quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 23 Exclusão de Ilicitude - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com Whatsapp: +55 22 98829-9130

 

Comentários ao Código Penal – Art. 23

Exclusão de Ilicitude - VARGAS, Paulo S. R.

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Parte Geral –Título II - Do Crime

 

Exclusão de Ilicitude (Redação dada pela Lei na 7,209, de 11/7/1984.)

 

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:(Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984):

 

I - Em estado de necessidade; (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.)

II - Em legítima defesa; (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

 

Excesso punível - (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984).

 

Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.)

 

Segundo apreciações de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários à “Exclusão de Ilicitude – Excesso punível” – Art. 23 do CP, p. 69-71, (apreciações importantíssimas, levando-se em conta, principalmente, fatos atualíssimos, noticiados na mídia na última semana, de desrespeito à Lei, por agentes que devem agir dentro de seus limites e que não podem “desconhecer” os limites de abordagem, portanto, não há se falar em excludente de ilicitude, por tratar-se de truculência, excesso de força e causa mortis. Nota VD):

 

Ilicitude ou antijuridicidade - É a relação de antagonismo, de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico (ilicitude formal) que cause lesão, ou exponha a perigo de lesão, um bem juridicamente protegido (ilicitude material).

 

Necessidade do elemento subjetivo nas causas de justificação -  De acordo com a precisa lição de Welzel, “as causas de justificação possuem elementos objetivos e subjetivos. Para a justificação de uma ação típica não basta que se deem os elementos objetivos de justificação, senão que o autor deve conhecê-los e ter, ademais, as tendências subjetivas especiais de justificação. Assim, por exemplo, na legítima defesa ou no estado de necessidade (justificante), o autor deverá conhecer os elementos objetivos de justificação (a agressão atual ou o perigo atual) e ter a vontade de defesa ou de salvamento. Se faltar um ou outro elemento subjetivo de justificação, o autor não se justifica apesar da existência dos elementos objetivos de justificação” (WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 100).

 

Estrito cumprimento de dever legal - O Código não se preocupou em definir o conceito de estrito cumprimento de dever legal, tal como procedeu com o estado de necessidade e a legítima defesa. Contudo, seus elementos caracterizadores podem ser visualizados pela só expressão “estrito cumprimento de dever legal”.

 

Aqui, da mesma forma que as demais causas de justificação, exige-se a presença de seus elementos objetivos e subjetivos.

 

Inicialmente, é preciso que haja um dever legal imposto ao agente, dever este que, em geral, é dirigido àqueles que fazem parte da Administração Pública, tais como os policiais e oficiais de justiça, pois que, conforme preleciona Juarez Cirino dos Santos, “o estrito cumprimento de dever legal compreende os deveres de intervenção do funcionário na esfera privada para assegurar o cumprimento da lei ou de ordens de superiores dá administração pública, que podem determinar a realização justificada de tipos legais, como a coação, privação de liberdade, violação de domicílio, lesão corporal etc.” (SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 187). Em segundo lugar, é necessário que o cumprimento a esse dever se dê nos exatos termos impostos pela lei, não podendo em nada ultrapassá-los.

 

O estrito cumprimento do dever legal pressupõe dois requisitos: o estrito cumprimento - somente os atos necessários justificam o comportamento, em princípio, ilícito; e o dever legal - a norma da qual emana o dever caracterizar-se-á pela obrigatoriedade e juridicidade (TJMG, AC1.0210.03.013401-4/001, Rel. Des. Antônio Armando dos Anjos, DJ 25/4/2007).

 

Inexiste dever legal, por parte do policial, de utilizar força letal, ainda que seja para a defesa de terceiros, tendo o agente extrapolado os limites da lei, não se configurando a excludente alegada (TJMG, AC 1.0054.01.0022474/001, Rel. Des. Beatriz Pinheiro Caires, D J 2/2/2007).

 

Não há falar em estrito cumprimento do dever legal, precisamente porque a lei proíbe à autoridade, aos seus agentes e a quem quer que seja desfechar tiros de revólver ou pistola contra pessoas em fuga, mais ainda contra quem, devida ou indevidamente, sequer havia sido preso efetivamente (STJ, REsp. 402419/R0, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª T., DJ 15/12/2003, p. 413).

 

Com a devida venia, confundindo a situação de legítima defesa com o estrito cumprimento de dever legal, já decidiu o TJMG:

 

Se por um lado o delito de disparo de arma de fogo não exija resultado naturalístico à sua configuração, pois a singular relevância do bem enseja que o Direito Penal se antecipe em sua tutela, por outro se impõe a absolvição do acusado que, na condição de policial, age amparado pela excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal ao tentar a abordagem de indivíduo que estaria pulando o muro de uma residência e ao ser advertido de longe, saca sua arma e dispara contra o policial, vindo o mesmo a revidar os disparos a fim de arrostar o mau, como meio para atender ao dever declinado no art. 301 do Código de Processo Penal (TJMG, AC 1.0479.04.074997-6/001, Rel. Des. Judimar Biber, DJ 15/5/2009).

 

Exercício regular de direito - Tal como ocorre com o estrito cumprimento de dever legal, sua definição ficou a cargo da doutrina, sendo que seus elementos podem ser extraídos da expressão exercício regular de direito. Esse direito pode surgir de situações expressas nas regulamentações legais em sentido amplo, ou até mesmo dos costumes, ou, em precisa lição de Paulo José da Costa Júnior, “o conceito de direito, empregado pelo inciso III do

art. 23, compreende todos os tipos de direito subjetivo, pertençam eles a este ou àquele ramo do ordenamento jurídico - de direito penal, de outro ramo do direito público ou privado - podendo ainda tratar-se de norma codificada ou consuetudinária”. (COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal objetivo, p. 62).

 

Consentimento do ofendido - O consentimento do ofendido, na teoria do delito, pode ter dois enfoques com finalidades diferentes: a) afastar a tipicidade; b) excluir a ilicitude do fato.

 

Para que o consentimento do ofendido possa excluir a ilicitude, deverão estar presentes os seguintes requisitos: 1) que o ofendido tenha capacidade para consentir; 2) que o bem sobre o qual recaia a conduta do agente seja disponível; 3) que o consentimento tenha sido dado anteriormente ou pelo menos numa relação de simultaneidade à conduta do agente.

 

Excesso punível - Ao contrário do que ocorria com a Parte Geral do Código Penal de 1940, que previa o excesso culposo na hipótese de legítima defesa, o parágrafo único do art. 23 da atual Parte Geral estendeu a possibilidade de reconhecimento do excesso punível às quatro causas de justificação elencadas nos incisos do mencionado art. 23. (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários à “Exclusão de Ilicitude – Excesso punível” – Art. 23 do CP, p. 69-71. Editora Impetus.com.br, acessado em 03/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na linha de raciocínio de Victor Augusto em artigo intitulado “Exclusão de Ilicitude ou causas justificantes”, comentários ao art. 23 do CP: O presente artigo lista as hipóteses legais de exclusão de ilicitude, as condutas que estão revestida por permissão legal que torna lícita a conduta, mesmo que típica.


A exclusão de ilicitude emerge na doutrina e na praxe com vários nomes, todos eles com o mesmo sentido: tornar a conduta lícita e justa, excluir a qualidade criminosa ou ilícita da conduta. Vejamos: a) causas excludentes de ilicitude; b) causas justificantes ou de justificação; c) causas excludentes de antijuridicidade; d) causas excludentes de injuridicidade; e) causas descriminantes;

f) causas excludentes de criminalidade (redação original do Código); g) causas objetivas de exclusão de crime etc.

São elas: o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito. O estudo específico de cada hipótese será estudado nos respectivos artigos.

Estas são circunstâncias que excluem a ilicitude (antijuridicidade) da conduta, tornando-a lícita e impedindo a condenação. Mesmo que a conduta se ajuste no molde fático do tipo criminoso, ela estará albergada por situação justificante.

Pense, por exemplo, no estrito cumprimento do dever legal levado por um policial. Em meio a um tiroteio, ele atira em um bandido que vem a óbito. Em tese a conduta é típica, ele matou alguém, mas o fez sob cobertura de uma causa excludente de ilicitude. Não sendo ilícita, a conduta é típica (“matar alguém”), mas não criminosa.

ilicitude, como segundo substrato do ato criminoso, diz respeito exatamente à incompatibilidade objetiva com o ordenamento jurídico e à contrariedade com o Direito. Agir em estado de necessidade ou em outra hipótese justificante é algo lícito e permitido pela ordem jurídica. Não há subjetivismo nessa verificação.

A doutrina, por fim, traz uma causa excludente extralegal (que não foi apresentada explicitamente na lei): o consentimento do ofendido. Neste caso, o interesse jurídico disponível e renunciável do ofendido pode ser alvo da ação de terceiro após consentimento.

Autores clássicos viam essa hipótese como supérflua (HUNGRIA; FRAGOSO, 1978), mas a doutrina moderna de forma geral acolhe essa hipótese, citando os casos de esportes violentos ou tatuagens, casos onde lesões ocorrem.

De qualquer forma, o parágrafo único informa que os excessos decorrentes da ação cometida nestas circunstâncias serão sempre puníveis por dolo ou culpa.

De forma geral, o exercício dessas hipóteses excludentes deve ser moderado e proporcional.

A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa. (Súmula 522, 3ª Seção, julgado em 25/03/2015, DJe 06/04/2015) - Superior Tribunal De Justiça.

 

Referências: HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978. (Victor Augusto em artigo intitulado “Exclusão de Ilicitude ou causas justificantes”, comentários ao art. 23 do CP, no site Index Jurídico, em 21 de janeiro de 2019, acessado em 03/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Considerando-se o entendimento de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 23 do Código Penal, publicado no site Direito.com: O artigo em comento enumera taxativamente as causas que excluem a licitude de fato típico como causas de exclusão de culpabilidade determinadas em certas circunstâncias.

 

“Sendo o crime um fato típico e antijurídico, é necessário para existência do lícito penal que a conduta seja antijurídica, i.é, na denominação legal lícita”. A licitude decorre da contradição entre uma conduta e o ordenamento jurídico. Nesse sentido formal, ou índice, o fato típico, em princípio, é antijurídico, dizendo-se, assim, que a tipicidade é o indício ou indício da antijuridicidade. Pode ocorrer, porém, que o agente pratique a ação típica em uma das situações em que a lei a considera lícita, excluindo-se a ilicitude da conduta, portanto, a criminalidade da conduta. (Código Penal Interpretado, Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, Ed. Atlas, p. 126).

 

A conduta do agente para exclusão da culpabilidade de forma objetiva deve estar dentro dos estritos liames dos limites imposto pela norma, extrapolando os limites ou em excesso ou abuso de direito, haverá crime. I – Estado de Necessidade: vide art. 24; II – Legítima defesa: vide art. 25; III – Em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito:

 

Inexiste crime quando o agente age no estrito cumprimento de uma ordem ou dever legal. É caso do policial em cumprimento de mandado de busca e apreensão diante da resistência do terceiro ocasiona lesões corporais não responderá pelo crime do artigo 129, por absoluta exclusão da ilicitude.

 

Esse exemplo é citado pela jurisprudência mansa e pacífica no sentido de excludente de ilicitude:

 

Lesão corporal perpetuada, mas no estrito do dever legal TACRS: “Age no estrito cumprimento de dever legal e destarte não pratica crime algum policial que, em perseguição a delinquente em fuga, atira contra sua perna para obstar aquela, ao receber ordem, nesse sentido, da autoridade hierarquicamente superior”. (RT. 402/276).

 

O denominado excesso punível está descrito no parágrafo único do artigo em comento e excludente do exercício do poder emanado e materializa-se no abuso de direito.

 

Quando o agente extrapola de forma dolosa ou culposa: “(a) excesso doloso: quando o agente conscientemente e propositalmente causa ao agressor, ao se defender, maior lesão do que seria necessário para repelir o ataque. Atua muitas vezes movido pelo ódio, pela vingança, pelo rancor. O excesso doloso, uma vez reconhecido, elimina a possibilidade de se reconhecer a excludente de ilicitude) – Excesso culposo, é o exagero decorrente da falta do dever de cuidado objetivo ao repelir a agressão. Trata-se de erro de cálculo empregando maior violência do que era necessário para garantir a defesa." (Código Penal Comentado, Guilherme de Souza Nucci, Editora RT, 7ª ed.). (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 23 do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 03/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 775, 776, 777 - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 775, 776, 777
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I

Disposições Gerais - (art. 757 a 777)


 

Art. 775. Os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem.

 

Segundo Claudio Luiz Bueno de Godoy, a regra contida no presente dispositivo está em que o segurador responderá pelos atos de todos quantos ajam em seu nome, sejam prestadores de serviços, agentes ou prepostos. Responderá, também, sempre que saiba e de alguma maneira contribua para a situação de aparência criada por alguém que, posto sem poderes, acaba atuando em seu nome, contratando seguros. Nada mais, a rigor, que os pressupostos comuns de aplicação da teoria da aparência, ou da representação aparente: situação de justificada putatividade, mas forjada mediante alguma contribuição, participação ou mesmo negligência do responsável, no caso o segurador.

 

No entanto, a regra tem especial relevância nos casos dos corretores de seguro, atividade regulamentada pela Lei n. 4.594/64, que exige habilitação do interessado, viabilizando, assim, necessária autorização do Departamento Nacional de Seguros Privados. Sucede que o corretor normalmente representa o segurado, e é por meio dele que se contrata o seguro, quando não diretamente, uma vez que a emissão da apólice se faz por proposta assinada, se não pelo próprio interessado, afinal pelo corretor (Decreto n. 60.549/67, que regulamentou o Decreto-lei n. 73/66). Desde que, entretanto, autorizado pelo segurador, de qualquer maneira, a atividade do corretor o vincula. Portanto, deve-se aqui levar em conta toda a manifestação ou conduta do segurador que induza a admissão de que autoriza o corretor a atuar em seu nome, destarte também aqui considerada, por fim, a representação aparente, de que ao início se tratou, com os requisitos lá identificados, particularmente o da necessária contribuição do segurador a que se ostentasse essa situação de justificada aparência.

 

De resto, a tese parece se reforçar se há necessária contratação por meio do corretor e se, entre ele e o segurador, se estabelece verdadeiramente um ajuste que, individualizado, coloca-se, porém, em coligação com o ajuste entabulado pelo segurado, formando o que se denomina de rede contratual, impondo uma recompreensão  do conceito de terceiro não contratante e mesmo do princípio da relatividade dos efeitos dos contratos, como tive oportunidade de sustentar alhures (v. Função social do contrato, 2.ed. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 150-5). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 800 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No saber de Ricardo Fiuza, a norma tem uma teleologia, a nosso sentir, de expressivo significado e avanço na seara do consumidor de seguros: espanca a controvérsia sobre o papel do corretor de seguros havido como intermediário na contratação da apólice, e passa a responsabilizar o segurador por atos de seus agentes. E o que se extrai do comando legal em exame. Desde que autorizados, os agentes securitários são, por dicção legal, para os efeitos do contrato que agenciarem, os representes do segurador, quando em verdade atuam “em nome e para o benefício da empresa”. O dispositivo ganha maior relevo, diante da regera do CC 758, quando o contrato de seguro, à falta da apólice ou do bilhete do seguro, prova-se por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio.

 

O móvel dispositivo reformulou, sem dúvida, o posicionamento do STJ quando, enfrentando questão relativa à existência ou não de um contrato de seguro, pela não emissão da apólice, embora houvesse sido feito o pagamento da primeira parcela do prêmio e emitido recibo provisório, decidiu que “a seguradora não é responsável pelo pagamento do seguro quando não recebe a parcela do prêmio, retido pela corretora, que responde pela má prestação do serviço, na forma de precedentes desta Corte” (REsp 202.613-ES). A questão assume relevante interesse, porquanto, no alcance da presente nonna, ocorrendo o sinistro, deverá, agora, a seguradora responder com a cobertura, mesmo que inexista apólice e não tenha recebido o prêmio, retido pelo seu agente autorizado.

 

É importante lembrar o brilhante acórdão de vanguarda da lavra do relator Des. Carlos Alberto Bencke, do Tribunal do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível n. 598.482.209, julgada em 27-5-1999, cujo ementa é a seguinte: “Civil. Seguro de Automóvel. Responsabilidade da seguradora frente a conduta ilícita do conetor. Não-repasse de valores do prêmio. O fato de os valores prêmio não terem sido repassados à seguradora é alheio à relação entre seguradora e segurado. Questão que deve ser solvida no âmbito interno não podendo o consumidor ser penalizado por tal agir, até porque é dever da seguradora fiscalizar quem a representa, tanto para evitar lesão a seu próprio nome como para eventual responsabilidade frente aos consumidores dos seus serviços. não há como negar a responsabilidade da seguradora frente aos danos causados por seu representante, pois que atua em nome e para o benefício da empresa (...)”. No seu voto, vaticinando a norma, considerou que o corretor de seguros “apresenta-se como um verdadeiro representante da seguradora, o que conduz à necessidade de seu agir ser fiscalizado por esta”, quando, por outro lado, a experiencia tem demonstrado, de fato, que é aquele que recebe a quantia do prêmio, mormente quando se trate da primeira parcela.

 

Não custa lembrar, afinal, para a incidência da norma, a teoria da aparência, em consideração da representação presumida, quando, induzido o segurado à crença de eu trate com agente autorizado da seguradora, esta assim contribua notoriamente para tal presunção ao recepcionar contratos de seguros. Nessa linha, por identidade substancial de razões: Teoria da aparência. Investimento. Agente captador de recursos. Terceiro de boa-fé. Comprovado que o emitente do recibo de aplicação no mercado financeiro era notoriamente agente autorizado a captar recursos para aplicar em certa instituição financeira, responde esta pelo desvio do numerário, uma vez que a teoria da aparência protege o terceiro de boa-fé. Recurso conhecido e provido” (STJ, 4fl ~ REsp 276.025-SP, rel. Mm Ruy Rosado de Aguiar, /3,1 de 12-3-2001). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 408 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo estabelece uma representação legal das seguradoras pelos seus agentes, em relação aos contratos que forem por eles agenciados. Agente de contrato de seguro é o corretor de seguros, pessoa física ou jurídica que promove a contratação de seguros. Deve ser habilitado e registrado na Susep. Não pode ser empregado de pessoa jurídica de direito público, nem de seguradora. A profissão de corretor de seguros é regulamentada pela Lei n. 4.594/64. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 776. O segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa.

 

Sob o enfoque de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o presente dispositivo, da forma como redigido, veio a pacificar discussão que antes havia, ante os termos do art. 1.458 do Código Civil de 1916. Isso porque, sob a égide da legislação anterior, chegou-se s sustentar a possibilidade de opção do segurador pela reposição da coisa, em vez do pagamento em dinheiro da indenização securitária.

 

Veja-se, todavia, que a atual dicção legal não deixa qualquer margem para dúvida. A regra geral é a do pagamento em dinheiro do prejuízo decorrente do sinistro. Recomposição outra, in natura, somente se dará se assim se tiver ajustado no contrato ou, acrescente-se, se o aceitar o segurado. Assim, por exemplo, pode-se convencionar a reparação da coisa danificada, a reconstrução do prédio em caso de incêndio, o fornecimento, em espécie, de medicamentos, o conserto direito do veículo sinistrado.

 

De outra parte, estabelece o dispositivo que o pagamento a ser feito pelo segurador há de corresponder ao efetivo prejuízo sofrido pelo segurado. É evidente que, no caso de seguros pessoais, como o seguro de vida, ocorrido o sinistro, paga-se o valor da apólice, incogitável qualquer avaliação do efetivo prejuízo havido. Entretanto, no seguro de dano, em geral, e ao revés, ter-se-á a importância fixada no contrato apenas como um teto indenizatório, a rigor honrando-se a cobertura com o pagamento do efetivo prejuízo havido, que poderá ser menor, não servindo o seguro a propiciar lucro a qualquer das partes. O assunto será retomado nos comentários aos CC 778 e 781, infra. Lembre-se, ademais, que o pagamento do valor do seguro fora do prazo sujeita o segurador aos acréscimos previstos no CC 772, já examinado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 801 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Para Fiuza, a indenização securitária ou a satisfação do interesse legítimo do segurado é feita, geralmente, em pecúnia. O art. 1.458 do CC de 1916 refere-se, expressamente, ao pagamento em dinheiro. Nos seguros de coisas, entretanto, torna-se possível cláusula que disponha diferentemente, indicando-se a reposição do bem ou a sua recomposição, por exemplo, mediante conserto ou reparos, em vez de certa quantia em dinheiro a ele correspondente pelo valor segurado na apólice. A inovação da norma consiste, justamente, em prever essa outra forma de convencionar a reparação do prejuízo sofrido. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 408 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a indenização consiste, em regra, em quantia em dinheiro. No contrato de seguro, no entanto, o dispositivo permite que ela seja paga mediante a entrega ao segurado de bem equivalente ao que se perdeu. Essa faculdade deve ser expressa no contrato e se torna viável para a seguradora sempre que ela possa realizar a reposição mediante bem de valor inferior ao de mercado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 777. O disposto no presente Capítulo aplica-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias.

 

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se dá também acerca de outros contratos, a respeito valendo citar o transporte (CC 732), a corretagem (CC 729)ou, ainda, a agência e distribuição (CC 721), o Código Civil de 2002, no Capítulo em discussão, pretendeu estabelecer regras gerais e unificadas sobre o seguro, mas sem excluir a concomitante incidência de legislação especial. De resto, tal qual se afirmou nos comentários aos demais artigos citados, é característica do Direito moderno a pluralidade de fontes legislativas, que podem bem concorrer, então, no regramento de determinado instituto, sempre sob o influxo unificador da Constituição Federal, de seus princípios e dos princípios contratuais gerais, inclusive daí advindos.

 

Isso quer dizer, em primeiro lugar, que o Código abre ensanchas à regulamentação de seguros com características especiais em leis próprias que, em seu regramento, atendam a essas peculiaridades da espécie securitária de que cuidam. Assim, por exemplo, há inúmeras hipóteses de seguro obrigatório, referidas desde o Decreto-lei n. 73/66, o qual, como se vem examinando, constitui normatização que instituiu o chamado Sistema Nacional de Seguros Privados. Pois dentre esses seguros obrigatórios, inclusive a que o novo Código também dedicou regra específica (CC 788, infra), está aquele por danos causados em acidentes de automóveis, regulado pelas Leis n. 6.194/74 e 8.841/92, e o seguro contra acidentes de trabalho, regrado, especialmente, desde a Lei n. 6.367/76. Ou seja, espécies securitárias que recebera tratamento legal por meio de normatizações específicas, atentas às particularidades desses seguros.

 

Pense-se, ainda, e nem só em casos de seguro obrigatório, nos seguros de saúde, agora regrados pela Lei n. 9.656/98, repleta de disposições específicas para os casos de cobertura de despesas com assistência médico-hospitalar. Da mesma forma, pode-se citar o seguro marítimo, especificamente regrado pelo Código Comercial, neste ponto não revogado, a partir do CC 666.

 

Contudo, de outra parte, há fonte normativa concorrente de grande importância na matéria que não se circunscreve à disciplina de seguros especiais. Ao contrário, trata-se de lei que é também especial, mas do ponto de vista subjetivo, porquanto destinada, por comando constitucional, à proteção do consumidor. Com efeito, também a Lei n. 8.078/90, o chamado Código de Defesa do Consumidor, terá aplicação aos casos de seguro que configurem uma relação de consumo. Assim, portanto, incidirão todas as regras protetivas, fundamentalmente baseadas também na boa-fé objetiva (CDC, 4º, III) ou, especialmente, em dois dos deveres anexos dela decorrentes. Caberá atender à transparência na oferta e na contratação, assim como à confiança nas disposições do ajuste e na vedação de sua abusividade, não olvidando, também, ter-se em mira ajuste de adesão.

 

Por fim, vale de novo assentar que a ligação sistemática entre todas as normatizações aplicáveis ao seguro se fará sempre com base nos vetores constitucionais que permeiam as relações contratuais, de resto trazidos à positivação, antes de tudo, na própria parte geral dos contratos, sob a forma de princípios (CC 421 e CC 422). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 802 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na visão de Fiuza, as disposições referentes aos seguros, presentes em capítulo próprio (XV) do Título VI do Livro I, relativo ao “Direito das obrigações” no CC/2002, aplicam-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias, a exemplo da Lei n. 9.656, de 3-6-1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde; das Resoluções do Consu – Conselho de Saúde Suplementar, ainda no tocante àqueles seguros; da Lei n. 6.194, de 19-12-1974, que dispõe sobre seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, com as modificações introduzidas pela Lei n. 8.441/91; do Decreto-Lei n. 73/66, que institui o seguro obrigatório contra acidente de trânsito, consagrando a teoria do risco, regulamentado pelo Decreto n. 61.687/67 (com as modificações introduzidas pelo Dec.-Lei n. 814/69) e alterado, mais recentemente, pela Lei n. 10.190, de 14-2-2001.

 

Tais disposições assumem, em sua maioria, caráter principiológico, pelo que deverão ser aplicadas, na maioria dos casos, coadunando-se, outrossim, com as leis especiais que tratam da matéria. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 409 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, possuem regulação própria os seguros sociais sob a responsabilidade do INSS (Lei n. 8.213/91) e os seguros obrigatórios, entre os quais os arrolados no art. 20 do Dec.-lei n. 73/66: responsabilidade civil no transporte aéreo, na construção civil em zonas urbanas, sobre bens dados em garantia de financiamento de instituições financeiros públicas e o por danos pessoais causados por veículos terrestres (DPVAT), previsto na Lei n. 6.194/74, alterada pela Lei n. 8.441/92.

 

Em relação a todos esses seguros o Código Civil aplica-se subsidiariamente, caso a lei especial não contenha regulamentação específica. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Direito Civil Comentado - Art. 772, 773, 774 - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 772, 773, 774
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (Art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I

Disposições Gerais - (art. 757 a 777)

 

 

Art. 772. A mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização monetária da indenização devida segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, sem prejuízo dos juros moratórios.

 

No balanço de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a rigor, a regra vertente, que não estava explicitada no Código anterior, apenas especifica, para o contrato de seguro, o que, de forma genérica, constitui uma consequência da mora em que incide o devedor. com efeito, já no CC 395, dedicando-se à fixação de normas atinentes às obrigações em geral, dispõe responder o devedor em mora pela devida atualização monetária e juros, sem prejuízo da composição das perdas e danos daí advindos e do pagamento dos honorários advocatícios, caso havida a atuação de causídico, mesmo que na fase extrajudicial, ao que se entende.

 

Pois, no artigo em pauta, frise-se, de resto sem prejuízo das demais verbas, incluindo até lucros cessantes comprovadamente devidos em razão do retardo na cobertura, tão somente se patenteia incidirem, sobre o valor devido do seguro, atualização e juros moratórios. O prazo para pagamento do valor segurado deve vir previsto no contrato, com limite máximo de trinta dias, conforme se prevê em preceito regulamentar (Circular n. 90/99, da Susep), mas com prazos diversos conforme se trata de seguros especiais, como o marítimo (art. 730, do Código comercial, prazo de cinco dias) ou o obrigatório, de responsabilidade civil, para proprietários de autos (Resolução n. 56/012), da Susep, prazo de cinco dias).

 

Impende, porém, levando em conta o padrão de lealdade e transparência que deve permear as relações contratuais, que haja o devido esclarecimento não só do prazo para pagamento, mas também e especialmente de seu termo inicial de contagem. Não é de estranhar, portanto, que, para o pagamento da indenização, inclusive como corolário da exigência de manutenção do mutualismo que o seguro induz ou, antes, pressupõe (CC 757), deva o segurado apresentar documentos necessários conforme o tipo de cobertura e mesmo de sinistro, compreendendo a prova de sua ocorrência, coo se viu nos comentários ao artigo anterior.  Assim, é razoável admitir que o prazo para pagamento do valor segurado apenas se inicie com a apresentação dessa documentação, mediante a qual o segurador poderá avaliar o preenchimento dos requisitos contratuais cabíveis para honrar a cobertura contratada. Todavia, insta que se esclareça ao segurado, de forma induvidosa, quais as exigências pertinentes, desde a contratação. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 797 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a correção, ou melhor, a atualização monetária, nos casos de liquidação de sinistro cobertos por contratos de seguros, já é tratada pela Lei n. 5.488, de 27-8-1968. E nesse alcance, a jurisprudência do STJ, em exegese da norma do art. 1º, § 2º, da reportada lei, vem acolhendo o entendimento no sentido de que a atualização monetária, no caso específico do contrato de seguro, quando não efetuada a indenização no prazo legal, é devida e o recibo de quitação, passado de forma geral, por si só não a exclui.

 

Nesse sentido: REsp 43.768-PE. DJ de 15-8-1994. Por cedo, entenda-se que a atualização monetária do valor devido e impago no tempo cedo constitui simples ajuste da expressão econômica do quantum a ser pago, no efeito de sua plena de recomposição, mantendo-o, assim, incólume em seu significado de valor. Afirme-se, portanto: “Quem recebe com correção monetária não recebe um ‘plus’, mas apenas o que lhe é devido, de forma atualizada” (JTA, 109/372). O escólio jurisprudencial, sem franquear controvérsia, tem assentado que, “sendo a correção monetária mero mecanismo para evitar a corrosão do poder aquisitivo da moeda, sem qualquer acréscimo do valor original, impõe-se que o valor segurado seja atualizado desde a sua contratação, para que a indenização seja efetivada com base em seu valor real, na data do pagamento”. Bem por isso, “é entendimento consolidado do STJ que a evolução dos fatos econômicos tomou insustentável a não-incidência da correção monetária, sob pena de prestigiar-se o enriquecimento sem causa do devedor, constituindo ela imperativo econômico, jurídico e ético indispensável à plena indenização dos danos e ao fiel e completo adimplemento das obrigações”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 406 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No ritmo de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o direito de reclamar a indenização surge quando do sinistro, mas o dever de paga-la somente surge, para a seguradora, no momento em que o sinistro lhe é comunicado. A partir de então incidem correção monetária e juros legais moratórios. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 773. O segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado.

 

Como vê Claudio Luiz Bueno de Godoy, basicamente desde o preceito do CC 765, antes examinado, e em que se encerra a proposito uma regra geral, vem dispondo o Código Civil sobre normas atinentes à exigência de boa-fé com que devem se portar as partes na conclusão e execução do contrato de seguro, em primeiro lugar a boa-fé objetiva, i.é, o dever das partes, como imperativo de solidarismo nas relações contratuais, de agir segundo padrão de conduta leal esperável de pessoas corretas, honestas, verazes. Nada diverso, a rigor, do que está no CC 422, em que se erige verdadeiro princípio em matéria de contratos.

 

É evidente que a tanto não se compadece a conduta de contratação de seguro sem um risco a cobrir. Não se pode negar que o risco seja elemento essencial ao contrato de seguro, como inferido, de resto, da própria disposição do CC 757. Contrata-se,   mediante o pagamento de um prêmio, a garantia de um interesse legítimo do segurado, justamente diante da potencialidade de um sinistro, nada mais que o risco. É a cobertura contratada de um interesse segurável contra um risco predeterminado. Por isso não se pode manter um contrato de seguro já nascido sem risco a cobrir, a ponto de alguns autores terem aí entrevisto um caso mesmo de nulidade, por falta de objeto do ajuste (v.g., Bevilaqua, Clóvis. Código Civil comentado, 4.ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 207; Carvalho Santos, J. M. Código Civil brasileiro interpretado, 5.ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 306), muito embora hoje se o repute consubstanciado muito mais na garantia do interesse segurável. Ainda assim, não é menos certo que o risco continue a ser seu elemento essencial. Não há seguro sem risco. Daí porque, firmado o ajuste, sem o risco a cobrir, ele não se mantém, podendo o segurador, tendo agido na contratação em desacordo com o padrão de conduta solidaria que a boa-fé objetiva impõe, faltando ao cumprimento de dever anexo de informação, transparência ou lealdade, dimanados daquele princípio, ser obrigado a compor perdas e danos (ver, a respeito da falta de dever anexo ou lateral e suas consequências, comentário ao CC 769).

 

O preceito em questão, indo mais além, estabeleceu, como já o fazia o art. 1.446 do Código de 1916, uma pena específica ao segurador que, na contratação, tenha obrado, já aí, com falta de boa-fé subjetiva. Vale dizer, sempre que comprovada a ciência do segurador, quando da contratação, sobre a inexistência do risco, incumbe-lhe o dever de pagamento em dobro do prêmio estipulado. Aplica-se a mesma pena – ou o mesmo princípio – que, para o segurado de má-fé, se impôs no CC 766. Ressalte-se eu está no artigo em pauta, tal como naquele antes referido, a mesma distinção entre a possibilidade de desfazimento do contrato por falta de boa-fé objetiva, só que aqui do segurador, e o agravamento sancionatório quando lhe falte boa-fé subjetiva, ou seja, quando animado pelo deliberado proposito de contratar, aproveitando-se da ausência de risco a cobrir. É por isso que, no mais, remete-se aos comentários do CC 766. A ressalva final, porém, está em que, de qualquer maneira, não há como persistir contrato de seguro ajustado já sem risco a cobrir, diferenciando-se, como se observou, a consequência sancionatória, que é a devolução, em dobro, do prêmio cobrado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 798 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Para Ricardo Fiuza, o risco é, de fato, a expectativa do sinistro. Elemento essencial a constituição do contrato de seguro, sem ele não se poderá formar o contrato para efeito de a seguradora assumi-lo e acobertar o segurado. É basilar que sabendo o segurador de sua inexistência, ou que este passou a desmerecer a cobertura securitária, está incorrendo em má-fé quando, apesar disso, expedir a apólice, locupletando-se à custa da credulidade do segurado. A lei sanciona essa improbidade penalizando o segurador com o pagamento em dobro do prêmio estipulado, tendo-se por nulo o contrato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 407 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo estabelece sansão para a seguradora que contrata seguro com o conhecimento da inexistência do risco, o que pode ocorrer em razão da inexistência da coisa segurada, do prévio falecimento da pessoa, no caso de seguro de vida ou de danos pessoais etc. A seguradora fica obrigada a indenizar ao estipulante o dobro do valor do prêmio ajustado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 774. A recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não poderá operar mais de uma vez.

 

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se disse no comentário ao CC 760, dentre outras indicações, a apólice ou o bilhete de seguro devem prever o início e o término do prazo de validade do seguro, de regra ajustado por um ano, salvo casos especiais, com vigência específica, como o seguro de vida ou de transportes. Não menos certo que, no mesmo contrato, podem as partes prever o que o artigo vertente chama de recondução tácita. Ou seja, é a previsão contratual de prorrogação do ajuste, de maneira tácita, por igual prazo. A manifestação tácita é aquela que se infere de uma conduta do sujeito, indicativa de sua vontade, no caso de renovar o seguro. É o que se chama de comportamento concludente do indivíduo, muito típico, hoje, das contratações de massa. Na hipótese do seguro, dá-se, por exemplo, a recondução tácita quando, vencido o prazo contratual inicialmente ajustado, permanecem as partes cumprindo suas prestações contratuais, o segurado pagando e o segurador recebendo o prêmio. No entanto, o CC/2002 limita essa renovação tácita por igual prazo ao da entabulação original e, desde que nela estabelecida essa possibilidade, uma única vez. O pressuposto foi o de que, a bem do equilíbrio da equação econômica do contrato, que deve ser preservado, houvesse, ao cabo já de uma renovação, a reavaliação do risco coberto, da probabilidade, enfim, da ocorrência do sinistro, assim verificando-se a atualidade do prêmio devido. Mas não que, feita essa verificação, se possa simplesmente recusar nova contratação, inclusive mercê do comando do CDC, 39, II, lembrando-se que o fornecedor se encontra em estado de oferta pública e permanente, que lhe é vinculativa. E com a ressalva, ainda, da existência de regramento próprio que para a matéria há quando se trata de seguro saúde (Lei n. 9.656/98, v.g., arts. 13, 30 e 31).

 

A questão, porém, que a regra suscita está na consequência de seu descumprimento, ou seja, quando as partes, a despeito da proibição de renovação tácita por mais de uma vez, fazem-no, por exemplo, mantendo o cumprimento do ajuste mediante as mesmas condições da entabulação anterior. Consoante se prevê no CC 166, VII, parte final do atual Código, considerar-se-á nulo o negócio quando a lei proibir sua prática, sem, todavia, cominar sanção, como se dá na hipótese vertente. É de cogitar, contudo, se essa consequência não seria demasiada para um ajuste que costumeiramente envolve uma parte vulnerável, em quem se pode ter despertado a confiança na cobertura contratada, afinal cumprido, às vezes por muito tempo, o pagamento do prêmio. Na observação de Menezes Cordeiro (Da boa-fé no direito civil, Coimbra, Almedina, 1984, v. II, p. 795-6 e 823), a nulidade, mesmo traindo o conceito da boa-fé objetiva, da confiança gerada por situação prolongada de desenvolvimento de uma relação, mas eivada de vício formal, não pode autorizar a manutenção do contrato viciado, admitida apenas a via indenizatória ou da conversão substancial. No Direito pátrio, entretanto, Fernando Noronha (Direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo, Saraiva, 1994, p. 188) anotou ser, de seu ponto de vista, questionável a conclusão, preferindo assentar que o juiz deve deixar de pronunciar nulidades, mesmo constitutivas, quando o contrato houver sido cumprido, muito embora desde que a regra desrespeitada tenha sido estabelecida em proteção da própria parte que se quer valer da eficácia do ajuste, certo que, no seguro, a regra em pauta visa a preservar, em última análise, o equilíbrio não só daquele ajuste individual, como da mutualidade que a ele subjaz (veja comentário ao CC 757).

 

De toda forma, porém, haverá a dispor do segurado sempre a via indenizatória, tendo contratado com um profissional, por isso mais afeto às regras da contratação e à proibição de recondução tácita, por mais de uma vez. Deve-se levar em conta, também, se, nas circunstâncias do caso – mais que uma recondução tácita -, não houve nova contratação, atentando-se à regra da informalidade para tanto, apenas que sem ter a seguradora considerado de rigor a alteração do prêmio. Veja-se, nesse sentido, que toda a problemática só se coloca na renovação tácita, porquanto, se de forma expressa, as renovações podem ser tantas quantas queiram as partes. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 799 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na visão de Ricardo Fiuza, pela peculiaridade do seguro, o dispositivo limita a ocorrência de renovações sucessivas e automáticas, por recondução tácita dessa espécie de contrato, a saber que a cláusula que expressamente a permita não poderá estabelecer uma continuidade de longa permanência por reiterada sucessividade, assim não podendo operar mais de uma vez, a ideia de renovação automática, sem restrições, colide com o necessário equilíbrio do pacto, quando o restabelecimento contratual não prescinde de nova avaliação dos riscos, necessita adequar-se às mutações havidas no objeto do seguro e observar com segurança os interesses das partes. Essa recondução automática do contrato tem sido comum nas apólices de Acidentes Pessoais e de vida em Grupo e nas operações de resseguro.

 

Jurisprudência: “I. Inobstante a omissão do segurado sobre padecer de ‘diabetes melittus’ quando da contratação, não se configura má-fé se o mesmo sobreviveu, por longos anos mais, demonstrando que possuía, ainda, razoável estado de saúde quando da realização da avença original, renovada sucessivas vezes. II. Verificado nos altos que o valor do seguro era irrisório, igualmente não pode ser afastada a boa-fé se o segurado, por ocasião da última renovação, o elevou a patamar absolutamente razoável, para que o mesmo tivesse a significação própria dessa espécie de proteção econômica contratual. III. Recurso especial conhecido e provido” (STJ. 4 ~T., REsp 300.215-MG rel. Mm Aldir Passarinho Júnior, DJ de 24-9-2001) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 407 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o seguro é contrato de trato contínuo ou de duração, pois sua natureza exige que a prestação da seguradora se prolongue no tempo: o tempo dentro do qual a garantia do risco será prestada. Embora não seja proibida a estipulação do seguro por prazo indeterminado, os próprios cálculos necessários à seguradora para obter lucro exigem a determinação do prazo.

 

O prazo interpela por si só e, atingido, extingue o contrato. A renovação pode ser expressa ou tácita. É expressa quando as partes manifestam por escrito a prorrogação do contrato; é tácita, se, embora não haja estipulação expressa das partes, as mesmas continuam a agir como se o contrato permanecesse em vigor, o que, no contrato de seguro, pode ocorrer mediante a continuidade do pagamento das parcelas relativas ao prêmio pelo segurado e a aceitação de tais pagamentos pela seguradora.

 

O dispositivo em questão, impede, no entanto, que o contrato seja prorrogado mais de uma vez nessa forma tácita. Por ser norma proibitiva, sua infringência implica a nulidade da avença que a infringir. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).