domingo, 6 de novembro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 25 Legítima Defesa - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com – Whatsapp: +55 22 98829-9130

 

Comentários ao Código Penal – Art. 25

Legítima Defesa - VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral –Título II - Do Crime

 

Legítima Defesa - (Redação dada pela Lei na 7,209, de 11/7/1984.)

 

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando modernamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei na 7,209, de 11/7/1984).

 

Concentrando-se nas apreciações de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários à “Legítima defesa – Art. 25 do CP, p. 74-78, esbarramos com Bens amparados pela legítima defesa Zaffaroni e Pierangeli, dissertando sobre o tema, prelecionam: “A defesa a direito seu ou de outrem, abarca a possibilidade de defender legitimamente qualquer bem jurídico”. (ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGEU, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 582). No entanto, excepcionando a regra, Muñoz Conde assevera que “os bens jurídicos comunitários não podem ser objeto de legítima defesa”, (MUÑOZ CONDE, Francisco. BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria geral do delito, p. 247), posição corroborada por José Cerezo Mir, quando afirma: “Os bens jurídicos supraindividuais, cujo portador é a sociedade (por exemplo, a fé pública, a saúde pública, a segurança do tráfego) ou o Estado, como órgão do poder soberano (a segurança exterior e interior do Estado, a ordem pública, o reto funcionamento da Administração Pública, da Administração da Justiça etc.), não são, por isso, suscetíveis de legítima defesa. Somente quando o Estado atuar como pessoa jurídica serão seus bens jurídicos (a propriedade, por exemplo) suscetíveis de legítima defesa”. (CEREZO MIR, José. Curso de derecho penal - Parte general, v. II, p. 209).

Espécies de legítima defesa – Pode-se apontar duas espécies de legítima defesa, a saber: a) legítima defesa autêntica (real); b) legítima defesa putativa (imaginária).

Injusta agressão - Esclarece Maurach que, “por agressão deve se entender a ameaça humana de lesão a um interesse juridicamente protegido”: (MAURACH, Reinhart. Derecho penal - Parte general, p. 440), ou ainda, na lição de Welzel, “por agressão deve se entender a ameaça de lesão de interesses vitais juridicamente protegidos (bens jurídicos), proveniente de uma conduta humana”. (WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 101).

Meios necessários - São todos aqueles eficazes e suficientes à repulsa da agressão que está sendo praticada ou que está prestes a acontecer.

Moderação no uso dos meios necessários - Além de o agente selecionar o meio adequado à repulsa, é preciso que, ao agir, o faça com moderação, sob pena de incorrer no chamado excesso. Quer a lei impedir que ele, agindo inicialmente numa situação amparada pelo Direito, utilizando os meios necessários, atue de forma imoderada, ultrapassando aquilo que, efetivamente, seria necessário para fazer cessar a agressão que estava sendo praticada.

Atualidade e iminência da agressão - Considera-se como atual a agressão que já esteja efetivamente acontecendo; iminente, a seu turno, é aquela que está prestes a acontecer.

Não se constata a apontada contradição na decisão do Conselho de Sentença que, embora tenha reconhecido que o paciente agiu em defesa própria, entendeu que a agressão da vítima não era atual ou iminente, afastando, nos termos do art. 25 do Código Penal, a caracterização da legítima defesa, por ausência de um dos seus elementos (STJ, HC 89513/SP, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T., DJe S/2/2010).

Defesa de direito próprio ou de terceiros - Há possibilidades, ainda, de o agente não só defender-se a si mesmo, como também de intervir na defesa de terceira pessoa, mesmo que esta última não lhe seja próxima, como nos casos de amizade e parentesco. Fala-se, assim, em legítima defesa própria e legítima defesa de terceiros.

Elemento subjetivo na legítima defesa - Para que se possa falar em legítima defesa, não basta somente a presença de seus elementos de natureza objetiva, descritos no art. 25 do Código Penal. É preciso que, além deles, saiba o agente que atua nessa condição, ou, pelo menos, acredita agir assim, pois, caso contrário, não se poderá cogitar de exclusão da ilicitude de sua conduta, permanecendo esta, ainda, contrária ao ordenamento jurídico.

Legítima defesa e agressão de inimputáveis - Embora exista controvérsia doutrinária, será possível a legítima defesa contra agressão praticada por inimputável.

Legítima defesa recíproca - Pela simples leitura do art. 25 do Código Penal verifica-se a total impossibilidade de ocorrer a chamada legítima defesa recíproca (autêntica versus autêntica). Isso porque as duas agressões são injustas, não se cogitando, nessa hipótese, em legítima defesa, pois ambas as condutas são contrárias ao ordenamento jurídico. Somente poderá ser aventada a hipótese de legítima defesa se um dos agentes agredir injustamente o outro, abrindo-se ao ofendido a possibilidade de defender-se legitimamente.

Legítima defesa putativa versus legítima defesa autêntica (real) - Não obstante a impossibilidade de se falar em legítima defesa recíproca quando ocorrerem, simultaneamente, duas agressões injustas, não se pode negar a possibilidade de coexistirem uma legítima defesa putativa e uma legítima defesa real.

Legítima defesa versus estado de necessidade - Embora não se possa falar em legítima defesa recíproca (autêntica versus autêntica), seria possível cogitar de situação em que um dos agentes atue em legítima defesa e o outro em estado de necessidade? Absolutamente não. Isso porque aquele que age em estado de necessidade pratica uma conduta amparada pelo ordenamento jurídico, mesmo que esta conduta venha ofender bens também juridicamente protegidos.

Legítima defesa contra a multidão - Cleber Masson assevera que “prevalece o entendimento pela sua admissibilidade, pois o instituto da legítima defesa reclama tão somente uma agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, emanada de seres humanos, pouco importando sejam eles individualizados ou não”. Em sentido contrário, aponta a opinião de Vincenzo La Medica, para quem o comportamento de defesa contra a multidão configura estado de necessidade”. (MASSON, Cleber. Direito penal - Parte geral, p. 391).

Excesso na legítima defesa - O excesso, segundo o parágrafo único do art. 23 do Código Penal, pode ser considerado doloso ou culposo. Diz-se doloso o excesso em duas situações: a) quando o agente, mesmo depois de fazer cessar a agressão, continua o ataque porque quer causar mais lesões ou mesmo a morte do agressor inicial (excesso doloso em sentido estrito); ou b) quando o agente, também, mesmo depois de fazer cessar a agressão que era praticada contra a sua pessoa, pelo fato de ter sido agredido inicialmente, em virtude de erro de proibição indireto (erro sobre os limites de uma causa de justificação), acredita que possa ir até o fim, matando o seu agressor, por exemplo.

Ocorre o excesso culposo nas seguintes situações: a) quando o agente, ao avaliar mal a situação que o envolvia, acredita que ainda está sendo ou poderá vir a ser agredido e, em virtude disso, dá continuidade à repulsa, hipótese na qual será aplicada a regra do art. 20, § 1º, segunda parte, do Código Penal; ou b) quando o agente, em virtude da má avaliação dos fatos e da sua negligência no que diz respeito a aferição das circunstâncias que o cercavam, excede-se em virtude de um “erro de cálculo quanto à gravidade do perigo ou quanto ao modus da reação” (excesso culposo em sentido estrito). (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. I, t. Il, p. 304-305).

Conforme esclarece Aramis Nassif, “não se consagra o excesso pelo comportamento tecnicamente culposo, pois a culpa, no sistema penal brasileiro, diz com comportamento imprudente, negligente ou imperito.

Como identificar na ação de alguém que, sofrendo agressão injusta atual ou iminente, para defender-se adote conduta meramente imprudente, negligente ou imperita?” (NASSIF, Aramis. O novo Júri Brasileiro, p. 151).

Excesso intensivo e excesso extensivo - Ocorrerá o excesso intensivo quando o autor, “por consternação, medo ou susto, excede a medida requerida para a defesa”. (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal - Parte geral, p. 182), ou, na definição de Fragoso, é o excesso “que se refere à espécie dos meios empregados ou ao grau de sua utilização”. (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - Parte geral, p. 188).

Diz-se extensivo o excesso quando o agente, inicialmente, fazendo cessar a agressão injusta que era praticada contra a sua pessoa, dá continuidade ao ataque, quando este já não mais se fazia necessário.

Excesso na causa - Fala-se em excesso na causa quando há “inferioridade do valor do bem ou interesse defendido, em confronto com o atingido pela repulsa”. (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. I, t. II, p. 305).

Excesso exculpante - É o que tem por finalidade afastar a culpabilidade do agente sob o argumento da inexigibilidade de conduta diversa.

O excesso exculpante não se confunde com o excesso doloso ou culposo, por ter como causas a alteração no ânimo, o medo, a surpresa. Ocorre quando é oposta à agressão injusta, atual ou iminente, reação intensiva, que ultrapassa os limites adequados a fazer cessar a agressão (STF, HC 72341/RS, Rel. Min. Maurício Correa, 2ª T., DJ 20/3/1998, p. 5).

Legítima defesa sucessiva - É a originária do excesso da legítima defesa, em que o agressor inicial se transforma em vítima e a vítima, a seu turno, se transforma em agressora.

Legítima defesa e aberratio ictus - Pode ocorrer que determinado agente, almejando repelir agressão injusta, agindo com animus defendendi, acabe ferindo outra pessoa que não o seu agressor, ou mesmo a ambos (agressor e terceira pessoa). Nesse caso, embora tenha sido ferida ou mesmo morta outra pessoa que não o seu agressor, o resultado advindo da aberração no ataque (aberratio ictus) estará também amparado pela causa de justificação da legítima defesa, não podendo, outrossim, por ele responder criminalmente.

Efeitos civis da legítima defesa - Nos termos do inciso I do art. 188 do Código Civil, aquele que atua em legítima defesa não pratica ato ilícito capaz de suportar a obrigação de indenizar.

Ofendículos - na definição de Mirabete, “são aparelhos predispostos para a defesa da propriedade (arame farpado, cacos de vidro em muros etc.) visíveis e a que estão equiparados os ‘meios mecânicos’ ocultos (eletrificação de fios, de maçanetas de portas, a instalação de armas prontas para disparar à entrada de intrusos etc.”).  (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal - Parte geral, p. 130).

Apesar da definição do renomado autor, entendemos que os ofendículos não se prestam somente à defesa do patrimônio, mas também à vida, à integridade física etc., daqueles que os utilizam como artefato de defesa.

A discussão maior a respeito dos ofendículos cinge-se à apuração de sua natureza jurídica. Hungria os considerava como uma situação de legítima defesa preordenada. Isso porque os instrumentos somente agiriam quando os bens estivessem sendo agredidos e, dessa forma, já haveria uma situação de defesa legítima. Outros, ao contrário, a exemplo de Aníbal Bruno, entendem que aqueles que utilizam os ofendículos atuam no exercício regular de um direito. Afirma o mestre pernambucano que “a essa mesma categoria de exercício de um direito pertence o ato do indivíduo que, para defender a sua propriedade, cerca-a de vários meios de proteção, as chamadas defesas predispostas ou ofendicula". (BRUNO, Aníbal. Direito penal - Parte geral, t. II, p. 9).

Habeas corpus e legítima defesa - A alegação de que as vítimas teriam iniciado a agressão contra o réu, a qual, em princípio, seria apta a configurar a excludente de legítima defesa, bem como o pedido visando à declaração da atipicidade da conduta, são matérias insuscetíveis de exame na via do habeas corpus, por demandarem análise de prova (STF, RH C 90524/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª T., DJ 9/5/2008).

As alegações relativas à legítima defesa são insuscetíveis de ser analisadas na via estreita do habeas corpus, por demandar profunda inserção e valoração das provas produzidas, inviável no procedimento eleito pelos impetrantes (STJ, HC 42559/PE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5a T., DJ 24/4/2006, p. 420).

Absolvição sumária - O art. 415, caput e incisos, do Código de Processo Penal, com a nova redação que lhes foi dada pela Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008, preveem a absolvição sumária do agente que havia sido denunciado pela prática, em tese, de crime da competência do Tribunal do Júri, dizendo, verbis:

 Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I — provada a inexistência do fato;

I I— provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

lIl — o fato não constituir infração penal;

IV - demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei n? 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.

Em se tratando de crime afeto à competência do Tribunal do Júri, o julgamento pelo Tribunal Popular só pode deixar de ocorrer, provada a materialidade do delito, caso se verifique ser despropositada a acusação, porquanto aqui vigora o princípio in dubio pro societate. Absolvição sumária por legítima defesa, na firme compreensão da jurisprudência e doutrina pátrias, somente há de ter lugar, quando houver prova unívoca da excludente, a demonstrá-la de forma peremptória. (HC 25858/RS, 6a Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhído, DJ de l 2/8/2005) (STJ, HC 99194/PE, Rel. Min. Felix Fischer, 5ªT-, DJe 18/8/2008).

Sendo segura a prova de que a ação policial foi legítima, não se pautando por qualquer excesso ou falhas na sua execução, estando inteiramente configurada a legítima defesa, não há por que se pronunciar o denunciado, devendo a questão ser composta desde logo com sua absolvição sumária (TJMG, AC 1.0024. 02.630010-3/001, Rel. Des. Sérgio Braga, DJ 5/12/2003).

Pronúncia e legitima defesa - O art. 413 e seu § 1º do Código de

Processo Penal, com a nova redação que lhes foi dada pela Lei n° 11.689, de 9 de junho de 2008, no que diz respeito à pronúncia do acusado, dizem, verbis:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ lº A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Uma vez interposto recurso contra a sentença de pronúncia, insistindo-se na configuração da legítima defesa, cumpre ao órgão julgador analisar os elementos coligidos. Esse procedimento não implica supressão da prerrogativa do corpo de jurados quanto ao julgamento final da matéria, nem extravasamento dos limites próprios à fase de submissão do acusado ao Júri (STF, HC 90909/SP, Rei. Min. Marco Aurélio, 1ª T., DJ 21/11/2008).

Não havendo prova estreme de dúvida de que o recorrente agiu sob o amparo da legítima defesa, é de rigor que se mantenha a decisão de pronúncia para que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do júri, juiz natural da causa (TJPR, 1ª C., SER 0381 361-2, Foro Regional de Araucária da Região Metropolitana de Curitiba, Rel. Des. Jesus Sarrão, j. 3/5/2007). (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários à “Legítima defesa – Art. 25 do CP, p. 74-78. Editora Impetus.com.br, acessado em 06/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em defesa ao art. 25, as apreciações de Victor Augusto em artigo intitulado “Da Legítima defesa real e putativa”, comentários ao art. 25 do CP se direcionam, primeiro à conceituação:

legítima defesa é a segunda causa de justificação prevista no Código. Por ela, a reação a uma agressão injusta considera-se lícita, mesmo que se ajuste ao tipo criminal. Os elementos da causa excludente são os seguintes:

Uso moderado dos meios necessários: a reação da vítima da agressão deve ser moderada e deve se valer dos meios necessários para repelir a agressão.

Esse requisito é relativamente casuístico. Se a vítima tem a seu dispor vários meios para repelir a agressão, deve escolher o meio suficientemente necessário (mínima lesividade, mas eficiente) e usá-lo moderadamente.

 

Então, se a vítima tem a seu dispor um canhão, um revólver e uma espada para repelir a agressão injusta consistente em disparos, a escolha do revólver seria o meio mais adequado para repelir o ataque, pois o canhão seria desproporcionalmente exagerado e a espada poderia ser insuficiente para tanto.

 

Por outro lado, se o único meio ao dispor da vítima for desproporcional, ela poderá usá-lo com a moderação possível, pois é o único meio necessário disponível (no lugar de dez tiros de canhão, usa apenas um).

 

Se a vítima reage com excesso, seja pelo uso do meio desnecessariamente desproporcional ou uso imoderado do meio necessário, nasce para o agressor a possibilidade de legítima defesa sucessiva, pois a reação da vítima passa a ser uma agressão injusta. O excesso pode ser doloso ou culposo, submetendo o agente às respectivas punições.

O excesso, ainda, pode ser intensivo (relativo ao uso de meios desproporcionais) (HUNGRIA; FRAGOSO, 1978) ou extensivo (o que se estende para além da atualidade da agressão).

 

O tema não é unânime na doutrina, mas Bitencourt (2017) afirma que o excesso extensivo nada mais é do que um ato criminoso subsequente, visto que a janela cronológica da legítima defesa real não mais subsiste.

Agressão injusta (aggressio injustaatual ou iminente: a agressão a ser repelida deve ser injusta, ou seja, deve ser fruto de uma atuação ilícita promovida por terceiro. Ela deve ser, ademais, atual (está ocorrendo no mesmo momento) ou iminente (está prestes a ocorrer) e deve ser concreta, e não puramente fictícia ou hipotética. Não se admite uma reação a uma ação passada (isso seria vingança, e não defesa).

A injustiça da ação faz com que atos da natureza, um ataque aleatório de um animal (diferente de um ataque ordenado) ou a agressão de um inimputável não sejam passíveis de reação por legítima defesa.

 

A doutrina não é unânime, mas, de forma geral, admite-se o estado de necessidade para estas circunstâncias. Ora, a possível fuga diante da agressão de um inimputável nada tem de deprimente: não é um ato de poltronaria, mas uma conduta sensata e louvável. Assim, no caso de tal agressão, o que se deve reconhecer é o “estado de necessidade”, que, diversamente da legítima defesa, fica excluído pela possibilidade de retirada do periclitante. HUNGRIA; FRAGOSO, 1978, P. 296.

 

A injustiça da agressão também pode decorrer de ato culposo, visto que a conduta culposa é ilícita e, portanto, injusta.

Direito seu ou de outrem: a legítima defesa pode se operar para proteger direito próprio ou alheio. A noção de direito aqui é ampla, abrangendo direitos e bens jurídicos morais e patrimoniais tuteláveis do indivíduo.

O Código, mantendo a posição da sua redação original, não exige a inevitabilidade do confronto. Isso significa que o agente não é obrigado a fugir ou prevenir inteiramente a agressão (commodus discessus).

 

Não há indagar se a agressão podia ser prevenida ou evitada sem perigo ou sem desonra. A lei penal não pode exigir que, sob a máscara da prudência, se disfarce a renúncia própria dos covardes ou dos animais de sangue frio. […]

 

Nem mesmo há ressalvar o chamado commodus discessus, i. é, o afastamento discreto, fácil, não indecoroso. HUNGRIA; FRAGOSO, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. 1978, P. 288-289, 292 Rio de Janeiro: Forense, 1978.).

 

A doutrina admite, ainda, a figura da legítima defesa putativa, que decorre da equivocada representação da situação fática vivida pelo agente, que imagina estar sofrendo ou prestes a sofrer uma agressão injusta, e assim reage. Como modalidade erro de tipo, aplica-se a lógica do art. 20: se o erro for perdoável, exclui-se o dolo e o crime; se for imperdoável, responde-se a título de culpa.

 

Contra a legítima defesa putativa, é possível uma legítima defesa real, mas contra uma legítima defesa real não é possível outra legítima defesa real (a chamada legítima defesa recíproca), pois neste caso há reação lícita, inexistindo injustiça a ser objeto de reação. A doutrina também admite duas posturas de legítima defesa putativa.

 

Por fim, é interessante observar a existência dos ofendículos, que são mecanismos preordenados para a defesa da propriedade (cercas elétricas, cacos de vidro em muros etc.). A doutrina disputa a natureza desses instrumentos, mas é dominante a visão de que sua colocação é um ato de exercício regular de direito, e sua ativação prática um exercício de legítima defesa da propriedade (ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2018.). (Victor Augusto em artigo intitulado “Da Legítima defesa real e putativa”, comentários ao art. 25 do CP, no site Index Jurídico, em 22 de janeiro de 2019, acessado em 06/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Para Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 25 do Código Penal, publicado no site Direito.com, é excludente de ilicitude pelo Código Penal o agente que age em legítima defesa, desde que comprove os requisitos enumerados no artigo em comento. Ação do acusado é típica, por exemplo, matar alguém. Mas, embora presente a tipicidade não seja antijurídica em face à resposta de uma injusta agressão ilícita perpetuada.

 

A ação defensiva não pode atingir de forma significantemente desproporcional, exigível da resposta penal dada pelo Estado no exercício do poder-dever de punir, também deve presidir a ação do particular que atua em sua própria defesa, levando-se em conta as circunstâncias do fato”.

 

A defesa do patrimônio pode ser legitima, mas é desproporcional a repulsa que atinge a vítima do agressor, se este não estiver sob risco em sua integridade física. “O furto de uma bicicleta encostada na rua não legitima que seu dono atire no ladrão, matando-o”. Código Penal comentado, Miguel Reale, et al, p. 119.

 

É fundamental para exclusão de punibilidade que haja proporcionalidade entre a agressão sofrida e resposta do agredido na menor reação ofensiva à defesa do bem jurídico atacado. O que se busca é defesa de um direito e não castigo do agressor.

 

A jurisprudência é reiterativa no sentido da moderação do agredido na reação: “Para caracterizar a legítima defesa é necessário que haja injusta agressão atual ou iminente contra direito próprio ou alheio, usando-se moderadamente dos meios necessários. Não estando configurado o requisito da moderação, mister afastar a excludente de ilicitude. (Trecho da ementa STJ – Agravo em REsp n. 1.541.708 – MS (2019/0207041-5).

 

Parágrafo único: comentado no art. 23, III. (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 25 do Código Penal, “Da Legítima defesa” publicado no site Direito.com, acessado em 06/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 781, 782, 783 - DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 781, 782, 783
- DO SEGURO DE DANO - VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (Art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO DE DANO

 – Seção II - (art. 778 a 788)

 

 

Art. 781. A vigência da garantia, no seguro de coisas transportadas, começa no momento em que são pelo transportador recebidas, e cessa com a sua entrega ao destinatário.

 

Aprendendo com Claudio Luiz Bueno de Godoy o presente artigo, completa, a rigor, a ideia básica acerca do seguro de dano, que já se explicitou no CC 778 e que se completa pelo preceito do CC 782, representando, a bem dizer, relevante inovação na esfera do direito posto, positivado. Como se assentou nos comentários ao CC 778, permeia o conceito de seguro de dano o chamado princípio indenitário, segundo o qual, em síntese, a cobertura securitária deve se restringir ao ressarcimento do valor do prejuízo efetivamente experimentado pelo segurado, com o sinistro havido. Trata-se da referência central do ajuste: a indenização. Em diversos termos, quer-se evitar que o seguro possa ser fonte de enriquecimento do segurado, de modo a colocá-lo em situação melhor da eu teria se o sinistro, conta o qual se garante seu interesse, não tivesse sucedido. Tudo, em última análise, à consideração de que o seguro de forma, na verdade, e conforme já comentado ao exame do CC 757, por um fundo composto pelos prêmios pagos por uma universalidade de segurados – típica revelação de um mutualismo sem o qual os contratos individuais se inviabilizam -, gerido pelo segurador, por isso necessariamente uma entidade a tal fim autorizada (CC 757, parágrafo único), que só se pode desfalcar pela devida reparação a que s destina, portanto sem que, a dano de outras coberturas, possa servir a propósito especulativo. Vale lembrar que o fundo e os prêmios que o constituem, afinal, resultam de um cálculo de probabilidade dos sinistros em relação aos interesses cuja garantia se contrata. Não por outro motivo é que, como se viu, não se pode contratar o seguro por valor maior que o do interesse segurado (art. 778). A ideia, enfim, é a de que o seguro se preste tão somente à recomposição, e não ao fomento do patrimônio do segurado, desfalcado pelo sinistro contra o qual quis se garantir.

 

Isso induz importante reflexo no seguro de coisas que se desvalorizam com o tempo. Pense-se na cobertura de automóveis, que perdem valor com o uso e que, sinistrados depois de algum tempo, com perda total, já não valem mais o importe originalmente indicado na contratação. É dizer então que, quando do acidente que danificou por completo o veículo, a perda patrimonial sofrida pelo segurado foi a do valor do auto no instante em que sinistrado, agora, como determina a lei, o obrigatório importe da cobertura a ser honrada. Destarte, não mais caberá discutir, como tem sido frequente, se cabe ou não o pagamento do seguro pelo valor de mercado do bem ou pelo valor da apólice, ausente cláusula que preveja aquela primeira modalidade. Impõe a lei que o pagamento se faça pelo valor da cosa ao tempo do sinistro, e sempre limitado ao importe máximo da garantia, o que significa patentear que o seguro de dano tem dois importes: o da apólice, que representa o limite máximo da indenização que poderá ser paga, em caso de sinistro, e o da cobertura pelo sinistro havido, correspondente, observado aquele teto máximo, ao exato importe do prejuízo experimentado, no momento em que ocorrido.

 

No entanto, um grande problema, na realidade, se coloca no que diz respeito ao prêmio que foi fixado e pago pelo segurado. Por exemplo, para Jones Figueiredo Alves (Novo Código Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 706), vindo o valor da indenização a ser inferior ao constante da apólice, pela eventual desvalorização do importe da coisa, ao instante do sinistro, impor-se-á uma redução proporcional do prêmio, já abatida do montante do seguro a ser pago. A seu ver, trata-se de corolário direito do princípio da eticidade que ilumina a nova legislação, impeditiva da vantagem indevida de uma parte, em detrimento de outra, na relação contratual. Ernesto Tzirulnik (“Princípio indenitário no contrato de seguro”; In: Revista dos Tribunais, v. 759, janeiro de 1999, p. 89-121), ao revés, e apoiado na lição de Pedro Alvim, já defendia, mesmo antes da edição da novel legislação, que a indenização paga pela perda do bem em importe menor que o da apólice não deveria levar a nenhuma redução do prêmio. Relembra o autor que o cálculo desse prêmio toma em consideração a massa dos bens objeto do fundo constituído, portanto nem só o daquele segurado além de inúmeras outras variáveis, dentre elas valorização ou desvalorização de salvados e probabilidade de perdas parciais antes da perda total, de modo que, a rigor, a oscilação do preço da coisa seja integrante natural do ajuste. Salienta Tzirulnik que o cálculo do prêmio não pode levar em conta, e não leva, apenas a situação específica de um segurado atingido pela perda total de seu bem. Mais, a seu ver, da mesma forma que não se verificará aumento de prêmio nos casos de sinistros parciais honrados e depois perda total também ressarcida, não deve haver redução se a indenização pela perda total se faz pelo valor atual e depreciado do bem, em relação ao montante da apólice. Importa é eu tenha havido risco a que exposto o bem, para fazer devido o prêmio, no importe em que fixado. A alteração de seu valor somente terá lugar se inexistente ou em muito reduzido o risco (CC 770) ou, por identidade de motivos, se em muito aumenta o risco coberto (CC 769). Aliás, o paralelismo com esses dispositivos é eloquente. Da mesma maneira que não se altera o prêmio por qualquer modificação da probabilidade de ocorrência do sinistro, senão quando considerável, também não se haverá de alterá-lo quando o valor do bem se deprecia, porquanto oscilável, uma vez que, afinal, calcula-se o prêmio não com base, especificamente, no valor da apólice daquele bem, em particular considerado.

 

No entanto, ainda que se aceda a essa tese, três ressalvas devem ser feitas. A primeira é a de que a excessiva, considerável desvalorização da coisa objeto do seguro pode suscitar pleito de revisão e mesmo de repetição de prêmio que, então, terá sido pago a maior. Afinal, a sensível perda de valor da coisa segurada acaba afetando, em última análise, a própria extensão do risco, senão de sua conversão em sinistro, mas da dimensão de suas consequências. Veja-se que, a rigor, isso nada mais é que um paralelismo estrito com as regras dos CC 769 e 770, ou seja, oscilações quanto ao risco não geram revisão do prêmio a não ser quando consideráveis. Especificamente para o caso de diminuição do prêmio, se, de um lado, o CC 770 começa por dizer que a redução do risco, em princípio, não acarreta a redução do prêmio, termina, de outro, por estatuir que isso poderá acontecer se a redução for considerável. A segunda ressalva importante, mesmo que aí individualmente considerado o contrato de seguro, afinal um trato de adesão, no qual, em regra, uma das partes está em situação de vulnerabilidade, sendo a outra uma profissional, muito mais afeito às regras legais da entabulação, é a necessidade de que os termos do ajuste expressem, com clareza, a limitação da indenização ao efetivo importe do prejuízo experimentado, de modo a evitar possa ser inculcada no aderente a expectativa de que, no caso de perda total da coisa, lhe será ressarcido o valor da apólice. Trata-se de notório corolário da transparência, um dos deveres anexos que a boa-fé objetiva, em sua função supletiva, impõe, de resto coo visto desde o CC 766. Por último, e agora a ressalva é legal, havendo mora do segurador, o importe a que estará sujeito poderá ultrapassar o valor do prejuízo da coisa, se afinal incidem os acréscimos de que cuida o CC 772. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 806 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na toada de Ricardo Fiuza, a disposição tenta conciliar o antagonismo de interesses na relação securitária, diante do escólio jurisprudencial firmado a respeito do tema. A esse propósito, resultou assente, por exemplo, que “no seguro de automóvel, em caso de perda total, a indenização a ser paga pela seguradora deve tornar como base a quantia ajustada na apólice (art. 1.462 do Código Civil de 1916), sobre a qual cobrador do prêmio (STJ, 3’T., REsp 191.189-MG), por se considerar prática abusiva pretender-se a indenização por valor inferior ao previsto na apólice sobre o qual o segurado houver pago o prêmio.

 

A indenização pelo limite máximo da apólice, a saber aquele cogitado como valor do interesse assegurado por ocasião da conclusão do contrato, sempre gerou embate doutrinário e jurisprudencial, entendendo-se compatível e justo aquela corresponder ao valor da apólice, na hipótese do perecimento da coisa, inclusive porque, “se (a seguradora) aceitou segurar o bem por valor superior, e recebeu o prêmio sobre esse mesmo valor, não pode reduzir o pagamento do bem sinistrado (...)” (RI’, 730/222).

 

Agora, ao ficar expresso que a indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, tem-se uma nova realidade temporal em termos de significado econômico que implicou, efetivamente, prejuízo ao titular do interesse. Ponderável essa correlação, tem-se, por outra lado, o limite valorativo do bem jungido ao teto do valor da apólice, porque a este correspondeu o valor do prêmio. Mas é preciso ainda admitir e ponderar que, vindo o valor da indenização a ser menor do que aquele mensurado ao tempo do ajuste e fixado na apólice, o prêmio pago será superior ao aqui estabelecido pelo valor do interesse assegurado no momento do sinistro, caso em que terá de ser reduzido, com a diferença acrescida ao pagamento indenizatório. Essa conciliação de interesses afigura-se corolário do princípio da eticidade que timbra o CC/2002, pois nenhuma das partes deve obter vantagem indevida em detrimento do patrimônio da outra. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 411 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o CC 778, seguindo a tradição jurídica, estabeleceu que a indenização não pode ser superior ao valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato. O presente dispositivo inovou ao estabelecer que ela não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro. A conjunção das duas regras resulta em eu a indenização deve respeitar o patamar que for mais baixo entre o valor do interesse segurado no momento da contratação e o valor que venha a ter no momento do sinistro.

 

Ambos os limites têm em vista a natureza indenitária do seguro e evitar que ele possa ser fonte de enriquecimento para o segurado.

 

As referidas regras podem acarretar soluções manifestamente injustas, diante da valorização nominal do interesse segurado, principalmente, em decorrência de inflação. Se um bem é avaliado por R$100,00 no momento da contratação e, um ano depois, quando da ocorrência do sinistro que resulte em sua perda total valor R$ 200,00 é manifestamente injusto que o segurado que tenha contratado a proteção contra a perda do bem venha a receber apenas R$100,00. A correção, no caso, há de ser admitida com base no princípio do equilíbrio contratual e no CC 317. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 07.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 782. O segurado que, na vigência do contrato, pretender obter novo seguro sobre o mesmo interesse, e contra o mesmo risco junto a outro segurador, deve previamente comunicar sua intenção por escrito ao primeiro, indicando a soma por que pretende segurar-se, a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art. 778.

 

Explica Claudio Luiz Bueno de Godoy, não por motivo diverso do que anima, hoje, a previsão do CC 778, o Código anterior já se ocupava do caso de efetivação de um segundo seguro, quando outro anterior já se tivesse feito, sobre o mesmo interesse segurado e contra o mesmo risco coberto. Vedava-o, com efeito, quando o primeiro seguro já houvesse sido entabulado pelo valor integral do interesse segurado, sempre a fim de evitar o intuito especulativo do ajuste, sabidamente adstrito ao importe máximo da coisa segurada. Acrescentava-se que, insciente o segundo segurador acerca do primeiro seguro, era-lhe lícito não só recusar o pagamento de eventual sinistro, mas também recobrar o que acaso já tivesse pago, sem restituição do prêmio. A ideia básica era, de um lado, a de que, já segurada a coisa, uma primeira vez, contra o mesmo risco, por seu importe total, o segundo seguro não teria risco a cobrir, porquanto, afinal, já garantido pelo antecedente ajuste. Daí a possibilidade de anular o segundo seguro. Em segunda parte, permitia o antigo art. 1.439 que, insciente o segundo segurador sobre a existência do anterior, poderia ele deixar de honrar a cobertura, assim como, se já a tivesse honrado, reaver a quantia paga a maior, sem restituição do prêmio. E compreendia-se, ainda, nessa segunda parte do preceito, também o antecedente seguro não incidente sobre o valor total, quando, pago o primeiro seguro, viesse o segundo a ser honrado em sobejo do valor da coisa, então abrindo-se a possibilidade de o segurador recobrar a quantia paga em excesso do importe do interesse segurado e sem restituição do prêmio.

 

Na lição de Carvalho Santos (Código Civil brasileiro interpretado, 5.ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 283-4), na hipótese de a coisa não estar segurada pelo valor total no primeiro contrato, os demais e subsequentes seguradores só estavam obrigados pelo que, na falta, tivessem de completar quanto ao importe da coisa, na ordem das respectivas apólices. Resumindo o elastério do art. 1.439 e confrontando-o, também, com o preceito do art. 1.437, Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.924, n. 1, p. 346) já assentava que, se o primeiro seguro foi integral e sobreveio outro, este poderia ser anulado, caso houvesse dolo do segurado; se de boa-fé, abrir-se-ia a possibilidade de resolução do segundo seguro ou revisão, aqui, acrescente-se, desde que houvesse ainda algum risco a segurar. Veja-se que, a rigor, é a mesma solução disposta no CC 766 do Código atual, a que o CC 778, cujo princípio básico o presente CC 782 quis preservar, remete. Ou seja, quando há má-fé do segurado, desfaz-se o contrato, mas com a agravante de perda do prêmio vencido, a título punitivo. Se ausente sua má-fé, resolve-se, necessariamente, o ajuste, visto que, afinal, não há risco a cobrir, porque coberto pelo primeiro seguro, com restituição das partes ao estado anterior. Apenas acresce o atual Código que, ao entabular o segundo seguro, o que em si não é ilícito, se o antecedente ajuste não se referia ao valor integral da coisa segurada, deve o segurado informar o primeiro segurador, justamente a fim de que também ele possa controlar o respeito à regra geral contida no CC 778. Isso, de um lado, sem que, evidentemente, esteja o segurado dispensado de dar igual aviso ao segundo segurador e, de outro, criando-se um especial dever anexo de informação ao segurado, com relação ao primeiro segurador, cujo desrespeito pode levar à perda da garantia, afinal subtraindo-se daquele contratante a possibilidade de verificar, em caso de sinistro, se já não paga a indenização pelo segundo segurador ou a possibilidade de postular a diminuição do valor de seu ajuste ao importe proporcional da coisa, conforme se viu nos comentários ao CC 778, tudo de modo, enfim, a evitar que possa o segurado ser beneficiado com garantia e eventual ressarcimento superiores ao montante da coisa segurada. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 807 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na pauta de Ricardo Fiuza, a cumulação de seguros de uma mesma coisa pelos mesmos riscos somente é permitida se o primeiro seguro não alcançar o seu valor integral, ou seja, o valor do interesse segurado ao tempo da conclusão do contrato. A duplicidade de apólices apenas terá lugar quando pretender o segurado atender a integralidade do valor, ainda não protegido em sua inteireza. A cobertura integral por mais de um segurador implica infringência ao disposto no CC 778, isto porque a garantia prometida não pode ultrapassar, como ali consignado, o valor do interesse segurado aferido no ato de sua estipulação.

 

Desse modo, cumpre ao segurado, para efeito de contratar um segundo seguro, comunicar ao primeiro segurador essa sua intenção, indicando a soma que pretende segurar, a qual objetivará, sem dúvida, tornar integral o valor do seguro em relação ao valor da coisa ou do interesse segurado. A medida objetiva impedir seguros excessivos e práticas de má-fé. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 411 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na pauta de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, os seguros de dano têm natureza indenitária, logo neles são proibidas cláusulas que estabeleçam a) valor do seguro (importância segurada) superior ao da coisa (CC 778), e b) a contratação de mais de um seguro de idêntica natureza para a mesma coisa. A sanção em ambos os casos, é a perda do direito à indenização, sem direito à restituição do prêmio. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 07.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 783. Salvo disposição em contrário, o seguro de um interesse por menos do que valha acarreta a redução proporcional da indenização, no caso de sinistro parcial.

 

Sob as luzes da ribalta de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a disposição do presente artigo é consequência direta do princípio contido nos CC 778, 780 e 781, antes examinados. Se a ideia central do seguro de dano é prever uma indenização que seja paga ao segurado em caso de sinistro, proporcionando-lhe nada mais que o ressarcimento do efetivo prejuízo experimentado, sem que lhe seja dado, então, auferir qualquer proveito da garantia contratada, de modo a que, afinal, se coloque em situação mais vantajosa do que a que teria se o evento danoso não tivesse sobrevindo, obviamente não se poderá segurar a coisa por importe inferior a seu real valor e, em caso de sinistro que a danifique em parte, não se proporcionalizar o montante da indenização. Se assim não fosse, o lucro seria evidente, emprestando ao seguro um caráter especulativo que a lei não quis que ele tivesse, ou, pior, a dano do fundo que a rigor se compõe para dar suporte a cada ajuste securitário individual, traço de mutualismo, como se viu no comentário ao CC 757, muito típico do contrato de seguro.

 

De pronto, todavia, vale reiterar, tal qual comentado à análise do CC 778, que, se se veda o seguro por mais do que a coisa valha, corolário do princípio indenitário que anima o regramento vertente, nada impede, ao revés, que se contrate o seguro por menos do que valha a coisa. Afinal, poderia nem ter havido a contratação do seguro. Se pode a parte nem contratar o seguro, pode contratá-lo por menos do que o valor real da coisa. Assim, por exemplo, será possível que se ajuste seguro por metade do valor da coisa, que, então, por consequência lógica, se sofrer sinistro parcial, ensejará indenização que, tomada a efetiva extensão do dano havido, deverá, a seguir, se proporcionalizada à mesma razão do que a menos de seu montante real se indicou na apólice. É, em última análise, o que se denomina cláusula de rateio, em que o segurado fica, ele próprio, responsável por parte das consequências do sinistro, afinal coberto parcialmente pelo segurador, conforme o valor contratado. A ressalva da lei de que as partes podem prever em contrario à proporcionalidade parece indicar a adoção, para esse caso de seguro a primeiro risco, frequentemente adotado para hipóteses de incêndio, em que se indeniza sempre o valor total da apólice, com derrogação da proporcionalidade, o que se faz, em verdade, por um agravamento do prêmio, mas de todo modo com limite indenizatória à quantia constante da apólice, que já é, em si, menor que o importe da coisa, razão pela qual não se afronta à regra do CC 778. A bem dizer, nada diverso do que, mesmo antes do atual Código, já admitia, por exemplo, Pedro Alvim, referindo cláusulas nesse sentido comumente estabelecidas (O contrato de seguro. Forense, Rio de Janeiro, 1999, p. 325-30). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 808 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na visão de Ricardo Fiuza, o seguro é fixado pelas partes de acordo com o valor de seu objeto. Caso este seja segurado por menos do que valha, em sucedendo sinistro parcial a obrigação do segurador será também proporcional. Nessa hipótese, incidia, sob a égide do Código Civil de 1916, que não cuidou da matéria, a presunção absoluta (iuris et de iure) de que segurador e segurado seriam cosseguradores. Com efeito, pela porção não atendida produzir-se-ia o efeito de o segurado atuar como se segurador fosse de seu próprio interesse.

 

O CC/2002 inova ao dispor expressamente sobre o tema, eliminando a necessidade de invocar-se a referida presunção, já que, segundo a norma em comento, o seguro de um interesse por menos do que efetivamente valha acarretará a redução proporcional da indenização, na hipótese de sinistro parcial – exceto se houver disposição expressa em contrário. Assim, ficam absolutamente dirimidas todas as eventuais dúvidas a respeito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 412 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na toada exemplificativa de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se um bem avaliado por R$100,00 é segurado por R$ 70,00 e vier a sofrer um dano de R$ 50,00, a indenização corresponderá a R$ 35,00. O dispositivo inovou o direito brasileiro.

 

A regra é de caráter supletivo e, portanto, nada impede que a apólice contenha cláusula que exclua a proporcionalidade da indenização no caso de sinistro parcial. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 07.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comentários ao Código Penal – Art. 24 Estado de necessidade - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com –

 

Comentários ao Código Penal – Art. 24

Estado de necessidade

- VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral –Título II - Do Crime

 

Estado de necessidade (Redação dada pela Lei na 7,209, de 11/7/1984.)

 

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984.)

 

§ 1ª Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11I7/1984)

 

§ 2º Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/711984)

 

Segundo as apreciações de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao “Estado de Necessidade – Art. 24 do CP, p. 71-74: O Estado de necessidade - Diferentemente da legítima defesa, em que o agente atua defendendo-se de uma agressão injusta, no estado de necessidade a regra é de que ambos os bens em conflito estejam amparados pelo ordenamento jurídico. Esse conflito de bens é que levará, em virtude da situação em que se encontravam, à prevalência de um sobre o outro.

 

A afetação da qualidade de vida, mesmo implicando em dificuldades financeiras, por si só, não preenche os requisitos do status necessitatis {art. 24 do C.P.) (STJ, REsp.499442/PE, Rel. Min. Felix Fischer – 5ª T., RSTJ 172, p. 542).

 

A alegação de estado de necessidade, in casu, esbarra de pronto na proibição insculpida na Súmula na 07-STJ. Além do mais, na dicção de respeitada doutrina, entre outras exigências, o estado de necessidade não pode acudir situação geral mas tão só concreta e individual, observadas, ainda, as superiores representações valorativas da comunidade (STJ, REsp. 410054/PR, Rel. Min. Félix Fischer, 5S T., DJ 3/2/2003 p. 344).

 

Estado de necessidade justificante e estado de necessidade exculpante - Para a teoria unitária, adotada pelo nosso Código Penal, todo estado de necessidade é justificante, ou seja, tem a finalidade de eliminar a ilicitude do fato típico praticado pelo agente. A teoria diferenciadora, por sua vez, traça uma distinção entre o estado de necessidade justificante (que afasta a ilicitude) e o estado de necessidade exculpante (que elimina a culpabilidade), considerando-se os bens em conflito. Mesmo para a teoria diferenciadora existe uma divisão interna quanto à ponderação dos bens em conflito. Para uma corrente, haverá estado de necessidade justificante somente nas hipóteses em que o bem afetado foi de valor inferior àquele que se defende. Assim, haverá estado de necessidade justificante, por exemplo, no confronto entre a vida e o patrimônio, ou seja, para salvar a própria vida, o agente destrói patrimônio alheio. Nas demais situações, vale dizer, quando o bem salvaguardado fosse de valor igual ou inferior àquele que se agride, o estado de necessidade seria exculpante.

 

O Código Penal Militar adotou a teoria diferenciadora em seus arts. 39 e 43.

 

Prática de fato para salvar de perigo atual - Assis Toledo, ao enfrentar o tema, deixou transparecer que, na expressão perigo atual, está abrangida, também, a iminência, quando aduz que “perigo é a probabilidade de dano. Perigo atual ou iminente (a atualidade engloba a iminência do perigo) é o que está prestes a concretizar-se em um dano, segundo um juízo de previsão mais ou menos seguro. Se o dano já ocorreu, o perigo perde a característica da atualidade”. (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 184-185). Em sentido contrário é a posição de José Frederico Marques que, apegando-se à letra da lei, que consigna somente a atualidade do perigo, diz daí não se incluir “o perigo iminente porque é evidente que não se pode exigir o requisito da iminência da realização de dano”. (Apud JESUS, Damásio E. de. Direito penal, v. I, p. 324). Entendemos que a razão se encontra com a maioria dos autores, que concluiu que na expressão perigo atual também está incluído o perigo iminente. Somente afastará a referida causa de exclusão da ilicitude o perigo passado, ou seja, o perigo já ocorrido, bem como o perigo remoto ou futuro, no qual não haja uma possibilidade quase que imediata de dano.

 

Perigo provocado pelo agente - Na redação do art. 24 do Código Penal, ressalvou o legislador a possibilidade de ser arguido o estado de necessidade, desde que a situação de perigo não tenha sido provocada pela vontade do agente. Assim, o que significa a expressão “que não provocou por sua vontade”, contida no referido art. 24? Vontade quer dizer dolo, somente, ou dolo e culpa? Embora exista controvérsia doutrinária, a exemplo de Noronha, que dizia que “o fato de no art. 24 ler-se ‘[...] perigo atual, que não provocou por sua vontade [...]' não é indicativo de dolo, já que em culpa (strícto sensu) também existe vontade - vontade na ação causal é, por exceção, até no próprio resultado”, (NORONHA, Magalhães. Direito penal, v. I, p. 183-184), entendemos que a expressão “que não provocou por sua vontade” quer traduzir tão somente a conduta dolosa do agente na provocação da situação de perigo, seja esse dolo direto ou eventual.

 

Evitabilidade do dano - Conforme a lição de Reyes Echandía, “a inevitabilidade do perigo supõe que, dadas as concretas circunstâncias pessoais, temporais e espaciais com as quais o agente teve de atuar, a ação lesiva executada para salvar-se a si mesmo ou livrar outro do perigo, tenha sido a mais eficaz e, ao mesmo tempo, a que causou o menor dano possível ao titular do bem jurídico afetado”. Com apoio em Manzini, continua o mestre dizendo que “se deve entender evitável o perigo e, como consequência, não justificável a conduta, não somente quando o autor podia escolher conduta lícita ou indiferente para salvar-se, senão também quando, podendo escolher entre várias condutas delitivas, preferiu voluntariamente a mais grave ou a que causava maior dano concluindo que “em tais condições, se o perigo pode ser evitado pela via da fuga, esta deve ser escolhida, sem que seja válido argumentar que seria decisão humilhante, dado que no estado de necessidade não se reage contra injusto agressor, senão que se lesiona a quem não tenha criado o perigo; por esta razão, o dano que se lhe ocasiona tem que ser a última ratio para salvar-se ou a um terceiro”. (REYES ECHANOÍA, Alfonso. Antijurídicidad, p. 80).

 

Estado de necessidade próprio e de terceiros - O estado de necessidade é próprio quando a situação importa na criação de perigo para os bens pertencentes àquele que atua amparado por essa causa de justificação, ao contrário do que ocorre com o estado de necessidade de terceiros, em que os bens protegidos pertencem a outro que não àquele que atua nessa condição.

 

Razoabilidade do sacrifício - O princípio da razoabilidade, norteador do estado de necessidade, vem expresso no art. 24 do Código Penal, pela expressão cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. Aqui sobreleva a necessidade da ponderação dos bens em conflito, para se concluir se o bem que é defendido pelo agente é de valor superior, igual ou mesmo inferior àquele que é atacado.

 

No estado de necessidade, o bem jurídico sacrificado pelo agente, para não ver sacrificado o próprio direito, é de um terceiro inocente. Se o perigo é consequência de ofensa injusta praticada por outrem, contra quem o agente reage para se defender, o caso é legítima defesa (TJSP, AC, Rel. Octávio Stucchi, RT 400, p. 113).

 

Dever legal de enfrentar o perigo - Detalhe importante contido no § 1º do art. 24 do Código Penal está na expressão dever legal. A pergunta que se faz é a seguinte: Na expressão dever legal está contido tão somente aquele dever imposto pela lei, ou aqui também está abrangido, por exemplo, o dever contratual? Hungria posiciona-se no sentido de que somente o dever legal impede a alegação do estado de necessidade, e não o dever jurídico de uma forma geral, tal como o dever contratual. Diz o mestre que “o direito é um complexo harmonioso de normas, não admitindo conflitos, realmente tais, em seu seio”. (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. I, t. II, p. 279), Costa e Silva e Bento de Faria idem, entendem, entretanto, ser abrangido o dever contratual. Ora, quando o Código fala apenas em lei, não se pode ler também contrato. O dever de que aqui se cogita é tão somente o que se apresenta diretamente imposto ex lege.

 

Estado de necessidade defensivo e agressivo - Diz-se defensivo o estado de necessidade quando a conduta do agente dirige-se diretamente ao produtor da situação de perigo, a fim de eliminá-la. Agressivo seria o estado de necessidade em que a conduta do necessitado sacrificasse bens de um inocente não provocador da situação de perigo.

 

Elemento subjetivo no estado de necessidade - Para que possa ser erigida a causa de justificação do estado de necessidade é preciso que o agente tenha conhecimento de que atua ou, no mínimo, acredite que atua nessa condição. Caso contrário, não poderá por ela ser beneficiado.

 

Excesso no estado de necessidade - Vide excesso na legítima defesa.

 

Aberratio e estado de necessidade - Será possível o raciocínio das hipóteses relativas aos crimes aberrantes quando estivermos diante de uma situação de estado de necessidade.

 

Estado de necessidade putativo - Ocorre quando, imaginando existir uma situação de perigo atual, o agente pratica o fato produzindo lesão em bens de terceiros, aplicando-se, aqui, a regra constante do art. 20, § 1º, do Código Penal.

 

Estado de necessidade e dificuldades econômicas - Embora não seja pacífico esse entendimento, acreditamos ser perfeitamente admissível a aplicação do raciocínio relativo ao estado de necessidade alegado pelo agente que se encontra premido por dificuldades econômicas extremas, que colocam em risco a sua vida ou a saúde, bem como a de seus familiares.

 

Não se confundem estado de necessidade e estado de precisão, carência ou penúria. Tão só poderá aceitar-se a justificativa quando o agente se defronte com situação aflitiva atual, inevitável e de real seriedade, de modo a não possuir outra alternativa, a não ser a prática do fato típico proibido. O estado de necessidade, como causa de exclusão da criminalidade, corresponde a situação que legitima a ofensa ao bem jurídico alheio, em momento eventual, passageiro, ocasional e único; não uma lesão permanente, um ataque constante ao patrimônio do próximo, uma repetida violação ao direito de outrem, pois que isso, antes de ser delinquência esporádica, como há de ser próprio do estado de necessidade, corresponde à persistência criminosa, ao comodismo delinquencial, não tolerados por lei (TJMG, AC 1.0024.07.492632-0/001, Rel3. Desa. Beatriz Pinheiro Caíres, DJ 1/7/2008).

 

Para o reconhecimento da excludente de criminalidade do estado de necessidade, prevista pelo art. 24 do Código Penal, não basta a invocação de dificuldade financeira, sobretudo por mulher jovem e plenamente apta a desempenhar trabalho honesto, sendo imprescindível demonstrar situação de penúria, a justificar o ataque ao patrimônio alheio para saciar a fome, afastando-se tal possibilidade quando a subtração recai sobre equipamento eletrônico (aparelho celular), e não sobre gêneros capazes de satisfazer as necessidades de sobrevivência do agente (TJMG, AC 2.0000.00.494356-8/000, Rel. Des. William Silvestrini, DJ 30/8/2005).

 

A afetação da qualidade de vida, mesmo implicando dificuldades financeiras, por si só, não preenche os requisitos do status necessitatis (art. 24 do CP) (STJ, REsp. 499442/PE, Min. Felix Fischer, 5a T„ DJ 12/ 8/2003, p. 254).

 

Não cabe reconhecimento do estado de necessidade se o agente, podendo subtrair gêneros alimentícios de primeira necessidade, opta por bebidas e guloseimas (TJRS, AC 70000 864827, Rel. Tupinambá Pinto de Azevedo, j. 17/5/2000).

 

Efeitos civis do estado de necessidade - O Código Civil, conforme se verifica pela redação do seu art. 188, II, não considera ilícito o ato daquele que atua em estado de necessidade e que, por se encontrar diante de uma situação de perigo iminente, vê-se obrigado a deteriorar ou a destruir a coisa alheia ou produzir lesão a pessoa a fim de remover esse perigo.

 

Contudo, embora o ato não seja considerado ilícito, como ambos os bens em conflito estão amparados pelo ordenamento jurídico, o Código Civil permitiu àquele que sofreu com a conduta daquele que agiu em estado de necessidade obter uma indenização deste último, correspondente aos prejuízos experimentados. (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao “Estado de Necessidade – Art. 24 do CP, p. 71-74. Editora Impetus.com.br, acessado em 04/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

O parecer de Victor Augusto em artigo intitulado “Estado de necessidade real e putativo”, comentários ao art. 24 do CP é o seguinte: “estado de necessidade é a primeira causa excludente de ilicitude prevista no rol legal de causas justificantes. É uma circunstância que, se adimplida, torna lícita a conduta do agente, não subsistindo crime ou punição”.

 

O agente que age albergado pela referida hipótese excludente de antijuridicidade usualmente vê-se em uma situação de necessidade em que lhe é permitido sacrificar ou preterir o bem jurídico alheio na busca de preservar bem jurídico próprio ou de terceiro, quando o sacrifício destes não é razoável para as circunstâncias.

 

Um exemplo clássico envolve um incêndio em um local fechado onde há um grande aglomerado de pessoas. Diante do risco atual à integridade física de cada um, a violenta corrida para a saída de emergência pode envolver a promoção de atos típicos pelos indivíduos desesperados, notadamente lesões corporais.

 

Os elementos do estado de necessidade são os seguintes:

 

Um direito ou bem jurídico próprio ou de terceiro: a atuação do agente deve se direcionar ao salvamento do direito próprio ou de terceiro. O indivíduo pode agir para proteger a vida, a integridade física, a propriedade etc.;

 

Inexigibilidade do sacrifício do bem: nas condições concretas, não deve ser razoável o sacrifício do bem jurídico ameaçado.

 

Por exemplo, se o indivíduo em um naufrágio se apossa de um bote para duas pessoas e, por trazer consigo seu cachorro, pretere a entrada de um segundo indivíduo no bote, estará assumindo um sacrifício desproporcional e desarrazoado, tendo em vista que o sacrifício do bem salvado neste caso seria exigível.

 

A existência de um perigo atual contra esse direito: este bem jurídico deve estar sob perigo atual, presente, concreto, que pode ter sido originado por ação humana ou não. Não se admite um perigo remoto ou cogitável;

 

externalidade e inevitabilidade desse perigo: esse perigo é externo, não podendo ter sido provocado pelo agente, e deve ser inevitável. Se houver oportunidade de evitar o dano sem sacrificar direito alheio, tal postura é exigida do agente. Dessa forma, a fuga, se cabível, é obrigatória.

 

O estado de necessidade ainda é classificado em:

 

Estado de necessidade defensivo: o ato do agente sacrifica direito de quem produziu ou contribui para o perigo instaurado.

 

Estado de necessidade agressivo: o ato do agente se volta contra bem ou direito de um inocente do evento.

 

No Código Penal, o estado de necessidade envolve o sacrifício razoável de um bem. Essa noção tem por trás a comparação entre o bem jurídico protegido e o bem jurídico sacrificado. Nessa comparação, para que a causa de justificação seja adimplida, o bem jurídico protegido deve ser de igual ou maior importância do que aquele sacrificado.

 

Se o bem jurídico sacrificado for de maior importância do que aquele efetivamente protegido (como no caso em que se pretere a vida de um terceiro em prol da defesa de um bem patrimonial), o agente será beneficiado com uma redução de sua pena de um a dois terços (1/3 a 2/3). Trata-se de uma causa de diminuição (terceira fase da dosimetria). Não incide propriamente a causa excludente.

 

[…] a descriminante só deixará de existir se o bem ou interesse posto a salvo, em comparação com o que foi sacrificado, representa, manifestamente, um minus. A avaliação deve ser feita do ponto de vista objetivo, mas sem total abstração do prisma subjetivo. […] Igualmente, não se pode abstrair o estado de ânimo do agente, cujo abalo está na proporção da entidade e instância do perigo. O ponto de referência, também aqui, é o tipo do homem comum ou normal. (HUNGRIA; FRAGOSO, 1978, P. 278).

 

É interessante observar, a título de complemento, que o Código Penal Militar admite também um estado de necessidade exculpante (que exclui a culpabilidade) na hipótese de o bem sacrificado for de valor superior ao protegido e não for exigível conduta diversa:

 

Estado de necessidade, com excludente de culpabilidade:
Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoavelmente exigível conduta diversa.
(
Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/69).

Também é possível cogitar a situação de o indivíduo imaginar uma situação de estado de necessidade inexistente:

 No estado de necessidade putativo, o agente equivoca-se sobre o mundo fático e pensa estar diante de um perigo atual que ameaça bem jurídico próprio ou de outrem. Trata-se de um erro de tipo que se enquadra nas hipóteses de descriminantes putativas. Se o erro for justificável, não há punição, mas se o erro for injustificável, responderá por culpa o agente, caso o tipo tenha modalidade culposa.

 

Por fim, aqueles que têm o dever legal de enfrentar o perigo (bombeiros, salva-vidas etc.) não podem suscitar o estado de necessidade.

 

Referências - HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978. (Victor Augusto em artigo intitulado “Estado de necessidade real e putativo”, comentários ao art. 24 do CP, no site Index Jurídico, em 21 de janeiro de 2019, acessado em 04/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


No ritmo de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 24 do Código Penal, publicado no site Direito.com: Estado de Necessidade, como ensina Fernando Capez – “É causa de exclusão da ilicitude da conduta de quem, não tendo o dever legal de enfrentar uma situação de perigo atual, a qual não provocou por sua vontade, sacrifica um bem jurídico ameaçado por esse perigo para salvar outro, próprio ou alheio, cuja perda não era razoável exigir. No estado de necessidade existem dois ou mais bens jurídicos postos em perigo, de modo que a preservação de um depende da destruição dos demais. Como o agente não criou a situação de ameaça pode escolher, dentro de um critério de razoabilidade ditado pelo senso comum, qual deve ser salvo. Exemplo: um pedestre joga-se na frente de um motorista, que, para preservar a vida humana, opta por desviar seu veículo e colidir com outro que se encontrava estacionado nas proximidades. Entre sacrificar uma vida e um bem material, o agente fez a opção claramente mais razoável. Não pratica crime de dano, pois o fato, apesar de típico, não é ilícito. (...)”. (Capez, Fernando. Curso de direito penal: parte geral I. 16ª ed., p. 299. São Paulo; Editora Saraiva, 2012).

O parágrafo primeiro declina que o dever legal de enfrentar o perigo não pode alegar estado de necessidade: “...não se exige de pessoa encarregada de enfrentar o perigo a qualquer ato de heroísmo ou abdicação de direitos fundamentais, de forma que o bombeiro não está obrigado a se matar, em um incêndio, para salvar terceiros, nem policial a irracional somente pelo disposto no art. 24, § 1º” Código Penal Comentado, Guilherme de Souza Nucci, p. 241-242, Ed. RT, 7ª Ed).

 

O § 2º prevê a redução da pena faculta o magistrado reduzir a pena do agente em um a dois terços, mesmo que o bem sacrificado seja de maior valor, relevância para salvar um de bem menos valorado. (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 24 do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 04/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).