráficas.

 

No entendimento de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, 2ª edição, volume IV, pág. 310) a característica predominante na hipoteca das vias férreas reside na continuidade do seu funcionamento. Para tanto, quer a lei que o credor respeite a administração e suas deliberações, assim no tocante à exploração da linha como nas modificações deliberadas no leito da estrada, em suas dependências e no seu material. Tem-se assim o artigo 1.502 do Código Civil de 2002:

 

Art. 1.502. As hipotecas sobre as estradas de ferro serão registradas no Município da estação inicial da respectiva linha.

 

A hipoteca deve ser objeto de inscrição no Município sede da estação inicial. E quanto à extensão, poderá abranger toda a estrada ou uma determinada linha, caso em que os credores hipotecários têm o direito de impedir operações que possam romper a unidade da exploração comercial, tais como a venda da estrada ou de suas linhas, ou ainda a fusão com outra empresa que a garantia lhes parece com isso ser enfraquecida.

 

Defende-se aqui a aplicabilidade do art. 171 da Lei nº 6.015/73, pois os atos relativos às vias férreas devem ser registrados no cartório correspondente à estação inicial da respectiva linha, a fim de respeitar o vetor de conhecimento da territorialidade. Aliás, este dispositivo legal deveria ser paragrafado lançando a obrigatoriedade de remissões recíprocas nas matrículas interceptadas pelo eixo da linha férrea nas respectivas Serventias Extrajudiciais Imobiliárias, como bem acentuou André Luís Fontanela (O procedimento registral das linhas férreas).

 

Tem-se do artigo 1.503 do Código Civil de 2002: Art. 1.503. Os credores hipotecários não podem embaraçar a exploração da linha nem contrariar as modificações, que a administração deliberar, no leito da estrada ,em suas dependências, ou no seu material.

Embaraçar é estorvar, impedir, tolher, dificultar, incomodar. O texto não só cogita de credores hipotecários, e, como tais, não podem pretender nem a posse, nem o uso, nem o gozo ou a exploração da via hipotecada. (Rogério Tadeu Romano no site jusbrasil.com.br, em setembro de 2020, no artigo “A hipoteca das estradas de ferro”,  acessado em 10.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.504. A hipoteca será circunscrita à linha ou às linhas especificadas na escritura e ao respectivo material de exploração, no estado em que ao tempo da execução estiverem; mas os credores hipotecários poderão opor-se à venda da estrada, à de suas linhas, de seus ramais ou de parte considerável do material de exploração; bem como à fusão com outra empresa, sempre que com isso a garantia do débito enfraquecer. 

Como no comentário ao artigo, Loureiro alerta: O artigo em exame reúne algumas regras específicas sobre a hipoteca de linhas férreas. A primeira é que a hipoteca pode recair sobre toda a estrada de ferro ou somente sobre determinadas linhas, de acordo com o que especificar o respectivo título.

A segunda é que a linha férrea é um bem coletivo (art. 90 do CC), pois se constitui de uma pluralidade de bens singulares, pertinentes à mesma pessoa, com destinação unitária. A garantia abrange a totalidade do bem, incluindo materiais de exploração tais como estações, escritórios, pátios de manobras, bilheterias, galpões de carga, locomotivas, vagões e tudo o mais que for necessário ao funcionamento regular da linha.

A terceira é que os credores podem se opor à venda da estrada, das linhas ou de parte considerável do material de exploração, assim como à fusão com outra empresa, sempre que tais atos enfraquecerem a garantia. Não se aplica às linhas férreas, portanto, a regra cogente do art. 1.475 do Código Civil, que comina a nulidade da cláusula proibitiva de alienação do bem hipotecado. Cabe ao credor uma de duas alternativas: (i) opor-se à venda; (ii) considerar a dívida vencida antecipadamente. Cabe-lhe, porém, o ônus de demonstrar que os atos de alienação ou fusão provocaram a deterioração da garantia. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.611-12.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 10/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

No comentário de Rogério Tadeu Romano, por sua vez, segundo o CC 1.504, prescreve: A hipoteca será circunscrita à linha ou às linhas especificadas na escritura e ao respectivo material de exploração, no estado em que ao tempo da execução estiverem; mas os credores hipotecários poderão opor-se à venda da estrada, à de suas linhas, de seus ramais ou departe considerável do material de exploração; bem como à fusão com outra empresa, sempre que com isso a garantia do débito enfraquecer.

Estudando o artigo 854 do Código Civil de 1916, Tito Fulgêncio (Direito Real de Hipoteca, volume II, 1960, pág. 491) dizia com relação a expressão “a hipoteca será circunscrita à linha, ou linhas especificadas”, que isso, porém, se entende, como de hermenêutica, sem prejuízo da compreensão, de maneira que, particularizadas às linhas, o ramal, a estrada, o vínculo hipotecário abrange o solo, os trilhos, construções acessórias, respectivo material de exploração. A escritura é forma especial de constituição da garantia.

Entende-se que a hipoteca em geral não impede as alienações, o devedor hipotecário continua senhor e possuidor do imóvel, pode livremente dispor da coisa, que seguirá para o poder do adquirente com o ônus hipotecário, garantido o credor por sequela e preferência.

Os credores hipotecários, não obstante, poderão opor-se: a) à venda de estrada, à de suas linhas, de seus ramais, ou de parte considerável do material de exploração; bem como à fusão com outra empresa, sempre que a garantia lhes parecer enfraquecida (artigo 824 do CC de 1916).

Disse então Tito Fulgêncio (obra citada, pág. 492): “O legislador, aqui, por necessidades de crédito, restringe esse direito do devedor, concedendo ao credor a faculdade de impedir-lhe o uso, vetando a venda in totum ou em parte, da estrada, de uma ou mais linhas, de todo ou de parte considerável do material de exploração, do ramal ou ramais.

Em caso de arrematação, nos casos de execução, não se passará carta ao maior licitante antes da intimação ao representante da Fazenda Nacional ou do Estado a que tocar a preferência para utilizá-la no prazo de quinze dias, pagando o preço da arrematação ou da adjudicação. 

Tal refere-se ao credor hipotecário que requerer para seu pagamento a adjudicação da via férrea hipotecada, ao qual, sendo requerido, expede-se para título e prova do seu direito, carta de adjudicação com as formalidades da arrematação, substituindo o auto desta pela de adjudicação, como ainda informou Tito Fulgêncio (obra citada, pág. 493). (Rogério Tadeu Romano no site jusbrasil.com.br, em setembro de 2020, no artigo “A hipoteca das estradas de ferro”,  acessado em 10.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Lecionando, Guimarães e Mezzalira, demonstram que o dispositivo exige a perfeita especialização dos bens gravados como forma de delimitação da garantia, até mesmo para que não ocorra a confusão com bens de terceiros. 

Os credores hipotecários poderão opor-se à venda da estrada, de suas linhas, de seus ramais ou de parte considerável do material de exploração. Trata-se de exceção à regra de que a venda não viola a garantia, tendo em vista a possibilidade de enfraquecimento da garantia. A alienação da via férrea, apesar da oposição do credor, constitui causa configuradora do vencimento antecipado da dívida (CC 1.425). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.504, acessado em 10.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.505. Na execução das hipotecas será intimado o representante da União ou do Estado, para, dentro em quinze dias, remir a estrada de ferro hipotecada, pagando o preço da arrematação ou da adjudicação. 

De acordo com o comentário de Loureiro, a antinomia com o art. 699 do CPC (Revogado pela Lei nº 11.382, de 2006) se resolve a favor do Código Civil de 2002, lei posterior, da mesma hierarquia, que regula idêntico tema de modo diverso. Diante do interesse público decorrente da natureza da atividade de transporte público, confere a lei o direito potestativo da administração pública federal ou estadual de remir a hipoteca, pelo preço da arrematação ou adjudicação, no prazo fatal de quinze dias, com termo inicial da data da intimação. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.612.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 10/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Estudando no compasso de Guimarães e Mezzalira, no caso de execução da garantia e de arrematação ou adjudicação da coisa, tendo em vista o interesse público, o representante da União ou do Estado deverá ser intimado para o exercício de direito de preferência, mediante remição, no prazo de 15 dias contados da intimação.

A previsão se ajusta à função social da propriedade, possibilitando que uma pessoa jurídica de direito público venha a continuar a exploração da estrade de ferro. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.505, acessado em 10.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comentando o artigo 1.505, Romano cita, tinha-se o artigo 855 do Código Civil de 1916, revogado: Nas execuções dessas hipotecas não se passará carta ao maior licitante, nem ao credor adjudicatário, antes de se intimar o representante a Fazenda Nacional, ou do Estado, a que tocar a preferência, para, dentro em quinze dias, utilizá-la, se quiser, pagamento o preço da arrematação, ou da adjudicação fixada. Consagrava aquele artigo 855 do Código Civil de 1916 o direito de remir, sobreposto ao de arrematação ou adjudicação. 

Como acentuou Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 311) outra peculiaridade da hipoteca de ferrovia é que, no caso de arrematação, não se passará carta ao maior licitante antes da intimação do Representante da Fazenda Nacional ou do Estado, a que tocar a preferência, para utilizá-la no prazo de 15 (quinze) dias, pagando o preço da arrematação ou adjudicação. 

A propósito leia-se: o que dizia o CPC de 1939 (artigo 976, parágrafo único; artigo 985 e 953; Decreto-lei nº 3.109, de 13 de setembro de 1945; Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, artigo 180; Decreto-lei nº 1.000, de 21 de outubro de 1969, artigo 169).

O prazo instituído no artigo 855 do Código Civil de 1916 não é extintivo para a Fazenda Pública, como disse Clóvis Beviláqua, ao ensinar: “Não obstante a carta, a Fazenda Pública exercerá esse direito, chamando a si a estrada pelo preço fixado”. (Rogério Tadeu Romano no site jusbrasil.com.br, em setembro de 2020, no artigo “A hipoteca das estradas de ferro”,  acessado em 10.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).