quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.506, 1.507 Da Anticrese - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.506, 1.507

Da Anticrese - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo IV – DA ANTICRESE

– (Art. 1.506 a 1.510) - digitadorvargas@outlook.com  

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 Art. 1.506. Pode o devedor ou outrem por ele, com a entrega do imóvel ao credor, ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendimentos. 

§ 1º É permitido estipular que os frutos e rendimentos do imóvel sejam percebidos pelo credor à conta de juros, mas se o seu valor ultrapassar a taxa máxima permitida em lei para as operações financeiras, o remanescente será imputado ao capital.

§ 2º  Quando a anticrese recair sobre bem imóvel, este poderá ser hipotecado pelo devedor ao credor anticrético, ou a terceiros, assim como o imóvel hipotecado poderá ser dado em anticrese.

Historicamente esta era a redação original do presente dispositivo quando de seu envio ao Senado Federal: “Pode o devedor ou outrem por ele, entregando ao credor imóvel, ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendimentos”. Emenda da lavra do Senador Josaphat Marinho foi apresentada com a seguinte justificativa: “modifica-se a redação do dispositivo para facilitar o entendimento, evitando-se a expressão credor imóvel”. A linguagem adotada pela emenda é mais correta, evitando a cacofonia. O relator Fiuza foi pela sua aprovação. No tocante à manutenção do instituto da anticrese, condenada por muitos, o Deputado Fiuza abraça os argumentos de Ernani Satyro: A anticrese “não merece ser excluída do Código, especialmente em virtude da disciplina atualizada que recebeu no Projeto, o que permitirá o seu maior emprego. Não é demais que se disponha de um modelo jurídico que, quando menos se espera, passa a atender, com mais frequência, aos interesses da vida prática. Foi o que se deu com o antes vetusto instituto da ‘superfície’, que reaparece”.

Em seus comentários, Ricardo Fiuza, em sua Doutrina cita, na clássica definição de Clóvis Beviláqua, “anticrese é o direito real sobre imóvel alheio, cru virtude do qual o credor obtém a posse da coisa, a fim de perceber-lhes os frutos e imputá-los no pagamento da dívida, juros e capital sendo, porem permitido estipular que os frutos sejam, na sua totalidade, percebidos à conta de juros” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil).

Equipara-se este dispositivo ao art. 805 do Código Civil de 1916, com considerável melhora em sua redação. No mais, deve ser aplicado à matéria o mesmo tratamento doutrinário dado ao dispositivo apontado.

Muito se tem discutido sobre a utilidade desse tipo de direito real de garantia entendendo-se que a anticrese foi substituída pela hipoteca, que tem preferência, uma vez que o devedor fica com o bem. A nosso ver deve aquela ser mantida, já que amplia os direitos reais de garantia com mais uma opção a credores e devedores, e pode ser mais vantajosa que a hipoteca e o penhor , por não permitir a venda da coisa dada em garantia, sendo apenas um direito de retenção e fruição, até que se pague a totalidade da divida. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 759-60, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 11/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nos comentários de Loureiro, repete o entendimento de Clóvis Beviláqua, citado acima por Ricardo Fiuza no artigo em exame que contém alterações pontuais em seus dois parágrafos, em relação ao correspondente art. 805.

Não se justifica a manutenção da anticrese em nosso ordenamento jurídico, diante de sua escassa utilidade e do raro uso nos negócios. Define-se, na lição de Clóvis Bevilaqua, como “o direito real sobre imóvel alheio, em virtude do qual o credor o possui, a fim de perceber-lhes os frutos e imputá-los no pagamento da dívida, juros e capital, ou somente dos juros” (Direito das coisas, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951,1.1, p. 101).

Recai sobre bens imóveis frutíferos pertencentes ao devedor ou a terceiro prestador da garantia. O objeto da anticrese não é propriamente o imóvel, mas sim os seus frutos. O credor anticrético pode usar o imóvel e receber os seus frutos, retendo a posse até a solução da obrigação, mas não levar o prédio à excussão.

A constituição se dá mediante negócio jurídico solene, sempre por escrito e mediante escritura pública, se de valor superior a trinta salários-mínimos, com a devida especialização. O título é levado ao registro imobiliário, de natureza constitutiva do direito real. Antes do registro, há mero direito obrigacional - iura ad rem - do credor anticrético. A posse direta do imóvel é transferida ao credor, mas sem caráter constitutivo da garantia.

Podem constituir a anticrese não somente o proprietário do imóvel, mas também os titulares de poder de disposição dos rendimentos, entre os quais o enfiteuta, o usufrutuário e o superficiário.

O credor anticrético pode explorar pessoalmente o imóvel, atribuindo valor ao uso, ou entregá-lo à exploração de terceiros e receber os seus frutos e rendimentos, em ambos os casos com a finalidade de amortização da dívida. Nada impede que recaia a anticrese também sobre produtos, mediante expressa convenção entre as partes. Anota com razão Gladston Mamede que nada impede que recaia a anticrese sobre frutos naturais ou industriais e que a cessão do imóvel seja feita com acessórios e pertenças, marca e outros direitos. Haveria negócio de anticrese sobre a base física - imóvel - e penhor sobre bens móveis e pertenças (Código Civil comentado, São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 473).

O § Iº prevê o critério de amortização da dívida garantida com os frutos e rendimentos recebidos pelo credor anticrético. A norma, de caráter dispositivo, vigente no silêncio de convenção em contrário das partes, dispõe que os rendimentos do imóvel anticrético serão imputados preferencialmente no pagamento dos juros. Os juros convencionais e legais encontram limite nos CC 591 e 406 do Código Civil, salvo no caso de instituições financeiras, às quais se permite cobrar juros livremente convencionados, à taxa de mercado. Se os frutos superarem o valor dos juros, serão imputados ao capital.

O § 2º tem relevante novidade, pois não mais adota a limitação, como fazia o Código Civil de 1916, de que a hipoteca e a anticrese de imóveis já gravados com garantia real sejam constituídas apenas em favor do mesmo credor. O devedor anticrético não perde a disponibilidade do imóvel, podendo aliená-lo a terceiros, que respeitarão as garantias reais já constituídas. É lógico, portanto, que o devedor anticrético constitua hipoteca em favor do credor ou de terceiros, ou que o devedor hipotecário possa constituir anticrese em favor do credor ou de terceiros, sem afetar a garantia real anterior. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.612-13.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 11/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

No dizer de Guimarães e Mezzalira, constitui-se a anticrese por uma garantia real instituída em favor do credor (credor anticrético), que retém em seu poder bem imóvel alheio, podendo explorá-lo economicamente a fim de pagar-se integralmente quanto a seu crédito.

Distingue-se da hipoteca – daí sua pífia utilização – pelo fato de o devedor, na anticrese, perder a posse direta do bem imóvel, em favor do credor, que o utiliza com o intuito de perceber os frutos extraídos e contabilizá-los no pagamento da dívida principal.

Se já se torna dificultoso alguém adquirir bem gravado com ônus hipotecário, o que dizer de um bem imóvel onerado de anticrese, onde a posse dieta permanece nas mãos do credor, até que seja pago integralmente seu crédito. Trata-se, pois, de um negócio extremamente desvantajoso para o devedor e complexo demais para o próprio credor.

Prescreve o § 2º do CC 1.506 que o bem gravado de anticrese poderá ser hipotecado pelo devedor ao credor anticrético, ou a terceiros, assim como o bem dado em hipoteca poderá ser dado em anticrese. Ou seja, o mesmo credor anticrético poderá ter a seu favor, cumulativamente, a garantia anticrética e hipotecária em relação ao imóvel. Neste caso, a dificuldade comercial do imóvel, para o devedor, aumenta significativamente.

Distingue-se da hipoteca (e do penhor) por outra razão basilar: na anticrese não há direito de preferência ao credor anticrético em caso de inadimplência da dívida principal. Em favor deste há somente direito de retenção do imóvel, até que seja pago integralmente a obrigação, conforme a primeira parte do CC 1.423.

Extingue-se a anticrese pelas mesmas razões que vierem a extinguir a dívida principal, pois é acessória desta, como mera garantia real. Perecendo o bem, de igual forma perecerá a garantia de que se cuida.

Também será extinta a anticrese pela caducidade, quando decorrido o prazo de quinze anos de sua constituição, nos moldes do CC 1.423, segunda parte, do Código Civil. Após tal prazo, ainda que a dívida persista, a garantia real deixa de existir e, via de consequência, o direito de retenção. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.506, acessado em 11.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.507. 0 credor anticrético pode administrar os bens dados em anticrese e fruir seus frutos e utilidades, mas deverá apresentar anualmente balanço, exato e fiel, de sua administração.

§ Iº Se o devedor anticrético não concordar com o que se contém no balanço, por ser inexato, ou ruinosa a administração, poderá impugná-lo, e, se o quiser, requerer a transformação em arrendamento, fixando o juiz o valor mensal do aluguel, o qual poderá ser corrigido anualmente.

§ 2º O credor anticrético pode, salvo pacto em sentido contrário, arrendar os bens dados em anticrese a terceiro, mantendo, até ser pago, direito de retenção do imóvel, embora o aluguel desse arrendamento não seja vinculativo para o devedor.

O artigo em exame corresponde ao art. 806 do Código Civil de 1916, com significativas alterações. Como explica Loureiro, recebe o credor anticrético a posse direta do imóvel, podendo usá-lo, fruí-lo e administrá-lo, imputando os frutos e rendimentos na amortização da dívida garantida.

A exploração do imóvel poderá ser feita diretamente pelo credor, que usará as vantagens auferidas no pagamento da dívida. Nada impede que as partes ajustem desde logo um valor prefixado de remuneração decorrente do uso, desde que respeitados os princípios cogentes da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual. Caso não haja prévia estipulação do valor da utilização, deverá o credor apresentar anualmente balanço exato de sua administração, demonstrando os rendimentos e os custos da exploração do imóvel.

No caso de divergência fundada do devedor, quando os rendimentos apresentados forem inferiores aos reais, ou a administração do imóvel for ruinosa, inclusive no que se refere à sua conservação, a exploração direta poderá ser convertida em arrendamento. O juiz, na falta de acordo entre as partes, fixará o valor mensal do aluguel pela exploração do imóvel.

Salvo pacto em contrário, pode ainda o credor arrendar o imóvel a terceiro e receber os rendimentos e aluguéis, usando-os na amortização da dívida. Reterá o imóvel até a solução da obrigação garantida, mas o arrendamento não vincula o devedor anticrético, pois é parte estranha ao contrato. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.613-14.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 11/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Constando na doutrina o comentário de Ricardo Fiuza, Credor Anticrético é o titular do direito de retenção do imóvel dado em anticrese. Assim , cabe ao credor anticrético a administração do bem dado em anticrese, devendo prestar contas anualmente ao devedor anticrético . Na hipótese de administração do credor anticrético ser ruinosa, poderá o devedor anticrético impugnar as contas apresentadas, e inclusive transformar a anticrese em arrendamento, sendo o aluguel fixado judicialmente. • O § 2º do artigo trata da faculdade de o credor anticrético arrendar o bem a terceiro, receber o aluguel do arrendamento, que não será vinculado ao devedor, isso se não houver disposição contratual em contrario. • Este dispositivo equipara-se ao art. 806 do Código Civil de 1916, com considerável melhora em sua redação. No mais, deve ser aplicado à matéria o mesmo tratamento doutrinário dado ao referido artigo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 760, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 11/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Complementando Guimarães e Mezzalira, o credor anticrético deve conservar a coisa e administrá-la de acordo com a sua finalidade natural, não podendo aplicar as rendas auferidas com a retenção do bem em outros negócios, limitando-se ao pagamento da obrigação contraída (Gonçalves, 2010, p. 639).

Poderá o credor anticrético, se não quiser utilizar o bem e perceber seus frutos, arrenda-lo a terceiros, salvo se estipulado o contrário no contrato. Deve o credor apresentar balanço anual de sua administração e, se o devedor discordar, poderá impugná-lo e requerer a transformação em arrendamento, fixando o juiz o valor mensal do aluguel. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.507, acessado em 11.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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