domingo, 6 de novembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 784, 785, 786 - DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 784, 785, 786
- DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (Art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO DE DANO

 – Seção II - (art. 778 a 788)

 

Art. 784. Não se inclui na garantia o sinistro provocado por vício intrínseco da coisa segurada, não declarado pelo segurado.

 

Parágrafo único. Entende-se por vício intrínseco o defeito próprio da coisa, que se não encontra normalmente em outras da mesma espécie.

 

No ritmo de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a regra, embora com diversa redação, é a mesma do art. 1.459 do antigo Código. Por ela, quer-se excluir da cobertura securitária o sinistro havido em razão de vício intrínseco da coisa, como tal entendido aquele defeito próprio que não se encontra, de ordinário, em outras coisas da mesma espécie. Ou seja, o princípio é o de que não caiba indenização securitária de danos causados por fator que não seja externo, alheio à coisa segurada.

 

Sempre se entendeu, porém, desde a vigência do Código Civil de 1916, que a exclusão da cobertura somente se daria se o vício intrínseco fosse causa única do evento danoso. Assim, ao revés, deve-se, ainda hoje, considerar persistente a obrigação contratual ressarcitória se o defeito interno da coisa é apenas uma concausa do evento. O preceito é de ordem dispositiva, de modo a não impedir que o segurado declare a existência do vício e assim contrate garantia que o abranja. Nesse caso, o segurador terá amplas condições de calcular o risco coberto levando em conta a possibilidade de sinistro de acordo com o defeito interno da coisa segurada.

 

O problema se põe, na verdade, quando o segurado não declara o vício interno que, ademais, vem a ser a causa do evento danoso. Aí então exclui-se a cobertura, de sorte que o segurador não estará obrigado a pagar a respectiva indenização pelos danos havidos à coisa segurada. Fato, porém, é que, desde o Código anterior, reputava-se de rigor a exclusão da cobertura tão somente se o segurado houvesse maliciosamente omitido a declaração do vício intrínseco da coisa ou ao menos se dela tivesse ciência (v.g., Clóvis Beviláqua. Código civil comentado, 4.ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, p. 220, J. M. Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, 5.ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 369). É, de resto, a mesma regra que se consagra, hoje, no CC 766, parágrafo único, que não afasta a cobertura em casos de omissão do segurado, mas não de má-fé. Ou seja, na síntese de Carvalho Santos (op. cit., p. 369), é preciso, para a incidência da regra em pauta, que o vício intrínseco, além de constituir causa exclusiva do sinistro, seja conhecido do segurado, omisso em informa-lo, e, mais, desconhecido do segurador. É por isso que, em exemplo do mesmo autor, quando coisas sujeitas ordinariamente a incêndio se inflamam, posto que por vício interno, porquanto notória a circunstância, não se afasta a responsabilidade do segurador. Isso também se aplica a vícios de construção, causa de sinistro a atingir imóveis (idem, ibidem). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 809 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No diapasão de Ricardo Fiuza, cuida-se de causa excludente de garantia haver sido o sinistro provocado por vício intrínseco da coisa segurada. Isenta-se o segurador de qualquer responsabilidade se o risco não for o normalmente previsto e declarado. Em outras palavras, aquele risco configurado em causa externa. É que como pondera João Luiz Alves, o vício intrínseco não é objeto do contrato (Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil anotado, Rio de Janeiro, E. Briguiet, 1917, p. 1007). E, em regra, realmente, o segurado não responde pelos prejuízos resultantes de vício intrínseco à própria coisa segurada. No caso, porém, de o vício intrínseco ser declarado pelo segurado, tomando-se essa causa interna um dado considerável da apólice, haverá de se ter obrigado o segurador a indenizar os prejuízos advindos daquele vício, isto porque objeto de previsão expressa.

 

O CC/2002 estabelece, no parágrafo único do artigo, uma definição para o vício intrínseco à coisa segura, tendo-o como o defeito próprio da coisa e que não se acha, em regra, em outras da mesma espécie. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 412 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, sob pena de perda do direito à indenização, o segurado deve declarar todas as circunstâncias capazes de influenciar o valor do seguro (CC 766). Entre as informações relevantes, encontra-se o vício da coisa. Se o vício não for informado à seguradora, fica excluída a garantia pelo fato da coisa causado pelo referido vício. nada impede, obviamente, a estipulação de seguro contra sinistros provocados pelo vício da coisa que seja expressamente acobertado, nem, tampouco, contra a futura. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 10.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 785. Salvo disposição em contrário, admite-se a transferência do contrato a terceiro com a alienação ou cessão do interesse segurado.

 

§ 1º. Se o instrumento contratual é nominativo, a transferência só produz efeitos em relação ao segurador mediante aviso escrito assinado pelo cedente e pelo cessionário.

 

§ 2º. A apólice ou o bilhete à ordem só se transfere por endosso em preto, datado e assinado pelo endossante e pelo endossatário.

 

No pensar de Claudio Luiz Bueno de Godoy, seguindo tendência, já sedimentada, do direito obrigacional, que vê na obrigação um valor patrimonial, por isso passível de cessão, salvo se envolver relação personalíssima, previu o artigo em pauta que também o contrato de seguro pode ser cedido, estabelecendo, em regra, uma transferência que se opera com a alienação do interesse segurado. Todavia, como já observava Clóvis Beviláqua a propósito da disposição do art. 1.463 do Código de 1916 (Código Civil comentado, 4.ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 222), a transferência, nesse caso, não é forçosa, já que é possível, a despeito da alienação, que o interesse contra o risco permaneça com o alienante, de outra parte ao adquirente sendo inútil o seguro. Daí estatuir o CC/2002, sem reiterar a parte final do parágrafo do antigo art. 1.463 – contemplativo de hipótese de automática transmissão, se não vedada pela apólice -, que, frise-se, é admissível a transferência do contrato com a alienação do interesse segurado, mas mediante requisitos que estão nos parágrafos do dispositivo.

 

Assim, se o seguro for nominativo, como geralmente é, ou melhor, se o instrumento do contrato indicar o segurado/beneficiário, aí então a transferência só produz efeitos perante o segurador mediante aviso escrito e assinado pelo cedente e pelo cessionário, na mesma senda, se houver apólice ou bilhete à ordem, impondo-se a transferência por endosso em preto, assinado pelo endossante e indicando-se explicitamente o endossatário. Segue-se, a esse respeito, a regra geral do CC 290 atual, acerca da cessão. Veja-se, porém, que a ciência ao cedido, no caso do segurador, não implica, em princípio – ao final feita ressalva a que se remete -, a admissão de que ele deva anuir, previamente, à cessão, o que não se exige, até por clara inferência do previsto no § 1º. Exige-se, nesse preceito, o aviso escrito, por qualquer meio, desde que comprovado o recebimento, da ocorrência da cessão, com subscrição do cedente e do cessionário, que passará a ocupar a posição contratual daquele. No entanto, nada impede, em se tratando de direito disponível, que as partes contratantes do seguro, por ajuste, pactuem a vedação da cessão. Se a apólice for ao portador, sua transferência se dá pela tradição.

 

Deve-se ressalvar, por fim, que a transferência do seguro não pode agravar, por si, o risco garantido pelo segurador sem sua detida cientificação e, nessa hipótese, sem sua concordância a respeito, como ocorre, por exemplo, nos seguros de coisa com perfil do segurado, tal qual no caso dos automóveis. Isso, em diversos termos, significa que na transferência do seguro deve-se o mesmo respeito à regra de boa-fé que há na contratação e que está contida no CC 766. Ou seja, ainda citando o exemplo do seguro de autos, impende, dada a influência das condições do segurado no cálculo do risco, que haja, no caso de alienação da res com transferência do contrato, pronta comunicação ao segurador, com informações que lhe permitam, se necessário, rever o valor do prêmio, ajustando-o ao risco coberto, que, agora, poderá ser diferente. Se isso não se fizer e, depois, ocorrer o sinistro, poderá o segurador se valer da exceção de agravamento do risco, desde que, evidentemente, comprovada a circunstância, não se mantendo, e uma vez que assim seja, com a alienação, as mesmas condições de tráfego, estacionamento e condução do veículo segurado. Ao revés, avisado da alienação e permanecendo a receber o mesmo prêmio, sem qualquer o posição ou ressalva, manifesta-se tácita aquiescência do segurador, que, com a ocorrência do sinistro, não poderá recusar o pagamento da indenização. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 810 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Para Ricardo Fiuza, esse artigo trata da transmissibilidade dos direitos inerentes ao contrato de seguro. Como referido pelo CC 760, a apólice e o bilhete de seguro podem ser nominativos (onde constante, nominalmente, o segurador e o segurado, bem como o seu representante ou terceiro beneficiário), à ordem (transferíveis por endosso) ou ao portador (sem a nominação do beneficiário, são transferíveis por mera tradição, não exigindo nenhuma formalização). Desse modo, a transferência do contrato a terceiro por alienação ou cessão do interesse segurado é admitida como válida, salvo existindo cláusula expressa em contrário. Entretanto, conforme leciona Sílvio Rodrigues, “a transmissão do direito à indenização não pode implicar prejuízo para o segurador, cuja situação não deve ser por ela agravada” (Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27.ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 355). Os parágrafos ao dispositivo inovam a matéria, trazendo-lhe melhor disciplina para efeito da transmissão. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 413 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo fixa que o seguro de dano é, em regra, transferível ao adquirente da coisa ou do interesse segurado. A intransferibilidade resulta de cláusula expressa.

 

O fato de a apólice ser nominal não impede a transferência, que se opera mediante aviso do cedente e do cessionário à seguradora.

 

O referido aviso é desnecessário se a transferência for admitida pela própria apólice ou bilhete de seguro, que contenha a cláusula “à ordem”. Neste caso, basta o endosso assinado pelo cedente e pelo cessionário. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 10.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.

 

§ 1º. Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins.

 

§ 2º. É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo.

 

A visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, no seguro de dano, e não no de pessoa (cf. CC 800, infra), explicita-se hoje, - já que ausente semelhante regra do Código Civil anterior, muito embora existente previsão a respeito, para o seguro marítimo, no Código Comercial (art. 728) – o direito à sub-rogação do segurador que paga a indenização ao segurado. Ou seja, paga a indenização, nos limites do valor respectivo, fica o segurador autorizado a exercer direito regressivo contra o causador do sinistro, para tanto passando a ocupar a posição jurídica do segurado, de resto tal qual na jurisprudência já se assentara (Súmula n. 188 do STF). Isso, na verdade, porque, ao quitar o valor do prejuízo havido, nos lindes do importe do contrato, a rigor o segurador está pagando dívida de terceiro, aquele causador do dano ao segurado. Põe-se cobro, destarte, à discussão, que antes havia, sobre se o segurador, assim agindo, não estaria sendo duplamente beneficiado, com o recebimento do prêmio e com o ressarcimento do seguro pago. A essa objeção Pedro Alvim (O contrato de seguro. Rio de Janeiro, forense, 1999, p. 490) já respondia ser da natureza da cobertura de sinistro provocado por terceiro a sub-rogação legal, antes prevista no art. 985, III, do Código de 1916, por encerrar-lhe real contraprestação a possibilidade de ressarcimento regressivo, junto ao causador do dano, referindo-se o prêmio pago à cobertura de riscos eventuais, independentes de ato voluntário, posto que de terceiro. de mais a mais, a não ocorrência da sub-rogação deixaria o causador do dano livre de sua responsabilidade, uma vez que nada lhe poderia exigir o segurado, afinal já ressarcido pelo segurador.

 

Tudo isso se supera, agora, pela previsão expressa do novo Código sobre a possibilidade de sub-rogação, nos limites do contrato, desde que, acrescenta o § 1º, o dano não tenha sido provocado pelo cônjuge, descendente, ascendente, parente consanguíneo ou afim do segurado, devendo-se acrescentar o companheiro, porque, em todos esses casos, pode-se afetar o próprio patrimônio do segurado, mas este, sim, fazendo parte do risco coberto. A ideia do parágrafo, de qualquer forma, é a de dano causado involuntariamente por que, próximo do segurado, de qualquer forma, é a de dano causado involuntariamente por que, próximo do segurado, por relação de casamento, união estável e parentesco, ostenta conduta que se coloca no âmbito do raio do risco coberto, como se o ato fosse do próprio contratante. O Código Civil ressalva, tão somente, dizendo-o então passível de ensejar sub-rogação, o ato doloso que tenha sido praticado por cônjuge ou parente, porque aí justificado o eventual alcance do patrimônio do segurado e, de toda forma, dimanando o dano de ato voluntário praticado por pessoa a ele ligada, igualmente como se excluiria a indenização se dele provinda conduta dolosa.

 

Finda o dispositivo legal por estabelecer a ineficácia de qualquer ato praticado pelo segurado eu sirva a diminuir ou extinguir, em prejuízo do segurador, o direito à sub-rogação, de que ora se trata. Veja-se que a regra quer assegurar, em última análise, a integralidade do direito regressivo do segurador, resguardando-o contra ato que venha a ser praticado pelo segurado. O exato elastério da norma sobreleva se for levada em conta, por exemplo, a frequente ocorrência de acordos mediante os quais a esse causador do dano o segurado confere ampla quitação, em geral por ocasião do ajuste sobre o pagamento da franquia. Pois sempre se entendeu que, isso sucedido, não haveria crédito em que se pudesse sub-rogar o segurador, extinto pela quitação outorgada. Ou, em diversos termos, não se haveria de cogitar pudesse o segurador, sub-rogando-se na posição jurídica do segurado, exercer uma ação que a este não mais caberia. Nessa senda sobrevém, agora, a determinação legal de que qualquer ato dessa espécie seja ineficaz perante o segurador, que, portanto, não estará impedido de exercer, de toda maneira, seu direito regressivo contra o terceiro causador do dano.

 

Entretanto, resta indagar: Será assim, ainda que o terceiro desconheça a existência do seguro, acordando com o segurado na justa expectativa de que esteja a quitar completamente os danos que com sua conduta provocou? E se o terceiro sabia ou deveria saber que, por exemplo, estava a acordar somente o pagamento de franquia? Parece ser necessário fazer ressalva nesses casos, corolário da tutela da confiança, cabendo ao segurador voltar-se contra seu segurado, afinal com quem contratou e a quem exclusivamente atribuível a conduta de diminuição ou mesmo impedimento de exercício do direito regressivo, frise-se, sempre que no terceiro se possa reconhecer, conforme as circunstâncias do caso, a justa expectativa de que o acordo se referisse aos efeitos completos do sinistro provocado.

 

Vale anotar, por último, e a despeito da discussão que, a propósito, desde o Código anterior se levantava, o entendimento, que se esposa, de que o prazo prescricional para exercício do direito regressivo é o comum, reservada a hipótese do CC 206, § 1º, II, para as lides diretamente envolventes do segurado e do segurador, de resto como no preceito expresso. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 812 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na pauta de Ricardo Fiuza, interessante observar o texto original do dispositivo tal como for proposto pela Câmara: “Art. 786. Paga a indenização (na redação original do anteprojeto falava-se ‘Pagando a indenização’), o segurador se sub-roga integralmente nos direitos e ações que ao segurado competirem contra o autor do dano, sendo ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga tais direitos em prejuízo do segurador Parágrafo único. Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins”. Esse texto foi modificado por emenda da lavra do Senador Gabriel Hermes. Não há artigo correspondente no Código de 1916.

 

Para a doutrina, a fórmula de garantir a sub-rogação “nos limites da indenização paga” é mais precisa. Como assevera em sua justificativa o iminente senador, nem sempre o seguro cobre integralmente o dano sofrido pelo segurado”, o qual “não deve, por isso, ser compelido a transferir à seguradora o crédito de que seja titular contra o responsável civil, salvo nos limites da indenização que aquela lhe tiver efetivamente pago”.

 

Esse artigo demonstra assente o direito do segurador de sub-rogar-se, nos limites do valor correspondente, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o causador do dano. E um imperativo lógico: os direitos e ações que o segurado teria contra o autor do dano serão do segurador, que houve de responder pela garantia, tendo, por consequência, os meios de recuperar a quantia indenizatória que pagou ao segurado.

 

Por sua vez, o § 1º estabelece que, salvo no caso de dolo, a sub-rogação não ocorrerá se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins. E que, em situações tais, o segurador em exercício da sub-rogação afetaria o patrimônio da família do segurado, desnaturando o contrato de seguro em sua essência.

 

Finalmente, o § 2º ~ estatui ser ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo. A cogência da norma tem o escopo de assegurar a incolumidade da sub-rogação, i.é, a integridade de seus efeitos.  (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 413 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na suavidade de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, pelo princípio da relatividade dos efeitos do contrato, o contrato de seguro não interfere, em princípio, em eventuais direitos indenizatórios que o segurado venha a adquirir contra terceiro em razão do sinistro. Este dispositivo estabelece, no entanto, a sub-rogação legal dos direitos do segurado uma vez que a seguradora o indenize. A referida sub-rogação é limitada ao valor da indenização.

 

A sub-rogação não ocorre se o causador do dano for cônjuge ascendente ou descendente do segurado, salvo se o dano for causado por dolo. Deve ser admitida a analogia com o cônjuge para se entender a regra ao dano causado pelo companheiro. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 10.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comentários ao Código Penal – Art. 25 Legítima Defesa - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com – Whatsapp: +55 22 98829-9130

 

Comentários ao Código Penal – Art. 25

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Parte Geral –Título II - Do Crime

 

Legítima Defesa - (Redação dada pela Lei na 7,209, de 11/7/1984.)

 

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando modernamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei na 7,209, de 11/7/1984).

 

Concentrando-se nas apreciações de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários à “Legítima defesa – Art. 25 do CP, p. 74-78, esbarramos com Bens amparados pela legítima defesa Zaffaroni e Pierangeli, dissertando sobre o tema, prelecionam: “A defesa a direito seu ou de outrem, abarca a possibilidade de defender legitimamente qualquer bem jurídico”. (ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGEU, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 582). No entanto, excepcionando a regra, Muñoz Conde assevera que “os bens jurídicos comunitários não podem ser objeto de legítima defesa”, (MUÑOZ CONDE, Francisco. BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria geral do delito, p. 247), posição corroborada por José Cerezo Mir, quando afirma: “Os bens jurídicos supraindividuais, cujo portador é a sociedade (por exemplo, a fé pública, a saúde pública, a segurança do tráfego) ou o Estado, como órgão do poder soberano (a segurança exterior e interior do Estado, a ordem pública, o reto funcionamento da Administração Pública, da Administração da Justiça etc.), não são, por isso, suscetíveis de legítima defesa. Somente quando o Estado atuar como pessoa jurídica serão seus bens jurídicos (a propriedade, por exemplo) suscetíveis de legítima defesa”. (CEREZO MIR, José. Curso de derecho penal - Parte general, v. II, p. 209).

Espécies de legítima defesa – Pode-se apontar duas espécies de legítima defesa, a saber: a) legítima defesa autêntica (real); b) legítima defesa putativa (imaginária).

Injusta agressão - Esclarece Maurach que, “por agressão deve se entender a ameaça humana de lesão a um interesse juridicamente protegido”: (MAURACH, Reinhart. Derecho penal - Parte general, p. 440), ou ainda, na lição de Welzel, “por agressão deve se entender a ameaça de lesão de interesses vitais juridicamente protegidos (bens jurídicos), proveniente de uma conduta humana”. (WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 101).

Meios necessários - São todos aqueles eficazes e suficientes à repulsa da agressão que está sendo praticada ou que está prestes a acontecer.

Moderação no uso dos meios necessários - Além de o agente selecionar o meio adequado à repulsa, é preciso que, ao agir, o faça com moderação, sob pena de incorrer no chamado excesso. Quer a lei impedir que ele, agindo inicialmente numa situação amparada pelo Direito, utilizando os meios necessários, atue de forma imoderada, ultrapassando aquilo que, efetivamente, seria necessário para fazer cessar a agressão que estava sendo praticada.

Atualidade e iminência da agressão - Considera-se como atual a agressão que já esteja efetivamente acontecendo; iminente, a seu turno, é aquela que está prestes a acontecer.

Não se constata a apontada contradição na decisão do Conselho de Sentença que, embora tenha reconhecido que o paciente agiu em defesa própria, entendeu que a agressão da vítima não era atual ou iminente, afastando, nos termos do art. 25 do Código Penal, a caracterização da legítima defesa, por ausência de um dos seus elementos (STJ, HC 89513/SP, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T., DJe S/2/2010).

Defesa de direito próprio ou de terceiros - Há possibilidades, ainda, de o agente não só defender-se a si mesmo, como também de intervir na defesa de terceira pessoa, mesmo que esta última não lhe seja próxima, como nos casos de amizade e parentesco. Fala-se, assim, em legítima defesa própria e legítima defesa de terceiros.

Elemento subjetivo na legítima defesa - Para que se possa falar em legítima defesa, não basta somente a presença de seus elementos de natureza objetiva, descritos no art. 25 do Código Penal. É preciso que, além deles, saiba o agente que atua nessa condição, ou, pelo menos, acredita agir assim, pois, caso contrário, não se poderá cogitar de exclusão da ilicitude de sua conduta, permanecendo esta, ainda, contrária ao ordenamento jurídico.

Legítima defesa e agressão de inimputáveis - Embora exista controvérsia doutrinária, será possível a legítima defesa contra agressão praticada por inimputável.

Legítima defesa recíproca - Pela simples leitura do art. 25 do Código Penal verifica-se a total impossibilidade de ocorrer a chamada legítima defesa recíproca (autêntica versus autêntica). Isso porque as duas agressões são injustas, não se cogitando, nessa hipótese, em legítima defesa, pois ambas as condutas são contrárias ao ordenamento jurídico. Somente poderá ser aventada a hipótese de legítima defesa se um dos agentes agredir injustamente o outro, abrindo-se ao ofendido a possibilidade de defender-se legitimamente.

Legítima defesa putativa versus legítima defesa autêntica (real) - Não obstante a impossibilidade de se falar em legítima defesa recíproca quando ocorrerem, simultaneamente, duas agressões injustas, não se pode negar a possibilidade de coexistirem uma legítima defesa putativa e uma legítima defesa real.

Legítima defesa versus estado de necessidade - Embora não se possa falar em legítima defesa recíproca (autêntica versus autêntica), seria possível cogitar de situação em que um dos agentes atue em legítima defesa e o outro em estado de necessidade? Absolutamente não. Isso porque aquele que age em estado de necessidade pratica uma conduta amparada pelo ordenamento jurídico, mesmo que esta conduta venha ofender bens também juridicamente protegidos.

Legítima defesa contra a multidão - Cleber Masson assevera que “prevalece o entendimento pela sua admissibilidade, pois o instituto da legítima defesa reclama tão somente uma agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, emanada de seres humanos, pouco importando sejam eles individualizados ou não”. Em sentido contrário, aponta a opinião de Vincenzo La Medica, para quem o comportamento de defesa contra a multidão configura estado de necessidade”. (MASSON, Cleber. Direito penal - Parte geral, p. 391).

Excesso na legítima defesa - O excesso, segundo o parágrafo único do art. 23 do Código Penal, pode ser considerado doloso ou culposo. Diz-se doloso o excesso em duas situações: a) quando o agente, mesmo depois de fazer cessar a agressão, continua o ataque porque quer causar mais lesões ou mesmo a morte do agressor inicial (excesso doloso em sentido estrito); ou b) quando o agente, também, mesmo depois de fazer cessar a agressão que era praticada contra a sua pessoa, pelo fato de ter sido agredido inicialmente, em virtude de erro de proibição indireto (erro sobre os limites de uma causa de justificação), acredita que possa ir até o fim, matando o seu agressor, por exemplo.

Ocorre o excesso culposo nas seguintes situações: a) quando o agente, ao avaliar mal a situação que o envolvia, acredita que ainda está sendo ou poderá vir a ser agredido e, em virtude disso, dá continuidade à repulsa, hipótese na qual será aplicada a regra do art. 20, § 1º, segunda parte, do Código Penal; ou b) quando o agente, em virtude da má avaliação dos fatos e da sua negligência no que diz respeito a aferição das circunstâncias que o cercavam, excede-se em virtude de um “erro de cálculo quanto à gravidade do perigo ou quanto ao modus da reação” (excesso culposo em sentido estrito). (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. I, t. Il, p. 304-305).

Conforme esclarece Aramis Nassif, “não se consagra o excesso pelo comportamento tecnicamente culposo, pois a culpa, no sistema penal brasileiro, diz com comportamento imprudente, negligente ou imperito.

Como identificar na ação de alguém que, sofrendo agressão injusta atual ou iminente, para defender-se adote conduta meramente imprudente, negligente ou imperita?” (NASSIF, Aramis. O novo Júri Brasileiro, p. 151).

Excesso intensivo e excesso extensivo - Ocorrerá o excesso intensivo quando o autor, “por consternação, medo ou susto, excede a medida requerida para a defesa”. (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal - Parte geral, p. 182), ou, na definição de Fragoso, é o excesso “que se refere à espécie dos meios empregados ou ao grau de sua utilização”. (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - Parte geral, p. 188).

Diz-se extensivo o excesso quando o agente, inicialmente, fazendo cessar a agressão injusta que era praticada contra a sua pessoa, dá continuidade ao ataque, quando este já não mais se fazia necessário.

Excesso na causa - Fala-se em excesso na causa quando há “inferioridade do valor do bem ou interesse defendido, em confronto com o atingido pela repulsa”. (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. I, t. II, p. 305).

Excesso exculpante - É o que tem por finalidade afastar a culpabilidade do agente sob o argumento da inexigibilidade de conduta diversa.

O excesso exculpante não se confunde com o excesso doloso ou culposo, por ter como causas a alteração no ânimo, o medo, a surpresa. Ocorre quando é oposta à agressão injusta, atual ou iminente, reação intensiva, que ultrapassa os limites adequados a fazer cessar a agressão (STF, HC 72341/RS, Rel. Min. Maurício Correa, 2ª T., DJ 20/3/1998, p. 5).

Legítima defesa sucessiva - É a originária do excesso da legítima defesa, em que o agressor inicial se transforma em vítima e a vítima, a seu turno, se transforma em agressora.

Legítima defesa e aberratio ictus - Pode ocorrer que determinado agente, almejando repelir agressão injusta, agindo com animus defendendi, acabe ferindo outra pessoa que não o seu agressor, ou mesmo a ambos (agressor e terceira pessoa). Nesse caso, embora tenha sido ferida ou mesmo morta outra pessoa que não o seu agressor, o resultado advindo da aberração no ataque (aberratio ictus) estará também amparado pela causa de justificação da legítima defesa, não podendo, outrossim, por ele responder criminalmente.

Efeitos civis da legítima defesa - Nos termos do inciso I do art. 188 do Código Civil, aquele que atua em legítima defesa não pratica ato ilícito capaz de suportar a obrigação de indenizar.

Ofendículos - na definição de Mirabete, “são aparelhos predispostos para a defesa da propriedade (arame farpado, cacos de vidro em muros etc.) visíveis e a que estão equiparados os ‘meios mecânicos’ ocultos (eletrificação de fios, de maçanetas de portas, a instalação de armas prontas para disparar à entrada de intrusos etc.”).  (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal - Parte geral, p. 130).

Apesar da definição do renomado autor, entendemos que os ofendículos não se prestam somente à defesa do patrimônio, mas também à vida, à integridade física etc., daqueles que os utilizam como artefato de defesa.

A discussão maior a respeito dos ofendículos cinge-se à apuração de sua natureza jurídica. Hungria os considerava como uma situação de legítima defesa preordenada. Isso porque os instrumentos somente agiriam quando os bens estivessem sendo agredidos e, dessa forma, já haveria uma situação de defesa legítima. Outros, ao contrário, a exemplo de Aníbal Bruno, entendem que aqueles que utilizam os ofendículos atuam no exercício regular de um direito. Afirma o mestre pernambucano que “a essa mesma categoria de exercício de um direito pertence o ato do indivíduo que, para defender a sua propriedade, cerca-a de vários meios de proteção, as chamadas defesas predispostas ou ofendicula". (BRUNO, Aníbal. Direito penal - Parte geral, t. II, p. 9).

Habeas corpus e legítima defesa - A alegação de que as vítimas teriam iniciado a agressão contra o réu, a qual, em princípio, seria apta a configurar a excludente de legítima defesa, bem como o pedido visando à declaração da atipicidade da conduta, são matérias insuscetíveis de exame na via do habeas corpus, por demandarem análise de prova (STF, RH C 90524/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª T., DJ 9/5/2008).

As alegações relativas à legítima defesa são insuscetíveis de ser analisadas na via estreita do habeas corpus, por demandar profunda inserção e valoração das provas produzidas, inviável no procedimento eleito pelos impetrantes (STJ, HC 42559/PE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5a T., DJ 24/4/2006, p. 420).

Absolvição sumária - O art. 415, caput e incisos, do Código de Processo Penal, com a nova redação que lhes foi dada pela Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008, preveem a absolvição sumária do agente que havia sido denunciado pela prática, em tese, de crime da competência do Tribunal do Júri, dizendo, verbis:

 Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I — provada a inexistência do fato;

I I— provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

lIl — o fato não constituir infração penal;

IV - demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei n? 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.

Em se tratando de crime afeto à competência do Tribunal do Júri, o julgamento pelo Tribunal Popular só pode deixar de ocorrer, provada a materialidade do delito, caso se verifique ser despropositada a acusação, porquanto aqui vigora o princípio in dubio pro societate. Absolvição sumária por legítima defesa, na firme compreensão da jurisprudência e doutrina pátrias, somente há de ter lugar, quando houver prova unívoca da excludente, a demonstrá-la de forma peremptória. (HC 25858/RS, 6a Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhído, DJ de l 2/8/2005) (STJ, HC 99194/PE, Rel. Min. Felix Fischer, 5ªT-, DJe 18/8/2008).

Sendo segura a prova de que a ação policial foi legítima, não se pautando por qualquer excesso ou falhas na sua execução, estando inteiramente configurada a legítima defesa, não há por que se pronunciar o denunciado, devendo a questão ser composta desde logo com sua absolvição sumária (TJMG, AC 1.0024. 02.630010-3/001, Rel. Des. Sérgio Braga, DJ 5/12/2003).

Pronúncia e legitima defesa - O art. 413 e seu § 1º do Código de

Processo Penal, com a nova redação que lhes foi dada pela Lei n° 11.689, de 9 de junho de 2008, no que diz respeito à pronúncia do acusado, dizem, verbis:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ lº A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Uma vez interposto recurso contra a sentença de pronúncia, insistindo-se na configuração da legítima defesa, cumpre ao órgão julgador analisar os elementos coligidos. Esse procedimento não implica supressão da prerrogativa do corpo de jurados quanto ao julgamento final da matéria, nem extravasamento dos limites próprios à fase de submissão do acusado ao Júri (STF, HC 90909/SP, Rei. Min. Marco Aurélio, 1ª T., DJ 21/11/2008).

Não havendo prova estreme de dúvida de que o recorrente agiu sob o amparo da legítima defesa, é de rigor que se mantenha a decisão de pronúncia para que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do júri, juiz natural da causa (TJPR, 1ª C., SER 0381 361-2, Foro Regional de Araucária da Região Metropolitana de Curitiba, Rel. Des. Jesus Sarrão, j. 3/5/2007). (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários à “Legítima defesa – Art. 25 do CP, p. 74-78. Editora Impetus.com.br, acessado em 06/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em defesa ao art. 25, as apreciações de Victor Augusto em artigo intitulado “Da Legítima defesa real e putativa”, comentários ao art. 25 do CP se direcionam, primeiro à conceituação:

legítima defesa é a segunda causa de justificação prevista no Código. Por ela, a reação a uma agressão injusta considera-se lícita, mesmo que se ajuste ao tipo criminal. Os elementos da causa excludente são os seguintes:

Uso moderado dos meios necessários: a reação da vítima da agressão deve ser moderada e deve se valer dos meios necessários para repelir a agressão.

Esse requisito é relativamente casuístico. Se a vítima tem a seu dispor vários meios para repelir a agressão, deve escolher o meio suficientemente necessário (mínima lesividade, mas eficiente) e usá-lo moderadamente.

 

Então, se a vítima tem a seu dispor um canhão, um revólver e uma espada para repelir a agressão injusta consistente em disparos, a escolha do revólver seria o meio mais adequado para repelir o ataque, pois o canhão seria desproporcionalmente exagerado e a espada poderia ser insuficiente para tanto.

 

Por outro lado, se o único meio ao dispor da vítima for desproporcional, ela poderá usá-lo com a moderação possível, pois é o único meio necessário disponível (no lugar de dez tiros de canhão, usa apenas um).

 

Se a vítima reage com excesso, seja pelo uso do meio desnecessariamente desproporcional ou uso imoderado do meio necessário, nasce para o agressor a possibilidade de legítima defesa sucessiva, pois a reação da vítima passa a ser uma agressão injusta. O excesso pode ser doloso ou culposo, submetendo o agente às respectivas punições.

O excesso, ainda, pode ser intensivo (relativo ao uso de meios desproporcionais) (HUNGRIA; FRAGOSO, 1978) ou extensivo (o que se estende para além da atualidade da agressão).

 

O tema não é unânime na doutrina, mas Bitencourt (2017) afirma que o excesso extensivo nada mais é do que um ato criminoso subsequente, visto que a janela cronológica da legítima defesa real não mais subsiste.

Agressão injusta (aggressio injustaatual ou iminente: a agressão a ser repelida deve ser injusta, ou seja, deve ser fruto de uma atuação ilícita promovida por terceiro. Ela deve ser, ademais, atual (está ocorrendo no mesmo momento) ou iminente (está prestes a ocorrer) e deve ser concreta, e não puramente fictícia ou hipotética. Não se admite uma reação a uma ação passada (isso seria vingança, e não defesa).

A injustiça da ação faz com que atos da natureza, um ataque aleatório de um animal (diferente de um ataque ordenado) ou a agressão de um inimputável não sejam passíveis de reação por legítima defesa.

 

A doutrina não é unânime, mas, de forma geral, admite-se o estado de necessidade para estas circunstâncias. Ora, a possível fuga diante da agressão de um inimputável nada tem de deprimente: não é um ato de poltronaria, mas uma conduta sensata e louvável. Assim, no caso de tal agressão, o que se deve reconhecer é o “estado de necessidade”, que, diversamente da legítima defesa, fica excluído pela possibilidade de retirada do periclitante. HUNGRIA; FRAGOSO, 1978, P. 296.

 

A injustiça da agressão também pode decorrer de ato culposo, visto que a conduta culposa é ilícita e, portanto, injusta.

Direito seu ou de outrem: a legítima defesa pode se operar para proteger direito próprio ou alheio. A noção de direito aqui é ampla, abrangendo direitos e bens jurídicos morais e patrimoniais tuteláveis do indivíduo.

O Código, mantendo a posição da sua redação original, não exige a inevitabilidade do confronto. Isso significa que o agente não é obrigado a fugir ou prevenir inteiramente a agressão (commodus discessus).

 

Não há indagar se a agressão podia ser prevenida ou evitada sem perigo ou sem desonra. A lei penal não pode exigir que, sob a máscara da prudência, se disfarce a renúncia própria dos covardes ou dos animais de sangue frio. […]

 

Nem mesmo há ressalvar o chamado commodus discessus, i. é, o afastamento discreto, fácil, não indecoroso. HUNGRIA; FRAGOSO, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. 1978, P. 288-289, 292 Rio de Janeiro: Forense, 1978.).

 

A doutrina admite, ainda, a figura da legítima defesa putativa, que decorre da equivocada representação da situação fática vivida pelo agente, que imagina estar sofrendo ou prestes a sofrer uma agressão injusta, e assim reage. Como modalidade erro de tipo, aplica-se a lógica do art. 20: se o erro for perdoável, exclui-se o dolo e o crime; se for imperdoável, responde-se a título de culpa.

 

Contra a legítima defesa putativa, é possível uma legítima defesa real, mas contra uma legítima defesa real não é possível outra legítima defesa real (a chamada legítima defesa recíproca), pois neste caso há reação lícita, inexistindo injustiça a ser objeto de reação. A doutrina também admite duas posturas de legítima defesa putativa.

 

Por fim, é interessante observar a existência dos ofendículos, que são mecanismos preordenados para a defesa da propriedade (cercas elétricas, cacos de vidro em muros etc.). A doutrina disputa a natureza desses instrumentos, mas é dominante a visão de que sua colocação é um ato de exercício regular de direito, e sua ativação prática um exercício de legítima defesa da propriedade (ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2018.). (Victor Augusto em artigo intitulado “Da Legítima defesa real e putativa”, comentários ao art. 25 do CP, no site Index Jurídico, em 22 de janeiro de 2019, acessado em 06/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Para Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 25 do Código Penal, publicado no site Direito.com, é excludente de ilicitude pelo Código Penal o agente que age em legítima defesa, desde que comprove os requisitos enumerados no artigo em comento. Ação do acusado é típica, por exemplo, matar alguém. Mas, embora presente a tipicidade não seja antijurídica em face à resposta de uma injusta agressão ilícita perpetuada.

 

A ação defensiva não pode atingir de forma significantemente desproporcional, exigível da resposta penal dada pelo Estado no exercício do poder-dever de punir, também deve presidir a ação do particular que atua em sua própria defesa, levando-se em conta as circunstâncias do fato”.

 

A defesa do patrimônio pode ser legitima, mas é desproporcional a repulsa que atinge a vítima do agressor, se este não estiver sob risco em sua integridade física. “O furto de uma bicicleta encostada na rua não legitima que seu dono atire no ladrão, matando-o”. Código Penal comentado, Miguel Reale, et al, p. 119.

 

É fundamental para exclusão de punibilidade que haja proporcionalidade entre a agressão sofrida e resposta do agredido na menor reação ofensiva à defesa do bem jurídico atacado. O que se busca é defesa de um direito e não castigo do agressor.

 

A jurisprudência é reiterativa no sentido da moderação do agredido na reação: “Para caracterizar a legítima defesa é necessário que haja injusta agressão atual ou iminente contra direito próprio ou alheio, usando-se moderadamente dos meios necessários. Não estando configurado o requisito da moderação, mister afastar a excludente de ilicitude. (Trecho da ementa STJ – Agravo em REsp n. 1.541.708 – MS (2019/0207041-5).

 

Parágrafo único: comentado no art. 23, III. (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 25 do Código Penal, “Da Legítima defesa” publicado no site Direito.com, acessado em 06/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 781, 782, 783 - DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 781, 782, 783
- DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com -
digitadorvargas@outlook.com

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (Art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO DE DANO

 – Seção II - (art. 778 a 788)

 

 

Art. 781. A vigência da garantia, no seguro de coisas transportadas, começa no momento em que são pelo transportador recebidas, e cessa com a sua entrega ao destinatário.

 

Aprendendo com Claudio Luiz Bueno de Godoy o presente artigo, completa, a rigor, a ideia básica acerca do seguro de dano, que já se explicitou no CC 778 e que se completa pelo preceito do CC 782, representando, a bem dizer, relevante inovação na esfera do direito posto, positivado. Como se assentou nos comentários ao CC 778, permeia o conceito de seguro de dano o chamado princípio indenitário, segundo o qual, em síntese, a cobertura securitária deve se restringir ao ressarcimento do valor do prejuízo efetivamente experimentado pelo segurado, com o sinistro havido. Trata-se da referência central do ajuste: a indenização. Em diversos termos, quer-se evitar que o seguro possa ser fonte de enriquecimento do segurado, de modo a colocá-lo em situação melhor da eu teria se o sinistro, conta o qual se garante seu interesse, não tivesse sucedido. Tudo, em última análise, à consideração de que o seguro de forma, na verdade, e conforme já comentado ao exame do CC 757, por um fundo composto pelos prêmios pagos por uma universalidade de segurados – típica revelação de um mutualismo sem o qual os contratos individuais se inviabilizam -, gerido pelo segurador, por isso necessariamente uma entidade a tal fim autorizada (CC 757, parágrafo único), que só se pode desfalcar pela devida reparação a que s destina, portanto sem que, a dano de outras coberturas, possa servir a propósito especulativo. Vale lembrar que o fundo e os prêmios que o constituem, afinal, resultam de um cálculo de probabilidade dos sinistros em relação aos interesses cuja garantia se contrata. Não por outro motivo é que, como se viu, não se pode contratar o seguro por valor maior que o do interesse segurado (art. 778). A ideia, enfim, é a de que o seguro se preste tão somente à recomposição, e não ao fomento do patrimônio do segurado, desfalcado pelo sinistro contra o qual quis se garantir.

 

Isso induz importante reflexo no seguro de coisas que se desvalorizam com o tempo. Pense-se na cobertura de automóveis, que perdem valor com o uso e que, sinistrados depois de algum tempo, com perda total, já não valem mais o importe originalmente indicado na contratação. É dizer então que, quando do acidente que danificou por completo o veículo, a perda patrimonial sofrida pelo segurado foi a do valor do auto no instante em que sinistrado, agora, como determina a lei, o obrigatório importe da cobertura a ser honrada. Destarte, não mais caberá discutir, como tem sido frequente, se cabe ou não o pagamento do seguro pelo valor de mercado do bem ou pelo valor da apólice, ausente cláusula que preveja aquela primeira modalidade. Impõe a lei que o pagamento se faça pelo valor da cosa ao tempo do sinistro, e sempre limitado ao importe máximo da garantia, o que significa patentear que o seguro de dano tem dois importes: o da apólice, que representa o limite máximo da indenização que poderá ser paga, em caso de sinistro, e o da cobertura pelo sinistro havido, correspondente, observado aquele teto máximo, ao exato importe do prejuízo experimentado, no momento em que ocorrido.

 

No entanto, um grande problema, na realidade, se coloca no que diz respeito ao prêmio que foi fixado e pago pelo segurado. Por exemplo, para Jones Figueiredo Alves (Novo Código Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 706), vindo o valor da indenização a ser inferior ao constante da apólice, pela eventual desvalorização do importe da coisa, ao instante do sinistro, impor-se-á uma redução proporcional do prêmio, já abatida do montante do seguro a ser pago. A seu ver, trata-se de corolário direito do princípio da eticidade que ilumina a nova legislação, impeditiva da vantagem indevida de uma parte, em detrimento de outra, na relação contratual. Ernesto Tzirulnik (“Princípio indenitário no contrato de seguro”; In: Revista dos Tribunais, v. 759, janeiro de 1999, p. 89-121), ao revés, e apoiado na lição de Pedro Alvim, já defendia, mesmo antes da edição da novel legislação, que a indenização paga pela perda do bem em importe menor que o da apólice não deveria levar a nenhuma redução do prêmio. Relembra o autor que o cálculo desse prêmio toma em consideração a massa dos bens objeto do fundo constituído, portanto nem só o daquele segurado além de inúmeras outras variáveis, dentre elas valorização ou desvalorização de salvados e probabilidade de perdas parciais antes da perda total, de modo que, a rigor, a oscilação do preço da coisa seja integrante natural do ajuste. Salienta Tzirulnik que o cálculo do prêmio não pode levar em conta, e não leva, apenas a situação específica de um segurado atingido pela perda total de seu bem. Mais, a seu ver, da mesma forma que não se verificará aumento de prêmio nos casos de sinistros parciais honrados e depois perda total também ressarcida, não deve haver redução se a indenização pela perda total se faz pelo valor atual e depreciado do bem, em relação ao montante da apólice. Importa é eu tenha havido risco a que exposto o bem, para fazer devido o prêmio, no importe em que fixado. A alteração de seu valor somente terá lugar se inexistente ou em muito reduzido o risco (CC 770) ou, por identidade de motivos, se em muito aumenta o risco coberto (CC 769). Aliás, o paralelismo com esses dispositivos é eloquente. Da mesma maneira que não se altera o prêmio por qualquer modificação da probabilidade de ocorrência do sinistro, senão quando considerável, também não se haverá de alterá-lo quando o valor do bem se deprecia, porquanto oscilável, uma vez que, afinal, calcula-se o prêmio não com base, especificamente, no valor da apólice daquele bem, em particular considerado.

 

No entanto, ainda que se aceda a essa tese, três ressalvas devem ser feitas. A primeira é a de que a excessiva, considerável desvalorização da coisa objeto do seguro pode suscitar pleito de revisão e mesmo de repetição de prêmio que, então, terá sido pago a maior. Afinal, a sensível perda de valor da coisa segurada acaba afetando, em última análise, a própria extensão do risco, senão de sua conversão em sinistro, mas da dimensão de suas consequências. Veja-se que, a rigor, isso nada mais é que um paralelismo estrito com as regras dos CC 769 e 770, ou seja, oscilações quanto ao risco não geram revisão do prêmio a não ser quando consideráveis. Especificamente para o caso de diminuição do prêmio, se, de um lado, o CC 770 começa por dizer que a redução do risco, em princípio, não acarreta a redução do prêmio, termina, de outro, por estatuir que isso poderá acontecer se a redução for considerável. A segunda ressalva importante, mesmo que aí individualmente considerado o contrato de seguro, afinal um trato de adesão, no qual, em regra, uma das partes está em situação de vulnerabilidade, sendo a outra uma profissional, muito mais afeito às regras legais da entabulação, é a necessidade de que os termos do ajuste expressem, com clareza, a limitação da indenização ao efetivo importe do prejuízo experimentado, de modo a evitar possa ser inculcada no aderente a expectativa de que, no caso de perda total da coisa, lhe será ressarcido o valor da apólice. Trata-se de notório corolário da transparência, um dos deveres anexos que a boa-fé objetiva, em sua função supletiva, impõe, de resto coo visto desde o CC 766. Por último, e agora a ressalva é legal, havendo mora do segurador, o importe a que estará sujeito poderá ultrapassar o valor do prejuízo da coisa, se afinal incidem os acréscimos de que cuida o CC 772. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 806 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na toada de Ricardo Fiuza, a disposição tenta conciliar o antagonismo de interesses na relação securitária, diante do escólio jurisprudencial firmado a respeito do tema. A esse propósito, resultou assente, por exemplo, que “no seguro de automóvel, em caso de perda total, a indenização a ser paga pela seguradora deve tornar como base a quantia ajustada na apólice (art. 1.462 do Código Civil de 1916), sobre a qual cobrador do prêmio (STJ, 3’T., REsp 191.189-MG), por se considerar prática abusiva pretender-se a indenização por valor inferior ao previsto na apólice sobre o qual o segurado houver pago o prêmio.

 

A indenização pelo limite máximo da apólice, a saber aquele cogitado como valor do interesse assegurado por ocasião da conclusão do contrato, sempre gerou embate doutrinário e jurisprudencial, entendendo-se compatível e justo aquela corresponder ao valor da apólice, na hipótese do perecimento da coisa, inclusive porque, “se (a seguradora) aceitou segurar o bem por valor superior, e recebeu o prêmio sobre esse mesmo valor, não pode reduzir o pagamento do bem sinistrado (...)” (RI’, 730/222).

 

Agora, ao ficar expresso que a indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, tem-se uma nova realidade temporal em termos de significado econômico que implicou, efetivamente, prejuízo ao titular do interesse. Ponderável essa correlação, tem-se, por outra lado, o limite valorativo do bem jungido ao teto do valor da apólice, porque a este correspondeu o valor do prêmio. Mas é preciso ainda admitir e ponderar que, vindo o valor da indenização a ser menor do que aquele mensurado ao tempo do ajuste e fixado na apólice, o prêmio pago será superior ao aqui estabelecido pelo valor do interesse assegurado no momento do sinistro, caso em que terá de ser reduzido, com a diferença acrescida ao pagamento indenizatório. Essa conciliação de interesses afigura-se corolário do princípio da eticidade que timbra o CC/2002, pois nenhuma das partes deve obter vantagem indevida em detrimento do patrimônio da outra. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 411 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o CC 778, seguindo a tradição jurídica, estabeleceu que a indenização não pode ser superior ao valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato. O presente dispositivo inovou ao estabelecer que ela não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro. A conjunção das duas regras resulta em eu a indenização deve respeitar o patamar que for mais baixo entre o valor do interesse segurado no momento da contratação e o valor que venha a ter no momento do sinistro.

 

Ambos os limites têm em vista a natureza indenitária do seguro e evitar que ele possa ser fonte de enriquecimento para o segurado.

 

As referidas regras podem acarretar soluções manifestamente injustas, diante da valorização nominal do interesse segurado, principalmente, em decorrência de inflação. Se um bem é avaliado por R$100,00 no momento da contratação e, um ano depois, quando da ocorrência do sinistro que resulte em sua perda total valor R$ 200,00 é manifestamente injusto que o segurado que tenha contratado a proteção contra a perda do bem venha a receber apenas R$100,00. A correção, no caso, há de ser admitida com base no princípio do equilíbrio contratual e no CC 317. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 07.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 782. O segurado que, na vigência do contrato, pretender obter novo seguro sobre o mesmo interesse, e contra o mesmo risco junto a outro segurador, deve previamente comunicar sua intenção por escrito ao primeiro, indicando a soma por que pretende segurar-se, a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art. 778.

 

Explica Claudio Luiz Bueno de Godoy, não por motivo diverso do que anima, hoje, a previsão do CC 778, o Código anterior já se ocupava do caso de efetivação de um segundo seguro, quando outro anterior já se tivesse feito, sobre o mesmo interesse segurado e contra o mesmo risco coberto. Vedava-o, com efeito, quando o primeiro seguro já houvesse sido entabulado pelo valor integral do interesse segurado, sempre a fim de evitar o intuito especulativo do ajuste, sabidamente adstrito ao importe máximo da coisa segurada. Acrescentava-se que, insciente o segundo segurador acerca do primeiro seguro, era-lhe lícito não só recusar o pagamento de eventual sinistro, mas também recobrar o que acaso já tivesse pago, sem restituição do prêmio. A ideia básica era, de um lado, a de que, já segurada a coisa, uma primeira vez, contra o mesmo risco, por seu importe total, o segundo seguro não teria risco a cobrir, porquanto, afinal, já garantido pelo antecedente ajuste. Daí a possibilidade de anular o segundo seguro. Em segunda parte, permitia o antigo art. 1.439 que, insciente o segundo segurador sobre a existência do anterior, poderia ele deixar de honrar a cobertura, assim como, se já a tivesse honrado, reaver a quantia paga a maior, sem restituição do prêmio. E compreendia-se, ainda, nessa segunda parte do preceito, também o antecedente seguro não incidente sobre o valor total, quando, pago o primeiro seguro, viesse o segundo a ser honrado em sobejo do valor da coisa, então abrindo-se a possibilidade de o segurador recobrar a quantia paga em excesso do importe do interesse segurado e sem restituição do prêmio.

 

Na lição de Carvalho Santos (Código Civil brasileiro interpretado, 5.ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 283-4), na hipótese de a coisa não estar segurada pelo valor total no primeiro contrato, os demais e subsequentes seguradores só estavam obrigados pelo que, na falta, tivessem de completar quanto ao importe da coisa, na ordem das respectivas apólices. Resumindo o elastério do art. 1.439 e confrontando-o, também, com o preceito do art. 1.437, Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.924, n. 1, p. 346) já assentava que, se o primeiro seguro foi integral e sobreveio outro, este poderia ser anulado, caso houvesse dolo do segurado; se de boa-fé, abrir-se-ia a possibilidade de resolução do segundo seguro ou revisão, aqui, acrescente-se, desde que houvesse ainda algum risco a segurar. Veja-se que, a rigor, é a mesma solução disposta no CC 766 do Código atual, a que o CC 778, cujo princípio básico o presente CC 782 quis preservar, remete. Ou seja, quando há má-fé do segurado, desfaz-se o contrato, mas com a agravante de perda do prêmio vencido, a título punitivo. Se ausente sua má-fé, resolve-se, necessariamente, o ajuste, visto que, afinal, não há risco a cobrir, porque coberto pelo primeiro seguro, com restituição das partes ao estado anterior. Apenas acresce o atual Código que, ao entabular o segundo seguro, o que em si não é ilícito, se o antecedente ajuste não se referia ao valor integral da coisa segurada, deve o segurado informar o primeiro segurador, justamente a fim de que também ele possa controlar o respeito à regra geral contida no CC 778. Isso, de um lado, sem que, evidentemente, esteja o segurado dispensado de dar igual aviso ao segundo segurador e, de outro, criando-se um especial dever anexo de informação ao segurado, com relação ao primeiro segurador, cujo desrespeito pode levar à perda da garantia, afinal subtraindo-se daquele contratante a possibilidade de verificar, em caso de sinistro, se já não paga a indenização pelo segundo segurador ou a possibilidade de postular a diminuição do valor de seu ajuste ao importe proporcional da coisa, conforme se viu nos comentários ao CC 778, tudo de modo, enfim, a evitar que possa o segurado ser beneficiado com garantia e eventual ressarcimento superiores ao montante da coisa segurada. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 807 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na pauta de Ricardo Fiuza, a cumulação de seguros de uma mesma coisa pelos mesmos riscos somente é permitida se o primeiro seguro não alcançar o seu valor integral, ou seja, o valor do interesse segurado ao tempo da conclusão do contrato. A duplicidade de apólices apenas terá lugar quando pretender o segurado atender a integralidade do valor, ainda não protegido em sua inteireza. A cobertura integral por mais de um segurador implica infringência ao disposto no CC 778, isto porque a garantia prometida não pode ultrapassar, como ali consignado, o valor do interesse segurado aferido no ato de sua estipulação.

 

Desse modo, cumpre ao segurado, para efeito de contratar um segundo seguro, comunicar ao primeiro segurador essa sua intenção, indicando a soma que pretende segurar, a qual objetivará, sem dúvida, tornar integral o valor do seguro em relação ao valor da coisa ou do interesse segurado. A medida objetiva impedir seguros excessivos e práticas de má-fé. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 411 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na pauta de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, os seguros de dano têm natureza indenitária, logo neles são proibidas cláusulas que estabeleçam a) valor do seguro (importância segurada) superior ao da coisa (CC 778), e b) a contratação de mais de um seguro de idêntica natureza para a mesma coisa. A sanção em ambos os casos, é a perda do direito à indenização, sem direito à restituição do prêmio. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 07.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 783. Salvo disposição em contrário, o seguro de um interesse por menos do que valha acarreta a redução proporcional da indenização, no caso de sinistro parcial.

 

Sob as luzes da ribalta de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a disposição do presente artigo é consequência direta do princípio contido nos CC 778, 780 e 781, antes examinados. Se a ideia central do seguro de dano é prever uma indenização que seja paga ao segurado em caso de sinistro, proporcionando-lhe nada mais que o ressarcimento do efetivo prejuízo experimentado, sem que lhe seja dado, então, auferir qualquer proveito da garantia contratada, de modo a que, afinal, se coloque em situação mais vantajosa do que a que teria se o evento danoso não tivesse sobrevindo, obviamente não se poderá segurar a coisa por importe inferior a seu real valor e, em caso de sinistro que a danifique em parte, não se proporcionalizar o montante da indenização. Se assim não fosse, o lucro seria evidente, emprestando ao seguro um caráter especulativo que a lei não quis que ele tivesse, ou, pior, a dano do fundo que a rigor se compõe para dar suporte a cada ajuste securitário individual, traço de mutualismo, como se viu no comentário ao CC 757, muito típico do contrato de seguro.

 

De pronto, todavia, vale reiterar, tal qual comentado à análise do CC 778, que, se se veda o seguro por mais do que a coisa valha, corolário do princípio indenitário que anima o regramento vertente, nada impede, ao revés, que se contrate o seguro por menos do que valha a coisa. Afinal, poderia nem ter havido a contratação do seguro. Se pode a parte nem contratar o seguro, pode contratá-lo por menos do que o valor real da coisa. Assim, por exemplo, será possível que se ajuste seguro por metade do valor da coisa, que, então, por consequência lógica, se sofrer sinistro parcial, ensejará indenização que, tomada a efetiva extensão do dano havido, deverá, a seguir, se proporcionalizada à mesma razão do que a menos de seu montante real se indicou na apólice. É, em última análise, o que se denomina cláusula de rateio, em que o segurado fica, ele próprio, responsável por parte das consequências do sinistro, afinal coberto parcialmente pelo segurador, conforme o valor contratado. A ressalva da lei de que as partes podem prever em contrario à proporcionalidade parece indicar a adoção, para esse caso de seguro a primeiro risco, frequentemente adotado para hipóteses de incêndio, em que se indeniza sempre o valor total da apólice, com derrogação da proporcionalidade, o que se faz, em verdade, por um agravamento do prêmio, mas de todo modo com limite indenizatória à quantia constante da apólice, que já é, em si, menor que o importe da coisa, razão pela qual não se afronta à regra do CC 778. A bem dizer, nada diverso do que, mesmo antes do atual Código, já admitia, por exemplo, Pedro Alvim, referindo cláusulas nesse sentido comumente estabelecidas (O contrato de seguro. Forense, Rio de Janeiro, 1999, p. 325-30). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 808 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na visão de Ricardo Fiuza, o seguro é fixado pelas partes de acordo com o valor de seu objeto. Caso este seja segurado por menos do que valha, em sucedendo sinistro parcial a obrigação do segurador será também proporcional. Nessa hipótese, incidia, sob a égide do Código Civil de 1916, que não cuidou da matéria, a presunção absoluta (iuris et de iure) de que segurador e segurado seriam cosseguradores. Com efeito, pela porção não atendida produzir-se-ia o efeito de o segurado atuar como se segurador fosse de seu próprio interesse.

 

O CC/2002 inova ao dispor expressamente sobre o tema, eliminando a necessidade de invocar-se a referida presunção, já que, segundo a norma em comento, o seguro de um interesse por menos do que efetivamente valha acarretará a redução proporcional da indenização, na hipótese de sinistro parcial – exceto se houver disposição expressa em contrário. Assim, ficam absolutamente dirimidas todas as eventuais dúvidas a respeito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 412 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na toada exemplificativa de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se um bem avaliado por R$100,00 é segurado por R$ 70,00 e vier a sofrer um dano de R$ 50,00, a indenização corresponderá a R$ 35,00. O dispositivo inovou o direito brasileiro.

 

A regra é de caráter supletivo e, portanto, nada impede que a apólice contenha cláusula que exclua a proporcionalidade da indenização no caso de sinistro parcial. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 07.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).