Código
Civil Comentado – Art. 245, 246
Da
Obrigação de Dar Coisa Incerta –
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Parte
Especial Livro I Do Direito Das Obrigações
Título
I Das Modalidades Das Obrigações
Capítulo
I Das Obrigações de Dar
Seção
II - Da Obrigação de Dar Coisa Incerta
(arts.
243 até 246)
Art. 245. Cientificado da escolha o credor,
vigorará o disposto na Seção antecedente.
Dando
continuidade à sua apreciação ao artigo anterior, Hamid Charaf Bdine Jr, nos
comentários ao CC art. 245, p. 195 do Código Civil Comentado, explica:
“Após a escolha do bem a ser entregue, ele estará individualizado e
deixará de ser incerto. Em consequência, as regras que se aplicam à solução do
cumprimento da obrigação são aquelas da seção antecedente destinadas às
obrigações de dar coisa certa”. O dispositivo deixa assentado que
somente após a cientificação do credor tornar-se-á certa a coisa objeto da
obrigação. O art. 876 do Código Civil de 1916 estabelecia a própria escolha
como momento a partir do qual incidiam as regras da seção anterior, o que
permitia a interpretação de que o devedor podia fazer a escolha e aplicar as
regras da obrigação de dar coisa certa antes mesmo de o credor saber qual bem
especificamente lhe seria entregue. Outra questão que o dispositivo pode
suscitar é o fato de ele cuidar apenas da identificação da escolha ao credor,
sem disciplinar os casos em que a faculdade de escolher é dele, e não do
devedor. É certo, porém, que nesse caso a escolha do credor tornará certa a
obrigação apenas a partir do momento em que for cientificado o devedor. Até
essa oportunidade, a escolha feita pelo credor não pode ser oponível ao
devedor. Do mesmo modo, acrescenta Renan Lotufo, “se a concentração for da
competência do credor ou de terceiro aplicar-se-á outra regra, qual seja, ela
somente obterá eficácia no instante em que for comunicada ao devedor ou a
ambos, quando a escolha for de terceiro. Do contrário, conforme Antunes Varela
(Das obrigações em geral, p. 850), o devedor não saberia que coisas lhe
podiam ser exigidas, nem o credor com que coisas poderia contar” (Código
Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 44). Não se diga,
porém, que a cientificação da escolha referida no presente dispositivo seja
suficiente para caracterizar a mora. É possível que o momento da escolha não
coincida com o do cumprimento efetivo, de maneira que, a despeito de a escolha
ter sido cientificada ao interessado, ele ainda não fará jus à entrega. Assim,
se um criador de cães é obrigado a entregar um animal ao adquirente no prazo de
noventa dias, o fato de lhe comunicar qual o cão que lhe será entregue não
implica que não possa aguardar o decurso do prazo estipulado para fazer a
entrega. Nessa hipótese, é válida a escolha e a obrigação passa a ser de
entrega de coisa certa. As regras a respeito da mora e do inadimplemento
absoluto passam a ser as relativas à obrigação de dar coisa certa (arts. 233 e
segs. do CC). (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 245, p.
196 do Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de
10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários
Autores: contém
o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole,
2010. Acessado
em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).
No
entender da equipe de Guimarães e Mezzalira, o ato da escolha é, conforme
determinado no artigo seguinte (art. 246), o divisor de águas nas obrigações de
entregar coisa incerta. Antes da individuação, o devedor continua obrigado a
cumprir a obrigação, independentemente de qualquer dano que se abata à coisa:
após a escolha, havendo a perda da coisa sem que haja culpa ou dolo de sua
parte, a obrigação resolve-se. Desse modo, faz-se imperioso que o ato da
escolha seja positivado de maneira inequívoca. Não basta que o devedor separe o
bem a ser entregue ao credor, mas que, efetivamente, venha a coloca-lo à
disposição do credor. Inexistindo indicação diversa em contrato, o credor
deverá ser notificado da escolha, por via judicial ou extrajudicial.
Com
a escolha, a relação obrigacional passa a ser regida pelas normas atinentes às
obrigações de dar coisa certa (CC, arts. 233 e 242). Nesse sentido, Pereira
destaca que o estado de indeterminação “/c/essará, pois, com a escolha, a qual
se verifica e se reputa consumada, tanto no momento em que o devedor efetiva a
entrega real da coisa, como ainda quando diligencia praticar o necessário à
prestação” (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria geral das obrigações,
Rio de Janeiro: Forense, p. 56). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 245,
acessado em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na
toada dos autores Sebastião de Assis Neto,
Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, depois da escolha, a obrigação
passa a ser de dar coisa certa, aplicando-se as regras a ela atinentes, de
acordo com o art. 245; entretanto, tal característica somente ocorre a partir
da ciência do credor acerca da escolha. Em função disso, antes da escolha,
não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força
maior ou caso fortuito (art. 246). Nesse caso, tem o devedor a
obrigação de garantir ao credor a entrega da coisa de acordo com o gênero e
quantidade indicados no negócio jurídico. (Sebastião
de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de
Direito Civil, Volume Único. Item 1. Classificação legal das obrigações
Item 1.1.3.1. Concentração, p. 620, Comentários ao CC. 245. Ed.
JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Art.
246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda
ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito.
Na
balada dos comentários do artigo anterior, Hamid Charaf Bdine Jr,
comentários ao CC art. 246, p. 196-197 do Código Civil Comentado
continua: Até o momento da escolha - ou, mais especificamente,
como assegura o artigo antecedente, até a cientificação da escolha -, não há
individualização do bem a ser entregue pelo devedor, de modo que não é possível
admitir o perecimento ou a deterioração para a resolução da obrigação. Com
efeito, até a escolha, o bem indicado pelo gênero e pela quantidade pode ser
encontrado para a satisfação da obrigação devida, sendo irrelevante que o bem
separado pelo devedor, com o objetivo de dar cumprimento à obrigação, venha a
se perder ou deteriorar. É essencial para que a escolha produza efeitos em
relação ao credor que ela seja exteriorizada, permitindo que se possa saber
exatamente qual o bem que será entregue ao credor (art. 245 do CC). Adverte
Caio Mário da Silva Pereira que somente por exceção se poderá dizer que
determinado gênero desapareceu completamente (Instituições de direito civil,
20. ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense,
2003, v. II, p. 57). Enquanto houver possibilidade de encontrar quantidade
suficiente do gênero da coisa indicada para cumprimento da prestação, o
adimplemento será possível. Talvez a regra não possa ser aplicada com extremo rigor
em hipóteses específicas, em que, a despeito de a obrigação recair sobre a
entrega de coisa incerta e de o ajuste ser celebrado entre as partes, seja
possível extrair que a universalidade sobre a qual recairá a escolha integra
gênero restrito (Miranda, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas,
Bookseller, 2003, t. XXII, p. 134-5). Nesse caso, se todos os bens perecerem ou
se deteriorarem sem culpa do devedor, será aplicável à hipótese a solução
própria das obrigações de dar coisa certa (arts. 234 e 235 do CC) (Pereira,
Caio Mário. Op. cit., p. 57). Caso o perecimento ou a deterioração resultarem
de culpa do devedor, as soluções serão as que se estabelecem nos arts. 234,
segunda parte, e 236. Basta imaginar que determinada viúva de um marceneiro se
obriga a entregar ao credor uma das várias mesas confeccionadas por ele. No
entanto, antes da data da entrega, os móveis são furtados, de maneira que a
infungibilidade da obrigação irá impedi-la de cumprir tal obrigação, sendo
irrelevante que se tratasse de obrigação de dar coisa incerta, determinada
apenas pelo gênero e pela quantidade (Cruz, Gisela Sampaio da. “Obrigações
alternativas e com faculdade alternativa. Obrigações de meio e de resultado”.
Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo
Tepedino. Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 150-1). O tema também foi
enfrentado por Gustavo Bierambaum que aponta outra exceção à regra em exame:
mercadoria que deixa de ser fabricada entre o momento da celebração do negócio
e o da concentração - momento da identificação da coisa, que passa a ser certa
- (“Classificação: obrigações de dar, fazer e não fazer”. Obrigações:
estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio
de Janeiro, Renovar, 2005, p. 132). (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC
art. 246, p. 197 do Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência,
Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil
Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada
e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 20/03/2022,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).
Nas
elucubrações da equipe de Guimarães e Mezzalira, das obrigações de dar coisa
incerta, a posição do devedor com relação aos riscos da coisa agrava-se. Sob
essa modalidade, até o momento da escolha (ou concentração) – em
que os bens a serem entregues serão individualizados -, todos os riscos, até
mesmo aqueles de natureza fortuita ou de força maior, ficam por conta do
devedor. Efetuada a escolha, passa-0se a aplicar as regras atinentes à entrega
de coisa certa (CC, arts. 233 a 242). Essa disciplina é reflexo do princípio
segundo o qual o gênero nunca perece genus nunquam perit). Sobre esse
aspecto, Beviláqua explicava que “”[s]e a coisa incerta fôr determinada pelo
gênero, não perecerá, porque o gênero não perece (genera nor pereunt). Antes de
individualizada a coisa pela escolha do credor ou do devedor, conforme a este
ou aquele competir fazê-la, não há uma coisa, que se diga objeto da prestação,
que se possa, determinadamente, exigir ao devedor. Se alguma do mesmo gênero da
prometida perecer, não é a devida, porque ainda nenhuma, precisamente o é.
Depois da escolha, a coisa individualiza-se, torna-se certa”. (Beviláqua,
Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Rio de Janeiro,
1984, p. 12).
Assim,
se o devedor obrigou-se a entregar mil sacas de farinha de trigo, não poderá
esquivar-se do cumprimento da obrigação, alegando que não as tem em seu poder
ou de que elas tenham se perdido em parte ou no todo. De outro modo, situação
idêntica não se repete, caso o devedor tenha se obrigado a entregar quadro de
pintor famoso. Nessa hipótese, perdendo-se o quadro, resolve-se a situação,
variando-se as consequências conforme as regras para a obrigação de dar coisa
certa.
Deve-se
notar, no entanto, que o princípio segundo o qual o gênero não perece comporta
temperamentos. Nos casos em que, embora a obrigação seja genérica, porém o
gênero seja limitado (genus limitatum), o perecimento ou a inviabilidade
de todos os exemplares daquele acarretará na extinção da obrigação. (Monteiro,
Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Saraiva: São Paulo 2001,
p. 85).
Assim,
são considerados bens de gênero limitado os bois de determinada fazenda, o
vinho de certa vindima, os livros de determinada edição, entre outros.
((Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Saraiva: São
Paulo 2001, p. 85).
Por
óbvio, em todos esses exemplos, a extinção, sem culpa do devedor, daquele grupo
de coisas entre as quais o objeto da obrigação estava inserido acarreta em sua
extinção. A esse respeito, gomes elogia a relação do Código Civil alemão o qual
esclareceu que a responsabilidade do devedor nestes casos persistiria enquanto
fosse possível uma prestação do gênero. (Gomes, Orlando. Obrigações. Rio
de Janeiro: Forense, p. 230). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et
al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 246, acessado em 20/03/2022,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em
função disso, Sebastião de Assis Neto et
al, como já apontado acima, antes da escolha não poderá o devedor alegar
perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito (art.
246). Nesse caso, tem o devedor a obrigação de garantir ao credor a entrega da
coisa de acordo com o gênero e quantidade indicados no negócio jurídico.
Com efeito, obrigando-se o devedor, por exemplo, à entrega
de uma tonelada de soja, o objeto da obrigação é coisa incerta, razão pela qual
a parte se obriga à entrega genérica da mercadoria, justamente em virtude da
disponibilidade de seu estoque. Por isso antes do adquirente escolher a coisa a
ser entregue, não pode haver alegação de perda ou deterioração, pois, antes da
escolha, o interesse do comprador não é dirigido à mercadoria que tenha
eventualmente perecido ou deteriorado, mas sobre algo indicado apenas pelo
gênero, quantidade e qualidade. Por isso, o adquirente não pode sofrer com a
perda da coisa genérica ainda não especificada (regra genus non perit). (Sebastião
de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de
Direito Civil, Volume Único. Item 1. Classificação legal das obrigações
Item 1.1.3.1. Concentração, p. 620, Comentários ao CC. 246. Ed.
JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 20/03/2022, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
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