sábado, 24 de dezembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 833, 834, 835, 836 - DOS EFEITOS DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 833, 834, 835, 836
- DOS EFEITOS DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com –

digitadorvargas@outlook.com

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

(art. 481 a 853) Capítulo XVIII – Da Fiança

– Seção II – Dos Efeitos da Fiança (art. 827 a 836) –

 

Art. 833. O fiador tem direito aos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação principal, e, não havendo taxa convencionada, aos juros legais da mora.

 

No lecionar de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o artigo em tela, tal como seu correspondente no CC/1916, cuida do que se convencionou chamar de juros do desembolso. Ou seja, o fiador, desde o instante em que paga a obrigação afiançada, vê vencer, em seu favor, juros pelo quanto a esse propósito tenha despedindo. Bem se vê, portanto, que tais juros não se confundem com os juros que incidem sobre o débito principal, aquele afiançado. A regra, a rigor, dessume-se do mesmo princípio insculpido no dispositivo do artigo precedente. Mesmo prestada de forma benéfica, a fiança difere da doação porque, a priori, não tenciona o fiador, com ela, transferir de seu patrimônio bens ou valores ao afiançado. Por isso que, honrando a fiança, deve ser ressarcido de tudo que a esse título haja pago.

 

Tem o devedor afiançado, portanto, uma obrigação de reembolsar o fiador quando este tenha pago seu débito ao credor, destarte desde aí vencendo juros sobre essa quantia a ser reembolsada. A taxa desses juros do desembolso será idêntica à taxa de juros ocasionalmente estabelecida na obrigação principal. Se lá não estiver convencionada, a taxa dos juros do desembolso será a legal, fixada na forma do CC 406, a cujo comentário se remete o leitor. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 856 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Caminhando com Ricardo Fiuza, ainda sobre os trilhos das relações entre fiador e afiançado, sabe-se que o primeiro, sub-rogando-se nos direitos do credor (CC 831), pode exigir do segundo o montante integral que pagou, acrescido dos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação principal, e, à falta dessa taxa convencionada, pela taxa legal, que corresponde aos juros moratórios de 6% ao ano.

 

Sobre o assunto, insta rememorar lição do ilustre Prof. Silvio Rodrigues, quando nos ensina que, “sob esse aspecto, a fiança, embora constitua um contrato benéfico, apresenta nítida diferença da doação, porque, enquanto nesta quem faz a liberalidade deseja sofrer uma diminuição patrimonial em favor do beneficiário, na fiança o fiador conta em não sofrer qualquer diminuição patrimonial, tanto que, se, por acaso e contra a sua vontade, tiver o fiador de fazer qualquer pagamento, encontra na lei um remédio para se reembolsar” (Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 15 ed., São Paulo, Saraiva, 1986, v. 3, p. 399-400). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 438 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, os juros podem ser legais ou convencionais. O Decreto n. 22.626;1934 estabelece que os juros convencionais não podem ultrapassar o dobro da taxa dos juros legais. Os juros legais, conforme o CC 406, correspondem aos juros incidentes sobre os tributos devidos à Fazenda Nacional. Conforme comentários ao CC 406, há divergências quanto à aplicação da taxa Selic ou aos juros previstos no Código Tributário Nacional.

 

Mesmo que o contrato não preveja a incidência de juros, tem o fiador o direito de aplicar os juros legais sobre os valores efetivamente desembolsados para pagamento da dívida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 834. Quando o credor, sem justa causa, demorar a execução iniciada contra o devedor, poderá o fiador promover-lhe o andamento.

 

Relembrando o Código Civil de 1916, Claudio Luiz Bueno de Godoy aponta que a mesma providência que continha o art. 1498 anterior, se repete no presente. Autoriza-se, com efeito, que o fiador possa dar andamento à demanda injustificadamente paralisada que tenha sido movida pelo credor contra o devedor afiançado. O pressuposto é e sempre foi o de que, afinal, o fiador tem todo interesse em que se consume, de maneira proveitosa, a cobrança que o credor promove contra o afiançado, de sorte, assim, a se forrar aos efeitos do inadimplemento diante do qual foi estabelecida a garantia.

 

Pense-se na execução que, retardada, pode já encontrar um patrimônio por isso insuficiente do devedor. Interessa ao fiador que isso não aconteça, já que assim seria liberado de seu vínculo de garantia, razão pela qual se lhe defere o que se tem entendido ser uma verdadeira legitimação anômala ou extraordinária para prosseguir na execução, algo, segundo Washington de Barros Monteiro, muito próximo da execução inversa que o devedor podia encetar, na forma do art. 526 do CPC/2015, antigo 570 do CPC/1973, em sua redação originária (Curso de direito civil – direito das obrigações, 2ª parte, 34 ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. V, p. 385-6). A ideia é de que se trata de medida de consumação, por outrem, do direito do credor, inerte em fazê-lo.

 

É bem verdade, porém, que na execução inversa cogita-se do dever que tem o credor de receber, ao passo que, um pouco diferente, aqui, no artigo em comento, alvitra-se dever a rigor de boa-fé objetiva, ou seja, o de não incidir no abusivo protraimento do exercício de direito, a dano de terceiro, no caso o fiador. Daí que, para que o fiador assuma o andamento da execução, no interesse direito do credor, portanto não desligado da relação creditícia, como se daria na hipótese do art. 778, § 1º, IV do CPC, antigo art. 567, III, do CPC/1973, porque não havido pagamento pelo garante, com sub-rogação legal, mas, mesmo assim, em última análise também no seu próprio proveito, porquanto cumprido caminho de desoneração da fiança prestada, o retardo no andamento deve ser ao credor atribuível e sem causa razoável que o justifique.

 

Dispõe a lei que a providência versada somente se possibilita quando o credor demorar, sem justo motivo, o andamento da execução. Nada mais senão o conceito de abuso, genericamente previsto no CC 187, a que se remete o leitor, o que caberá ao juiz aferir, no caso concreto, independentemente de prazo que, afinal, o legislador não estabeleceu a priori, malgrado serviente, todavia só como um critério, os trinta dias previstos no art. 485, III do CPC, antigo art. 267, III, do CPC/1973. Para Lauro Laertes de Oliveira, deve-se admitir não só o prosseguimento como o próprio ajuizamento da ação de execução, pelo fiador, no interesse do credor, contra o devedor afiançado (Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 67).

 

Na mesma esteira, forte na lição de Alessandro Segalla e de Biasi Ruggiero, o Ministro José Augusto Delgado cogita mesmo de o fiador poder ajuizar inclusive ação de despejo por falta de pagamento contra o devedor afiançado, de novo no interesse imediato do credor, mas em última análise no seu próprio, dado que, assim, limita a extensão da garantia prestada, que se pode alongar por inércia do locador que abusivamente protrai o exercício de seu direito (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. II, p. 257-65). Seria também um caso de legitimação extraordinária, ou de substituição processual, para os autores citados, mas sempre à consideração de que das pessoas se espera – e mesmo impõe a própria Constituição Federal, no art. 3º, I – comportamento leal, pautado pelo solidarismo, que destarte reclama relação de colaboração, de tal modo que a demora no exercício do direito, pelo credor, mesmo que sem esse deliberado proposito, eis que aqui se cogita da boa-fé objetiva (v.g., CC 113, 187 e 422), pode bem prejudicar o fiador, por isso que então ficando a ele facultadas as medidas aqui cogitadas e, particularmente, aquela disposta no artigo em comento.

 

Por fim, diga-se que o dispositivo presente, confrontado com seu correspondente, no CC/1916, não mais refere a figura do abonador, prevista no art. 1.482 do Código Bevilaqua, na verdade um garantidor da fiança. Era mesmo uma fiança da fiança, ou uma sub fiança, de pouco uso, coo observa Gildo dos Santos (“A fiança”. In: O novo Código Civil, coord. Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho, São Paulo, LTr, 2003, p. 747-79), pelo que não reproduzida no Código Civil de 2002, malgrado também por ele não vedada. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 856-57 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Rápido comentário de Ricardo Fiuza, na sistemática anterior, prevista no CC de 1916, tanto o fiador quanto o abonador (fiador do fiador) podiam, na incúria injustificada do credor, impulsionar a execução já iniciada contra o devedor principal, a subfiança é a fiança a fiador (fiança da fiança): afiança-se a dívida que o fiador, com sua promessa, assumiu. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 438 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Como apontam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o fiador tem interesse em que o credor receba do devedor a dívida. Que o devedor cumpra a obrigação espontaneamente ou, se não o fizer, que o credor faça uso da execução forçada. A demora do credor em cobrar o que lhe é devido pode permitir que o afiançado venha a se tornar insolvente, agravando a responsabilidade do fiador.

 

Em razão disso, se o credor não cobrar do devedor o que lhe é devido após o vencimento da obrigação, fica caracterizada a moratória e essa acarreta a exoneração do fiador nos termos do CC 838, I.

 

O fiador, embora tenha interesse, não possui legitimidade para iniciar a cobrança do devedor em benefício do credor. Uma vez iniciada a cobrança por este, no entanto, fica o fiador autorizado a promover-lhe o andamento, caso o credor não o faça, em razão do interesse que tem no pagamento da dívida pelo devedor afiançado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor.

 

Como entende Claudio Luiz Bueno de Godoy, prestada com termo final previamente estabelecido, a fiança se extingue com o implemento desse tempo. Da mesma forma, posto que firmada sem prazo, porquanto representativa de negócio jurídico acessório, a fiança igualmente se extinguirá se extinta a obrigação garantida. Todavia, pode a fiança ser prestada sem limitação de tempo, quando então, mesmo que ainda vigente o negócio garantido, e desde que também ele não contenha termo final estabelecido a priori, que se impõe afinal a quem é garantidor acessório, a qualquer instante poderá o fiador se exonerar.

 

A ideia evidente é que o fiador não pode permanecer indefinidamente vinculado à garantia prestada, sem saber até quando persistirá essa sua obrigação. Por isso mesmo, defere-lhe a lei a possibilidade de, a seu talante, no exercício de prerrogativa que é mesmo potestativa, exonerar-se da fiança, sempre e quando lhe convier. Mas, diferentemente do Código anterior, que previa igual possibilidade, todavia, na falta de acordo, sujeitando o fiador ao ajuizamento de ação exoneratória para somente a partir do respectivo julgamento se livrar da obrigação da garantia, estatui o Código civil de 2002 uma automática exoneração desde o sexagésimo dia depois que o credor for notificado da intenção do fiador de se exonerar. Ou seja, basta, hoje, ao fiador notificar o credor para que, depois de sessenta dias dessa cientificação, se libere do vínculo fidejussório.

 

É certo que, nos sessenta dias subsequentes à notificação, persiste, ainda, sua obrigação de garantia. Porém, ultrapassado esse interregno, sobrevém-lhe automática exoneração, repita-se, diversamente do que previa o art. 1.500 do revogado Código Civil, que impunha a exoneração apenas depois de acordo ou sentença exoneratória.

 

Muito polêmica, todavia, sempre causou a exoneração de fiador que, em contrato de locação, tivesse prestado a fiança até a entrega das chaves. Tanto mais porque, com a edição da Lei n. 8.245/91 (art. 39), determinou-se que, nos ajustes locativos prediais urbanos e na falta de disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estenderia até a devolução do imóvel. E, agora, com a edição da Lei n. 12.112/2009, que modificou dispositivos da Lei Locatícia, foi acrescentado ao mesmo preceito a ressalva da responsabilidade ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado.

 

Em se tratando, pois, de fiança prestada sem limitação de tempo, em contratos de locação prorrogados por prazo indeterminado, de há muito se discute se caberia ao fiador se exonerar, a despeito do contido no art. 39 da lei locatícia. Os argumentos de costume versados, basicamente, dizem respeito à prevalência ou não do dispositivo especial diante da dicção geral do antigo art. 1.500, atual CC 835, do Código Civil, bem assim à existência ou não de um prazo afinal certo quando se estatui que a fiança prevalecerá até a entrega das chaves do imóvel locado. Pois, a propósito, hoje prevalece, no âmbito dos julgados do Superior Tribunal de Justiça, conforme está no item da jurisprudência, a tese de que a responsabilidade do fiador até a entrega das chaves não o impede, depois de prorrogado o contrato de locação por prazo indeterminado, de postular, livremente, a sua exoneração, todavia que não se dá, tão somente, de modo automático, pela expiração do ajuste. E de pronto porque, apesar do que foi previsto pela lei especial, a matéria relativa à fiança, uma das garantias locatícias, tem seu unificado regramento no Código Civil. Apenas a ela faz alusão a Lei n. 8.245/91 como uma das espécies de garantias possíveis na locação. Não se estabeleceu, porém, espécie nova ou própria de fiança. Tanto assim que tudo quanto diga respeito à natureza, sub-rogação e efeitos da fiança locatícia se regula pelo disposto no Código Civil. Nesse sentido é a observação de Gildo dos Santos (“A fiança”. In: O novo Código Civil, coord. Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho. São Paulo, LTr, 2003, p. 747-79). Se é assim, o mesmo se deve dar com relação à exoneração, aplicando-se, então, a regra do artigo em comento. E veja-se que a ele é subjacente a preocupação com uma fiança não sem termo, propriamente, que, de fato, pode ser incerto, mas sim com a incerteza desse tempo, ainda que seja certa a ocorrência a que é atinente.

 

Em outras palavras, a questão não se coloca, como querem muitos, na distinção entre termo e condição, de modo a argumentar que a extensão da fiança até a entrega das chaves represente uma limitação, porquanto certo o evento que determina sua extinção. O problema está na insciência do fiador sobre até que data se estenderá sua responsabilidade, ainda que se saiba, de antemão, que ela um dia cessará, porquanto certo o evento da entrega das chaves. A indefinição sobre o instante da ocorrência, todavia, é o móvel da previsão de que possa ele se exonerar.

 

Por fim, também acesa a divergência sobre se é possível ao fiador renunciar ao direito de pedir a exoneração, quando a lei autorize, parece, porém, que admitir tal prerrogativa significa abrir caminho a uma indefinida vinculação do fiador, o que não se compadece com o sistema do direito obrigacional, que tende sempre a disponibilizar meio de o obrigado se desvincular. Seria como permitir que o contratante renunciasse ao direito de denunciar um contrato entabulado por prazo indeterminado. Certo que a fiança é ajuste acessório e, por isso, de toda sorte um dia se extingue, quando cessa o contrato principal. Mas não se pode olvidar, tal como dito ao início, de que, se o contrato principal tem prazo pré-definido, a fiança, mesmo sem prazo, necessariamente se estende até o termo da obrigação afiançada. A questão, destarte, somente se coloca quando também a obrigação principal não tenha prazo definido, aí então não se concebendo que o fiador possa, de antemão, dispor da potestativa prerrogativa de se liberar do vínculo fidejussório. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 858-59 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Sob o prisma de Ricardo Fiuza, a fiança por prazo determinado extingue-se com o advento do termo. Quando, todavia, foi prestada prazo indeterminado, mas garantindo negócio com prazo determinado, ela cessa com a extinção do negócio subjacente, pois o acessório, como sabemos, segue o princípio. Entretanto, se a fiança não for prestada por prazo certo, garantindo negócio também indeterminado a todo tempo exigir ao fiador a sua exoneração, que pode efetivar-se por mera manifestação volitiva ou por sentença judicial, simplesmente porque a garantia não é concedida em caráter perpétuo.

 

Nesse ponto, o CC/2002 trouxe mudanças significativas, que merecem ser ressaltadas: a um, porque admite a exoneração por simples comunicação (notificação) ao credor, independentemente de anuência deste ou do devedor principal, ou mesmo de sentença judicial; a dois, porquanto, pelo prazo de sessenta dias, contados da notificação ao credor, o fiador continuará vinculado por todas as obrigações assumidas pelo devedor, produzindo, daí, efeitos ex nunc, voltado apenas para o futuro.

 

Caio Mário da Silva Pereira, parecendo já antever dita alteração, anotava ser “injusta a letra da Lei que libera o fiador apenas a partir da prolação da sentença exoneratória, alvitrando, como mais justa, a liberação do fiador a partir da citação do credor, retrotraindo os efeitos da sentença a partir da data daquela” (Instituições de direito civil, Rio de Janeiro. Forense, 10 ed. 1996, p. 360).

 

Jurisprudência: “A jurisprudência assentada nesta Corte construiu o pensamento de que é válida a renúncia expressa ao direito de exoneração da fiança, mesmo que o contrato de locação tenha sido prorrogado por tempo indefinido, vez que a faculdade prevista no Art. 1.500 do Código Civil trata de direito puramente privado” (STJ, 6M 1, REsp 318.345-PR, rel. Mm Vicente Leal, DJ de 10-9-2001). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 438 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Creem Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira ser a fiança contrato de duração. Pode ser estipulada por prazo determinado ou indeterminado. Se por prazo determinado, vige até o termo final se outra causa de exoneração do fiador não sobrevier antes dele. Tal como na generalidade dos contratos por prazo indeterminado, a fiança pode ser rescindida mediante resilição unilateral de qualquer das partes a qualquer tempo. A denúncia do contrato se faz mediante notificação do fiador ao credor. Uma vez feita a notificação, o fiador permanece ligado ao contrato por sessenta dias.

 

A resilição da fiança exonera do fiador das obrigações que venham a ser constituídas após o prazo de sessenta dias mencionado no dispositivo. A responsabilidade do fiador pelas obrigações anteriores ao vencimento desse prazo permanece.

 

Na locação de imóvel, o fiador pode denunciar o contrato quando este é prorrogado automaticamente, passando a vigorar por prazo indeterminado. Feita a denúncia, o fiador continua a responder pelas obrigações pelo prazo de 120 dias (art. 40, inciso X, Lei n. 8.245/90). O locador pode notificar o locatário para que apresente fiador no prazo de 30 dias sob pena de rescisão da locação. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 836. A obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança.

 

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a fiança é garantia pessoal que, destarte, mesmo quando prestada por prazo certo, se extingue com a morte do fiador. Mas, até então, persiste a responsabilidade do fiador que, assim, se se traduz numa obrigação já devida ao tempo de sua morte, é transmitida aos herdeiros.

 

Em diversos termos, dívidas surgidas até o momento da morte, em virtude da fiança prestada, passam aos herdeiros, como de resto é a regra geral da sucessão causa mortis. Por exemplo, num contrato de locação, os aluguéis e encargos inadimplidos até o instante do falecimento do devedor são ainda de sua responsabilidade e, dessa forma, por eles respondem os herdeiros. Já locativos posteriormente vencidos não podem ser imputados à responsabilidade dos sucessores do fiador.

 

Há que ver, todavia, que a responsabilidade acaso afeta aos herdeiros será sempre limitada à força da herança recebida, de novo corolário do princípio geral expresso no CC 1.997. Vale anotar ainda que, em se tratando de garantia pessoal, também a morte do afiançado tem-se entendido provocar a extinção da fiança. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 860 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No entendimento de Ricardo Fiuza, de rigor, a morte do fiador extingue a fiança, mas a obrigação correspondente passa aos seus herdeiros, limitada, porém, às forças da herança e _aos débitos existente até o momento do falecimento. Com efeito, os Herdeiros do fiador morto continuam a ser responsáveis pelo débito surgido no momento do óbito, desde que não ultrapasse as: forças da herança. De igual modo, a morte do afiançado não extinguirá a fiança, pois os herdeiros serão seus continuadores.

 

Embora a fiança represente contrato personalíssimo, de caráter intuitu personae, em relação ao fiador, suas obrigações se transmite mortis causa, desde que – repita-se – nascidas até o momento da abertura da sucessão. Bem é dizer os efeitos da fiança produzidos até a morte do fiador vinculam os seus herdeiros intra vires hereditates. (Arnoldo Wald. Curso de direito civil brasileira: obrigações e contratos, 8 ed., São Paulo. Revista dos Tribunais. 1989 (p.348-9) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 439 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Encerrando o capítulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, para quem a doutrina ensina que o fiador possui responsabilidade (obligatio), mas não o débito (debitum). Ele passa à condição de devedor somente quando o devedor principal deixa de adimplir a obrigação afiançada. O dispositivo faz uso dessa distinção doutrinária. A morte do fiador extingue o contrato de fiança e a responsabilidade do fiador. O que passa aos herdeiros é o débito constituído até o momento da morte do fiador. Conforme a regra estabelecida no CC 1.792, o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança. A mesma regra é desnecessariamente repetida na parte final do dispositivo ora comentado.

 

A lei é omissa, mas a jurisprudência do STJ é uniforme no sentido de que a morte do afiançado extingue a fiança: REsp 439.945-RS, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, j. 27-08-02; REsp 147.813-RJ, 6ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 02-12-97; REsp 128.691-SP, 5ª T., Rel. Mi. José Arnaldo da Fonseca, j. 24-6-97; REO 34000055736-DF, 6ª T., Rel. Min. Daniel Paes Ribeiro, j. 30-04-01, p. DJ 01.06.01.

 

A morte do credor não extingue a fiança. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comentários ao Código Penal – Art. 69 Concurso Material – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com –

 

Comentários ao Código Penal – Art. 69
Concurso Material VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral –Título V – Das Penas –
Capítulo III – Da Aplicação da Pena

 

Concurso Material (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

Art. 69.  Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.

§ 1º Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

§ 2º Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984).

Inicia com Concurso de crimes sua apresentação, Rogério Greco, Código Penal Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao: “Concurso Material” – Art. 69 do CP.

O problema do concurso de delitos, como frisou Maggiore, “é também um problema de concurso de penas. Assim como no concurso de várias pessoas num mesmo delito se pergunta: Que pena deve aplicar-se a cada um dos coparticipantes? Assim, no concurso de vários delitos cometidos por uma só pessoa se questiona: Qual pena deverá aplicar-se a essa pessoa por todos os delitos por ela praticados. É necessário determinar, pois, qual é o regime penal a que deve ser submetido, o que incorre em diversos delitos”. (MAGGIORE, Giuseppe. Derecho penal, v. II, p. 153).

Da diferença entre ação e atos - A ação pode ser composta por um ou vários atos. Os atos são, portanto, os componentes de uma ação e dela fazem parte. Isso quer dizer que os atos que compõem uma ação não são ações em si mesmos, mas, sim, partes de um todo. Pode o agente, por exemplo, agindo com animus necandi, efetuar um ou vários disparos em direção ao seu desafeto, causando-lhe a morte. A ação consiste na conduta finalisticamente dirigida a causar a morte da vítima. Se, para tanto, o agente efetua vários disparos, cada um deles será considerado um elo nessa cadeia que é a conduta. Os disparos são, assim, atos que formam a conduta do agente. Não teríamos, no exemplo fornecido, várias ações de atirar, mas, sim, vários atos que compõem a ação única de matar alguém.

Dos requisitos e consequências do concurso material ou real de crimes – Requisitos: a) mais de uma ação ou omissão; b) a prática de dois ou mais crimes. Consequência: aplicação cumulativa das penas privativas de liberdade em que haja incorrido.

Da aplicação da regra do concurso material - A questão do chamado concurso material cuida da hipótese de quando o agente mediante mais de uma ação ou omissão, poderá ser responsabilizado, em um mesmo processo, em virtude da prática de dois ou mais crimes. Caso as infrações tenham sido cometidas em épocas diferentes, investigadas por meio de processos também diferentes, que culminaram em várias condenações, não se fala, segundo nossa posição, em concurso material, mas, sim, em soma ou unificação das penas aplicadas, nos termos do art. 66, III, a, da Lei de Execução Penal, com a finalidade de ser iniciada a execução penal.

O concurso material surge quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes que tenham entre si uma relação de contexto, ou em que ocorra a conexão ou a continência, (Assevera-se nos arts. 76 e 77 do Código de Processo Penal, a respeito dos institutos da conexão e da continência: Art. 76. A competência será determinada pela conexão: I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras; II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas: IIl - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração. Art. 77. A competência será determinada pela continência quando: I - duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração; II - no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 70, 73 e 74 do Código Penal. (Estes últimos artigos foram atualizados e, no original, dizem respeito aos arts. 51, § 1º, 53, segunda parte, e 54 da revogada Parte Geral do Código Penal de 1940.) cujos fatos criminosos poderão ser analisados em um mesmo processo, quando, afinal, se comprovados, farão com que o agente seja condenado pelos diversos delitos que cometeu. Nessa ocasião, o juiz cumulará materialmente as penas de cada infração penal por ele levada a efeito. Essa posição que assumimos é minoritária, não sendo a adotada pela maioria esmagadora de nossos autores, a exemplo de Flávio Augusto Monteiro de Barros, que aduz: “Caracteriza-se o concurso material ainda quando alguns dos delitos venham a ser cometidos e julgados depois de os restantes o terem sido, porque não há necessidade de conexão entre eles, podendo os diversos delitos ser objeto de processos diferentes’’. (BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal - Parte geral, v. 1, p. 439).

Para nós, o fato de determinada infração penal ter sido julgada e posteriormente a ela outra vier a ser praticada, a soma das penas não deve ser tratada como hipótese de concurso material de crimes, embora duas ou mais infrações penais tenham ocorrido. Aqui, preferimos dizer que haverá tão somente a soma das penas, pelo juízo da execução, para fins de início de seu cumprimento, ou sua unificação com a finalidade de atender ao limite previsto pelo art. 75 do Código Penal.

Da aplicação cumulativa de penas de reclusão e detenção: A parte final do caput do art. 69 diz ainda que, no caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela, sendo que, conforme observou Heleno Fragoso, (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito penal - Parte geral, p. 348), essa disposição é inútil porque não há praticamente diferença entre uma e outra das penas privativas de liberdade que se cumpram sob o mesmo regime.

De acordo com os arts. 69 e 76 do Código Penal e 681 do Código de Processo Penal, no concurso de infrações, executar-se-á primeiramente a mais grave, devendo a pena de reclusão ser cumprida antes da pena de detenção (STJ, RHC 18664/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJ 26/3/2007, p. 283).

Do concurso material homogêneo e heterogêneo - Pela expressão idênticos ou não, contida no caput do art. 69 do Código Penal, podemos concluir pela existência de dois tipos de concurso material: homogêneo e heterogêneo.

Fala-se em concurso material homogêneo quando o agente comete dois crimes idênticos, não importando se a modalidade praticada é simples, privilegiada ou qualificada. Por outro lado, ocorrerá o concurso material heterogêneo quando o agente vier a praticar duas ou mais infrações penais diversas. Como a regra adotada pelo Código Penal é a do cúmulo material, tal distinção não tem relevância prática, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com o concurso formal, cuja análise será feita mais adiante.

Do concurso material e penas restritivas de direitos - Comentando com precisão os §§ 1º e 2º do art. 69 do Código Penal, Alberto Silva Franco preleciona: “É perfeitamente possível a ocorrência de concurso material de infrações com a aplicação cumulativa de penas privativas de liberdade que comportem substituição por penas restritivas de direito, em regime também cumulativo. Se, no entanto, em relação a uma delas, a pena privativa de liberdade não tiver sido suspensa, a substituição das demais, de acordo com o art. 44 da PG/84, toma-se inviável. Obsta tal procedimento o § 1º do art. 69 da PG/84. Por outro lado, no caso de aplicação cumulada de penas restritivas de direitos, a execução dessas penas poderá ser simultânea (suspensão de habilitação para dirigir veículos, por um fato e prestação de serviços à comunidade, por outro) se entre elas houver compatibilidade, ou sucessiva (duas penas de limitação de fim de semana) se tal compatibilidade inocorrer.” (FRANCO, Alberto Silva. Código penal e sua interpretação jurisprudencial — Parte geral, v. 1, t. 1, p. 1.101).

Da suspensão condicional do processo - O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais

cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano (STJ, HC 48174/SC, Rel. Min. Paulo Medina, 6ª T., DJ 1/8/2006, p. 553).

Da fiança - Não se revela cabível a fiança criminal quando, em concurso material a soma das penas mínimas abstratamente cominadas for superior a dois (2) anos de reclusão. Precedentes (STF, HC 79376/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, RTJ 193, p. 936).

Do concurso material e continuidade delitiva - O dispositivo em exame tem gerado interpretação divergente nos tribunais. Para sua interpretação, partimos da premissa de que a lei não contém palavras ou expressões inúteis. Assim, não podemos desconsiderar, em relação ao crime continuado," que compõe o denominado concurso de crimes, da eficácia contida na expressão ‘devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro - Com efeito, se desprezado tal enunciado, não haveria como distinguir o concurso material do crime continuado. É que no concurso material, tal como ocorre no crime continuado, conforme se extraía, respectivamente, da redação dos arts. 69 e 71 do CP, ‘[...] o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes [...]’, sendo que a espécie do delito, por si só, é circunstância insuficiente para distinguir as duas modalidades. Se no crime continuado é necessário ‘crime da mesma espécie’, não podemos olvidar que no concurso material os ‘dois ou mais crimes’ podem ser ‘idênticos’, ou seja da mesma

espécie (concurso material homogêneo). - As ‘condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes’, todas objetivas - que, sem dúvida, fornecem elementos para verificar a existência do nexo da continuidade delitiva - , não são suficientes, por si mesmas, para a distinção. Não podemos perder da lembrança que '[...] nenhuma dessas circunstâncias constituem elemento estrutural do crime continuado, cuja ausência isolada possa, por si só, descaracterizá-lo. ‘, conforme aponta Cezar Roberto Bittencourt. Além disso, adverte Guilherme de Souza Nucci: ‘Ações concomitantes, contemporâneas ou simultâneas: não podem ser havidas como continuidade, pois a lei é bastante ciara ao exigir que as ações precisam ser subsequentes.’ – Deve ser prestigiada a orientação no sentido de que a continuação se caracteriza quando, observadas as ‘condições de tempo, lugar, maneira de execução é outras semelhantes’, se verifica que o primeiro crime determinou o segundo, ou, em outras palavras, seja causa do outro (TJRS, Emb. Inf. 700109 63122, 1º Grupo de Câm. Crim., Rel. Des. Marco Aurélio de Oliveira Canosa, j. 4/8/2006).

Da reiteração criminosa - Constatada a mera reiteração habitual, em que as condutas criminosas são autônomas e isoladas, deve ser aplicada a regra do concurso material de crimes (STJ, HC 140927/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ªT., DJe 7/6/2010). (Greco, Rogério. Código Penal comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao: “Concurso Material” – Art. 69 do CP, p.174-177. Ed. Impetus.com.br, acessado em 24/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Considerando o artigo no site www.tjdft.jus.br, Concurso material, tema criado em 09/09/2019 revisado em 18/10/2019, temos o seguinte material:

Doutrina: “O concurso de crimes significa a prática de várias infrações penais por um só agente ou por um grupo de autores atuando em conjunto. Diversamente do concurso de pessoas, onde um único delito é cometido, embora por vários agentes, no caso do concurso de crimes busca-se estudar qual a pena justa para quem comete mais de um delito.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 477).

O artigo 69 do Código Penal apresenta requisitos à sua configuração, ao exigir a ocorrência de pluralidade de condutas praticadas pelo agente (mais de uma ação ou omissão) e como resultada a prática de dois ou mais crimes (pluralidade de crimes, idênticos ou não), que terá como consequência a aplicação cumulativa das penas privativas de liberdade em que haja incorrido.

Quando os crimes praticados pelo agente forem idênticos teremos o chamado concurso material homogêneo (não importando se a modalidade praticada é simples, qualificada ou privilegiada) e, quando diversos, teremos o chamado concurso material heterogêneo, tornando-se irrelevante à configuração de ambos a existência de crime doloso e culposo, consumado e tentado.” (SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença Penal Condenatória: Teoria e Prática, 11ª ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 311/312).

“É de ver que, para falar em crimes cometidos em concurso material, é fundamental que exista entre os fatos algum vínculo. Em outras palavras, deve haver conexão (CPP, art. 76) entre os crimes cometidos. Aliás, sem o liame da conexão, os delitos seriam objeto de processos distintos, operando-se eventual soma das penas somente na fase de execução.

(...)

É de ver, contudo, que não podem ser somadas na sentença penas privativas de liberdade de diferentes espécies. Assim, se o agente cometeu dois crimes em concurso real, sendo um deles punido com reclusão e outro com detenção, o juiz deve impor as duas penas conforme o preceito secundário de cada dispositivo penal, por exemplo, dez anos de reclusão e um ano de detenção.

Na fase de execução, o agente cumprirá primeiro a pena mais grave, ou seja, a reclusão e, em seguida, a de detenção, conforme determina o art. 76 do CP (“No concurso de infrações, executar-se-á primeiramente a pena mais grave”). (ESTEFAM, André, Direito Penal: Parte Geral (art. 1º a 120). 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 460).

Cumulação de pena privativa de liberdade com restritiva de direitos: O § 1º do art. 69 do CP revela a possibilidade de se cumular, na aplicação das penas de crimes em concurso material, uma pena privativa de liberdade, desde que tenha sido concedido a sursis com uma restritiva de direitos. Por lógica, também será admissível a aplicação da pena restritiva de direitos quando ao agente tiver sido imposta pena privativa de liberdade, com regime aberto para seu cumprimento, eis que será possível a execução simultânea de ambas.

Cumprimento sucessivo ou simultâneo de penas restritivas de direitos: De acordo com o § 2º do art. 69 do CP, o condenado cumprirá simultaneamente as penas restritivas de direitos que forem compatíveis entre si, e sucessivamente as demais. Admite-se, por exemplo, o cumprimento simultâneo de prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. Se forem impostas, todavia, duas penas de limitação de final de semana, serão cumpridas sucessivamente.

Concurso material e suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/1995): A suspensão condicional do processo somente será admissível quando, no concurso material, a somatória das penas impostas ao acusado preencher os pressupostos do art. 89 da Lei em epígrafe. O total das penas mínimas, portanto, deve ser igual a 1 (um) ano.” (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 7ª ed. São Paulo: Método, 2019, p. 425).

Jurisprudência: Concurso material de crimes – sistema de cumulação de penas:

“Ocorre o concurso material de crimes quando o agente pratica dois ou mais crimes distintos, mediante mais de uma ação, com fundamento no art. 69 do CP, razão pela qual as penas devem ser somadas.” (Acórdão n. 1154012, 20170710085055 APR Rel. J. J. Carvalho 1ªT Crim. DJ 14/2/2019, pub. DJe 25/2/2019).

Concurso material de crimes de competência do Juizado Especial Criminal: o somatório das penas máximas deve ser igual ou inferior a 2 anos.

“1 - A competência do Juizado Especial Criminal limita-se aos crimes e à execução das infrações penais a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos. 2 – havendo concurso material ou formal ou continuidade delitiva entre as infrações penais de menor potencial ofensivo, a competência será do juízo criminal comum se a soma das penas máximas for superior a dois anos.” (Acórdão n. 1070271, 07152378070000. Rel. Jair Soares, Câm. Crim. DJ: 30/1/2018. Publicado DJe 2/2/2018)

Impossibilidade de concessão de sursis – Concurso material de crimes cujo somatório das penas mínimas é superior a 1 ano.

“Hipóteses em que não prospera a alegação de ilegalidade referente à ausência de oferecimento do benefício do sursis, porquanto explicitado na decisão do Juízo de primeiro grau que a pena mínima atrelada à imputação – uso de dois documentos falsos (um público e outro particular) em concurso formal – supera aquela prevista no artigo 89 da Lei n. 9.099/95.

Consoante estabelece a Súmula 243/STJ: “O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade-delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.” (RHC 1025421/SP). (www.tjdft.jus.br, Concurso material, tema criado em 09/09/2019 revisado em 18/10/2019, acessado em 24/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No dizer de Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 68 do Código Penal, ao falar sobre “concurso material”, “A Doutrina reconhece os seguintes sistemas voltados à disciplina do concurso de crimes: a) do acúmulo material e aritmético, segundo o qual simplesmente se somam as penas dos crimes; b) do acúmulo jurídico em que a pena aplicada deve ser superior às cominadas a cada crime sem, todavia, chegar-se à soma delas; c) da absorção, por meio da qual a pena do crime mais grave absorveria a dos demais e d) da exasperação, que prevê a aplicação da pena mais grave, aumentada em determinada quantidade. O ordenamento brasileiro adota os critérios do cúmulo material (concurso material e concurso formal (imperfeito) e da exasperação (crime continuado e concurso formal próprio). (Código Penal Comentado, Coord. Miguel Reale, ed. Saraiva, p. 219).

A jurisprudência é dividida na questão da dosimetria da pena no concurso material: Julgado do TJDJ: Aplicação da pena mais aumento da pena.

Acórdão que, diante de duas causas de aumento no crime de roubo, aplicou apenas uma delas – a que mais aumenta a pena -, com base no art. 68, parágrafo único do CP.

“4. O artigo 68, parágrafo único, do Código Penal, preceitua que no concurso de causas de aumento ou de diminuição prevista na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, fazendo prevalecer, todavia, a causa que mais aumente ou diminua. Assim, diante de duas majorantes (concurso de agentes e emprego de arma de fogo) aumenta-se a pena em 2/3, com fundamento no inciso I do § 2º-A do art. 157 do Código Penal (modificação dada pela Lei 13.654/2018).” (APR 20180510040973). Julgado STJ – O juiz deve limitar-se à causa que mais aumente ou diminua.

Habeas Corpus substituto de recurso ordinário. (...). Tráfico internacional de arma de fogo. (...). Dosimetria da pena. Ilegalidade. Correção realizada. Extensão dos efeitos da ordem ao correu.” (...) 6. Disciplina o parágrafo único do art. 68 do Código Penal que, no concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua. 7. Desse modo, embora presentes duas causas especiais de aumento de pena (arts. 19 e 20 da Lei n. 10.826/2003, a exasperação limitará a apenas uma delas, em metade.” (HC 433.950/ES).

Notas: Súmula 243 do STJ: “O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.

Lei de Execução Penal – LEP – Lei n. 7.210 de 11 de julho de 1984. Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição.

Parágrafo único. Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime. (Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 68 do Código Penal, ao falar sobre “Cálculo da Pena”, publicado no site Direito.com, acessado em 24/12/ 2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 68 Cálculo da pena – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 

Comentários ao Código Penal – Art. 68
Cálculo da pena VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com –
digitadorvargas@outlook.com

Whatsapp: +55 22 98829-9130
Parte Geral –Título V – Das Penas –
Capítulo III – Da Aplicação da Pena

 

Cálculo da pena (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

Art. 68. A pena base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida será considerada as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.

Parágrafo único. No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

Da aplicação da pena, como leciona Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários às: “Cálculo da Pena” – Art. 68 do CP – A individualização da pena ocorre em três fases distintas. A primeira delas, chamada por Frederico Marques de individualização legislativa, “é a que o legislador estabelece quando discrimina as sanções cabíveis, delimita as espécies delituosas e formula o preceito sancionador das normas incriminadoras, ligando a cada um dos fatos típicos uma pena que varia entre um mínimo e um máximo claramente determinados. A individualização legislativa, por outra parte, domina e dirige as demais porque é a lei que traça as normas de conduta do juiz e dos órgãos da execução penal, na aplicação das sanções”. (MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v. III, p. 297).

Tendo o réu optado por qualquer uma das infrações elencadas em nosso Código Penal, parte-se para o segundo momento da individualização da pena, agora de competência do julgador. Do plano abstrato (fase da cominação) mergulhamos no plano concreto (fase da aplicação), cabendo ao juiz do processo penal de conhecimento aplicar àquele que praticou um fato típico, ilícito e culpável uma sanção penal que seja necessária e suficiente para a reprovação e prevenção, do crime. Ainda no escólio de Frederico Marques, “a sentença é, por si, a individualização concreta do comando emergente da norma legal. Necessário é, por isso, que esse trabalho de aplicação da lei se efetue com sabedoria e justiça, o que só se consegue armando o juiz de poderes discricionários na graduação e escolha das sanções penais. Trata-se de um arbitríum regulatum, como diz Bellavista ‘consistente na faculdade a ele expressamente concedida, sob a observância de determinados critérios, de estabelecer a quantidade concreta da pena a ser imposta, entre o mínimo e o máximo legal para individualizar as sanções cabíveis”’. (MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v. III, p. 300).

Com a finalidade de orientar o julgador neste momento tão importante que é o da aplicação da pena, a lei penal traçou uma série de etapas que, obrigatoriamente, deverão ser por ele observadas, sob pena de se macular o ato decisório, podendo conduzir até mesmo à sua nulidade.

Além disso, a pena encontrada pelo julgador deve ser proporcional ao mal produzido pelo condenado, sendo, pois, na definição do Código Penal (art. 59, parte final), aquela necessária e suficiente para a reprovação e a prevenção do crime.

Do cálculo da pena: O art. 68 do Código Penal determina que a pena será aplicada observando-se três fases distintas.

Segundo os julgados: É nula a sentença que, não observando a estrita individualização das penas, analisa conjuntamente as etapas da dosimetria da pena, mesmo havendo pluralidade de réus, impedindo-os que bem saibam as razões que motivaram a fixação do quantum da reprimenda estatal (TJMG, Processo 2.0000.00.440979-0/00011], Rel. Des. Antônio Armando dos Anjos, DJ 16/10/2004).

Inicialmente, deverá o julgador encontrar a chamada pena-base, sobre a qual incidirão os demais cálculos. Nos tipos penais incriminadores existe uma margem entre as penas mínima e máxima, permitindo ao juiz, depois da análise das circunstâncias judiciais previstas pelo art. 59 do Código Penal, fixar aquela que seja mais apropriada ao caso concreto.

Cada uma dessas circunstâncias judiciais deve ser analisada e valorada individualmente, não podendo o juiz simplesmente se referir a elas de forma genérica, quando da determinação da pena-base, sob pena de se macular o ato decisório, uma vez que tanto o réu como o Ministério Público devem entender os motivos pelos quais o juiz fixou a pena-base naquela determinada quantidade. Entendemos, principalmente, que se o juiz fixou a pena-base acima do mínimo legal é direito do réu saber o porquê dessa decisão, que possivelmente será objeto de ataque quando de seu recurso. Nesse sentido a posição dominante em nossos tribunais, conforme se verifica pelas ementas abaixo colacionadas:

No juízo das circunstâncias judiciais o magistrado não atua de forma arbitrária, mas sempre justificando a situação desfavorável ao réu por meio de dados concretos retirados do evento penal. Deste modo, apreciações genéricas ou mesmo extraídas da própria figura delitiva não podem aumentar a pena base porque configuram vício na individualização penal, haja vista ser da essência do sistema trifásico exigir a reprovação necessária e absolutamente adequada para cada fase da dosimetria (STJ, HC 100639/MS. Relª. Minª. Laurita Vaz, 6ª T„ DJe 7/6/2010).

Não tendo o juiz sentenciante demonstrado, de forma concreta, as razões pelas quais considerou desfavoráveis aos pacientes as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP e tendo se utilizado de referências genéricas e de elementares do tipo para elevar a sanção, de rigor a fixação da pena-base no mínimo legalmente previsto (STJ, HC 121631/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T.t DJe 7/6/2010).

A condição de maus ou bons antecedentes, por si só, é irrelevante para a fixação da pena-base, mesmo porque tal situação deve ser verificada dentro do plexo das demais condições e daquelas que devem preponderar para impor-se maior ou menor reprimenda que tem o duplo objetivo de prevenir e reprimir o crime. Dentro do prudente arbítrio, o Juízo deve avaliar o contexto em que foi inserida a sentença para justificar a pena-base reconhecida, na forma do próprio art. 59 do Código Penal, prevalecendo a condenação superior ao mínimo quando haja justificação (TJMG, Processo 1.0155.03.003389-0/001[1], Rel. Des. Judimar Biber, DJ 14/8/2007).

Traduz situação de injusto constrangimento o comportamento processual do Magistrado ou do Tribunal que, ao fixar a pena-base do sentenciado, adstringe-se a meras referências genéricas pertinentes às circunstâncias abstratamente elencadas no art. 59 do Código Penal. O juízo sentenciante, ao estipular a pena-base e ao impor a condenação final, deve referir-se, de modo específico, aos elementos concretizadores das circunstâncias judiciais fixadas naquele preceito normativo (STF, HC 69. 141-2, Rel. Min. Celso de Melo, DJU de 28/8/1992, p. 13.453).

Depois de fixar a pena-base, em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes, previstas na Parte Geral do Código Penal (arts. 61 e 65).

Quando houver concurso entre atenuantes e agravantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência (art. 67 do Código Penal).

O terceiro momento de aplicação da pena, como já deixamos antever, diz respeito às causas de diminuição e de aumento. Nesse terceiro momento de aplicação da pena não existem discussões sobre a possibilidade de sua redução aquém do mínimo ou o seu aumento além do máximo, pois, se isso acontecesse, v.g., a pena do crime tentado deveria ser sempre a mesma que a do consumado.

Quando houver concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na Parte Especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

Da aplicação da pena no concurso de crimes: Na sentença que reconhecer o concurso de crimes, em qualquer das suas três hipóteses - concurso material, concurso formal e crime continuado -, deverá o juiz aplicar, isoladamente, a pena correspondente a cada infração penal praticada. Após, segue- se a aplicação das regras correspondentes aos aludidos concursos.

Tal raciocínio faz-se mister porque o próprio Código Penal determina, no art. 119, que, no caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente, ou seja, o juiz não poderá levar a efeito o cálculo da prescrição sobre o total da pena aplicada no caso de concurso de crimes, devendo-se conhecer, de antemão, as penas que por ele foram aplicadas em seu ato decisório e que correspondem a cada uma das infrações praticadas isoladamente.

Da pena de multa - segundo o processo em epígrafe: No cálculo da pena de multa, o Juiz deve observar o critério trifásico, fixando a pena-base nos termos do art. 59 do Código Penal e seguir conforme o iter traçado pelo art. 68 do diploma repressivo (TJMG, Processo1.0024.03.146265-8/001 [1], Relª. Desª. Maria Celeste Porto, DJ 12/12/2006).

Fixadas as penas privativas de liberdade nos mínimos legais devem ser reindividualizadas as multas nos pisos correspondentes, em nome da necessidade de simetria determinada pelo mesmo critério de mensuração, constante no art. 59 do CP (TJRS, Ap. Crim. 698526944, 7ª Câm. Crim., Rel. Des. José Antônio Paganella Boschi, j. 01/7/1999).

Do habeas corpus: É viável o exame da dosimetria da pena por meio de habeas corpus, devido a eventual desacerto na consideração de circunstância ou errônea aplicação do método trifásico, se daí resultar flagrante ilegalidade e prejuízo ao réu (STJ, HC 47006/PE, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 8/5/2006, p. 245).

Quanto a Revisão criminal: A priori, a revisão criminal não se presta para diminuir as penas aplicadas com rigor, uma vez que a individualização, se fundamentada, não afronta a Lei Penal, visto que gravita em tomo do poder discricionário do Magistrado. Contudo, percebendo o Tribunal vícios da sentença consistentes na falta de consideração de atenuantes obrigatórias, deve o órgão colegiado reestruturar as sanções, ajustando a dosimetria aos critérios traçados pelo CP (TJMG, Processo 2.0000.00.42 1777-4/000 [l], Rel. Des. Eduardo Brum, DJ 4/9/2004). (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários às: “Cálculo da Pena” – Art. 68 do CP, p.172-174. Ed. Impetus.com.br, acessado em 23/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em suas apreciações, Letícia Cristina Amorim Saraiva dos Santos Moura, com artigo publicado em 17/02/2021, intitulado: Da aplicação ao crime de roubo circunstanciado, da vigência do art. 68 do Código Penal e do Princípio da Legalidade, tem a seguinte visão:

A aplicação da pena dentro do sistema penal brasileiro deve obedecer ao método trifásico constante do art. 68, parágrafo único do Código Penal. A movimentação das causas de aumento para outras fases fere os princípios da Legalidade e Proporcionalidade.

As mudanças legislativas operadas pelas Leis n. 13.654/2018 e n. 13.964/2019 acabaram por modificar as majorantes do crime de roubo.

Em que pese a norma do art. 68 do Código Penal determinar a aplicação do modelo trifásico na dosagem da pena, certas doutrinas e jurisprudência acabam por negar a vigência do supramencionado artigo porque na verdade confundem o conceito básico de crime qualificado e de crime circunstanciado, aquele que tem o tipo penal alterado por inserção de circunstâncias – causas de aumento de pena, que majoram a pena.

O presente artigo esclarece a real impossibilidade de se movimentar uma causa de aumento da terceira fase para primeira fase, por ofensa direta ao art. 68, do CP, bem como esclarece que o parágrafo único deste artigo, impõe ao julgado um dever e jamais uma faculdade, diante da vigência do princípio da legalidade e da impossibilidade de usar-se a interpretação in malan partem, ou seja, para majorar a pena do sentenciado.

Da negação da vigência ao art. 68 do Código Penal. Deslocamento das majorantes do roubo para primeira fase de cálculo da pena.

A dosagem da pena no crime de roubo circunstanciado, após as reformas de 3018 e 2019, tem sido alvo de questionamentos na doutrina e na jurisprudência.

A grande celeuma na dosagem da pena do roubo com causas de aumento de pena, ou qualquer outro crime que possua majorantes em seus parágrafos, está no fato se compreender tais crimes como qualificados e não como majorados.

E dessa confusão hermenêutica criou-se uma corrente doutrinária e jurisprudencial que aceita que majorantes saiam da terceira fase da pena e sejam alocadas na primeira ou na segunda fase.

A terceira seção do STJ, em 25.11.2020, no julgamento do writ HC 463.434-MT, da Relatoria do Min. Reynaldo soares da Fonseca, entendeu por unanimidade que a possibilidade de majorantes serem usadas em fases diversas da terceira fase é perfeitamente possível.

Em que pese o entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, é necessária e urgente sua revisão, eis que a não aplicação do art. 68 do CP é clara e evidente.

O aumento da pena-base com o deslocamento de causas de aumento de pena para outras fases, não deve subsistir. As majorantes são verdadeiras circunstâncias do crime.

Segundo Cezar Roberto Bittencour: Circunstâncias, na verdade, são dados, fatos, elementos ou peculiaridades que apenas circundam o fato principal. Não integram a figura típica, podendo, contudo, contribuir para aumentar ou diminuir a sua gravidade. Para se distinguir uma elementar do tipo penal de uma simples circunstância do crime basta excluí-la, hipoteticamente; se tal raciocínio levar à descaracterização do fato como crime ou fizer surgir outro tipo de crime, estar-se-á diante de uma elementar. Se, no entanto, a exclusão de determinado requisito não alterar a caracterização do crime, tratar-se-á de uma circunstância do crime.

Segundo a autora Letícia Cristina, as circunstâncias, que não constituem nem qualificam o crime, são conhecidas na doutrina como circunstâncias judiciais, circunstâncias legais e causas de aumento e de diminuição de pena.

No caso do julgamento de um roubo circunstanciado tem-se que, concurso de pessoas, não pode ter o condão de majorar a pena na primeira fase do calcula da pena, pois é uma circunstância do crime, qual seja, uma causa de aumento inserida no art. 157, § 2º, II, do CP. Essa conclusão é uma derivação do princípio da legalidade que rege o Direito Penal brasileiro.

O concurso de pessoas no crime de roubo é uma causa de aumento como pode se inferir da leitura do art. 157, § 2º, II, CP: A pena aumenta-se de 1/3 até a metade:[...] II – se há o concurso de duas ou mais pessoas.”

É necessário revisitar os conceitos de aplicação de pena para compreender que existe uma impossibilidade legal de se deslocar uma causa de aumento de pena da terceira fase de aplicação de pena para a primeira fase de aplicação de pena.

O sistema de aplicação de pena constante no Código Penal é o trifásico que é determinado pelo art. 68, do CP.

Da leitura do art. 68, do Código Penal, é possível concluir que existe uma hierarquia na dosagem da pena, que revela a essência da aplicação da reprimenda. De modo que o juiz sentenciante deve observar os degraus traçados pelo legislador, sempre dentro dos limites previstos na lei, pois dela se extrai a vontade legislativa de gradação dos elementos que forma a sanção definitiva em concreto. [2]

A única interpretação compatível com o sistema da legalidade sob vigência da Constituição Federal, é aquela que nos conduz à obediência da contagem do cálculo trifásico da pena, assim, mantendo os elementos que integram cada fase ali mesmo, devendo ser devidamente empregados e dosados, não podendo de modo algum serem admitidos em fases diversas. Desta forma as circunstâncias judiciais serão analisadas na primeira fase, as atenuantes e agravantes na segunda fase e por fim na derradeira fase serão analisadas as causas de diminuição e de aumento de pena.

O roubo circunstanciado pelo concurso de pessoas e pelo uso de arma de fogo deve ter sua pena dosada única e exclusivamente pela aplicação do parágrafo único do art. 68, CP, porque existe concorrência entre causas de aumento.

Situação diversa é quando nos deparamos com o julgamento de um crime qualificado, e isso parece que não foi compreendido pela Terceira seção do STJ, que acaba por desconsiderar a diferença entre crime circunstanciado e crime qualificado.

O crime qualificado tem como pena inicial um valor fixo e mais alto do que a pena constante na cabeça do artigo. Já em um crime que tem causa de aumento a pena será a mesma da cabeça do artigo, tendo apenas um aumento ou um intervalo de aumento como ocorre no roubo ou no furto praticado no período noturno.

O furto descrito no parágrafo quarto, i.g., é qualificado e o próprio legislador assim o denominou, veja-se:

Furto – art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. [...] Furto qualificado. § 4º. A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido, afirma a autora Letícia Cristina. I – Com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III – com emprego de chave falsa; IV – mediante concurso de duas ou mais pessoas. § 4º-A. A pena é de reclusão de 4 a 10 anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. [...]

O art. 68 do Código Penal quando nos revela o sistema trifásico e nada fala sobre concorrência de qualificadores, e nenhum outro artigo que trata sobre o cálculo de pena. O sobredito artigo em sua literalidade traz os degraus do cálculo de pena quanto às circunstâncias judiciais, as atenuantes e agravantes e as causas de diminuição e aumento de penal.

O roubo circunstanciado não é um crime qualificado e por isso não deve existir essa movimentação de causas de aumento para primeira fase, como ocorre no furto qualificado e no homicídio qualificado, sendo situação distinta da que se deve ter no roubo em qualquer crime circunstanciado. (Letícia Cristina Amorim Saraiva dos Santos Moura, Defensora Pública do Tocantins, com artigo publicado em 17/02/2021, intitulado: Da aplicação ao crime de roubo circunstanciado, da vigência do art. 68 do Código Penal e do Princípio da Legalidade, no site jus.com.br acessado em 23/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo parecer de Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 68 do Código Penal, ao falar sobre “Cálculo da Pena”: O modelo trifásico de dosimetria da pena é o adotado pela jurisprudência e doutrina para fixação da pena. Primeiro o juiz deve analisar a condenação atendendo-se os critérios do artigo 59 e estabelece a pena base, após aplica-se a pena base às causas de diminuição ou aumento da pena aplicando agravantes e atenuantes (arts. 61 a 66) que são as circunstâncias legais, fixando uma pena provisória e por fim o cômputo para obter a pena devida com aplicação dos fatores de diminuição e aumento da pena.

Súmulas do STJ: 231: A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

241: A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial.

443: O aumento da terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes.  (Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 68 do Código Penal, ao falar sobre “Cálculo da Pena”, publicado no site Direito.com, acessado em 23/12/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).