segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 71 Crime continuado – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com –

 

Comentários ao Código Penal – Art. 71
Crime continuado VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com –
digitadorvargas@outlook.com

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Parte Geral –Título V – Das Penas –
Capítulo III – Da Aplicação da Pena

 

Crime Continuado (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

Iniciando pela origem, com Bettiol, Rogério Greco. Código Penal comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao: “Crime continuado” – Art. 71 do CP, que afirma “A figura do crime continuado não é de data recente. As suas origens ‘políticas’ acham-se sem dúvida no favor rei que impeliu os juristas da Idade Média a considerar como furto único a pluralidade de furtos, para evitar as consequências draconianas que de modo diverso deveriam ter lugar: a pena de morte ao autor de três furtos, mesmo que de leve importância. Os nossos práticos insistiam particularmente na contextualidade cronológica da prática dos vários crimes, para considerá-los como crime único, se bem que houvesse também quem se preocupasse em encontrar a unidade do crime no uno impetu com o qual os crimes teriam sido realizados. Da Idade Média, a figura do crime continuado foi trasladada para todas as legislações [...]” (BETTIOL, Giuseppe. Direito penal, v. II, p. 312).

Da natureza jurídica: Três principais teorias disputam o tratamento sobre a natureza jurídica do crime continuado, a saber: a) teoria da unidade real; b) teoria da ficção jurídica e c) teoria mista.

A teoria da unidade real entende como crime único as várias condutas que, por si sós, já se constituiriam em infrações penais. Na escorreita proposição de Vera Regina de Almeida Braga, “intenção e lesão únicas dariam lugar a um único delito, composto de várias ações. O crime continuado consistiria em um ens reale”. (BRAGA, Vera Regina de Almeida. Pena de multa substitutiva no concurso de crimes, p. 59).

A teoria da ficção jurídica entende que as várias ações levadas a efeito pelo agente que, analisadas individualmente, já consistiam em infrações penais, são reunidas e consideradas fictamente como um delito único. Finalmente, a teoria mista reconhece no crime continuado um terceiro crime, fruto do próprio concurso.

Nossa lei penal adotou a teoria da ficção jurídica, (Conforme esclarece Alcides da Fonseca Neto, “a natureza jurídica da continuidade delitiva é explicada peia teoria da ficção jurídica, peia qual ela é resultante de uma aglutinação legal tão só para fins de aplicação de uma pena, muito embora existam, no plano ontológico, vários delitos, ou seja, a unificação não retira a autonomia dos crimes componentes da cadeia delituosa” (O crime continuado, p. 342), entendendo que, uma vez concluída pela continuidade delitiva, deverá a pena do agente sofrer exasperação. O julgado HC a seguir explica:

A continuidade delitiva, segundo posição majoritária da doutrina e da jurisprudência, é uma ficção jurídica criada para beneficiar o criminoso eventual, de sorte que, não obstante a pluralidade de crimes, considera-se a existência de um só, conforme o preenchimento dos requisitos objetivos (delitos da mesma espécie, condições de tempo, lugar e modo de execução semelhantes) e subjetivos (unidade de desígnios) (STJ, HC 141239/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Mais Filho, 5ª T., DJe 15/3/2010).

Dos requisitos e consequências do Crime continuado: Requisitos: a) mais de uma ação ou omissão; b) prática de dois ou mais crimes, da mesma espécie; c) condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes; d) os crimes subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro.

Consequências: a) aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentada de um sexto a dois terços; b) aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada de um sexto a dois terços; c) nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentada até o triplo; d) nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada até o triplo.

Quanto aos Crimes da mesma espécie: O agente pode, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes da mesma espécie. A primeira dúvida em relação ã redação do artigo em estudo é justamente saber o que significa crimes da mesma espécie. Várias posições foram ganhando corpo ao longo dos anos, sendo que duas merecem destaque, porque principais. A primeira posição considera crimes da mesma espécie aqueles que possuem o mesmo bem juridicamente protegido, ou, na linha de raciocínio de Fragoso, "crimes da mesma espécie não são apenas aqueles previstos no mesmo artigo de lei, mas também aqueles que ofendem o mesmo bem jurídico e que apresentam, pelos fatos que os constituem ou pelos motivos determinantes, caracteres fundamentais comuns”. (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, p. 351). Assim, furto e roubo, roubo e extorsão seriam da mesma espécie. A segunda posição aduz que crimes da mesma espécie são aqueles que possuem a mesma tipificação penal, não importando se simples, privilegiados ou qualificados, sé tentados ou consumados. Esta é a posição de Aníbal Bruno quando diz que “cada ação deve fundamentalmente constituir a realização punível do mesmo tipo legal, i. é, essas ações repetidas devem representar dois ou mais crimes da mesma espécie, podendo reunir-se a forma consumada com a tentativa, a forma simples com a agravada. Os bens jurídicos podem ter o mesmo ou diverso titular”. (BRUNO, Anibal. Direito penal, t. 2º, p. 302. Ao contrário, portanto, da posição anterior, para esta não poderia haver continuidade entre furto e roubo, uma vez que tais infrações penais encontram moldura em figuras típicas diferentes. Para nós, crimes da mesma espécie são aqueles que possuem o mesmo bem juridicamente protegido. (Nesse sentido, com maestria, sentencia Patrícia Mothé Glioche Béze: “Adotada a teoria da ficção jurídica, que é a posição majoritária na doutrina jurisprudencial, o crime continuado é modalidade de concurso de crimes e não haveria obstáculo para se reconhecer como crimes da mesma espécie os que ofendem o mesmo bem jurídico, desde que presentes os outros requisitos do crime continuado (dentre eles a maneira de execução). Assim, podem ser crimes da mesma espécie aqueles que estão em artigos de lei diferentes, desde que sejam semelhantes entre si, adotando-se a teoria objetiva pura ou objetivo-subjetiva" (Concurso formal) e crime continuado, p. 148).

Confirmando o julgado: Impossibilidade de reconhecimento da continuidade delitiva entre os delitos de estelionato praticado contra entidade de direito público e corrupção ativa, pois são infrações penais de espécies diferentes, que não estão previstas no mesmo tipo fundamental. Precedentes (STJ, HC 8361 l/SP, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T., DJe 01/3/2010).

Bem como os quatro seguintes que completam a ideia: Os crimes de homicídio qualificado e latrocínio são espécies delituosas distintas, não se configurando entre elas a continuidade delitiva, mas sim o concurso material (STJ, HC 140936/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJe 22/2/2010).

Tendo em vista que os crimes de roubo e extorsão, apesar de serem do mesmo gênero, são de espécies diversas, não se aplica a continuidade delitiva (STJ, REsp. 1.052.447/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJe 01/o2/10).

Não se aplica a continuidade delitiva entre os crimes de roubo e latrocínio, eis que, apesar de serem do mesmo gênero, não são da mesma espécie, pois possuem elementos-objetivos e subjetivos distintos, não havendo, portanto, homogeneidade de execução. Precedentes desta Corte e do STF. (STJ, HC 68137/RJ, Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 12/3/2007).

Não há como reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de estelionato, receptação e adulteração de sinal identificador de

veículo automotor, pois são infrações penais de espécies diferentes, que não estão previstas no mesmo tipo fundamental. Precedentes do STF e STJ (STJ, REsp. 738337/DF. REsp. 2005/0030253-6, Relª. Minª Laurita Vaz, j. 17/11/2005, DJ 19/12/2005, p. 466).

A posição majoritária de nossos Tribunais Superiores é no sentido de considerar como crimes da mesma espécie aqueles que tiverem a mesma configuração típica (simples, privilegiada ou qualificada).

Das condições de tempo, lugar, maneira de execução ou outras semelhantes: Exige o art. 71 do Código Penal que o agente atue em determinado tempo, a fim de que sejam aplicadas as regras relativas ao crime continuado. Também com relação a esse ponto existe divergência doutrinária e jurisprudencial, em razão da ausência de um critério rígido para a sua aferição, pois, conforme assevera Ney Moura Teles, “como mensurar essa quantidade de tempo, com base em quais critérios? Este problema é de difícil solução. Não se pode realizar análise meramente aritmética, mas entre os crimes deve mediar tempo que indique a persistência de um certo liame psíquico que sugira uma sequência entre os dois fatos”. (TELES, Ney Moura. Direito penal - Parte gerai, v. 2. p. 187. Não há, portanto, como determinar o número máximo de dias ou mesmo de meses para que se possa entender pela continuidade delitiva. Deverá, isto sim, segundo entendemos, haver uma relação de contexto entre os fatos, para que o crime continuado não se confunda com a reiteração criminosa. Apesar da impossibilidade de ser delimitado objetivamente um tempo máximo para a configuração do crime continuado, o STF já decidiu: Quanto ao fator ‘tempo’ previsto no art. 71 do Código Penal, a jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal Federal é no sentido de observar-se o limite de trinta dias que, uma vez extrapolado, afasta a possibilidade de se ter o segundo crime como continuação do primeiro. Precedentes - HC nº 62.451, relatado pelo Min. Aldir Passarinho perante a Segunda Turma, cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça, de 25 de abril de 1985, à página 5.889, e HC nº 69.305, do qual foi Relator o Min. Sepúlveda Pertence, cujo acórdão, na 1ª T., restou veiculado no DJe 5/6/1992 (STF, HC 69.896-4, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 2/4/1993, p. 5.620).

Também existe controvérsia quanto à distância entre os vários lugares nos quais os delitos foram praticados. Discute-se sobre a possibilidade de se verificar o crime continuado somente em um mesmo bairro, em uma mesma cidade, comarca ou em até Estados diversos. O STF já entendeu que o fato de serem diversas as cidades nas quais o agente perpetrou os crimes (São Paulo, Santo André e São Bernardo do Campo) não afasta a reclamada conexão espacial, pois elas são muito próximas uma da outra, e integram, como é notório, uma única região metropolitana (RE, Rel. Xavier de Albuquerque, RT 542/455). Em sentido contrário, já se posicionou o extinto TACrim./SP, ao afirmar que não se admite a continuidade delitiva entre crimes praticados em cidades diversas, ainda que integrantes da mesma região metropolitana (Rel. Brenno Marcondes, JUTACrim./SP 84/162). A nosso ver, da mesma forma que o critério temporal, no que diz respeito ao critério espacial deverá haver uma relação de contexto entre as ações praticadas em lugares diversos pelo agente, seja esse lugar um bairro, cidade, comarca ou até Estados diferentes. Nada impede que um grupo especializado em roubo a bancos, ekzemple resolva, num mesmo dia, praticar vários assaltos em cidades diferentes que, embora vizinhas, não pertençam ao mesmo Estado.

A maneira de execução dos delitos, ou seja, o modus operandi do agente ou do grupo, também é um fator importante para a verificação do crime continuado. Um estelionatário que pratica um mesmo golpe, como o do bilhete premiado, ou aquele que comumente leva a efeito os delitos de furto valendo-se de sua destreza utilizam o mesmo meio de execução. O critério, contudo, não é tão simples como se possa imaginar. O agente, embora possa ter um padrão de comportamento, nem sempre o repetirá, o que não poderá impedir o reconhecimento da continuidade delitiva, desde que, frisamos mais uma vez, exista uma relação de contexto, de unicidade entre as diversas infrações penais.

 

Permite o Código Penal, ainda, o emprego da interpretação analógica, uma vez que, após se referir às condições de tempo, lugar e maneira de execução, apresenta outras semelhantes. Isso quer dizer que as condições objetivas indicadas pelo artigo devem servir de parâmetro à interpretação analógica por ele permitida, existindo alguns julgados, conforme noticia Alberto Silva Franco, que “têm entendido que o aproveitamento das mesmas oportunidades e das mesmas relações pode ser incluído no conceito de condições semelhantes" (FRANCO, Alberto Silva. Código penal e sua interpretação jurisprudenciaI - Parte gerai, v. 1, t. I, p. 1139).

 

Os crimes subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro: Exige o art. 71 do Código Penal, ainda, que, em razão das condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, ou seja, as infrações penais posteriores devem ser entendidas como continuação da primeira. Embora seja clara a redação do artigo, que com ela procura fazer a distinção entre o crime continuado e a reiteração criminosa, paradoxalmente, segundo entendemos, a Exposição de Motivos da nova parte geral do Código Penal adota a chamada teoria objetiva no crime continuado.

 

Para que se possa melhor conhecer a discussão, é preciso saber que três teorias disputam o tratamento do crime continuado,

a saber:

 

a) teoria objetiva;

b) teoria subjetiva; e

c) teoria objetivo-subjetiva.

 

A teoria objetiva preconiza que para o reconhecimento do crime continuado basta a presença de requisitos objetivos que, pelo art. 71 do Código Penal, são as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. Não há, para essa teoria, necessidade de se aferir a unidade de desígnio, por nós denominada de relação de contexto, entre as diversas infrações penais. Presentes os requisitos do art. 71 do Código Penal, impõe-se o reconhecimento da continuidade delitiva, independentemente da ocorrência da unidade de desígnios. O legislador pátrio somente exigiu requisitos de caráter objetivos, levando a crer que se adotou tão só a teoria objetiva, desprezando-se a unidade de desígnio como elemento da continuação delitiva (STJ, HC 120042/DF, Relª. Minª, Jane Silva. 6ª T-, DJe 2/2/2009).

 

Diz a teoria subjetiva que, independentemente dos requisitos de natureza objetiva (condições de tempo, lugar, maneira de execução ou outras semelhantes), a unidade de desígnio ou, para nós, a relação de contexto entre as infrações penais é suficiente para que se possa caracterizar o crime continuado.

 

A última teoria, que possui natureza híbrida, exige tanto as condições objetivas como o indispensável dado subjetivo, ou seja, deverão ser consideradas não só as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, como também a unidade de desígnio ou relação de contexto entre as ações criminosas.

 

Acreditamos que a última teoria – objetivo-subjetiva - é a mais coerente com o nosso sistema penal, que não quer que as penas sejam excessivamente altas, quando desnecessárias, mas também não tolera a reiteração criminosa. O criminoso de ocasião não pode ser confundido com o criminoso contumaz.

 

Para a caracterização da continuidade delitiva, faz-se imprescindível a comprovação da unidade de desígnios do agente, não se satisfazendo com a só convergência dos requisitos objetivos (crimes de mesma espécie e mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes) (STJ, RHC 22800/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª T., 2/8/2010).

 

Para a caracterização da continuidade delitiva, é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva – mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução - e subjetiva - unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos (art. 71 do CP) (teoria mista ou objetivo-subjetiva). Constatada a reiteração criminosa, inviável acoimar de ilegal a decisão que negou a incidência do art. 71 do CP, pois, na dicção do Supremo Tribunal Federal, a habitualidade delitiva afasta o reconhecimento do crime continuado (STJ, HC 128756/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., Dje 29/3/2010).

 

Patrícia Mothé Glíoche Béze, traçando a diferença entre crime continuado e a reiteração criminosa, assevera: “O fundamento da exasperação da pena não visa com certeza, beneficiar o agente que, reiteradamente, pratica crimes parecidos entre si, como o estelionatário, que vive da prática de ‘golpes’. Fundamentando-se no critério da menor periculosidade, da benignidade ou da utilidade prática, a razão de ser do instituto do crime continuado não coaduna com a aplicação do benefício da exasperação da pena para aquele agente mais perigoso, que faz do crime profissão e vive deliberadamente à margem da lei.

 

A habitualidade é, portanto, diferente da continuação. A culpabilidade na habitualidade é mais intensa do que na continuação, não podendo, portanto, ter tratamento idêntico”. (BÉZE, Patrícia Mothé Glioche. Concurso formal e crime continuado, p. 155).

 

Nesse sentido, já se posicionou o STJ, conforme se verifica nas ementas abaixo transcritas:

 

Para a caracterização do crime continuado não basta a simples repetição dos fatos delituosos em breve espaço de tempo, pois a atual teoria penal, corroborada pela jurisprudência dominante nos Tribunais Superiores, preconiza a exigência de unidade de desígnios, em que os atos criminosos estejam entrelaçados, ou melhor, necessário se torna levar em conta tanto os elementos objetivos, como os subjetivos do agente. Continuidade delitiva não reconhecida (STJ, RE 39.883-5, Rel. Min. Fláquer Scartezzini, DJU 28/2/1994, p. 2.911).

 

Crime continuado - Caracterização - Exigência de unidade de desígnio ou dolo total - Para a caracterização do crime continuado, torna-se necessário que os atos criminosos isolados apresentem-se enlaçados, os subsequentes ligados aos antecedentes (art. 71 do CP): 'devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro’ - ou porque fazem parte do mesmo projeto criminoso, ou porque resultam de ensejo, ainda que fortuito, proporcionado ou facilitado pela execução desse projeto, o aproveitamento da mesma oportunidade. (STJ, Rel. Min. Assis Toledo, DJU Í6/3/1992, p. 3.075).

 

A expressão contida no art. 71 do Código Penal - devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro - mais do que nos permitir, nos obriga a chegar a essa conclusão. ("Sob a égide do antigo paradigma causal de fato punível, o critério do legislador para determinar a relação descontinuação deveria ser, necessariamente, objetivo e, por isso, a relação de continuação dos fatos típicos devia ser interpretada de um ponto de vista objetivo. Mas, adotado pelo legislador o sistema finalista como paradigma da parte geral do Código Penal, a estrutura das ações típicas continuadas - como, aliás, a estrutura de qualquer ação típica, inclusive das ações típicas em concorrência material e formal -, é constituída de elementos objetivos e subjetivos, cujo exame é necessário para determinar não só a existência de crimes da mesma espécie, mas, também, para verificar a existência da relação de continuação da ação típica anterior através das ações típicas posteriores” (SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 340-341).

 

Assim se posicionou o STF nesse sentido: Penal. Crime continuado. Código Penal, art. 71.1- Para que ocorra a continuidade delitiva é necessário que os delitos tenham sido praticados pelos agentes, com a utilização de ocasiões nascidas da situação primitiva, devendo existir, pois, nexo de causalidade com relação à hora, lugar e circunstâncias (HC 68890/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª T. (DJU 30/3/2001).

 

E também o STJ: Nos termos do art. 71 do Código Penal, aplica-se a regra do crime continuado, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro. No caso, se os delitos de estelionato foram praticados dentro de idêntico contexto, em harmônicas condições de tempo, lugar e maneira de execução, guardando entre si unidade de desígnio, o fato.de ter sido praticado contra vítimas distintas não afasta a incidência da regra da continuidade delitiva. Precedentes do STJ (STJ, HC 114549/SP, Rel. Mín. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., DJe 2/3/2009).

 

Crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa: O parágrafo único do art. 71 do Código Penal diz que nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código, permitindo expressamente, portanto, a aplicação da ficção jurídica do crime continuado nas infrações penais praticadas contra vítimas diferentes, cometidas com violência ou grave ameaça à pessoa.

 

Com a redação trazida pela Parte Geral de 84, cai por terra a Súmula nº 605 do STF, que dizia não se admitir a continuidade delitiva nos crimes contra a vida. Hoje, portanto, será perfeitamente admissível a hipótese de aplicação das regras do crime continuado àquele que, por vingança, resolve exterminar com todos os homens pertencentes a uma família rival à sua, ou, na hipótese de roubo, julgada pelo STF, cuja ementa merece ser transcrita: Habeas corpus - Crime de roubo qualificado em diversos apartamentos do mesmo edifício - Ocorrência de crime continuado qualificado (CP, parágrafo único do art. 71) - Presente a pluralidade de condutas e a de crimes dolosos da mesma espécie, praticados com emprego de armas, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, ocorre a hipótese de crime continuado qualificado, ou específico, previsto no par. único do art. 71 do Código Penal (STF, HC 72.280-6, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJU 26/4/1996, p. 13.114).

 

Crime continuado simples e crime continuado qualificado: A possibilidade de haver a continuidade delitiva nas infrações penais em que o agente tenha atuado com o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, contra vítimas diferentes, fez surgir a distinção entre o crime continuado simples e o crime continuado qualificado. Diz-se simples o crime continuado nas hipóteses do caput do art. 71 do Código Penal; qualificado é o crime continuado previsto no parágrafo único do art. 71 do mesmo diploma repressivo, que permite aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo.

 

O parágrafo único do art. 71 do Código Penal determina sejam observadas as regras do parágrafo único do art. 70, que prevê o chamado concurso material benéfico, bem como a do art. 75, que cuida do limite das penas. O concurso material benéfico será visto mais adiante. A referência ao art. 75 do Código Penal não impede de ser aplicada uma pena superior a trinta anos ao agente, pois o mencionado artigo diz textualmente que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos, ou seja, à primeira vista, o condenado não poderá cumprir ininterruptamente mais do que trinta anos, podendo, contudo, ser condenado a uma pena bem superior àquela a que devera efetivamente cumprir.

 

Em sentido contrário, a continuidade delitiva específica, prevista no parágrafo único do art. 71 do Código Penal, relaciona-se com os crimes continuados cometidos contra os bens personalíssimos, praticados dolosamente e com violência ou grave ameaça à pessoa, diferente da continuidade delitiva propriamente dita, prevista no seu caput, que cuida do tratamento jurídico penal relativo aos demais crimes praticados em continuidade delitiva. Hipótese em que houve pluralidade delitiva de natureza dolosa e ofensa a vítimas diferentes, com emprego de violência, merecendo tratamento penal mais severo. Aplicabilidade da regra prevista no parágrafo único do art. 71 do Código Penal. O acréscimo não pode ser ilimitado, i. é, não pode superar a margem prevista para o concurso material de crimes, nem o limite de trinta anos de reclusão (STJ, HC 69779/SP, HC 2006/0245213-0, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T„ DJ 18/6/2007, p. 283).

 

Consequências do crime continuado: Nas hipóteses de crime continuado simples, determina a lei a aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

 

No caso do chamado crime continuado qualificado, o juiz, após considerar a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, poderá aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo. O triplo da pena para uma das infrações cometidas pelo agente será o teto máximo para o aumento correspondente ao crime continuado. Sendo que seria o aumento mínimo: Fazendo-se uma interpretação sistêmica do Código Penal, o aumento mínimo será de um sexto, o mesmo previsto para o caput do art. 71, uma vez que não seria razoável que o juiz procedesse a aumento inferior ao determinado na hipótese de crime continuado simples que, em tese, se configura em situação menos grave do que a do parágrafo único.

 

Do concurso material benéfico: O parágrafo único do art. 71 determina que seja observada a regra relativa ao concurso material benéfico, prevista no parágrafo único do art. 70 do Código Penal. O mesmo raciocínio que fizemos ao analisar o concurso formal pode ser transportado para o tema correspondente ao crime continuado. A ficção do crime continuado, por razões de política criminal, foi criada em benefício do agente. Assim, não seria razoável que um instituto criado com essa finalidade viesse, quando da sua aplicação, prejudicá-lo. Se o juiz, portanto, ao levar a efeito os cálculos do aumento correspondentes ao crime continuado, verificar que tal instituto, se aplicado, será mais gravoso do que se houvesse o concurso material de crimes, deverá desprezar as regras daquele e proceder ao cúmulo material das penas.

 

Da Dosagem da pena no crime continuado: Da mesma forma que o concurso formal, no crime continuado, seja simples ou qualificado, o percentual de aumento da pena varia de acordo com o número de infrações penais praticadas.

 

Segundo os três próximos julgados: Para o aumento da pena pela continuidade delitiva dentro o intervalo de 1/6 a 2/3, previsto no art. 71 do CPB, deve-se adotar o critério da quantidade de infrações praticadas. Assim, aplica-se o aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações (STJ, H C 127679/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª T., DJe 15/12/2009).

 

O aumento da pena pela continuidade delitiva se faz, basicamente, quanto ao art. 71, caput do Código Penal, por força do número de infrações praticadas. Qualquer outro critério, subjetivo, viola o texto legal enfocado. Logo, no caso de sete ou mais infrações, o aumento deve dar-se na fração de 2/3 (dois terços) (Precedentes do STF e do STJ) (REsp. 773487/GO, REsp 2005/0132289-0, 5ª T., Min. Felix Fischer, publicado no DJ em

12/2/2007, p. 294).

 

Uma vez reconhecida a existência de continuidade delitiva entre os crimes praticados pelo paciente, o critério de exasperação da pena é o número de infrações cometidas. Em se tratando de condenação por três delitos, o aumento da pena deve, por questão de proporcionalidade, aproximar-se do mínimo legal (HC 83632 / RJ - Rio de Janeiro, HC, 1ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, publicado no DJ em 23/4/2004, p. 25).

 

Crime continuado e novatio legis in pejus: Pode acontecer que, durante a cadeia de infrações penais praticadas pelo agente, parte dela seja cometida durante a vigência de uma lei nova, que agravou, par example, a situação anterior. Ou seja, parte das infrações penais foi praticada durante a vigência da Lei A, e outra parte durante a vigência da Lei B, sendo a lei posterior mais gravosa.

 

Pode-se fazer diante dessa situação o seguinte: Sabe-se que a ficção do crime continuado foi criada com a finalidade de beneficiar o agente, desde que presentes todos os seus requisitos, dando-se a ideia, fictamente, de infração única. Também afirmou-se, com base no disposto na parte final do parágrafo único do art. 70 do Código Penal, que se a regra relativa a continuidade delitiva for prejudicial ao agente, deverá eia ser desprezada, aplicando-se, pois, o chamado concurso material benéfico. No que diz respeito à sucessão de leis no tempo, respondendo à nossa indagação, o STF tem decidido reiteradamente no sentido de que a lei posterior, mesmo que mais gravosa, será aplicada a toda cadeia de infrações penais, conforme se observa nos julgados abaixo colacionados, posição com a qual nos filiamos, haja vista que, mesmo conhecedores da nova lei penal, os agentes que, ainda assim, insistiram em cometer novos delitos deverão ser responsabilizados pelo todo, com base na lei nova.

 

Se o paciente praticou a série de crimes sob o império de duas leis, sendo mais grave a posterior, aplica-se a nova disciplina penal a toda ela, tendo em vista que o delinquente já estava advertido da maior gravidade da sanção e persistiu na prática da conduta delituosa (STF, HC 76680, Rel. Min. Ilmar Galvão, 12 T., DJU 12/6/1998).

 

A reiteração das decisões do Supremo Tribunal Federal levou aquela Corte Suprema, na sessão plenária de 24 de setembro de 2003, a aprovar a Súmula na 711, que diz:

 

Súmula n° 711. A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

 

Em sentido contrário, Alcides da Fonseca Neto assevera que, “na sucessão de leis no tempo, para o caso de crime praticado em continuidade delitiva, em cujo lapso sobreveio lei mais severa, deve ser aplicada lei anterior - lex mitior (FONSECA NETO, Alcides da. O crime continuado, p. 147), - reconhecendo-se a sua ultratividade em favor do réu (art. 5º, XL, da CF).


Suspensão condicional do processo: Processo Penal. Infrações cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva. Suspensão condicional do Processo. Art. 89 da Lei n° 9.099/95. Não aplicação. O benefício da suspensão condicional do processo, previsto no art. 89 da Lei n. 9.099/95, não é admitido nos delitos praticados em concurso material quando o somatório das penas mínimas cominadas for superior a 1 (um) ano, assim como não é aplicável às infrações penais cometidas em concurso formai ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada ao delito mais grave aumentada da majorante de 1/6 (um sexto), ultrapassar o limite de um 1 (um) ano (STF, HC 83163/SP, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJ 19/6/2009, p. 153). (Greco, Rogério. Código Penal comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao: “Crime continuado” – Art. 71 do CP, p.179-186. Ed. Impetus.com.br, acessado em 26/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Segundo a doutrina, buscada no site www.tjdft.jus.br, Comentários ao Crime continuado, art. 71 do CP, tem-se que:

“O crime continuado, ou delictum continuatum, dá-se quando o agente pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, mediante duas ou mais condutas, os quais pelas condições de tempo, lugar, modo de execução e outras, podem ser tidos uns como continuação dos outros. Ekzemple: uma empregada doméstica, visando subtrair o faqueiro de sua patroa, decide furtar uma peça por dia, até ter em sua casa o jogo completo, 120 dias depois, terá completado o faqueiro e cometido 120 furtos! Não fosse a regra do art. 71 do CP, benéfica ao agente, a pena mínima no exemplo proposto corresponderia a 120 anos de reclusão!

Classifica-se em comum ou simples (caput): quando presentes os requisitos acima; o específico ou qualificado (parágrafo único): quando, além disso, tratar-se de crimes dolosos, praticados com violência ou grave ameaça à pessoa e contra vítimas diferentes.” (ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120), 6ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 462).

“Há quem defina como unidade real de crimes (crime único) e há quem prefira a tese da ficção jurídica (crime único, por ficção). Outros ainda se referem a uma teoria supostamente mista, que consistiria em considerar a existência de ainda outro crime, resultante da continuação. A discussão com o devido respeito a todos os seus autores, não oferece maiores proveitos.

Na verdade, o que resta nesse campo é o tratamento que o ordenamento jurídico escolhe para a punibilidade de fatos criminosos praticados pelo mesmo agente. No concurso material o critério escolhido foi o da cumulação de crimes, reconhecendo a autonomia geral entre eles. No concurso formal, prevaleceu a exasperação de uma das penas (a mais grave) em atenção à unidade da conduta, embora a mais de um resultado (crime). E, no crime continuado, como se verá, optou-se também pela regra da exasperação da pena, ainda que evidenciada a pluralidade de ações e de crimes.

A Lei, CP, portanto, trata a questão como se houvesse uma unidade de ações, em continuidade, fazendo, então daquilo que lhe oferece a realidade fática – a pluralidade de fatos efetivamente acontecidos – uma ficção normativa, considerando-as ou regulando-as como uma mesma ação a ser punida com a pena agrava de um dos crimes.” (PACELLI, Eugênio. Manual de direito Penal. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 414).

“A conceituação legal da espécie de crime continuado nos traz requisitos que também se encontram presentes na espécie do concurso material ou real de crimes, pois ambos ocorrem ‘quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes (...)’, porém, a continuidade delitiva se diferencia por exigir:

1º) que os crimes cometidos sejam da mesma espécie: crimes da mesma espécie são aqueles que possuem a mesma tipificação legal, não importando se simples, privilegiados ou qualificados, se tentados ou consumados;

2º) que os crimes tenham sido cometidos pelas mesmas condições de tempo: predomina o entendimento na jurisprudência da possibilidade de se reconhecer a espécie de crime continuado entre infrações praticadas em intervalo de tempo não superior a trinta dias (STF, HB 107636 e 69896);

3º) que os crimes tenham sido cometidos com identidade de lugar: permite-se o reconhecimento da espécie de crime continuado entre os delitos praticados na mesma rua, no mesmo bairro, na mesma cidade ou até mesmo em cidades vizinhas (limítrofes) RT 542/455);

4º) que os crimes tenham sido cometidos pelo mesmo modo de execução: exige-se que ocorra identidade quanto ao modus operandi do agente ou do grupo;

5º) que os crimes subsequentes sejam tidos como continuação do primeiro: exige-se que as ações subsequentes devam ser tidas como desdobramento lógico da primeira, demonstrando a existência de unidade de desígnios.

O artigo 71 do Código Penal nos fornece, portanto, os requisitos indispensáveis à caracterização do crime continuado ou da continuidade delitiva, que se constituem na prática de mais de uma ação ou omissão, tendo como resultado dois ou mais crimes da mesma espécie, que pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, os crimes subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro, o que conduzirá a aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentadas de 1/6 até 2/3, ou a aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada de 1/6 até 2/3, ou ainda, nos crimes dolosos contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, a aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a aplicação da mais grave das penas se diversas, aumentadas em quaisquer hipóteses até o triplo.” (SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença Penal Condenatória: Teoria e Prática. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 315).

“Crime continuado e unidade de desígnio: Há duas teorias no que diz respeito à necessidade de o crime continuado ser praticado pelo agente com unidade de desígnio: Teoria objetivo-subjetiva ou mista: não basta a presença dos requisitos objetivos previstos no art. 71, caput, do CP. Reclama-se também a unidade de desígnio, i.é, os vários crimes resultam de plano previamente elaborado pelo agente. É a posição adotada, entre outros, por Eugênio Raúl Zaffaroni, Magalhães Noronha e Damásio E. de Jesus, e amplamente dominante no âmbito jurisprudencial. Esta teoria permite a diferenciação entre a continuidade delitiva e a habitualidade criminosa. 2ª Teoria objetiva ou puramente objetiva: Basta a presença dos requisitos objetivos elencados pelo art. 71, caput, do CP. Sustenta ainda que, como o citado dispositivo legal apresenta apenas requisitos objetivos, as “outras semelhantes” condições ali admitidas devem ser de natureza objetiva, exclusivamente. Traz ainda o argumento arrolado pelo item 59 da Exposição de Motivo da Nova Parte Geral do CP: ‘O critério da teoria puramente objetiva não revelou na prática maiores inconvenientes, a despeito das objeções formuladas pelos partidários da teoria objetivo-subjetiva’. Em suma, dispensa-se a intenção do agente de praticar os crimes em continuidade. É suficiente a presença das semelhantes condições de índole objetiva. É a posição, na doutrina, de Roberto Lyra, Nélson Hungria e José Frederico Marques”. (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 7ª ed. São Paulo: Método, 2019. P. 430).

a) não se deve confundir o crime continuado com o crime habitual. No crime continuado, há diversas condutas que, separadas, constituem crimes autônomos, mas que são reunidas por uma ficção jurídica dentro dos parâmetros do art. 71 do Código Penal. O crime habitual é, normalmente, constituído de uma reiteração de atos, penalmente indiferentes de per si, que constituem um todo, um delito apenas, traduzindo geralmente um modo ou estilo de vida. Ekzemple: exercer ilegalmente a Medicina (art. 282 do CP); estabelecimento em que ocorra exploração sexual (art. 229 do CP); participar dos lucros da prostituta (art. 230 do CP) ou se fazer sustentar por ela.

b) Não se deve confundir crime continuado com o crime permanente. No crime continuado, há diversas condutas que, separadas, constituem crimes autônomos, mas que são reunidas por uma ficção jurídica dentro dos parâmetros do art. 71, do Código Penal. No crime permanente há apenas uma conduta, que se prolonga no tempo, till exempel: sequestro ou cárcere privado (art. 148 do CP).

c) Não se deve confundir o crime continuado com a habitualidade criminosa (perseveratio in crimine). No crime continuado, há diversas condutas que, separadas, constituem crimes autônomos, mas que são reunidas por uma ficção jurídica dentro dos parâmetros do art. 71 do Código Penal. o delinquente habitual faz do crime uma profissão e pode infringir a lei várias vezes, do mesmo modo, mas não come crime continuado com reiteração das práticas delituosas”. (ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de Direito Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 192-193).

“No crime continuado, o único critério a ser levado em conta para dosar o aumento (1/6 a 2/3, no caput, e até o triplo, no parágrafo único, do art. 71) é o número de infrações praticadas. É a correta lição de Fragoso. Lições de direito penal, p. 352. Sobre o aumento, Flávio Augusto Monteiro de Barros fornece uma tabela: para 2 crimes, aumenta-se a pena em um sexto; para 3 delitos, eleva-se em um quinto; para 4 crimes, aumenta-se em um quarto; para 5 crimes, eleva-se em um terço; para 6 delitos, aumenta-se na metade; para 7 ou mais crimes, eleva-se em dois terços. (Direito Penal – parte geral, p. 447).” NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, 15ª ed. Rio de Janeiro: forense, 2019, p. 488). Segundo a doutrina, buscada no site www.tjdft.jus.br, Comentários ao Crime continuado, art. 71 do CP, tema criado em 15/12/2019 rev. em 15/02/2020, acessado em 26/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

domingo, 25 de dezembro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 70 Concurso formal – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com –

 

Comentários ao Código Penal – Art. 70
Concurso formal VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com –
digitadorvargas@outlook.com

Whatsapp: +55 22 98829-9130
Parte Geral –Título V – Das Penas –
Capítulo III – Da Aplicação da Pena

 

Concurso formal (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

 

Art. 70.  Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

Parágrafo único. Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

Em relação à Natureza jurídica do concurso formal, Greco, Rogério. Código Penal comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao: “Concurso formal” – Art. 70 do CP, inicia seus comentários apontando Fontán Balestra preleciona que duas teorias disputam o tratamento correspondente à natureza jurídica do concurso formal, a saber: teoria da unidade de delito e a tese da pluralidade. Diz o autor argentino que “a primeira das teorias enunciadas afirma que, não obstante a lesão de várias leis penais, existe um só delito. Na realidade, a expressão concurso ideal denota, por si mesma, a inexistência de uma verdadeira pluralidade de delitos, e indica que, ainda quando se tenham concretizado várias figuras, somente se há cometido um delito. Para a tese da pluralidade, a lesão de vários tipos penais significa a existência de vários delitos. O fato de que no concurso ideal exista tão somente uma ação resulta sem significado para esta doutrina”, (FONTÁN BALESTRA, Carlos. Derecho penal, p. 491-492), sendo que ao final de seu raciocínio o renomado autor aponta a teoria da unidade de delito como a de sua preferência.

Configura-se concurso formal, quando praticado o crime de roubo, mediante uma só ação, contra vítimas diferentes, ainda que da mesma família, visto que violados patrimônios distintos (STJ, REsp. 1050270/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., DJe 30/3/2009).

Dos requisitos e consequências do concurso formal ou ideal: Requisitos: a) uma só ação ou omissão; b) prática de dois ou mais crimes.

Consequências: a) aplicação da mais grave das penas, aumentada de um sexto até metade; b) aplicação de somente uma das penas, se iguais, aumentada de um sexto até metade; c) aplicação cumulativa das penas, se a ação ou omissão é dolosa, e os crimes resultam de desígnios autônomos.

Do concurso formal homogêneo e heterogêneo: As infrações praticadas pelo agente podem ou não ter a mesma tipificação penal. Se idênticas as tipificações, o concurso será reconhecido como homogêneo; se diversas, será heterogêneo, ou, nas lições de Enrique Cury Urzua, “o concurso é homogêneo quando com um mesmo feto realiza várias vezes o mesmo tipo penal, como, ekzemple, se com um mesmo disparo se dá a morte de duas pessoas, ou proferindo uma só expressão se injuria a muitos indivíduos. Por sua vez, o concurso é heterogêneo quando com um só fato se satisfazem as exigências de distintos tipos penais”, (CURY URZÚA, Enrique. Derecho penal - Parte general, t. II, p. 279). V.g., daquele que querendo causar a morte de uma pessoa

também fere outra que por ali passava.

Dependendo do concurso, se homogêneo ou heterogêneo, o Código Penal traz soluções diversas no momento da aplicação da pena. Se homogêneo, o juiz, ao reconhecer o concurso formal, deverá aplicar uma das penas, que serão iguais em virtude da prática de uma mesma infração penal, devendo aumentá-Ia de um sexto até a metade; se heterogêneo o concurso, o juiz deverá selecionar a mais grave das penas e, também nesse caso, aplicar o percentual de aumento de um sexto até metade.

Do Concurso formal próprio (perfeito) e impróprio (imperfeito): A distinção varia de acordo com a existência do elemento subjetivo do agente ao iniciar a sua conduta. Nos casos em que a conduta do agente é culposa na sua origem, sendo todos os resultados atribuídos ao agente a esse título, ou na hipótese de que a conduta seja dolosa, mas o resultado aberrante lhe seja imputado culposamente, o concurso será reconhecido como próprio ou perfeito. Assim, por exemplo, se alguém, imprudentemente, atropelar duas pessoas que se encontravam no ponto de ônibus, causando-lhes a morte, teremos um concurso formal próprio ou perfeito. No mesmo sentido, no caso daquele que, almejando lesionar o seu desafeto, contra ele arremessa uma garrafa de cerveja que o acerta, mas também atinge outra pessoa que se encontrava próxima a ele, causando-lhe também lesões, teremos uma primeira conduta dolosa e também um resultado que lhe poderá ser atribuído a título de culpa, razão pela qual esta modalidade de concurso formal será tida como própria ou perfeita.

Situação diversa é aquela contida na parte final do caput do art. 70 do Código Penal, em que a lei penal fez prever a possibilidade de o agente atuar com desígnios autônomos, querendo, dolosamente, a produção de ambos os resultados.

Ao concurso formal próprio ou perfeito, seja ele homogêneo ou heterogêneo, aplica-se o percentual de aumento de um sexto até

metade. Quanto ao concurso formai impróprio ou imperfeito, pelo fato de ter o agente atuado com desígnios autônomos, almejando dolosamente a produção de todos os resultados, a regra será a do cúmulo material, i. é, embora tenha praticado uma conduta única, produtora de dois ou mais resultados, se esses resultados tiverem sido por ele queridos inicialmente, em vez da aplicação do percentual de aumento de um sexto até metade, suas penas serão cumuladas materialmente.

Some-se ao conhecimento, prolação constatada, em Plenário do Júri, a ocorrência de desígnios autônomos do paciente para obtenção dos resultados alcançados, em face de sua conduta de atear fogo em ônibus, impedindo a saída de cada passageiro da aludida condução pública através da restrição da liberdade do motorista do coletivo, mister o reconhecimento do concurso formal impróprio (STJ, HC 132870/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, 5a T., DJe 2/8/2010).

Outra: Se o agente, mediante uma conduta desdobrada em atos diversos, ofende a honra subjetiva e objetiva das vítimas, ao proferir palavras constitutivas dos crimes de calúnia, difamação e injúria, em imputações autônomas, não há que se falar em progressão criminosa, mas, sim, em concurso formal entre os delitos, na modalidade imprópria ou imperfeita, porquanto derivados de desígnios independentes (TJMG, Processo 1.0261.02. 012392-1/001(1), Rel. Des. Walter Pinto da Rocha, j. 30/5/2007).

Na compreensão do Superior Tribunal de Justiça, no caso de latrocínio (art. 157, § 3º, parte final, do Código Penal), uma única subtração patrimonial, com dois resultados morte, caracteriza concurso formal impróprio (art. 70, parte final, do Código Penal). Precedente (STJ, HC 33618/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª T„ DJ 6/2/2006, p. 333).

Tornam-se claros os entendimentos ao cometimento de uma só conduta, que acarreta em resultados diversos, um dirigido pelo dolo direto e outro pelo dolo eventual, configurar a diversidade de desígnios. Precedente do STF. Hipótese em que se verifica o concurso formal imperfeito, que se caracteriza pela ocorrência de mais de um resultado, através de uma só ação, cometida com propósitos autônomos (STJ, REsp.138557/DF, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 10/6/2002, p. 239, R T 807. p. 577).

Do concurso material benéfico: Sempre que a regra do concurso material for mais benéfica do que a prevista para o concurso formal, esta última deverá ser desprezada, aplicando-se aquela. Incide a regra do art. 70, parágrafo único, do CP quando o concurso formal conduz a punição mais severa que o concurso material (STF, RE 118364/PR, Rel. Min. Francisco Rezek, 2ª T., DJ 12/5/1989, p. 7.796).

Da aplicação da pena: Antes de aplicar o percentual previsto pelo art. 70, caput, do Código Penal, o juiz deverá encontrar a pena de cada infração penal, isoladamente. Após, selecionará a mais grave das penas aplicadas ou, se iguais, somente uma delas, e sobre ela fará incidir o cálculo correspondente ao concurso formal de crimes, aumentando-a, em qualquer caso, de um sexto

até metade, desde que as infrações penais não resultem de desígnios autônomos, ou seja, desde que a vontade do agente não tenha sido dirigida finalisticamente no sentido de praticar cada uma delas.

Em se tratando de concurso formal de crimes, a pena deverá ser fixada distintamente para cada um dos delitos, realizando-se, em

seguida, o aumento previsto pelo art. 70, do CP (STJ, HC 109.832/DF, Rel. Min. Félix Fischer, 5ª T „ DJe 15/12/2009).

Da dosagem da pena: No concurso formal próprio ou perfeito aplica-se a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, devendo o juiz, em qualquer caso, aplicar o percentual de aumento de um sexto até a metade. A variação da aplicação do percentual de aumento dependerá do número de infrações penais cometidas pelo agente, consideradas pelo concurso formal de crimes. Assim, quanto maior for o número de infrações, maior será o percentual de aumento; ao contrário, quanto menor for o número de infrações penais consideradas, menor será o percentual de aumento de pena, devendo o julgador ter a sensibilidade necessária na análise de cada caso.

Assim, considerando o julgado, a melhor técnica para dosimetria da pena privativa de liberdade, em se tratando de crimes em concurso formal, é a fixação da pena de cada uma das infrações isoladamente e, sobre a maior pena, referente à conduta mais grave, apurada concretamente, ou, sendo iguais, sobre qualquer delas, fazer-se o devido aumento, considerando-se nessa última etapa o número de infrações que a integram (STJ, HC 85.513/DF /2007/0144963-2], Rel3. Mina. Jane Silva).

Ainda recomenda a doutrina que o acréscimo, pelo concurso formal, deve ser determinado pelo número de vítimas, ou seja, pelo número de infrações. Sendo três as vítimas, a pena deve ser elevada no mínimo de 1/6 (TJRS, Ap. Crim. 70014529952, 8ª Câm. Crim., Rel. Des. José Antônio Hírt Preíss, j. 31/10/2006).

Da suspensão condicional do processo: O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais

cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (1) ano (STJ, H C 48174/SC, Rel. Min. Paulo Medina, 6ª T., DJ 1/8/2006, p. 553). (Greco, Rogério. Código Penal comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao: “Concurso formal” – Art. 70 do CP, p.177-179. Ed. Impetus.com.br, acessado em 25/12 /2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na aplicação de conhecimento, Luanne Souza Gois, em comentário ao artigo 70 do CP, publicou em 2021, artigo a respeito do somatório das penas no concurso formal de crimes e, em sua apreciação diz:

O cúmulo jurídico, também chamado de concurso formal de crimes, está contido no artigo 70 do Código Penal Brasileiro. Ocorre quando o agente delituoso, com a intenção de obter dois resultados, comete uma conduta suficiente para o êxito do que pretendia, que, nas palavras de Mirabete: Para haver concurso formal é necessário, portanto, a existência de uma só conduta (ação ou omissão), embora possa ela se desdobrar em vários atos. Para fixar o conceito de unidade de ação, em sentido jurídico, apontam-se dois fatores: o fator final, que é a vontade regendo uma pluralidade de atos físicos isolados (o furto, ekzemple, a vontade de subtrair coisa alheia móvel informa os distintos atos de procurar nos bolsos de um casaco), o fator normativo, que é estrutura do tipo penal em cada caso particular (no homicídio praticado com uma bomba que morrem duas ou mais pessoas, há uma só ação com relevância típica distinta: vários homicídios). Quando com uma única ação se infringe várias vezes a mesma disposição ou várias disposições legais, ocorre concurso formal. Havendo duas ou mais ações distintas, ainda que em sequência, inexistirá o concurso formal, podendo-se falar, conforme a hipótese, em progressão criminosa (com anteato ou pós ato não punível), concurso material, crime continuado etc. (MIRABETE, 2016, p. 308-309).

Nesta modalidade o agente com apenas uma conduta vem a gerar dois ou mais resultados delituosos, fere dois bens jurídicos distintos disciplinados no Código Penal. Atentando-se a distinção de ato e conduta, esta última podendo ser resultado de um conjunto de atos ad esempio, uma rajada de metralhadora são vários atos advindos de uma conduta.

Em nosso Código, pode-se classificar o concurso formal de crime em homogêneo e heterogêneo. A classificação se atribui pela natureza dos delitos cometidos e bens jurídicos ofendidos.

Diz-se homogêneo quando os delitos são de mesma natureza, ou seja, os bens jurídicos ofendidos são idênticos. Já para o concurso formal heterogêneo é preciso que os bens jurídicos ofendidos sejam de natureza diversa uma da outra. Nesta última classe de concurso formal o juiz ao aplicar a pena irá incidir a maior aplicando ainda um percentual de aumento de pena de um sexto até metade.

O entendimento de Greco, dispõe da seguinte forma: Dependendo do concurso, homogêneo ou heterogêneo, o Código Penal, traz soluções diversas no momento da aplicação da pena. Se homogêneo, o juiz, ao reconhecer o concurso formal, deverá aplicar uma das penas, que serão iguais em virtude da prática de uma mesma infração penal, devendo aumentá-la de um sexto até a metade; se heterogêneo o concurso, o juiz deverá selecionar a mais grave das penas, e também nesse caso, aplicar o percentual de aumento de um sexto até a metade (GRECO, 2016, p. 718).

 

Relacionado ao elemento subjetivo do agente, seu animus, existe a classificação do concurso formal próprio (perfeito) e improprio (imperfeito). Na ocorrência da modalidade perfeita o agente através de uma única conduta atinge diversos resultados delituosos, entretanto seu intuito era tão somente de lograr êxito em um deles. Claro exemplo, é o tiro de arma de fogo que perfura ultrapassando o corpo da primeira vítima e segue atingindo a segunda vítima que estava logo atrás.

 

Já no imperfeito o agente comete apenas uma conduta, mas seu objetivo é atingir mais de um bem jurídico, gerando mais de um resultado delituoso. Esta modalidade se evidencia quando o agente incendeia casa sabendo que havia mais de uma pessoa no local.

 

O mecanismo do concurso formal de delitos foi instaurado com o objetivo de beneficiar o agente que por uma só conduta, um fato típico, uma única vez, veio a gerar diversos resultados. O legislador ao cuidar do tema determina a aplicação do dispositivo desde que este seja mais benéfico ao réu, situação em que se, no caso concreto, a dosimetria da pena se mostrar mais branda na hipótese do concurso material de delitos está irá ser aplicado pelo legislador.

 

Ainda segundo Greco: Ao concurso formal próprio ou perfeito, seja ele homogêneo ou heterogêneo, aplica-se o percentual de aumento de um sexto até a metade. Quanto ao concurso formal improprio ou imperfeito, pelo fato de ter o agente atuado com desígnios autônomos, almejando dolosamente a produção de todos os resultados, a regra será a do acumulo, i. é, embora tenha praticado uma conduta única, produtora de dois ou mais resultados, se esses resultados tiverem sido por ele queridos inicialmente, em vez de aplicação do percentual de aumento de um sexto até a metade, suas penas cumuladas materialmente (GRECO, 2016, p. 719).

 

No panorama da dosagem da penalidade, discorrendo sobre o tema, Capez, traz a seguinte abordagem:No concurso formal perfeito: se for homogêneo, aplica-se a pena de qualquer dos crimes, acrescida de 1/6 até a metade; se for heterogêneo, aplica-se a pena do mais grave, aumentada de 1/6 até a metade. O aumento varia de acordo com o número de resultados produzidos” (CAPEZ, 2019, p. 914).

 

Assim, a proporcionalidade da dosagem é de acordo com a quantidade de resultados delituosos. Como afirma Sandro Luiz (2013): “Quanto mais delitos, maior será a causa de aumento. O número de delitos para caracterizar os referidos concursos são dois, razão pela qual nesses casos, deverão ter obrigatoriamente a menor causa de aumento possível. Assim verifica-se que a causa de aumento é diretamente proporcional ao número de delitos praticados.” (LUIZ, 2013, p 210).

 

Ademais, no caso concreto deverá o julgador analisar se, efetivamente, a regra do concurso formal beneficia o agente, pois, caso contrário, nos termos do parágrafo único do art. 70 do Código Penal, terá aplicação o cúmulo material. (Luanne Souza Gois, em comentário ao artigo 70 do CP, publicou em 2021, artigo a respeito do somatório das penas no concurso formal de crimes, site luannegoisadv6281.jusbrasil.com.br com o título de “Concurso formal de crimes”, acessado em 25/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Segundo a defesa do autor Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 70 do Código Penal, ao falar sobre “Concurso formal”, quando o agente mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes idênticos ou não, ocorre o concurso formal. É o que mostra o seguinte julgado exemplificativo do STJ:

 Resta caracterizado o concurso formal, na espécie, uma vez que o paciente e o corréu, com uma única ação, violaram patrimônios distintos de três vítimas. 4. [...]. (Resta caracterizado o concurso formal, na espécie, uma vez que o paciente e o corréu, com uma única ação, violaram patrimônios distintos de três vítimas”. (STJ – HC: 280192 SP 2013/0352269-7, HC 280192 SP).

 Ainda a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de configurar-se concurso formal a ação única que tenha como resultado a lesão ao patrimônio de vítimas diversas, e não crime único:

 Precedentes: 3. “Habeas corpus denegado (STF, minª. Carmem Lúcia). Recurso conhecido e desprovido. Concurso formal homogêneo: É homogêneo quando os crimes são idênticos. Exemplo: três homicídios culposos praticados na direção de veículo automotor. Diz-se, por sua vez, heterogêneo o concurso formal quando os delitos são diversos. Exemplo: “A”, dolosamente, efetua disparos de arma de fogo contra “B”, seu desafeto, matando-o. o projétil, entretanto, perfura o corpo da vítima, resultado em lesões culposas em terceira pessoa.

 Concurso formal perfeito e imperfeito: Perfeito ou próprio: é a espécie de concurso formal em que o agente realiza a conduta típica, que produz dois ou mais resultados, sem atuar com desígnios autônomos. Desígnio autônomo, ou pluralidade de desígnios, é o propósito de produzir, com uma única conduta, mais de um crime. É fácil concluir, portanto que o concurso formal perfeito ou próprio ocorre entre os crimes culposos, ou então entre um crime doloso e um crime culposo. Imperfeito ou improprio, é a modalidade de concurso formal que se verifica quando a conduta dolosa do agente e os crimes concorrentes derivam de desígnios autônomos. Existem, portanto, dois crimes dolosos”. (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 7ª ed. São Paulo: Método, 2019, p. 426-427).

 No parágrafo único, o legislador, para evitar a exacerbação da pena previu na prática de dois crimes em continuidade delitiva a pena não pode exceder o limite pela soma aritmética de correspondente a cada delito.

 Notas: Súmulas do Superior Tribunal de Justiça: Súmula n. 17: Quando o fato se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido; Súmula n. 243: O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.

 Lei de execução Penal - LEP Lei n. 7.210 de 11 de julho de 1984. Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada quando for o caso, a detração ou remição.

 Parágrafo único. Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime. (Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 70 do Código Penal, ao falar sobre “Concurso formal”, publicado no site Direito.com, acessado em 25/12/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sábado, 24 de dezembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 833, 834, 835, 836 - DOS EFEITOS DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 833, 834, 835, 836
- DOS EFEITOS DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com –

digitadorvargas@outlook.com

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

(art. 481 a 853) Capítulo XVIII – Da Fiança

– Seção II – Dos Efeitos da Fiança (art. 827 a 836) –

 

Art. 833. O fiador tem direito aos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação principal, e, não havendo taxa convencionada, aos juros legais da mora.

 

No lecionar de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o artigo em tela, tal como seu correspondente no CC/1916, cuida do que se convencionou chamar de juros do desembolso. Ou seja, o fiador, desde o instante em que paga a obrigação afiançada, vê vencer, em seu favor, juros pelo quanto a esse propósito tenha despedindo. Bem se vê, portanto, que tais juros não se confundem com os juros que incidem sobre o débito principal, aquele afiançado. A regra, a rigor, dessume-se do mesmo princípio insculpido no dispositivo do artigo precedente. Mesmo prestada de forma benéfica, a fiança difere da doação porque, a priori, não tenciona o fiador, com ela, transferir de seu patrimônio bens ou valores ao afiançado. Por isso que, honrando a fiança, deve ser ressarcido de tudo que a esse título haja pago.

 

Tem o devedor afiançado, portanto, uma obrigação de reembolsar o fiador quando este tenha pago seu débito ao credor, destarte desde aí vencendo juros sobre essa quantia a ser reembolsada. A taxa desses juros do desembolso será idêntica à taxa de juros ocasionalmente estabelecida na obrigação principal. Se lá não estiver convencionada, a taxa dos juros do desembolso será a legal, fixada na forma do CC 406, a cujo comentário se remete o leitor. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 856 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Caminhando com Ricardo Fiuza, ainda sobre os trilhos das relações entre fiador e afiançado, sabe-se que o primeiro, sub-rogando-se nos direitos do credor (CC 831), pode exigir do segundo o montante integral que pagou, acrescido dos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação principal, e, à falta dessa taxa convencionada, pela taxa legal, que corresponde aos juros moratórios de 6% ao ano.

 

Sobre o assunto, insta rememorar lição do ilustre Prof. Silvio Rodrigues, quando nos ensina que, “sob esse aspecto, a fiança, embora constitua um contrato benéfico, apresenta nítida diferença da doação, porque, enquanto nesta quem faz a liberalidade deseja sofrer uma diminuição patrimonial em favor do beneficiário, na fiança o fiador conta em não sofrer qualquer diminuição patrimonial, tanto que, se, por acaso e contra a sua vontade, tiver o fiador de fazer qualquer pagamento, encontra na lei um remédio para se reembolsar” (Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 15 ed., São Paulo, Saraiva, 1986, v. 3, p. 399-400). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 438 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, os juros podem ser legais ou convencionais. O Decreto n. 22.626;1934 estabelece que os juros convencionais não podem ultrapassar o dobro da taxa dos juros legais. Os juros legais, conforme o CC 406, correspondem aos juros incidentes sobre os tributos devidos à Fazenda Nacional. Conforme comentários ao CC 406, há divergências quanto à aplicação da taxa Selic ou aos juros previstos no Código Tributário Nacional.

 

Mesmo que o contrato não preveja a incidência de juros, tem o fiador o direito de aplicar os juros legais sobre os valores efetivamente desembolsados para pagamento da dívida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 834. Quando o credor, sem justa causa, demorar a execução iniciada contra o devedor, poderá o fiador promover-lhe o andamento.

 

Relembrando o Código Civil de 1916, Claudio Luiz Bueno de Godoy aponta que a mesma providência que continha o art. 1498 anterior, se repete no presente. Autoriza-se, com efeito, que o fiador possa dar andamento à demanda injustificadamente paralisada que tenha sido movida pelo credor contra o devedor afiançado. O pressuposto é e sempre foi o de que, afinal, o fiador tem todo interesse em que se consume, de maneira proveitosa, a cobrança que o credor promove contra o afiançado, de sorte, assim, a se forrar aos efeitos do inadimplemento diante do qual foi estabelecida a garantia.

 

Pense-se na execução que, retardada, pode já encontrar um patrimônio por isso insuficiente do devedor. Interessa ao fiador que isso não aconteça, já que assim seria liberado de seu vínculo de garantia, razão pela qual se lhe defere o que se tem entendido ser uma verdadeira legitimação anômala ou extraordinária para prosseguir na execução, algo, segundo Washington de Barros Monteiro, muito próximo da execução inversa que o devedor podia encetar, na forma do art. 526 do CPC/2015, antigo 570 do CPC/1973, em sua redação originária (Curso de direito civil – direito das obrigações, 2ª parte, 34 ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. V, p. 385-6). A ideia é de que se trata de medida de consumação, por outrem, do direito do credor, inerte em fazê-lo.

 

É bem verdade, porém, que na execução inversa cogita-se do dever que tem o credor de receber, ao passo que, um pouco diferente, aqui, no artigo em comento, alvitra-se dever a rigor de boa-fé objetiva, ou seja, o de não incidir no abusivo protraimento do exercício de direito, a dano de terceiro, no caso o fiador. Daí que, para que o fiador assuma o andamento da execução, no interesse direito do credor, portanto não desligado da relação creditícia, como se daria na hipótese do art. 778, § 1º, IV do CPC, antigo art. 567, III, do CPC/1973, porque não havido pagamento pelo garante, com sub-rogação legal, mas, mesmo assim, em última análise também no seu próprio proveito, porquanto cumprido caminho de desoneração da fiança prestada, o retardo no andamento deve ser ao credor atribuível e sem causa razoável que o justifique.

 

Dispõe a lei que a providência versada somente se possibilita quando o credor demorar, sem justo motivo, o andamento da execução. Nada mais senão o conceito de abuso, genericamente previsto no CC 187, a que se remete o leitor, o que caberá ao juiz aferir, no caso concreto, independentemente de prazo que, afinal, o legislador não estabeleceu a priori, malgrado serviente, todavia só como um critério, os trinta dias previstos no art. 485, III do CPC, antigo art. 267, III, do CPC/1973. Para Lauro Laertes de Oliveira, deve-se admitir não só o prosseguimento como o próprio ajuizamento da ação de execução, pelo fiador, no interesse do credor, contra o devedor afiançado (Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 67).

 

Na mesma esteira, forte na lição de Alessandro Segalla e de Biasi Ruggiero, o Ministro José Augusto Delgado cogita mesmo de o fiador poder ajuizar inclusive ação de despejo por falta de pagamento contra o devedor afiançado, de novo no interesse imediato do credor, mas em última análise no seu próprio, dado que, assim, limita a extensão da garantia prestada, que se pode alongar por inércia do locador que abusivamente protrai o exercício de seu direito (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. II, p. 257-65). Seria também um caso de legitimação extraordinária, ou de substituição processual, para os autores citados, mas sempre à consideração de que das pessoas se espera – e mesmo impõe a própria Constituição Federal, no art. 3º, I – comportamento leal, pautado pelo solidarismo, que destarte reclama relação de colaboração, de tal modo que a demora no exercício do direito, pelo credor, mesmo que sem esse deliberado proposito, eis que aqui se cogita da boa-fé objetiva (v.g., CC 113, 187 e 422), pode bem prejudicar o fiador, por isso que então ficando a ele facultadas as medidas aqui cogitadas e, particularmente, aquela disposta no artigo em comento.

 

Por fim, diga-se que o dispositivo presente, confrontado com seu correspondente, no CC/1916, não mais refere a figura do abonador, prevista no art. 1.482 do Código Bevilaqua, na verdade um garantidor da fiança. Era mesmo uma fiança da fiança, ou uma sub fiança, de pouco uso, coo observa Gildo dos Santos (“A fiança”. In: O novo Código Civil, coord. Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho, São Paulo, LTr, 2003, p. 747-79), pelo que não reproduzida no Código Civil de 2002, malgrado também por ele não vedada. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 856-57 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Rápido comentário de Ricardo Fiuza, na sistemática anterior, prevista no CC de 1916, tanto o fiador quanto o abonador (fiador do fiador) podiam, na incúria injustificada do credor, impulsionar a execução já iniciada contra o devedor principal, a subfiança é a fiança a fiador (fiança da fiança): afiança-se a dívida que o fiador, com sua promessa, assumiu. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 438 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Como apontam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o fiador tem interesse em que o credor receba do devedor a dívida. Que o devedor cumpra a obrigação espontaneamente ou, se não o fizer, que o credor faça uso da execução forçada. A demora do credor em cobrar o que lhe é devido pode permitir que o afiançado venha a se tornar insolvente, agravando a responsabilidade do fiador.

 

Em razão disso, se o credor não cobrar do devedor o que lhe é devido após o vencimento da obrigação, fica caracterizada a moratória e essa acarreta a exoneração do fiador nos termos do CC 838, I.

 

O fiador, embora tenha interesse, não possui legitimidade para iniciar a cobrança do devedor em benefício do credor. Uma vez iniciada a cobrança por este, no entanto, fica o fiador autorizado a promover-lhe o andamento, caso o credor não o faça, em razão do interesse que tem no pagamento da dívida pelo devedor afiançado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor.

 

Como entende Claudio Luiz Bueno de Godoy, prestada com termo final previamente estabelecido, a fiança se extingue com o implemento desse tempo. Da mesma forma, posto que firmada sem prazo, porquanto representativa de negócio jurídico acessório, a fiança igualmente se extinguirá se extinta a obrigação garantida. Todavia, pode a fiança ser prestada sem limitação de tempo, quando então, mesmo que ainda vigente o negócio garantido, e desde que também ele não contenha termo final estabelecido a priori, que se impõe afinal a quem é garantidor acessório, a qualquer instante poderá o fiador se exonerar.

 

A ideia evidente é que o fiador não pode permanecer indefinidamente vinculado à garantia prestada, sem saber até quando persistirá essa sua obrigação. Por isso mesmo, defere-lhe a lei a possibilidade de, a seu talante, no exercício de prerrogativa que é mesmo potestativa, exonerar-se da fiança, sempre e quando lhe convier. Mas, diferentemente do Código anterior, que previa igual possibilidade, todavia, na falta de acordo, sujeitando o fiador ao ajuizamento de ação exoneratória para somente a partir do respectivo julgamento se livrar da obrigação da garantia, estatui o Código civil de 2002 uma automática exoneração desde o sexagésimo dia depois que o credor for notificado da intenção do fiador de se exonerar. Ou seja, basta, hoje, ao fiador notificar o credor para que, depois de sessenta dias dessa cientificação, se libere do vínculo fidejussório.

 

É certo que, nos sessenta dias subsequentes à notificação, persiste, ainda, sua obrigação de garantia. Porém, ultrapassado esse interregno, sobrevém-lhe automática exoneração, repita-se, diversamente do que previa o art. 1.500 do revogado Código Civil, que impunha a exoneração apenas depois de acordo ou sentença exoneratória.

 

Muito polêmica, todavia, sempre causou a exoneração de fiador que, em contrato de locação, tivesse prestado a fiança até a entrega das chaves. Tanto mais porque, com a edição da Lei n. 8.245/91 (art. 39), determinou-se que, nos ajustes locativos prediais urbanos e na falta de disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estenderia até a devolução do imóvel. E, agora, com a edição da Lei n. 12.112/2009, que modificou dispositivos da Lei Locatícia, foi acrescentado ao mesmo preceito a ressalva da responsabilidade ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado.

 

Em se tratando, pois, de fiança prestada sem limitação de tempo, em contratos de locação prorrogados por prazo indeterminado, de há muito se discute se caberia ao fiador se exonerar, a despeito do contido no art. 39 da lei locatícia. Os argumentos de costume versados, basicamente, dizem respeito à prevalência ou não do dispositivo especial diante da dicção geral do antigo art. 1.500, atual CC 835, do Código Civil, bem assim à existência ou não de um prazo afinal certo quando se estatui que a fiança prevalecerá até a entrega das chaves do imóvel locado. Pois, a propósito, hoje prevalece, no âmbito dos julgados do Superior Tribunal de Justiça, conforme está no item da jurisprudência, a tese de que a responsabilidade do fiador até a entrega das chaves não o impede, depois de prorrogado o contrato de locação por prazo indeterminado, de postular, livremente, a sua exoneração, todavia que não se dá, tão somente, de modo automático, pela expiração do ajuste. E de pronto porque, apesar do que foi previsto pela lei especial, a matéria relativa à fiança, uma das garantias locatícias, tem seu unificado regramento no Código Civil. Apenas a ela faz alusão a Lei n. 8.245/91 como uma das espécies de garantias possíveis na locação. Não se estabeleceu, porém, espécie nova ou própria de fiança. Tanto assim que tudo quanto diga respeito à natureza, sub-rogação e efeitos da fiança locatícia se regula pelo disposto no Código Civil. Nesse sentido é a observação de Gildo dos Santos (“A fiança”. In: O novo Código Civil, coord. Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho. São Paulo, LTr, 2003, p. 747-79). Se é assim, o mesmo se deve dar com relação à exoneração, aplicando-se, então, a regra do artigo em comento. E veja-se que a ele é subjacente a preocupação com uma fiança não sem termo, propriamente, que, de fato, pode ser incerto, mas sim com a incerteza desse tempo, ainda que seja certa a ocorrência a que é atinente.

 

Em outras palavras, a questão não se coloca, como querem muitos, na distinção entre termo e condição, de modo a argumentar que a extensão da fiança até a entrega das chaves represente uma limitação, porquanto certo o evento que determina sua extinção. O problema está na insciência do fiador sobre até que data se estenderá sua responsabilidade, ainda que se saiba, de antemão, que ela um dia cessará, porquanto certo o evento da entrega das chaves. A indefinição sobre o instante da ocorrência, todavia, é o móvel da previsão de que possa ele se exonerar.

 

Por fim, também acesa a divergência sobre se é possível ao fiador renunciar ao direito de pedir a exoneração, quando a lei autorize, parece, porém, que admitir tal prerrogativa significa abrir caminho a uma indefinida vinculação do fiador, o que não se compadece com o sistema do direito obrigacional, que tende sempre a disponibilizar meio de o obrigado se desvincular. Seria como permitir que o contratante renunciasse ao direito de denunciar um contrato entabulado por prazo indeterminado. Certo que a fiança é ajuste acessório e, por isso, de toda sorte um dia se extingue, quando cessa o contrato principal. Mas não se pode olvidar, tal como dito ao início, de que, se o contrato principal tem prazo pré-definido, a fiança, mesmo sem prazo, necessariamente se estende até o termo da obrigação afiançada. A questão, destarte, somente se coloca quando também a obrigação principal não tenha prazo definido, aí então não se concebendo que o fiador possa, de antemão, dispor da potestativa prerrogativa de se liberar do vínculo fidejussório. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 858-59 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Sob o prisma de Ricardo Fiuza, a fiança por prazo determinado extingue-se com o advento do termo. Quando, todavia, foi prestada prazo indeterminado, mas garantindo negócio com prazo determinado, ela cessa com a extinção do negócio subjacente, pois o acessório, como sabemos, segue o princípio. Entretanto, se a fiança não for prestada por prazo certo, garantindo negócio também indeterminado a todo tempo exigir ao fiador a sua exoneração, que pode efetivar-se por mera manifestação volitiva ou por sentença judicial, simplesmente porque a garantia não é concedida em caráter perpétuo.

 

Nesse ponto, o CC/2002 trouxe mudanças significativas, que merecem ser ressaltadas: a um, porque admite a exoneração por simples comunicação (notificação) ao credor, independentemente de anuência deste ou do devedor principal, ou mesmo de sentença judicial; a dois, porquanto, pelo prazo de sessenta dias, contados da notificação ao credor, o fiador continuará vinculado por todas as obrigações assumidas pelo devedor, produzindo, daí, efeitos ex nunc, voltado apenas para o futuro.

 

Caio Mário da Silva Pereira, parecendo já antever dita alteração, anotava ser “injusta a letra da Lei que libera o fiador apenas a partir da prolação da sentença exoneratória, alvitrando, como mais justa, a liberação do fiador a partir da citação do credor, retrotraindo os efeitos da sentença a partir da data daquela” (Instituições de direito civil, Rio de Janeiro. Forense, 10 ed. 1996, p. 360).

 

Jurisprudência: “A jurisprudência assentada nesta Corte construiu o pensamento de que é válida a renúncia expressa ao direito de exoneração da fiança, mesmo que o contrato de locação tenha sido prorrogado por tempo indefinido, vez que a faculdade prevista no Art. 1.500 do Código Civil trata de direito puramente privado” (STJ, 6M 1, REsp 318.345-PR, rel. Mm Vicente Leal, DJ de 10-9-2001). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 438 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Creem Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira ser a fiança contrato de duração. Pode ser estipulada por prazo determinado ou indeterminado. Se por prazo determinado, vige até o termo final se outra causa de exoneração do fiador não sobrevier antes dele. Tal como na generalidade dos contratos por prazo indeterminado, a fiança pode ser rescindida mediante resilição unilateral de qualquer das partes a qualquer tempo. A denúncia do contrato se faz mediante notificação do fiador ao credor. Uma vez feita a notificação, o fiador permanece ligado ao contrato por sessenta dias.

 

A resilição da fiança exonera do fiador das obrigações que venham a ser constituídas após o prazo de sessenta dias mencionado no dispositivo. A responsabilidade do fiador pelas obrigações anteriores ao vencimento desse prazo permanece.

 

Na locação de imóvel, o fiador pode denunciar o contrato quando este é prorrogado automaticamente, passando a vigorar por prazo indeterminado. Feita a denúncia, o fiador continua a responder pelas obrigações pelo prazo de 120 dias (art. 40, inciso X, Lei n. 8.245/90). O locador pode notificar o locatário para que apresente fiador no prazo de 30 dias sob pena de rescisão da locação. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 836. A obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança.

 

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a fiança é garantia pessoal que, destarte, mesmo quando prestada por prazo certo, se extingue com a morte do fiador. Mas, até então, persiste a responsabilidade do fiador que, assim, se se traduz numa obrigação já devida ao tempo de sua morte, é transmitida aos herdeiros.

 

Em diversos termos, dívidas surgidas até o momento da morte, em virtude da fiança prestada, passam aos herdeiros, como de resto é a regra geral da sucessão causa mortis. Por exemplo, num contrato de locação, os aluguéis e encargos inadimplidos até o instante do falecimento do devedor são ainda de sua responsabilidade e, dessa forma, por eles respondem os herdeiros. Já locativos posteriormente vencidos não podem ser imputados à responsabilidade dos sucessores do fiador.

 

Há que ver, todavia, que a responsabilidade acaso afeta aos herdeiros será sempre limitada à força da herança recebida, de novo corolário do princípio geral expresso no CC 1.997. Vale anotar ainda que, em se tratando de garantia pessoal, também a morte do afiançado tem-se entendido provocar a extinção da fiança. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 860 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No entendimento de Ricardo Fiuza, de rigor, a morte do fiador extingue a fiança, mas a obrigação correspondente passa aos seus herdeiros, limitada, porém, às forças da herança e _aos débitos existente até o momento do falecimento. Com efeito, os Herdeiros do fiador morto continuam a ser responsáveis pelo débito surgido no momento do óbito, desde que não ultrapasse as: forças da herança. De igual modo, a morte do afiançado não extinguirá a fiança, pois os herdeiros serão seus continuadores.

 

Embora a fiança represente contrato personalíssimo, de caráter intuitu personae, em relação ao fiador, suas obrigações se transmite mortis causa, desde que – repita-se – nascidas até o momento da abertura da sucessão. Bem é dizer os efeitos da fiança produzidos até a morte do fiador vinculam os seus herdeiros intra vires hereditates. (Arnoldo Wald. Curso de direito civil brasileira: obrigações e contratos, 8 ed., São Paulo. Revista dos Tribunais. 1989 (p.348-9) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 439 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Encerrando o capítulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, para quem a doutrina ensina que o fiador possui responsabilidade (obligatio), mas não o débito (debitum). Ele passa à condição de devedor somente quando o devedor principal deixa de adimplir a obrigação afiançada. O dispositivo faz uso dessa distinção doutrinária. A morte do fiador extingue o contrato de fiança e a responsabilidade do fiador. O que passa aos herdeiros é o débito constituído até o momento da morte do fiador. Conforme a regra estabelecida no CC 1.792, o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança. A mesma regra é desnecessariamente repetida na parte final do dispositivo ora comentado.

 

A lei é omissa, mas a jurisprudência do STJ é uniforme no sentido de que a morte do afiançado extingue a fiança: REsp 439.945-RS, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, j. 27-08-02; REsp 147.813-RJ, 6ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 02-12-97; REsp 128.691-SP, 5ª T., Rel. Mi. José Arnaldo da Fonseca, j. 24-6-97; REO 34000055736-DF, 6ª T., Rel. Min. Daniel Paes Ribeiro, j. 30-04-01, p. DJ 01.06.01.

 

A morte do credor não extingue a fiança. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 05.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).