MANUAL
DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo
7-D – DO INQUÉRITO – PRISÃO EM FLAGRANTE, O CURADOR DO AUTO DE PRISÃO EM
FLAGRANTE, CONCLUSÃO DO INQUÉRITO, RELATÓRIO, ARQUIVAMENTO, JUIZADO DE INSTRUÇÃO
- VARGAS DIGITADOR.
Prisão
em flagrante
O art. 5º, I e II, do CPP
esclarece como se inicia o inquérito policial nos crimes de ação penal pública
incondicionada; no § 4º desse mesmo artigo, como ele é instaurado em se
tratando de ação pública condicionada; e, finalmente, no § 5º, o legislador
traçou normas a respeito do ato inaugural do inquérito, nas hipóteses de ação
penal privada.
Como o inquérito, em
quaisquer dessas infrações penais, pode ser iniciado, também, pelo auto de
prisão em flagrante, o legislador deixou para disciplinar a matéria num único
dispositivo. Trata-se do art. 8º, Verbis:
“Havendo prisão em flagrante, será observado o disposto no Capítulo II do
Título IX deste Livro”.
E assim o fez porque, em
qualquer tipo de ação penal, havendo prisão em flagrante, a peça inaugural do
inquérito será o respectivo auto.
Desse modo, se houver
flagrância (art. 302, I, II, III e IV, do CPP), pouco importando a modalidade
de ação penal, a peça inaugural do inquérito será o auto de prisão em flagrante, isto é, uma peça datilografada ou
digitada,na presença da Autoridade Policial, em que se registram dia, local,
hora, comparecimento do condutor, de testemunhas e do conduzido. Não havendo
testemunhas presenciais, ao menos duas que hajam assistido à apresentação do
conduzido à Autoridade Policial, Presentes na delegacia o condutor, conduzido e
eventualmente testemunhas, e após estar a Autoridade Policial convencida da
legalidade da prisão, ouve o condutor, em peça distinta, entrega-lhe recibo da
apresentação do preso e, também em peças distintas, ouve as eventuais
testemunhas e o conduzido, lavrando o auto, que será informado de todas essas
peças.
O
curador no auto de prisão em flagrante
E se o conduzido for menor
de 21 anos, deverá a autoridade nomear-lhe curador? Hoje, em face do novo
Código Civil, não. O art. 15 do CPP exigia a nomeação de curador ao indiciado
menor. Certo que a jurisprudência entendia que a não-observância desse preceito
não acarretava nulidade,mesmo porque não há nulidade em inquérito, peça
meramente informativa que é, salvo naqueles atos que dificilmente se renovam em
juízo, como, por exemplo, os exames periciais. Fora daí, não há cuidar de
nulidade. Todavia, tratando-se de inquérito policial iniciado por meio de auto
de prisão em flagrante, para que este fosse válido como peça coercitiva,
haveria necessidade de se nomear curador ao menor. Tratando-se de auto de
prisão em flagrante, forma dat esse
rei... e, desse modo, não sendo observadas as formalidades legais,
imprestável seria ele como peça capaz de autorizar o encarceramento do
indiciado. E se a autoridade deixasse de nomear o curador? Quando da remessa da
cópia do auto ao Juiz, este relaxaria a prisão. Note-se que o curador nomeado,
quer para o auto de prisão em flagrante, quer para os inquéritos em geral (art.
15), não intervinha nos atos praticados. Limitava-se a presenciá-los. E
assistia apenas àqueles atos aos quais devia estar presente o menor. Hoje não
mais se exige.
A respeito da menoridade,
vejam-se as observações que fizemos no final do verbete “Indiciado menor”,
Capítulo 7-C.
Conclusão
do inquérito
Nos termos do art. 10 do
CPP, o inquérito deverá ser concluído dentro do prazo de 30 dias, quando o
indiciado não estiver preso. Na hipótese de estar preso, o mesmo dispositivo
legal faz distinção: a) se a prisão
foi decorrente de haver sido o indiciado surpreendido em estado de flagrância,
o inquérito deverá estar concluído dentro do prazo de 10 dias,a partir da data
da prisão; b) se o indiciado estiver
preso em virtude de “preventiva” (art. 311 a 316), o inquérito deverá, também,
ser concluído no prazo de 10 dias a partir do dia em que se efetivou a prisão.
Convém fazer aqui uma observação: malgrado a redação do art. 10 do CPP, se o
Juiz decretara prisão preventiva não haverá necessidade de os autos retornarem
à Polícia para a conclusão do inquérito. Explica-se: a lei é muito mais
exigente para a decretação de prisão preventiva do que para o oferecimento de
denúncia. Sendo assim, se houver elementos para a decretação da medida extrema,
com muito mais razão para a oferta da denúncia.
Na Justiça Federal, o prazo
para conclusão do inquérito, estando o indiciado preso, é de 15 dias, podendo
ser prorrogado por mais 15 dias, a pedido, devidamente fundamentado, da
Autoridade Policial, e deferido pelo Juiz a que competir o conhecimento do
processo, tal como dispõe o art. 66 da Lei n. 5.010, de 30-5-1966.
Esse prazo é fatal? Nos
termos do § 3º do art. 10, quando o fato for de difícil elucidação e o
indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao Juiz a dilação de
prazo. Sem embargo, com o aumento da criminalidade em todas as delegacias o
número de inquéritos é muito grande e, assim, mesmo fora da hipótese do § 3º
supracitado, é comum a Autoridade Policial solicitar dilação de prazo. Ali não
se fala na ouvida do Ministério Público e, muito menos, do querelante. Todavia
é curial que assim se proceda. O titular da ação penal, lendo os autos
inconclusos, poderá chegar à conclusão de que já possui elementos para a sua
propositura e, então a promoverá. Poderá, por outro lado, concordando com a
devolução sugerir esta, ou aquela diligência...
E se o indiciado houver sido
preso em flagrante? Nesse caso, deverá a Autoridade Policial concluir o
inquérito dentro do prazo de 10 dias, obedecida, segundo a corrente
majoritária, a regra do § 1º do art. 798 do estatuto processual penal, a partir
da data em que se verificou a prisão. Aqui a lei não permite a dilação. Para
nós, o prazo deve ser contado nos termos do art. 10 do CP. Havendo prisão, o status libertatis do indiciado ou réu
deve ser restringido ao mínimo possível, já que essa prisão provisória não é
pena. Se for condenado, não será contado o tempo da pena a partir do dia em que
ele for preso? Assim também, no caso de flagrância ou preventiva, computa-se no
prazo o dia em que a prisão se efetivou. Não sendo o inquérito concluído dentro
do termo prefixado em lei, além daquelas medidas que se podem tomar contra a
autoridade desidiosa, o indicado ou alguém por ele poderá impetrar ordem de habeas corpus, com fundamento no art.
648, II, do CPP. Cumpre observar que o prazo de 10 dias tem o seu termo a quo na data da prisão.
Cuidando-se de crime contra
a economia popular, o prazo para a conclusão do inquérito, esteja preso ou
solto o indiciado, é de 10 dias, consoante o disposto no § 1º do art. 10 da Lei
n. 1.521, de 26-12-1951.
Em se tratando de
entorpecente, o prazo para a conclusão do inquérito, estando o indiciado preso,
é de 30 dias, nos termos do art. 51 da Lei n. 11.343, de 23-8-2006 (nova Lei de
Tóxicos), em vigor a partir de outubro de 2006. Se solto estiver, o prazo será
de 90 dias (art. 51). Em ambas as hipóteses, conforme o parágrafo único do
dispositivo supracitado, esses prazos podem ser duplicados pelo Juiz, mediante
pedido justificado da autoridade de polícia judiciária.
Se o flagrante ocorrer tal
como previsto no art. 307 do CPP, tão logo se conclua o auto, deverá este, imediatamente, ser remetido à autoridade
competente, nos próprios termos do art. 307.
Relatório
Concluídas todas as
diligências, terminado, enfim, o inquérito, deverá a Autoridade Policial fazer
um relatório, nos próprios autos, de tudo quanto houver apurado nas
investigações.
“A
autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará os
autos ao Juiz competente.”
Esse relatório não
encerra,não deve nem ode encerrar qualquer juízo de valor.não deve, pois, a
Autoridade Policial, no relatório, fazer apreciações sobre a culpabilidade ou
antijuridicidade. E se o fizer? Haverá mera irregularidade, sem qualquer
consequência. Deverá limitar-se a historiar o que apurou nas investigações. Por
outro lado, se por quaisquer circunstâncias outras testemunhas deixaram de ser
ouvidas, poderá a Autoridade Policial, no relatório, indicá-las, mencionando o
lugar onde poderão ser encontradas (CPP, art. 10, § 2º).
Concluído o inquérito,
elaborado o relatório, a Autoridade Policial determinará a sua remessa,
juntamente com os instrumentos do crime e outros objetos por acaso apreendidos
e que interessarem à prova, ao Juiz competente (art. 11).
Deve a Autoridade Policial,
quando da feitura de quaisquer inquéritos policiais, ou termos Circunstanciados
de que trata a Lei dos Juizados Especiais Criminais, extrair cópias dos atos
praticados, formando-se, assim, autos suplementares, que ficarão arquivados na
delegacia. É uma boa cautela ante a possibilidade d extravio de autos.
Arquivamento
Vimos que a finalidade
precípua do inquérito consiste em apurar a infração penal e sua autoria, a fim
de que o titular da ação penal, seja o Ministério Público, seja o particular,
possa exercer o jus accusationis. À
Polícia Civil (ou Judiciária, como diz o Código) cumpre colher os elementos de
informação. Não cabe à Autoridade Policial dizer, p. ex., que o indiciado não
agiu em legítima defesa, estado de necessidade, que não se houve com culpa etc.
Não deve, enfim a Autoridade Policial apreciar os autos do inquérito policial e
sobre eles emitir um juízo de valor. A opinio
delicti cabe ao titular da ação penal e não àquele que se limita, simplesmente,
a investigar o fato infringente da norma e quem tenha sido o seu autor. Por
isso mesmo não pode, em qualquer circunstância, determinar o arquivamento dos
autos do inquérito. Cumpre-lhe, nos termos do § 1º do art. 10 do CPP, “enviar
os autos ao Juiz competente”, e, para ser mais incisivo ainda, cortando
qualquer possibilidade de arquivamento, dispõe o legislador, no art. 17, que a
Autoridade Policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito policial. O
pedido de arquivamento, nos crimes de ação pública, fica afeto ao órgão do
Ministério Público. Somente este é que poderá requerer ao Juiz seja arquivado o
inquérito,e, caso o Magistrado acolha as razões invocadas por ele,
determiná-lo-á. Do contrário, agirá de conformidade com o art. 28 do CPP.
Tratando-se de crime de
alçada privada, não há excogitar-se de arquivamento: arquivado será se a pessoa
com o direito de queixa deixar de intentar a ação penal. Nada obsta,
entretanto, que a pessoa possa exercer o direito de queixa requeira ao Juiz o
arquivamento dos autos do inquérito (inquérito que diga respeito a crime de
alçada privada, é lógico). Mas tal pedido de arquivamento equivale à renúncia,
e, nesse caso, cumpre ao Juiz decretar a extinção da punibilidade, nos termos
do art. 107, V, do CP.
Convém ponderar a observação
de que, se o Juiz determinar o arquivamento de inquérito, em virtude de não
haver o órgão do Ministério Público encontrado elementos para a propositura da
ação penal, nada obstará possa a Autoridade Policial, tendo ciência de outras
provas, empreender novas investigações, nos termos do art. 18 do CPP, mesmo
porque o despacho que determina o arquivamento não faz coisa julgada, como,
aliás, percebe-se pela leitura do dispositivo supraindicado. Nem poderia fazer,
porque não se trata de decisão definitiva, de mérito. E somente as decisões que
definem o juízo, que resolvem o meritum
causae, é que transitam em julgado.
Essas novas investigações
por acaso empreendidas serão encaminhadas a juízo e apensadas aos autos
arquivados, tendo, então, o órgão do Ministério Público nova oportunidade de se
manifestar a respeito. Se, com as novas provas, com as novas investigações,
houver elementos que possibilite a propositura da ação penal, esta será
promovida. Do contrário, não. Não se pode desarquivar inquérito sem novas
provas que alterem o anterior panorama probatório, na dicção da Súmula 524 do
STF. Nesse sentido, Informativo STF
n. 375.
Tratando-se de crime de
alçada privada, os autos de inquérito serão remetidos a juízo, onde aguardarão,
em cartório, a inciativa de quem de direito (titular do direito de queixa).
Juizado
de Instrução
Não adotou nosso Código o
Juizado de Instrução. Dele tampouco cogitou o Anteprojeto Frederico Marques. No
Juizado de Instrução, a função da Polícia se circunscreveria a prender os
infratores e a apontar os meios de prova, inclusive testemunhal. Caberia ao
“Juiz Instrutor” colher as provas. A função que hoje se comete à Autoridade
Policial ficaria a cargo do “Juiz Instrutor”. Assim, colhidas as provas pelo
citado Magistrado, vale dizer, feita a instrução propriamente dita,
passar-se-ia à fase do julgamento. O inquérito seria suprimido.
Em vários países da Europa
há o Juizado de Instrução. É o próprio Juiz quem ouve o pretenso culpado, as
testemunhas e a vítima e, enfim, quem colhe as provas a respeito do fato
infringente da norma e respectiva autoria. Concluída a instrução (que na França
é inquisitiva), cumpre ao Magistrado (Juge
d’instruction) proferir decisão (equivalente á nossa pronúncia), julgando acerca da procedência
ou não do jus accusationis. Se, se
convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor,
remeterá os autos ao Juiz competente, em que haverá lugar a audiência de
julgamento. Ao que nos parece, o nosso sistema é muito melhor. Por primeiro a
Polícia colhe as informações necessárias à propositura da ação. Se o Ministério
Público entender haver prova da existência do crime e indícios de aurotia,
promove a ação penal, instaurando-se, assim, o processo. Recebida a peça
acusatória, cumprirá ao Ministério Público demonstrar a veracidade da sua
afirmação. Alega-se que as testemunhas ouvidas na Polícia serão novamente
ouvidas em Juízo. E daí? Na Polícia elas são ouvidas pela Autoridade Policial,
unilateralmente. Seus depoimentos não valem como prova capaz de ensejar, por si
só, um decreto condenatório, e sim como informações capazes de possibilitar a
instauração do processo. Em juízo, já agora sob o crivo do contraditório, sim.
Parece-nos, repetimos, que o sistema brasileiro é melhor, uma vez que toda a
prova acusatória é colhida contraditoriamente, o que não se observa na
França... Parafraseando Winston Churchill (“a democracia é o pior dos regimes,
à exceção de todos os outros”) podemos dizer que o nosso inquérito policial,
como instrução preparatória para a instauração do processo, é o pior de todos,
à exceção dos demais... Entendemos que como inquérito evitam-se instruções
criminais açodadas. Quanto à entrega da chefia das investigações preparatórias
ao Ministério Público, não se nos afigura de boa política criminal, uma vez
que, daqui a alguns anos, o Promotor de Justiça estará sofrendo as mesmas
críticas que se fazem a alguns Delegados... Se Promotor e Delegado têm a mesma
formação universitária, por que a substituição? Não faz sentido. Observe-se,
por outro lado, que a Constituição da República confere aos membros do
Ministério Público a titularidade da ação penal pública, e inclusive poderes
para requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.
É como soa o art. 129, I e VIII, da Magna Carta. Para que possam proceder a
investigações, necessária será emenda Constitucional alterando não só aquela
disposição como também a do art. 144 do mesmo diploma. E, se a emenda vier que
se faça a coisa perfeita: transferindo-se as atuais funções dos Delegados aos
membros do Ministério Público. Permitir a estes apenas as investigações dos
crimes do colarinho branco é subestimar e afrontar a atividade daqueles que
lutam corpo a corpo com a criminalidade.
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