DIREITO PROCESSUAL CIVIL III – 1º BIMESTRE – VARGAS DIGITADOR
PROCESSO DE
CONHECIMENTO
Parte V
Processo e
Procedimento
Capítulo XV
PROCEDIMENTO COMUM E PROCEDIMENTOS ESPECIAIS
CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEORIA GERAL DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E
PROCESSO DE CONHECIMENTO
HUMBERTO THEODORO JUNIOR
§ 52. PROCESSO E PROCEDIMENTOS DE COGNIÇÃO
Sumário: 333. Processo. 334. Procedimento. 335.
Procedimentos no processo de cognição. 336. Procedimentos especiais: Jurisdição
contenciosa e jurisdição voluntária. 337. Esquema do procedimento ordinário.
338. Fases do procedimento ordinário. 339. Fase postulatória. 340. Fase
saneadora. 341. Fase decisória. 342-a. Adequação do procedimento.
ü
333. Processo
Para solucionar os litígios, o Estado põe à disposição das
partes três espécies de tutela jurisdicional: a cognição, a execução e a
cautela. O que as distingue são os diferentes provimentos judiciais com que o
juízo responde ao exercício do direito de ação.
Se a lide é de pretensão contestada e há necessidade de
definir a vontade concreta da lei para solucioná-la, o processo aplicável é o
de conhecimento ou cognição, que deve culminar por uma
sentença de mérito que contenha a resposta definitiva ao pedido formulado pelo
autor. No acertamento contido na sentença consiste o provimento do processo de
conhecimento.
ü Se a lide é pretensão insatisfeita (por já
estar o direito do autor previamente definido pela própria lei, como líquido,
certo e exigível), sua solução será encontrada através do processo de execução,
que é o meio de realizar de forma prática a prestação a que corresponde o
direito da parte. A efetiva satisfação do direito do credor é o provimento
nessa modalidade de processo.
ü
A tutela cautelar incide quando antes da
solução definitiva da lide, seja no processo de cognição, seja no de execução,
haja, em razão da duração do processo, o risco de alteração no equilíbrio das
partes diante da lide. Sua função é, pois, apenas conservar o estado de fato e
de direito, em caráter provisório e preventivo, para que a prestação
jurisdicional não venha a se tornar inútil quando prestada em caráter
definitivo. Os provimentos do processo cautelar são, pois, medidas práticas
para afastar o perigo de dano, antes da solução do processo principal.
ü
Sendo o processo o método utilizado para
solucionar os litígios, conhece o Direito Processual Civil três espécies de
processo: o processo de conhecimento (Livro
I do Código), o processo de execução (Livro
II) e o processo cautelar (Livro III) (art 270).
ü
334.
Procedimento
Em razão de
vários fatores, como o valor da causa, a natureza do direito material
controvertido, a pretensão da parte etc.,
a forma com que o processo se desenvolve assume feições diferentes.
Enquanto o processo é uma unidade, como relação processual em
busca da prestação jurisdicional, o procedimento é a exteriorização dessa
relação, e, por isso, pode assumir diversas feições ou modos de ser.
A essas várias formas exteriores de se movimentar o processo
aplica-se a denominação de procedimentos.
Procedimento é, destarte, sinônimo de rito de processo, ou seja, “o modo e a forma por que se movem os
atos no processo”
ü 335. Procedimentos no processo de cognição
Conhece o nosso Código, em matéria de processo de
conhecimento, o processo de conhecimento, o procedimento comum e os
procedimentos especiais.
Especiais são os ritos próprios para o processamento de
determinadas causas selecionadas pelo legislador no Livro IV do Código de
Processo Civil e em leis extravagantes. Entre os procedimentos especiais
merecem ser lembrados os dos Juizados
Especiais previstos na Lei nº 9.099, de 26.09.95, que pressupõem órgãos
específicos, instituídos pela organização judiciária local para se ocupar das
causas cíveis de menor complexidade (v. Cap. LXXVII, no vol. III). Sendo sua
característica a predominância dos princípios da oralidade, simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade, tudo com acentuada preocupação
com a conciliação ou transação (Lei nº 9.099, art. 2º), pode ser qualificado
como procedimento sumaríssimo o
observado pelos Juizados Especiais.
O procedimento comum é o que se aplica a todas as causas para
as quais a lei processual não haja instituído um rito próprio ou específico
(art. 272). Seu âmbito é, portanto, delimitado por exclusão: onde não houver
previsão legal de um procedimento especial, a causa será processada sob as
regras do procedimento comum.
Mas o procedimento comum não é único e se subdivide em dois
ritos diferentes o ordinário e o sumário (art. 272).
Como o sumário se aplica a certas causas em razão do valor ou
da matéria (art. 275), na realidade é um procedimento especial, restando ao
ordinário a verdadeira função de procedimento comum.
Em conclusão: procedimento ordinário é o que se aplica às
causas para as quais não seja previsto nem o procedimento sumário, nem algum
procedimento especial.
Apenas o rito ordinário é regulado de maneira completa e
exaustiva pelo Código. O sumário e os especiais são abordados pelo legislador
apenas naqueles pontos em que se afasta do procedimento ordinário, de sorte que
este se aplica subsidiariamente a todos os ritos (art. 272, parágrafo único).
Às normas do procedimento ordinário incumbe, assim, o papel
de “enchedoras das lacunas da lei no trato de outros processos, na medida em
que não lhes apague a especialidade”.
ü 336. Procedimentos especiais: jurisdição
contenciosa e jurisdição voluntária
Há duas modalidades de procedimentos especiais: os de
jurisdição contenciosa e os de jurisdição voluntária. Os primeiros (jurisdição
contenciosa), se referem à solução de litígios e os últimos (jurisdição
voluntária) apenas à administração judicial de interesses privados não
litigiosos (Livro IV do Código de Processo Civil).
Não há, assim, processo nos feitos de jurisdição voluntária,
mas apenas procedimentos, que, no dizer de Frederico Marques, “constituem a
coordenação formal de atos não processuais”.
Neles o juiz não exerce função jurisdicional, mas tão só
administrativa, tendente à formação de negócios jurídicos em que a lei houve
por bem exigir a participação de órgãos da Justiça, para aperfeiçoamento e
eficácia.
É o que ocorre com as autorizações judiciais para venda de
bens de menores, nomeações de tutores, a separação consensual etc. (Veja-se, retro, nº 40).
Quanto aos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa,
o que neles se encontra é, quase sempre, uma simbiose de cognição e execução,
gerando, numa só relação processual, um complexo de atividades que configuram
as chamadas ações executivas “lato sensu”
(ações possessórias, divisórias, demarcatórias, de depósito, de consignação em
pagamento, de despejo etc.).
ü 337. Esquema do procedimento ordinário
Pode ser
assim esquematizado o procedimento ordinário:
1)
Inicia-se pela petição inicial, com os
requisitos do art. 282;
2)
Deferida a inicial, segue-se a citação do réu (art.
213), que poderá responder ou não ao pedido (art. 297) com a contestação, ou
após ela, pode surgir o pedido de declaração incidental, que ampliará o mérito
da causa a ser solucionado pela sentença final (arts 5º e 325);
3)
O terceiro estágio é o da verificação da
revelia (arts 319 e 324), ou o das providências preliminares (art. 323). Se o
réu não contestar a ação, os fatos afirmados pelo autor serão reputados
verdadeiros (art. 319), salvo as hipóteses do art. 320, que exigem a instrução
do feito, mesmo quando o réu é revel. Se houver contestação, o juiz examinará
as questões preliminares e determinará as providências dos arts 326 e 327;
4)
Cumpridas as providências preliminares, ou não
havendo necessidade delas, o juiz proferirá “julgamento conforme o estado do
processo” (art. 328). Essa decisão poderá ser:
a)
De extinção
do processo, sem julgamento do mérito, caso o autor não tenha diligenciado
o saneamento das falhas apontadas pelo juiz e ocorra alguma das hipóteses
previstas nos arts 267 e 269, II a V (art. 329)¹;
b)
De julgamento
antecipado da lide, quando não houver necessidade de mais provas (art.
330);
c)
De saneamento
do processo, quando ainda houver de realizar perícia ou provas orais (art.
331);
5)
Antes da realização das provas (perícia e
testemunhas), há uma audiência especial de conciliação se a causa versar sobre
direitos disponíveis (art. 331, com a redação da Lei nº 8952, de 13.12.94).
trata-se de audiência preliminar, que
se presta, na falta de acordo, para fixar o objeto litigioso e diferir as
provas que lhe sejam pertinentes (nova alteração do art. 331, pela Lei nº
10.444, de 07.05.2002).
__________
¹ Nos casos do art. 269, II a V, embora a lei considere encerrado o
processo com julgamento de mérito
(art. 269, caput), na verdade o juiz
não dá solução própria à lide, pois esta ou decorre de autocomposição
encontrada pelas partes ou de exceção (prejudicial) que afasta a penetração do
julgamento sobre o conteúdo propriamente do litígio (preliminares de mérito).
6)
Se o processo não foi extinto na fase das
providências preliminares e se não houve julgamento antecipado da lide, nem se alcançou a solução
conciliatória, realiza-se a audiência de instrução e julgamento quando, numa só
solenidade, se concentram: a tentativa de conciliação das partes (art. 447), a
coleta das provas orais (art. 452), o debate oral (art. 454), e a prolação da
sentença de mérito (art. 456).
338. fases do procedimento ordinário
O procedimento
ordinário é o mais completo e o mais apto à perfeita realização do processo de
conhecimento, pela amplitude com que permite às partes e ao juiz pesquisar a
verdade real e encontrar a justa composição da lide.
Está estruturado segundo fases lógicas, que tornam efetivos
os princípios fundamentais do procedimento, como o da iniciativa da parte, o do
contraditório e o do livre convencimento do julgador.
Pra consecução do seu objetivo, o procedimento ordinário
desdobra-se em quatro fases: a postulatória, a de saneamento, a instrutória e a
decisória.
Estas fases, na prática,nem sempre se mostram nitidamente
separadas, e às vezes se interpenetram. O que, todavia, as caracteriza é a
predominância de um tipo de atividade processual desenvolvida pelas partes e
pelo juiz.
ü 339. Fase postulatória
É
a que dura da propositura da ação à resposta do réu, podendo ocasionalmente
penetrar nas providências preliminares determinadas pelo juiz, como preâmbulo
do saneamento.
Compreende
a petição inicial, formulada pelo autor, a citação do réu e a eventual reaposta
deste, pois pode encerrar-se sem esta última, caso o demandado não faço uso de
sua faculdade processual de defender-se em tempo hábil.
A
resposta do réu pode consistir em contestação, exceção ou reconvenção (art.
297).
Na
contestação podem ser arguidas questões preliminares e de mérito.
As
exceções, que se referem à incompetência do juízo, ou ao impedimento ou
suspeição do juiz, geram incidentes que correm em autos próprios, apensados aos
do processo principal, com efeito suspensivo.
A
reconvenção é a forma de contra-ataque. O réu não apenas rechaça o pedido do
autor como formula contra ele um pedido diferente, de sentido contrário àquele
que provocou a abertura do processo.
A impugnação
à contestação e à reconvenção e o pedido de declaração incidente são atividades
que ainda pertencem à fase postulatória.
ü 340. Fase saneadora
Desde o
recebimento da petição inicial até o início da fase de instrução, o juiz exerce
uma atividade destinada a verificar a regularidade do processo, mediante
decretação das nulidades insanáveis e promoção do suprimento daquelas que forem
sanáveis. Com isso, procura-se chegar à instrução, sem correr o risco de estar
o processo imprestável para a obtenção de um julgamento de mérito.
Compreende essa
fase as diligências de emenda ou complementação da inicial (art. 284), as “providências
preliminares” (arts. 323 a 328) e o “saneamento do processo” (art. 331).
Pode conduzir
ao reconhecimento de estar o processo em ordem, ou pode levar à sua extinção
sem julgamento do mérito, quando concluir o juiz que o caso não reúne os
requisitos necessários para uma decisão da lide.
ü
341. Fase instrutória
Destina-se à coleta do material probatório, que servirá de
suporte à decisão do mérito. Reconstituem-se através dela, no bojo dos autos,
os fatos relacionados à lide.
É a de contornos menos definidos, as partes já começam sua
atividade probatória com a inicial e a
contestação, momentos em que, de ordinário, devem produzir a prova documental
(art. 396). Saneado o processo, porém, surge um momento em que os atos
processuais são preponderantemente probatórios: é o da realização das perícias
e o da primeira parte da audiência de instrução e julgamento, destinada ao
recolhimento dos depoimentos das partes e testemunhas.
Nos casos de revelia (art. 319), bem como nos de suficiência
da prova documental e de questões meramente de direito (art. 330), a fase
instrutória propriamente dita é eliminada, e o julgamento antecipado da lide
ocorre logo após a fase postulatória, no momento que normalmente seria
reservado ao saneamento do processo.
Via de regra, no entanto, ao encerrar o saneamento, o juiz
decidirá sobre as provas a produzir, determinando o exame pericial, quando
necessário e designará a audiência de instrução e julgamento, deferindo as provas
que nela ao de produzir-se (art. 331).
ü 342. Fase decisória
É a que se
destina à prolação da sentença de mérito. Realiza-se após o encerramento da
instrução que, de ordinário, ocorre dentro da própria audiência, quando o juiz
encerra a coleta das provas orais e permite às partes produzir suas alegações
finais (art. 454).
Há, contudo,
possibilidade de antecipação da fase decisória, conforme se explicou no tópico
anterior.
A sentença
pode ser proferida oralmente, ao final da Audiência de instrução e julgamento,
ou ser elaborada por escrito nos 10 dias seguintes (art. 456).
A sentença,
todavia, só assume a feição de ato processual com a sua publicação, isto é, com sua integração efetiva ao processo, o que
pode se dar por ato do escrivão, quando proferida fora da audiência, ou pela
leitura dela pelo próprio juiz, quando divulgada em audiência de instrução e
julgamento, ou em outra especialmente designada para a publicação.
ü 342-a. Adequação do procedimento
A previsão
legal de determinado procedimento para certas causas envolve matéria de ordem
pública, pelo que não há, seja para as partes, seja para o juiz, a liberdade de
substituir um rito por outro. No entanto, como o erro de forma não conduz
necessariamente à nulidade do processo (art. 250), o que incumbe ao juiz,
diante da eventual irregularidade, é apenas ordenar a adaptação da causa ao
procedimento adequado, qualquer que seja a fase em que se encontre,
aproveitando-se sempre os atos já praticados, dos quais não tenha decorrido
prejuízo para as partes ou para a jurisdição.
Se, pois,
contrariando previsão legal, o processo vier a ser julgado em primeiro grau
segundo o procedimento ordinário, não haverá motivo para pleitear-se, em grau de recurso, a sua anulação, se da inobservância
do rito determinado pela lei não tiver decorrido prejuízo algum para o
contraditório e ampla defesa assegurados aos litigantes. Assiste razão a
Bedaque quando reconhece a existência de interesse público na regulamentação do procedimento sem,
todavia, atribuir-lhe supremacia absoluta. Com efeito, o que deve merecer maior
valorização não é a forma em si, mas sim o objetivo visando pela norma
procedimental. Se este objetivo foi preservado, dentro do escopo maior do
processo e segundo o sistema geral do contraditório e ampla defesa, cumpriu-se
a instrumentalidade esperada do procedimento. Mesmo inobservado algum ritual,
não haverá razão para atribuir relevância ao vício formal. O interesse público
na definição do rito está na garantia dos valores que o inspiram e não em si
mesmo.
Por outro
lado, em matéria de procedimento, não é o nome dado à ação pela parte que
importa. O que se tem de apurar é a compatibilidade entre o pedido e o rito
escolhido. ²
___________
ü ²
“o nome com o qual se rotula a causa é sem
relevância para a ciência processual” (STJ, 4ª T., REsp. nº 7.591/SP, Min.
Sálvio de Figueiredo, ac. 26.11.91, RSTJ, 37/368). “Sendo os fatos expostos
aptos a conduzir, em tese, à consequência jurídica traduzida no pedido, não
importa o rótulo que se tenha dado à causa” (STJ, 3ª T., REsp. nº 14.944/MG.
Rel. Min. Eduardo Ribeiro, ac. 17.12.91, DJU, de 17.02.92, p. 1.377). No mesmo
sentido: STJ, 2ª T., REsp. Nº 682.378/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, ac.
20.04.2006, DJU 06.06.2006, p. 143. Por exemplo, será apreciada como
reivindicatória a ação em que se pede a posse com base no domínio, ainda que
incorretamente se lhe dê o nome de possessória (STJ, 3ª T., REsp. nº 37.187/RJ,
Rel. Min. Eduardo Ribeiro,ac. 04.04.95, RSTJ, 73/280; STJ, 3ª T., REsp. nº
45.421-2/SP, Rel. Min. Nilson Naves, RSTJ, 97/174).
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