quarta-feira, 8 de junho de 2022

Código Civil Comentado – Art. 245, 246 Da Obrigação de Dar Coisa Incerta – VARGAS, Paulo S. - digitadorvargas@outlook.com – paulonattvargas@gmail.com - Whatsap: +55 22 98829-9130 Facebook: VARGAS DIGITADOR

 

Código Civil Comentado – Art. 245, 246
Da Obrigação de Dar Coisa Incerta

VARGAS, Paulo S. - digitadorvargas@outlook.com
paulonattvargas@gmail.com -
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Parte Especial Livro I Do Direito Das Obrigações

Título I Das Modalidades Das Obrigações

Capítulo I Das Obrigações de Dar

Seção II - Da Obrigação de Dar Coisa Incerta

(arts. 243 até 246)

 

Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente.

 

Dando continuidade à sua apreciação ao artigo anterior, Hamid Charaf Bdine Jr, nos comentários ao CC art. 245, p. 195 do Código Civil Comentado, explica: “Após a escolha do bem a ser entregue, ele estará individualizado e deixará de ser incerto. Em consequência, as regras que se aplicam à solução do cumprimento da obrigação são aquelas da seção antecedente destinadas às obrigações de dar coisa certa”. O dispositivo deixa assentado que somente após a cientificação do credor tornar-se-á certa a coisa objeto da obrigação. O art. 876 do Código Civil de 1916 estabelecia a própria escolha como momento a partir do qual incidiam as regras da seção anterior, o que permitia a interpretação de que o devedor podia fazer a escolha e aplicar as regras da obrigação de dar coisa certa antes mesmo de o credor saber qual bem especificamente lhe seria entregue. Outra questão que o dispositivo pode suscitar é o fato de ele cuidar apenas da identificação da escolha ao credor, sem disciplinar os casos em que a faculdade de escolher é dele, e não do devedor. É certo, porém, que nesse caso a escolha do credor tornará certa a obrigação apenas a partir do momento em que for cientificado o devedor. Até essa oportunidade, a escolha feita pelo credor não pode ser oponível ao devedor. Do mesmo modo, acrescenta Renan Lotufo, “se a concentração for da competência do credor ou de terceiro aplicar-se-á outra regra, qual seja, ela somente obterá eficácia no instante em que for comunicada ao devedor ou a ambos, quando a escolha for de terceiro. Do contrário, conforme Antunes Varela (Das obrigações em geral, p. 850), o devedor não saberia que coisas lhe podiam ser exigidas, nem o credor com que coisas poderia contar” (Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 44). Não se diga, porém, que a cientificação da escolha referida no presente dispositivo seja suficiente para caracterizar a mora. É possível que o momento da escolha não coincida com o do cumprimento efetivo, de maneira que, a despeito de a escolha ter sido cientificada ao interessado, ele ainda não fará jus à entrega. Assim, se um criador de cães é obrigado a entregar um animal ao adquirente no prazo de noventa dias, o fato de lhe comunicar qual o cão que lhe será entregue não implica que não possa aguardar o decurso do prazo estipulado para fazer a entrega. Nessa hipótese, é válida a escolha e a obrigação passa a ser de entrega de coisa certa. As regras a respeito da mora e do inadimplemento absoluto passam a ser as relativas à obrigação de dar coisa certa (arts. 233 e segs. do CC). (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 245, p. 196 do Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

No entender da equipe de Guimarães e Mezzalira, o ato da escolha é, conforme determinado no artigo seguinte (art. 246), o divisor de águas nas obrigações de entregar coisa incerta. Antes da individuação, o devedor continua obrigado a cumprir a obrigação, independentemente de qualquer dano que se abata à coisa: após a escolha, havendo a perda da coisa sem que haja culpa ou dolo de sua parte, a obrigação resolve-se. Desse modo, faz-se imperioso que o ato da escolha seja positivado de maneira inequívoca. Não basta que o devedor separe o bem a ser entregue ao credor, mas que, efetivamente, venha a coloca-lo à disposição do credor. Inexistindo indicação diversa em contrato, o credor deverá ser notificado da escolha, por via judicial ou extrajudicial.

 

Com a escolha, a relação obrigacional passa a ser regida pelas normas atinentes às obrigações de dar coisa certa (CC, arts. 233 e 242). Nesse sentido, Pereira destaca que o estado de indeterminação “/c/essará, pois, com a escolha, a qual se verifica e se reputa consumada, tanto no momento em que o devedor efetiva a entrega real da coisa, como ainda quando diligencia praticar o necessário à prestação” (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria geral das obrigações, Rio de Janeiro: Forense, p. 56). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 245, acessado em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na toada dos autores Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, depois da escolha, a obrigação passa a ser de dar coisa certa, aplicando-se as regras a ela atinentes, de acordo com o art. 245; entretanto, tal característica somente ocorre a partir da ciência do credor acerca da escolha. Em função disso, antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito (art. 246). Nesse caso, tem o devedor a obrigação de garantir ao credor a entrega da coisa de acordo com o gênero e quantidade indicados no negócio jurídico. (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único. Item 1. Classificação legal das obrigações Item 1.1.3.1. Concentração, p. 620, Comentários ao CC. 245. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito.

 

Na balada dos comentários do artigo anterior, Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 246, p. 196-197 do Código Civil Comentado continua: Até o momento da escolha - ou, mais especificamente, como assegura o artigo antecedente, até a cientificação da escolha -, não há individualização do bem a ser entregue pelo devedor, de modo que não é possível admitir o perecimento ou a deterioração para a resolução da obrigação. Com efeito, até a escolha, o bem indicado pelo gênero e pela quantidade pode ser encontrado para a satisfação da obrigação devida, sendo irrelevante que o bem separado pelo devedor, com o objetivo de dar cumprimento à obrigação, venha a se perder ou deteriorar. É essencial para que a escolha produza efeitos em relação ao credor que ela seja exteriorizada, permitindo que se possa saber exatamente qual o bem que será entregue ao credor (art. 245 do CC). Adverte Caio Mário da Silva Pereira que somente por exceção se poderá dizer que determinado gênero desapareceu completamente (Instituições de direito civil, 20. ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 57). Enquanto houver possibilidade de encontrar quantidade suficiente do gênero da coisa indicada para cumprimento da prestação, o adimplemento será possível. Talvez a regra não possa ser aplicada com extremo rigor em hipóteses específicas, em que, a despeito de a obrigação recair sobre a entrega de coisa incerta e de o ajuste ser celebrado entre as partes, seja possível extrair que a universalidade sobre a qual recairá a escolha integra gênero restrito (Miranda, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas, Bookseller, 2003, t. XXII, p. 134-5). Nesse caso, se todos os bens perecerem ou se deteriorarem sem culpa do devedor, será aplicável à hipótese a solução própria das obrigações de dar coisa certa (arts. 234 e 235 do CC) (Pereira, Caio Mário. Op. cit., p. 57). Caso o perecimento ou a deterioração resultarem de culpa do devedor, as soluções serão as que se estabelecem nos arts. 234, segunda parte, e 236. Basta imaginar que determinada viúva de um marceneiro se obriga a entregar ao credor uma das várias mesas confeccionadas por ele. No entanto, antes da data da entrega, os móveis são furtados, de maneira que a infungibilidade da obrigação irá impedi-la de cumprir tal obrigação, sendo irrelevante que se tratasse de obrigação de dar coisa incerta, determinada apenas pelo gênero e pela quantidade (Cruz, Gisela Sampaio da. “Obrigações alternativas e com faculdade alternativa. Obrigações de meio e de resultado”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 150-1). O tema também foi enfrentado por Gustavo Bierambaum que aponta outra exceção à regra em exame: mercadoria que deixa de ser fabricada entre o momento da celebração do negócio e o da concentração - momento da identificação da coisa, que passa a ser certa - (“Classificação: obrigações de dar, fazer e não fazer”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 132). (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 246, p. 197 do Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Nas elucubrações da equipe de Guimarães e Mezzalira, das obrigações de dar coisa incerta, a posição do devedor com relação aos riscos da coisa agrava-se. Sob essa modalidade, até o momento da escolha (ou concentração) – em que os bens a serem entregues serão individualizados -, todos os riscos, até mesmo aqueles de natureza fortuita ou de força maior, ficam por conta do devedor. Efetuada a escolha, passa-0se a aplicar as regras atinentes à entrega de coisa certa (CC, arts. 233 a 242). Essa disciplina é reflexo do princípio segundo o qual o gênero nunca perece genus nunquam perit). Sobre esse aspecto, Beviláqua explicava que “”[s]e a coisa incerta fôr determinada pelo gênero, não perecerá, porque o gênero não perece (genera nor pereunt). Antes de individualizada a coisa pela escolha do credor ou do devedor, conforme a este ou aquele competir fazê-la, não há uma coisa, que se diga objeto da prestação, que se possa, determinadamente, exigir ao devedor. Se alguma do mesmo gênero da prometida perecer, não é a devida, porque ainda nenhuma, precisamente o é. Depois da escolha, a coisa individualiza-se, torna-se certa”. (Beviláqua, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Rio de Janeiro, 1984, p. 12).

 

Assim, se o devedor obrigou-se a entregar mil sacas de farinha de trigo, não poderá esquivar-se do cumprimento da obrigação, alegando que não as tem em seu poder ou de que elas tenham se perdido em parte ou no todo. De outro modo, situação idêntica não se repete, caso o devedor tenha se obrigado a entregar quadro de pintor famoso. Nessa hipótese, perdendo-se o quadro, resolve-se a situação, variando-se as consequências conforme as regras para a obrigação de dar coisa certa.

 

Deve-se notar, no entanto, que o princípio segundo o qual o gênero não perece comporta temperamentos. Nos casos em que, embora a obrigação seja genérica, porém o gênero seja limitado (genus limitatum), o perecimento ou a inviabilidade de todos os exemplares daquele acarretará na extinção da obrigação. (Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Saraiva: São Paulo 2001, p. 85).

 

Assim, são considerados bens de gênero limitado os bois de determinada fazenda, o vinho de certa vindima, os livros de determinada edição, entre outros. ((Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Saraiva: São Paulo 2001, p. 85).

 

Por óbvio, em todos esses exemplos, a extinção, sem culpa do devedor, daquele grupo de coisas entre as quais o objeto da obrigação estava inserido acarreta em sua extinção. A esse respeito, gomes elogia a relação do Código Civil alemão o qual esclareceu que a responsabilidade do devedor nestes casos persistiria enquanto fosse possível uma prestação do gênero. (Gomes, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, p. 230). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 246, acessado em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Em função disso, Sebastião de Assis Neto et al, como já apontado acima, antes da escolha não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito (art. 246). Nesse caso, tem o devedor a obrigação de garantir ao credor a entrega da coisa de acordo com o gênero e quantidade indicados no negócio jurídico.

 

Com efeito, obrigando-se o devedor, por exemplo, à entrega de uma tonelada de soja, o objeto da obrigação é coisa incerta, razão pela qual a parte se obriga à entrega genérica da mercadoria, justamente em virtude da disponibilidade de seu estoque. Por isso antes do adquirente escolher a coisa a ser entregue, não pode haver alegação de perda ou deterioração, pois, antes da escolha, o interesse do comprador não é dirigido à mercadoria que tenha eventualmente perecido ou deteriorado, mas sobre algo indicado apenas pelo gênero, quantidade e qualidade. Por isso, o adquirente não pode sofrer com a perda da coisa genérica ainda não especificada (regra genus non perit). (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único. Item 1. Classificação legal das obrigações Item 1.1.3.1. Concentração, p. 620, Comentários ao CC. 246. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 6 de junho de 2022

Código Civil Comentado – Art. 243, 244 Da Obrigação de Dar Coisa Incerta – VARGAS, Paulo S. - digitadorvargas@outlook.com – paulonattvargas@gmail.com - Whatsap: +55 22 98829-9130 Facebook: VARGAS DIGITADOR

 

Código Civil Comentado – Art. 243, 244
Da Obrigação de Dar Coisa Incerta
VARGAS, Paulo S. - digitadorvargas@outlook.com
paulonattvargas@gmail.com - Whatsap: +55 22 98829-9130
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Parte Especial Livro I Do Direito Das Obrigações

Título I Das Modalidades Das Obrigações

Capítulo I Das Obrigações de Dar

Seção II - Da Obrigação de Dar Coisa Incerta

(arts. 243 até 246)

 

Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade.

 

A lucidez argumentativa de Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 243, p. 194 do Código Civil Comentado, claramente explica: A obrigação de dar coisa incerta só é possível se o credor e o devedor tiverem condições mínimas de identificar o bem a ser entregue. Essa identificação mínima reside na indicação do gênero e da quantidade. Verifique-se que tanto um quanto outro devem ser indicados, pois não se trata de requisitos alternativos, na medida em que a presença de apenas um deles não permitirá a escolha ou concentração - ato pelo qual se identifica a coisa incerta, que, neste momento, se torna certa e passa a ser regida pelas regras aplicáveis à obrigação de dar coisa certa. Basta imaginar que a obrigação de entregar cem sacas de café é obrigação de dar coisa incerta, pois não há especificação do tipo de café a ser entregue, de modo que diversos deles poderão representar o atendimento da prestação. Não é suficiente afirmar que o objeto da prestação é cem sacas (quantidade), sem especificar o gênero do produto, pois a obrigação será inexequível. Do mesmo modo, não basta dizer que deverão ser entregues sacas de café colombiano (gênero), sem a indicação da quantidade delas. Não sendo a prestação determinável - pelo gênero e pela quantidade -, ao menos haverá que reconhecer a invalidade do negócio nos termos do disposto nos arts. 166, II, c/c 104, II, do Código Civil. A obrigação de dar coisa incerta não se confunde com as obrigações alternativas (arts. 252 a 256 do CC), nas quais as prestações são especificadas e não se identificam apenas pelo gênero e pela quantidade. Essencialmente, nas alternativas, as prestações colocadas à escolha de um dos contratantes são, em si, certas e determinadas, não sendo, necessariamente, do mesmo gênero (Bierambaum , Gustavo, “Classificação: obrigações de dar, fazer e não fazer”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 133). (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 243, p. 194 do Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 19/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Na linha de raciocínio da Equipe de Guimarães e Mezzalira, para que as obrigações de dar coisa incerta sejam possíveis, deverão estar, cumulativamente, indicados, no título correspondente, o gênero e a quantidade do bem objeto da obrigação. Sem a presença de qualquer um deles, impossibilita-se o ato de escolha ou concentração, por meio do qual é identificada a coisa incerta, a qual, nesse momento, torna-se certa. Nesse aspecto, Pereira preleciona que “[o] estado de indeterminação é transitório, sob pena de faltar objeto à obrigação. O devedor não pode ser compelido à prestação genérica. Até o momento da execução, a obrigação de gênero deverá converter-se em entrega de coisa certa” (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, p. 56). Assim, nos casos em que não for possível proceder-se com a escolha, deverá ser decretada invalidade do negócio (CC arts. 104, II e 166, II). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 243, acessado em 19/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No item 1.1.3. – Obrigações de dar coisa incerta, os autores Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, explicitam a caracterização da coisa incerta se dar per falta de individualização. O objeto do registro jurídico deve ser, pelo menos, determinável. Assim, a coisa deve ser determinada, pelo menos, pela sua espécie. No caso de obrigação de dar coisa incerta, costuma-se indicar, ainda, as medidas da coisa, como peso, quantidade e qualidade (ex.: vendo-lhe três sacos de espigas de milho grandes e de primeira). Para Nery Jr e Nery, a coisa incerta “é gênero, e seu objeto vem a ser determinado quando do adimplemento em ato de escolha. Se nada se convencionar, a escolha (ou concentração) cabe ao devedor (ex vi CC, 244), que terá a obrigação de entregar o meio-termo, nem o melhor, nem o pior. Uma vez feita a escolha, pelo devedor ou credor – se assim se tratou -, a coisa individualizada e a obrigação passa a ser de dar coisa certa (CC 245) (2005, p. 314).

 

Por tais razões, o art. 243 disciplina que a coisa incerta será indicada ao menos, pelo gênero e por quantidade. É necessário frisar, no entanto, que não se deve levar ao pé da letra (no sentido gramatical), a palavra gênero, utilizada pelo legislador do art. 243. De fato, o vocábulo gênero, em sentido biológico, ad esempio¸ é muito mais amplo do que o sentido que se quis empregar na norma. Veja-se, a título de esclarecimento, o exemplo citado pela doutrina de Álvaro Villaça de Azevedo:  [...] melhor seria, entretanto, que tivesse dito o legislador:  espécie e quantidade. Não: gênero e quantidade, pois a palavra gênero tem sentido muito mais amplo. Considerando a terminologia do Código, exemplarmente, o cereal é gênero e  o feijão espécie. Se, entretanto, alguém se obrigasse a entregar uma saca de cereal (quantidade: uma saca, gênero: cereal), essa obrigação seria impossível de cumprir-se, pois não se poderia saber qual dos cereais deveria ser o objeto da prestação jurídica. Neste termo, é melhor dizer-se: espécie e quantidade. No exemplo supra, seria: quantidade, (uma saca), espécie (de feijão). De maneira que, aí, o objeto se torna determinável, desde que a qualidade seja posteriormente mostrada (2000, p. 66). (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único. Item 1. Classificação legal das obrigações Item 1.1.3. Obrigações de dar coisa incerta, p. 619-620, Comentários ao CC. 243. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 19/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 244. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor.

 

Aqui, na visão do autor Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 244, p. 195 do Código Civil Comentado, esse dispositivo se aplica aos casos em que a coisa a ser entregue é determinada apenas pelo gênero e pela quantidade. Assegura que a escolha deverá ser feita pelo devedor, se o título não dispuser de modo diverso. Trata-se de norma de natureza dispositiva, uma vez que nada impede que as partes decidam atribuir a escolha ao credor ou à terceira pessoa. Nos casos em que o devedor é quem escolhe o bem a ser entregue, i. é, quem decide qual a coisa certa dentre as várias alternativas fixadas pelo gênero e pela quantidade, o dispositivo em exame estabelece que ele deverá optar pelo bem de qualidade intermediária, pois não poderá dar bem da pior qualidade, nem estará obrigado a dar da melhor. No tratamento do legado, no direito das sucessões, o Código Civil, em seu art. 1.929, estabelece que, se o legado foi determinado pelo gênero, a escolha será feita pelo herdeiro, que também deverá optar por bem de qualidade intermediária. O art. 1.930 determina que se aplique a mesma regra quando a escolha do legado for deixada ao arbítrio de terceiro ou, quando esse não quiser ou não puder exercer a escolha, do juiz. O art. 244 deve ser interpretado segundo o princípio de que o devedor deve escolher, entre as várias alternativas possíveis, um bem de qualidade intermediária (Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 20. ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 56). O fato de o artigo indicar que o devedor não pode escolher a coisa pior poderá dar ao intérprete a impressão de que ele está autorizado a entregar o penúltimo bem na ordem de gradação. Ou seja, havendo dez bens, o devedor pode escolher o que estiver em nono lugar em uma hipotética tabela de classificação. A interpretação que melhor atende à finalidade do dispositivo, contudo, é a que considera que ele estará sempre obrigado a entregar um bem de qualidade intermediária. Essa conclusão está adequada à boa-fé objetiva - o dever de agir como homem reto, leal e solidário, atento aos interesses do outro contratante (art. 422 do CC). Nada impede, porém, adverte Caio Mário, que as partes convencionem que será entregue o pior ou o melhor dentre as coisas do gênero (op. cit., p. 56). Gustavo Bierambaum, diz o autor, com razão, discorda de Sílvio Rodrigues e sustenta que também o credor que tiver a opção de escolha não poderá eleger o melhor dos bens disponíveis (“Classificação: obrigações de dar, fazer e não fazer”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 130). (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 244, p. 195 do Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 19/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Atente-se na visão da equipe de Guimarães e Mezzalira, facultar-se às partes a escolha tanto de quem deverá escolher, como no momento em que a escolha será realizada. Na falta de indicação precisa, a escolha caberá ao devedor e quedar-se-á concretizada no momento da entrega do bem.

 

Na individualização dos bens a serem entregues, inexistindo qualquer indicação precisa, deve-se escolher os bens que guardem as qualidades médias das coisas de seu gênero. Por questão de boa-fé (CC arts. 133 e 422), não poderá nem o devedor optar pelas piores, nem o credor exigir as melhores. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 244, acessado em 19/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No item 1.1.3.1. Concentração, os autores Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, assim se reportam: Concentração é o nome jurídico que se dá ao momento da escolha da coisa a ser entregue pelo devedor. Nesse momento, portanto, ocorre a individualização da coisa, que deixa de ser incerta.

 

O direito de escolha, em regra, pertence ao devedor (art. 244), a não ser que o contrário resulte do título da obrigação. Sendo o direito de escolha do devedor, este não poderá escolher a melhor.

 

Entendem alguns que, dada a proporcionalidade estabelecida pelo art. 244, seria o dispositivo aplicável também quando a escolha couber ao credor, o qual não poderia ser obrigado a receber a pior, tampouco poderia escolher a melhor (regra do gênero médio). Opinou-se, entretanto, em sentido contrário, pois o próprio legislador já cuidou de fixar a regra do gênero médio para os casos em geral, ao destinar a escolha, genericamente, ao devedor.

 

Com efeito, a escolha caberá ao credor somente quando resultar expresso do título da obrigação. Vale dizer, no silêncio do contrato, cabe a escolha ao devedor, que fica obrigado a prestar o gênero médio; se, diversamente, o contrato destina a escolha ao credor, significa que as próprias partes quiseram instituir em favor dele um direito de optar pelo objeto que mais lhe agrade, dentre os vários da espécie convencionada. Entender que o credor, mesmo sendo titular do direito de escolha, teria o dever de optar pelo gênero médio e engessar demasiadamente a autonomia da vontade das partes, pois, em sendo assim, pouco importaria a quem cabe essa escolha, pois a concentração sempre deveria se dar pela coisa média. (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único. Item 1. Classificação legal das obrigações Item 1.1.3.1. Concentração, p. 620, Comentários ao CC. 244. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 19/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

domingo, 5 de junho de 2022

Código Civil Comentado – Art. 240, 241, 242 Da PROVA - VARGAS, Paulo S. digitadorvargas@outlook.com – paulonattvargas@gmail.com Whatsap: +55 22 98829-9130 –

 

Código Civil Comentado – Art. 240, 241, 242
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Parte Especial Livro I Do Direito Das Obrigações

Título I Das Modalidades Das Obrigações

Capítulo I Das Obrigações de Dar

Seção I - Das Obrigações de Dar Coisa Certa

(arts. 233 até 242)

 

Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor, observar-se-á o disposto no art. 239.


Sem qualquer deferência ao artigo em pauta, Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 240, p. 193 do Código Civil Comentado, limita-se à constatação do óbvio, sem desmerecimento. Esse dispositivo tem relação com os arts. 238 e 239, mas, ao contrário destes, não se refere à perda do bem que se está obrigado a restituir, mas sim ao bem danificado – i.é, estragado, mas não integralmente destruído. As soluções são as mesmas dos mencionados dispositivos: se não houver culpa do devedor, o credor recebe o bem deteriorado e não tem direito a perdas e danos. Se houver culpa, pode postular o valor equivalente à desvalorização pela deterioração - ou ao necessário para os reparos -, além da indenização por perdas e danos (pois a segunda parte do dispositivo em exame remete ao art. 239 do Código Civil). O tratamento do tema coincide com o que é dado no art. 235, que se refere à coisa deteriorada. (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 240, p. 193 do Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 18/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Lecionando às pp. 618, Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, incluem no item b) Deterioração da coisa na obrigação de restituir coisa certa (art. 240): b¹) sem culpa do devedor: se a deterioração ocorrer sem culpa do devedor, o credor receberá a coisa no estado em que se encontrar, sem direito à indenização; b²) com culpa do devedor:  caso a deterioração ocorra com culpa do devedor, este responderá ao credor pelo valor equivalente à coisa, mas perdas e danos. Frise-se que, neste caso, o art. 240 manda aplicar, expressamente, o art. 239. Assim, o credor não é obrigado a aceitar a coisa, acrescida de indenização equivalente ao da coisa em perfeito estado. Esse entendimento é encampado pelo Enunciado 15 da I Jornada de Direito Civil do CJF, que orienta que “as disposições do art. 236 do Novo Código civil também são aplicáveis à hipótese do art. 240, in fine”. Isso revela, portanto, o entendimento de que, em caso de deterioração da coisa na obrigação de restituir, o dono/credor poderá optar entre a sua restituição mais perdas e danos ou pelo pagamento de valor equivalente a ela.

 

Figura-se constantemente essa obrigação de restituir coisa certa em alguns contratos de comodato, locação e depósito. Independentemente da gratuidade (comodato, depósito) ou onerosidade (locação) inerente à natureza de cada uma dessas relações, a teoria dos riscos estabelecida pela regra dos arts. 238 a 240 indicará que, em não havendo culpa do devedor, este não responderá pela perda ou deterioração da coisa.

 

A doutrina e, principalmente, a jurisprudência, no entanto, têm mitigado essa regra, principalmente quando considera, em determinados casos (principalmente nos de depósito), que a responsabilidade pela guarda da coisa é objetiva, como acontece, v.g., da guarda de veículo em estacionamento de grande comercial (shopping centers, supermercados etc.). A respeito, a Súmula nº 130 do STJ prevê: “A empresa responde, perante o cliente, ela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”. (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único. Item 1. Classificação legal das obrigações Item 1.1.1.2. Melhoramentos e acréscimos antes da tradição, p. 618, Comentários ao CC. 240. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consulta 18/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No levantamento de Geraldo Lavigne de Lemos, em artigo publicado há dois anos no site Jusbrasil.com.br., enquanto fato jurídico extraordinário, o coronavírus se enquadra como caso fortuito e força maior, nos termos do artigo 393, parágrafo único, do Código Civil. O caso fortuito é aquele evento imprevisível e inevitável, que se torna em um fato necessário diante das circunstâncias. Para a força maior, a imprevisibilidade é menos relevante, enquanto prevalecem a inevitabilidade e a condição de fato necessário. Ora, é certo que o coronavírus enquadra-se em ambos.

 

Nesse contexto, busca-se saber o momento da conclusão do contrato, o lugar da celebração e o tempo de sua execução. De um lado, os negócios jurídicos celebrados antes do coronavírus podem ser objeto de revisão ou resolução. De outro lado, o atual contexto de incerteza, instabilidade econômica e risco à vida ensejam que negócios jurídicos celebrados após o coronavírus possam estar eivados de defeitos, ressaltando-se o estado de perigo e a lesão.

 

É evidente que a simples disseminação da doença não basta para tornar todo e qualquer negócio jurídico defeituoso, nem passível de revisão ou resolução. Exige-se a presença dos requisitos para modificar ou extinguir as avenças. Nesses termos, o presente artigo pretende apresentar de maneira breve as hipóteses mais claras, na ordem que aparecem no Código Civil vigente.

 

Na seara pessoal, o adoecimento de um ente querido ou a necessidade de isolamento imediato podem forçar qualquer pessoa a contratar em estado de perigo, conforme preceitua o artigo 156 do Código Civil:

 

Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

Na seara negocial, o risco de desfalecimento patrimonial pode forçar empresários, comerciantes e investidores a contratar sob lesão, nos termos do artigo 157 do Código Civil:

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

 

Esse seria o caso, por exemplo, de locatário de imóvel comercial, que tendo investido no negócio durante os últimos anos, enfrenta a renovação do contrato de locação no presente momento com índice de reajuste superior ao valor de mercado. Ao avaliar a perda do fundo de comércio e demais investimentos já realizados, comparando-os com o prejuízo de um novo valor de locação em prestação manifestamente desproporcional ao mercado diante da instabilidade econômico-financeira atual; nessa situação, o locatário encontra-se sob premente necessidade de evitar a perda patrimonial e, ao mesmo passo, garantir a permanência no imóvel.

 

O negócio não precisa ser anulado, mas pode tão somente ser readequado, como autoriza o artigo 157, § 2º, do Código Civil. De todo modo, seja pela lesão ou pelo estado de perigo, a invalidade do negócio jurídico deve ser arguida por meio da anulabilidade, com fundamento no artigo 171, II, do Código Civil. Se, posteriormente, os contratantes decidirem pela manutenção do negócio, eles poderão a qualquer momento confirmá-lo, por força do artigo 172 do Código Civil.

 

Porém, se a intenção for anular o negócio jurídico eivado de vício, o devedor não pode cumprir sequer em parte a sua obrigação, desde que ciente do vício, pois o cumprimento reflete em confirmação tácita e extingue, inclusive, todas as ações e exceções que tivesse contra o credor. Nesses casos, a medida adequada é renegociar diretamente com o contratante ou buscar a via judicial adequada. A consequência da anulação será o retorno ao status quo ante ou, não sendo possível, a devida indenização pelo equivalente.

 

Para os negócios jurídicos celebrados antes da disseminação mundial do coronavírus, as medidas variam conforme a natureza das obrigações contraídas, mas o resultado atinge finalidades semelhantes. Veja-se uma a uma. Para as obrigações de dar coisa certa, aplicam-se os arts. 234, 235, 238 e 240 do Código Civil:


Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.

Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu.

Art. 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda.

Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor, observar-se-á o disposto no art. 239. O caso fortuito e a força maior são fatos necessários que afastam a culpa do devedor.

A incidência dos citados artigos 234, 235, 238 e 240 do Código Civil é imediata. Por exemplo, para a obrigação de entrega ou restituição de coisa certa, com prazo de validade, que venceu antes da tradição, diante das restrições de movimentação impostas pelo isolamento horizontal, temos a perda sem culpa do devedor. Note-se que se a atividade do devedor foi fechada temporariamente pelo poder público e a obrigação alcançou seu termo naquele período, a obrigação poderá apenas postergada, se ainda exequível, mesmo que deteriorada a coisa; ou fica resolvida, se perdida a coisa. (Geraldo Lavigne de Lemos, em artigo publicado há dois anos no site Jusbrasil.com.br. intitulado: Consequências do coronavírus nos contratos civis: uma avaliação do estado de perigo, da lesão, do caso fortuito, da força maior e da onerosidade excessiva. Brilhante trabalho, consultado em 18/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 241. Se, no caso do art. 238, sobrevier melhoramento ou acréscimo à coisa, sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização.

É uma visão sincrônica a Lei. No caso do artigo 241, em comento, Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 241, p. 193, refere-se aos casos mencionados no art. 238, i.é, à obrigação de restituir. O bem encontra-se em poder do devedor, mas é de propriedade do credor, de modo que tudo o que a ele for acrescido a este pertencerá, pois o acessório segue o principal. No entanto, para que não haja enriquecimento sem causa do credor à custa do devedor, se os melhoramentos ou acréscimos resultarem de despesa ou trabalho do devedor, estará aquele obrigado a indenizá-lo - o que se extrai da norma a contrario sensu - e está disciplinado no artigo seguinte. (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 241, p. 193 do Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 18/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).


É o assunto dos autores Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, no item 1.1.2.1 Melhoramentos e acréscimos antes da restituição. Nos termos do art. 241 - dizem os autores -, ocorrendo melhoramento ou acréscimo à coisa, sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização, atentando-se sempre, todavia, à regra do art. 97: “Não se consideram benfeitorias os melhoramentos os acréscimos sobrevindos ao bem, sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor”. (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único. Item 1. Classificação legal das obrigações Item 1.1.2.1. Melhoramentos e acréscimos antes da tradição, p. 619, Comentários ao CC. 241. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 18/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Em artigo de Pâmela Queiroz, publicado há dez meses, no site jusbrasil.com.br., sob o título: As teorias aplicáveis à resolução dos contratos de locação em tempos da pandemia ocasionada pela COVID-19, aproveitando a ocasião de por em prática novas estruturas do conhecimento e variações da Lei, traz “benefícios”, entre os diversos desastres da economia.

 

As transformações sociais, econômicas e políticas ensejam mudanças na sociedade. Tais transformações provocam mudanças no direito; mudam-se os princípios, alteram-se os paradigmas legais, surgem novas formas contratuais. A massificação da sociedade e das relações sociais, provocadas pela intensa intervenção da economia e da sociologia no direito, levou à massificação contratual.

 

Em meados de março de 2020 instalou-se no Brasil a pandemia gerada pelo vírus COVID-19, dentre as medidas adotadas pelas autoridades competentes o (lockdown - isolamento) e consequente fechamento de vários estabelecimentos comerciais que foram “classificados como supérfluos ou de não atividades essenciais”. 

Diante deste fato inevitável a economia sofreu um baque, gerando desemprego, diminuição de renda e ainda, o risco de morte iminente pelo vírus. Diante deste cenário, por óbvio que a diminuição de renda, tanto de pessoa física quanto de empresários, fez com que os negócios jurídicos sofressem consequências graves, dentro eles os pedidos de revisional e resolução dos contratos de locação de imóveis, propiciando aos operadores do direito a aplicação das teorias já existentes no ordenamento jurídico.

Estampado nas leis pátrias, há alguns artigos que trazem soluções para a questão, porém não há uma uniformidade no entendimento jurisprudencial sobre o tema, nem mesmo qualquer precedente, o que gera diversos resultados de acordo com cada julgador.

Observa-se, portanto, que as resoluções e revisões de contratos de locação, levando em consideração a pandemia causada pelo Coronavírus (Covid-19), que acomete o Brasil desde meados de março de 2020, não pode basear-se em uma única teoria, deve se analisar o caso concreto para decidir.

Diante deste cenário, verifica-se que muitos cidadãos e empresas têm tido dificuldades de honrar os compromissos e obrigações assumidos anteriormente à pandemia, notadamente pela queda brusca em seus rendimentos e faturamentos.

A publicação do Código Civil de 2002, em seu art. 421 disciplinou a teoria geral dos contratos, embutido nesse artigo está o princípio da função social do contrato em que o direito a entabular as vontades por meio do contrato, será exercido nos limites do referido princípio.

Os Enunciados do Centro de Estudos Judiciário do Conselho da Justiça Federal direcionam estudos no sentido de que, embora o artigo trate da função social do contrato, este tem como seu pape principal a função econômica.

 

O Superior Tribunal de Justiça pronunciou a respeito: “A função social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel primário e natural, que é o econômico. Ao assegurar a venda de sua colheita futura, é de se esperar que o produtor inclua nos seus cálculos todos os custos em que poderá incorrer, tanto os decorrentes dos próprios termos do contrato, como aqueles derivados das condições da lavoura”. (STJ-3ª T., REsp 803.481, Min. Nancy Andrighi, j. 28.06.07, DJU 1.8.07).

 

A Lei 8.245/91 disciplina as relações contratuais da locação urbana, e tem como regra geral do contrato de locação em sendo bilateral, oneroso, comutativo, típico e consensual, não-formal e de trato sucessivo.

 

O contrato de locação gera obrigação de restituir, modalidade da obrigação de dar coisa certa, aplicando-se no que couber, quanto à perda e deterioração da coisa, os arts. 238 e 240 e, quanto aos acréscimos e melhoramentos, os arts. 241 e 242 ambos do Código Civil.

 

Em 2009, a Lei de Locação de Imóveis sofreu forte alteração. Com a finalidade de modernizar e alavancar o setor, na tentativa de desburocratizar e facilitar o acesso ao imóvel objeto de locação, a principal alteração foi a previsão expressa de concessão de liminar para o despejo do inquilino inadimplente, cujo contrato não tivesse garantia.

 

A influência estatal neste cenário de crise gerada pela pandemia instalada pelo vírus COVID-19 é um desafio enorme, o risco da omissão quanto da intervenção é alto, pelo que em que pese a urgência com que as decisões hão de ser tomadas, há de se resgatar o passado para solidificar a conduta a ser seguida. (Pâmela Queiroz, em artigo publicado há dez meses, no site jusbrasil.com.br., sob o título As teorias aplicáveis à resolução dos contratos de locação em tempos da pandemia ocasionada pela COVID-19, consultado em 18/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé.

 

Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo, o disposto neste Código, acerca do possuidor de boa-fé ou de má-fé.

Com a apreciação do artigo em pauta, Hamid Charaf Bdine Jr, comentários às pp. 193-194 do Código Civil Comentado, cuida-se de disciplinar o modo pelo qual se vai apurar o valor da indenização que o credor pagará ao devedor por melhoramentos ou acréscimos decorrentes de seu trabalho ou com despesas suportadas por este. As normas escolhidas pelo legislador são as atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor, que se encontram disciplinadas nos arts. 1.219 a 1.222 do Código Civil.

Do mesmo modo, no que tange aos frutos do bem a restituir, adotar-se-ão as regras dos arts. 1.214 a 1.216 do Código Civil. Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “estando o devedor de boa-fé, tem direito à indenização dos melhoramentos ou aumentos necessários e úteis; quanto aos voluptuários, se não for pago o respectivo valor, [o devedor] pode levantá-los (jus tollendi), quando o puder sem detrimento da coisa e se o credor não preferir ficar com eles, indenizando o seu valor” (Direito civil brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2004, v. II, p. 50). (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 242, p. 193-194 do Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 18/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Seguindo o raciocínio, e a Lei, dizem Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, tratando-se de pertença (bens que, não constituindo partes integrantes, destinam-se, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro), sua sorte quanto ao principal dependerá da análise do título (contrato e vontade das partes) e das circunstâncias do caso. Imagine-se, zum Beispiel, a venda de uma residência: seus móveis são considerados, de acordo com o art. 94, pertenças; assim, embora sejam acessórios, não acompanham o principal (a casa), a não ser que resulte da manifestação da vontade das partes ao contrato. Os acessórios que necessariamente acompanhem o principal serão aqueles não previstos pelo art. 94, como as partes integrantes, os frutos e produtos e as benfeitorias que não configuram pertenças. (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único. Item 1. Classificação legal das obrigações Item 1.1.1. Obrigações de dar coisa certa, p. 615, Comentários ao CC. 241. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 18/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na crítica apresentada pela Equipe de Guimarães e Mezzalira, o devedor da obrigação de restituir coisa certa poderá pleitear ressarcimento por melhoramentos e acrescidos ao bem somente na hipótese de haver concorrido para eles com seu trabalho ou dispêndios. Tal regra é lógica da vedação do sistema ao enriquecimento sem causa (CC. art. 884). Aplicam-se à hipótese as regras atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor (CC, arts. 1.219 a 1.222).

 

Comodato de imóvel. Realização de melhorias pelo comodatário. Pleito de ressarcimento de valores. Retomada do bem. Comodatário que, na condição de possuidor de boa-fé, tem direito à indenização pelas benfeitorias ´úteis e necessárias empregadas no imóvel, sob pena de enriquecimento indevido do proprietário. Aplicação dos arts. 242 e 1.219 do CC. Recurso provido para fim de julgar procedente o pedido” (T. Rec. – RS, 3ª T. Rec. Cível, Rel. Eugênio Facchini Neto, j. 27.2.2007).

 

Aplicam-se as regras atinentes à distribuição de frutos aos possuidores, variando conforme esteja o devedor de boa ou de má-fé (CC. arts. 1.214 a 1.216).  (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 242, acessado em 18/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).