quarta-feira, 8 de junho de 2022

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Código Civil Comentado – Art. 245, 246
Da Obrigação de Dar Coisa Incerta

VARGAS, Paulo S. - digitadorvargas@outlook.com
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Parte Especial Livro I Do Direito Das Obrigações

Título I Das Modalidades Das Obrigações

Capítulo I Das Obrigações de Dar

Seção II - Da Obrigação de Dar Coisa Incerta

(arts. 243 até 246)

 

Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente.

 

Dando continuidade à sua apreciação ao artigo anterior, Hamid Charaf Bdine Jr, nos comentários ao CC art. 245, p. 195 do Código Civil Comentado, explica: “Após a escolha do bem a ser entregue, ele estará individualizado e deixará de ser incerto. Em consequência, as regras que se aplicam à solução do cumprimento da obrigação são aquelas da seção antecedente destinadas às obrigações de dar coisa certa”. O dispositivo deixa assentado que somente após a cientificação do credor tornar-se-á certa a coisa objeto da obrigação. O art. 876 do Código Civil de 1916 estabelecia a própria escolha como momento a partir do qual incidiam as regras da seção anterior, o que permitia a interpretação de que o devedor podia fazer a escolha e aplicar as regras da obrigação de dar coisa certa antes mesmo de o credor saber qual bem especificamente lhe seria entregue. Outra questão que o dispositivo pode suscitar é o fato de ele cuidar apenas da identificação da escolha ao credor, sem disciplinar os casos em que a faculdade de escolher é dele, e não do devedor. É certo, porém, que nesse caso a escolha do credor tornará certa a obrigação apenas a partir do momento em que for cientificado o devedor. Até essa oportunidade, a escolha feita pelo credor não pode ser oponível ao devedor. Do mesmo modo, acrescenta Renan Lotufo, “se a concentração for da competência do credor ou de terceiro aplicar-se-á outra regra, qual seja, ela somente obterá eficácia no instante em que for comunicada ao devedor ou a ambos, quando a escolha for de terceiro. Do contrário, conforme Antunes Varela (Das obrigações em geral, p. 850), o devedor não saberia que coisas lhe podiam ser exigidas, nem o credor com que coisas poderia contar” (Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 44). Não se diga, porém, que a cientificação da escolha referida no presente dispositivo seja suficiente para caracterizar a mora. É possível que o momento da escolha não coincida com o do cumprimento efetivo, de maneira que, a despeito de a escolha ter sido cientificada ao interessado, ele ainda não fará jus à entrega. Assim, se um criador de cães é obrigado a entregar um animal ao adquirente no prazo de noventa dias, o fato de lhe comunicar qual o cão que lhe será entregue não implica que não possa aguardar o decurso do prazo estipulado para fazer a entrega. Nessa hipótese, é válida a escolha e a obrigação passa a ser de entrega de coisa certa. As regras a respeito da mora e do inadimplemento absoluto passam a ser as relativas à obrigação de dar coisa certa (arts. 233 e segs. do CC). (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 245, p. 196 do Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

No entender da equipe de Guimarães e Mezzalira, o ato da escolha é, conforme determinado no artigo seguinte (art. 246), o divisor de águas nas obrigações de entregar coisa incerta. Antes da individuação, o devedor continua obrigado a cumprir a obrigação, independentemente de qualquer dano que se abata à coisa: após a escolha, havendo a perda da coisa sem que haja culpa ou dolo de sua parte, a obrigação resolve-se. Desse modo, faz-se imperioso que o ato da escolha seja positivado de maneira inequívoca. Não basta que o devedor separe o bem a ser entregue ao credor, mas que, efetivamente, venha a coloca-lo à disposição do credor. Inexistindo indicação diversa em contrato, o credor deverá ser notificado da escolha, por via judicial ou extrajudicial.

 

Com a escolha, a relação obrigacional passa a ser regida pelas normas atinentes às obrigações de dar coisa certa (CC, arts. 233 e 242). Nesse sentido, Pereira destaca que o estado de indeterminação “/c/essará, pois, com a escolha, a qual se verifica e se reputa consumada, tanto no momento em que o devedor efetiva a entrega real da coisa, como ainda quando diligencia praticar o necessário à prestação” (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria geral das obrigações, Rio de Janeiro: Forense, p. 56). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 245, acessado em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na toada dos autores Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, depois da escolha, a obrigação passa a ser de dar coisa certa, aplicando-se as regras a ela atinentes, de acordo com o art. 245; entretanto, tal característica somente ocorre a partir da ciência do credor acerca da escolha. Em função disso, antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito (art. 246). Nesse caso, tem o devedor a obrigação de garantir ao credor a entrega da coisa de acordo com o gênero e quantidade indicados no negócio jurídico. (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único. Item 1. Classificação legal das obrigações Item 1.1.3.1. Concentração, p. 620, Comentários ao CC. 245. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito.

 

Na balada dos comentários do artigo anterior, Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 246, p. 196-197 do Código Civil Comentado continua: Até o momento da escolha - ou, mais especificamente, como assegura o artigo antecedente, até a cientificação da escolha -, não há individualização do bem a ser entregue pelo devedor, de modo que não é possível admitir o perecimento ou a deterioração para a resolução da obrigação. Com efeito, até a escolha, o bem indicado pelo gênero e pela quantidade pode ser encontrado para a satisfação da obrigação devida, sendo irrelevante que o bem separado pelo devedor, com o objetivo de dar cumprimento à obrigação, venha a se perder ou deteriorar. É essencial para que a escolha produza efeitos em relação ao credor que ela seja exteriorizada, permitindo que se possa saber exatamente qual o bem que será entregue ao credor (art. 245 do CC). Adverte Caio Mário da Silva Pereira que somente por exceção se poderá dizer que determinado gênero desapareceu completamente (Instituições de direito civil, 20. ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 57). Enquanto houver possibilidade de encontrar quantidade suficiente do gênero da coisa indicada para cumprimento da prestação, o adimplemento será possível. Talvez a regra não possa ser aplicada com extremo rigor em hipóteses específicas, em que, a despeito de a obrigação recair sobre a entrega de coisa incerta e de o ajuste ser celebrado entre as partes, seja possível extrair que a universalidade sobre a qual recairá a escolha integra gênero restrito (Miranda, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas, Bookseller, 2003, t. XXII, p. 134-5). Nesse caso, se todos os bens perecerem ou se deteriorarem sem culpa do devedor, será aplicável à hipótese a solução própria das obrigações de dar coisa certa (arts. 234 e 235 do CC) (Pereira, Caio Mário. Op. cit., p. 57). Caso o perecimento ou a deterioração resultarem de culpa do devedor, as soluções serão as que se estabelecem nos arts. 234, segunda parte, e 236. Basta imaginar que determinada viúva de um marceneiro se obriga a entregar ao credor uma das várias mesas confeccionadas por ele. No entanto, antes da data da entrega, os móveis são furtados, de maneira que a infungibilidade da obrigação irá impedi-la de cumprir tal obrigação, sendo irrelevante que se tratasse de obrigação de dar coisa incerta, determinada apenas pelo gênero e pela quantidade (Cruz, Gisela Sampaio da. “Obrigações alternativas e com faculdade alternativa. Obrigações de meio e de resultado”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 150-1). O tema também foi enfrentado por Gustavo Bierambaum que aponta outra exceção à regra em exame: mercadoria que deixa de ser fabricada entre o momento da celebração do negócio e o da concentração - momento da identificação da coisa, que passa a ser certa - (“Classificação: obrigações de dar, fazer e não fazer”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 132). (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 246, p. 197 do Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Nas elucubrações da equipe de Guimarães e Mezzalira, das obrigações de dar coisa incerta, a posição do devedor com relação aos riscos da coisa agrava-se. Sob essa modalidade, até o momento da escolha (ou concentração) – em que os bens a serem entregues serão individualizados -, todos os riscos, até mesmo aqueles de natureza fortuita ou de força maior, ficam por conta do devedor. Efetuada a escolha, passa-0se a aplicar as regras atinentes à entrega de coisa certa (CC, arts. 233 a 242). Essa disciplina é reflexo do princípio segundo o qual o gênero nunca perece genus nunquam perit). Sobre esse aspecto, Beviláqua explicava que “”[s]e a coisa incerta fôr determinada pelo gênero, não perecerá, porque o gênero não perece (genera nor pereunt). Antes de individualizada a coisa pela escolha do credor ou do devedor, conforme a este ou aquele competir fazê-la, não há uma coisa, que se diga objeto da prestação, que se possa, determinadamente, exigir ao devedor. Se alguma do mesmo gênero da prometida perecer, não é a devida, porque ainda nenhuma, precisamente o é. Depois da escolha, a coisa individualiza-se, torna-se certa”. (Beviláqua, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Rio de Janeiro, 1984, p. 12).

 

Assim, se o devedor obrigou-se a entregar mil sacas de farinha de trigo, não poderá esquivar-se do cumprimento da obrigação, alegando que não as tem em seu poder ou de que elas tenham se perdido em parte ou no todo. De outro modo, situação idêntica não se repete, caso o devedor tenha se obrigado a entregar quadro de pintor famoso. Nessa hipótese, perdendo-se o quadro, resolve-se a situação, variando-se as consequências conforme as regras para a obrigação de dar coisa certa.

 

Deve-se notar, no entanto, que o princípio segundo o qual o gênero não perece comporta temperamentos. Nos casos em que, embora a obrigação seja genérica, porém o gênero seja limitado (genus limitatum), o perecimento ou a inviabilidade de todos os exemplares daquele acarretará na extinção da obrigação. (Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Saraiva: São Paulo 2001, p. 85).

 

Assim, são considerados bens de gênero limitado os bois de determinada fazenda, o vinho de certa vindima, os livros de determinada edição, entre outros. ((Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Saraiva: São Paulo 2001, p. 85).

 

Por óbvio, em todos esses exemplos, a extinção, sem culpa do devedor, daquele grupo de coisas entre as quais o objeto da obrigação estava inserido acarreta em sua extinção. A esse respeito, gomes elogia a relação do Código Civil alemão o qual esclareceu que a responsabilidade do devedor nestes casos persistiria enquanto fosse possível uma prestação do gênero. (Gomes, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, p. 230). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 246, acessado em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Em função disso, Sebastião de Assis Neto et al, como já apontado acima, antes da escolha não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito (art. 246). Nesse caso, tem o devedor a obrigação de garantir ao credor a entrega da coisa de acordo com o gênero e quantidade indicados no negócio jurídico.

 

Com efeito, obrigando-se o devedor, por exemplo, à entrega de uma tonelada de soja, o objeto da obrigação é coisa incerta, razão pela qual a parte se obriga à entrega genérica da mercadoria, justamente em virtude da disponibilidade de seu estoque. Por isso antes do adquirente escolher a coisa a ser entregue, não pode haver alegação de perda ou deterioração, pois, antes da escolha, o interesse do comprador não é dirigido à mercadoria que tenha eventualmente perecido ou deteriorado, mas sobre algo indicado apenas pelo gênero, quantidade e qualidade. Por isso, o adquirente não pode sofrer com a perda da coisa genérica ainda não especificada (regra genus non perit). (Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de Direito Civil, Volume Único. Item 1. Classificação legal das obrigações Item 1.1.3.1. Concentração, p. 620, Comentários ao CC. 246. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado em 20/03/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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