MANUAL
DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES
PRELIMINARES – PRINCÍPIO DO “FAVOR REI” (BENEFÍCIO DO RÉU) – PRINCÍPIO DO DUPLO
GRAU DE JURISDIÇÃO - VARGAS DIGITADOR
Princípio do “favor rei” (benefício do
réu)
Como
bem diz Giuseppe Bettiol, numa determinada ótica, o princípio do favor rei é o princípio base de toda a
legislação processual penal de um Estado, inspirado na sua vida política e no
seu ordenamento jurídico por um critério superior de liberdade (cf. Instituições de direito e processo penal, trad.
Manuel da Costa Andrade, Coimbra, Coimbra Ed., 1974, p. 295).
No Processo
Penal, várias são as disposições que consagram o princípio do favor innocentiae, favor libertatis ou favor
rei. Assim, a proibição da reformatio
in pejus – reforma para pior (art. 617): os recursos privativos da Defesa,
como o protesto por novo júri e os embargos infringentes ou de nulidade (arts.
607 e 609 e ss.); a regra do art. 615, § 1º; e, por fim, como coroamento desse
princípio, o da presunção de inocência,
hoje erigido à categoria de dogma constitucional. Alguns autores incluem como
exemplo do favor rei a regra do art. 386, VI, do CPP, que impõe a absolvição
por insuficiência de prova. Parece-nos, contudo, que a razão esteja com
Santiago Sentís Melendo: “Quando se di in
dubio pro reo se está dizendo que, ante a falta de provas, o Juiz deve
absolver o réu; y esto parece que no
necesita justificación”. E acrescenta: “O juiz não duvida quando absolve. Está
firmemente seguro, tem a plena certeza. De quê? De que lhe faltam provas para
condenar. No se trata de ‘favor’ sino de
justicia” (In dubio pro reo,
Buenos Aires, EJEA, 1971, p. 158).
Princípio do duplo grau de jurisdição
Trata-se
de princípio da mais alta importância. Todos sabemos que os Juízes, como homens
que são, estão sujeitos a erro. Por isso mesmo o Estado criou órgãos
jurisdicionais a eles superiores, precipuamente para reverem, em grau de recurso,
suas decisões. O que se infere do nosso ordenamento é que o duplo grau de
jurisdição é uma realidade incontrastável. Sempre foi assim entre nós. Isso mesmo
se infere do art. 92 da CF, ao falar em Tribunais e Juízes Federais, Tribunais
e Juízes Eleitorais. Observe-se que o art. 93, III, da CF faz alusão ao “acesso
aos tribunais de segundo grau”, numa demonstração de que há órgãos jurisdicionais
de primeiro e segundo grau. O art. 108, II, da Magna Carta diz competir aos Tribunais Regionais Federais
julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos
juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua
jurisdição... Evidente, também, competir aos Tribunais estaduais julgar, em
grau de recurso, as causas decididas pelos Juízes estaduais no exercício da sua
competência própria... E, nessa ordem de ideias, compete aos Tribunais
Regionais Eleitorais, aos Tribunais Militares, aos Tribunais Regionais do
Trabalho julgar as causas decididas pelos órgãos de primeiro grau dessas
Justiças. Observe-se, ainda, que o art. 5º, LV, da CF, dispõe que “aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Por derradeiro: o art.
93, XV, da CF, introduzido pela EC n. 45/2004, determina seja imediata a
distribuição de processos em todos os
graus de jurisdição.
Por outro
lado, como o § 2º do art. 5º da Lei Maior dispõe que os direitos e garantias
nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados, ou dos tratados internacionais de que o Brasil seja parte, e
considerando que a República Federativa do Brasil, pelo Decreto n. 678, de
6-11-1992, fez o depósito da Carta de Adesão ao ato internacional da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),
considerando que o art. 8º, 2, h,
daquela Convenção dispõe que durante o processo toda pessoa tem direito, em
plena igualdade, a uma série de garantias mínimas, dentre estas a de recorrer
da sentença para Juiz ou Tribunal Superior, pode-se concluir que o duplo grau
de jurisdição é garantia constitucional. Evidente, contudo, que nas ações
penais originárias não há o duplo grau, embora fosse possível (v. nosso Processo penal, 28ª ed. 2006, v.
1, p. 74).
Nada
impede determine o legislador que as pessoas subordinadas à jurisdição
privativa dos Tribunais sejam processadas e julgadas pelas Câmaras ou Turmas e
eventual apelo dirigido ao Órgão Especial, onde houver, ou ao Pleno. Em alguns
estados, como os de São Paulo e Paraná, os Prefeitos são processados e julgados
por uma Câmara Criminal... E por que não estender essa regra às demais pessoas
sujeitas ao foro pela prerrogativa de função e, ao mesmo tempo, fazer
respeitado o princípio do duplo grau? Cumpre observar, por derradeiros, que o
fato de as partes poderem interpor recurso extraordinário das decisões de
quaisquer Tribunais Estaduais ou Federais, não ilide a afirmação de que
realmente não temos o duplo grau nos processos da competência privativa dos
Tribunais, mesmo porque, quando se interpõe o recurso extraordinário, a Suprema
Corte cinge-se ao exame da possibilidade de a decisão recorrida afrontar a
Constituição, e quando se interpõe recurso especial para o STJ objetiva-se o
respeito à lei federal ou tratado. Não se apreciam as questiones facti (questões de fato). Procura-se simplesmente
constatar se a Constituição foi desautorada, se a lei federal ou tratado foi
negada vigência, se houve desrespeito a este ou àquela, ou se a respeito há
dissídio jurisprudencial, quando, então, o STJ procura manter a uniformidade da
interpretação. Assim, se as questões fáticas, as provas colhidas, não podem ser
objeto daqueles recursos, logo, podemos afirmar que entre nós não há o duplo
grau nas hipóteses de foro pela prerrogativa de função, embora devesse haver. Por
outro lado, tratando-se de foro sem prerrogativa, quando a parte recorre ao
Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal e, insatisfeita, dirige-se,
mercê de recurso especial ou extraordinário, ao STJ ou ao STF, não se pode
falar em triplo grau de jurisdição, isto é, o mérito da causa não será
reexaminado pela terceira vez...
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