DIREITO
ECONÔMICO: A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA NAS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL – LIVRO
APLICADO PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO
FAMESC-BJI – 1º SEMESTRE/2014 - VARGAS DIGITADOR
CAPÍTULO
4
A
CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA NAS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL
John Gilissen ressalta que a
“história do direito visa fazer compreender como é que o direito actual de
formou, bem como de que maneira evoluiu no decurso dos séculos.” (apud Eugênio Rosa de Araújo, p.29).
Neste sentido útil é
necessário um esforço de síntese sobre o econômico nas Constituições
brasileiras, fornecendo um panorama de sua evolução, relevante que é para a
compreensão de nosso sistema vigente.
Constituição do Império de
1824.
Outorgada por D. Pedro I,
refletia o liberalismo novecentista, posto que no seu art. 179, caput, garantia “a inviolabilidade dos
direitos civis, e políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a
liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela
Constituição do Império.”
No referido artigo eram do
mesmo modo garantidos, no inciso XXII, o direito de propriedade em toda a sua
plenitude; o inciso XXIV dispunha que “nenhum gênero de trabalho, de cultura,
indústria ou comércio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos
costumes públicos, à segurança, e saúde dos cidadãos; o inciso XXV declarou que
“Ficam abolidas as Corporações de Officios, seus Juízes, Escrivães e Mestres”;
por fim o inciso XXVI asseverou que “Os inventores terão a propriedade das suas
descobertas, ou das suas producções. A lei lhes assegurará um privilégio
exclusivo temporário, ou lhes remunerará em ressarcimento da perda, que hajam
de soffrer pela vulgarização.” (John Gilissen apud Eugênio Rosa de Araújo, pp.29/30).
Vê-se que o diploma
prestigiou o direito de propriedade e a livre iniciativa, elementos clássicos
dos ordenamentos liberais.
A Constituição de 1891.
Inspirada no modelo
norte-americano por influência de Rui Barbosa, aqui também se visualiza o
modelo liberal protetor da livre iniciativa e do direito de propriedade.
Assim, diante dos
dispositivos que refletem o econômico na ordem constitucional de então,
teremos, no art. 72, caput, que: “A
Constituição assegura aos brazileiros e a estrangeiros residentes no paiz a
inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e
à propriedade nos termos seguintes:” (John Gilissen apud Eugênio Rosa de Araújo, p.30).
No parágrafo 17, assinalava
que: “O direito de propriedade mantém-se em toda sua plenitude, salvo a
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização
prévia.”
O parágrafo 25 dispunha que:
“Os inventos industriais pertencerão aos seus autores, aos quais ficará
garantido por lei um privilégio temporário, ou será concedido pelo Congresso um
prêmio razoável quando haja conveniência de vulgarizar o invento.”
Por fim, o parágrafo 26
dizia: “Aos autores de obras literárias e artísticas é garantido o direito
exclusivo de reproduzi-las, pela imprensa ou por qualquer outro processo
mecânico. Os herdeiros dos autores gozarão desse direito pelo tempo que a lei
determinar.”
Consagrou, portando, a Carta
de 1891, os valores liberais da livre associação, livre iniciativa e a proteção
ao direito de propriedade.
A Constituição de 1934.
A Constituição de 1934 foi a
primeira Constituição brasileira a conter capítulo destacado disciplinando a
ordem econômica e social, o que fez nos arts. 115 a 143.
É preciso notar, em primeiro
lugar, que no capítulo dos direitos e garantias individuais, a Carta de 1934,
em seu art. 113, nºs 17, 19 e 34 garantiu o direito de propriedade,
não podendo ser exercido contra o interesse social, bem como a livre
iniciativa, como o direito de prover a própria subsistência e a da sua família,
mediante trabalho honesto.
Dos inúmeros dispositivos do
capítulo referente à ordem econômica é preciso, assim, destacar, em primeiro
plano, o caput do art. 115, segundo o
qual: “A ordem econômica deve ser
organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional,
de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é
garantida a liberdade econômica.”
O art. 116, por sua vez
admitiu o monopólio estatal.
Paulo Bonavides apud Eugênio Rosa de Araújo, p.31,
sintetiza o perfil social da Carta, afirmando:
“Em 1934 demos o grande salto constitucional que nos conduziria ao
Estado Social, já efetivado em parte depois da Revolução de 1930 por obra de
algumas medidas tomadas pela ditadura do governo provisório. Os novos
governantes fizeram dos princípios políticos e formais do liberalismo uma
bandeira de combate, mas em verdade estavam mais empenhados em legitimar seu
movimento com a concretização de medidas sociais, atendendo, assim, a um anseio
reformista patenteado de modo inconsciente desde a década de 20, por influxo
talvez das pressões ideológicas sopradas do velho mundo e que traziam para o
país o rumor inquietante da questão social.”
A carta possuía um viés
eclético, posto que fez um amálgama de teses liberais, autoritárias e
corporativistas.
A Constituição de 1937.
É preciso ressaltar que o
governo ditatorial de Getúlio Vargas jamais pôs em vigor a Carta de 1937,
inicialmente em razão do art. 180 segundo o qual: “enquanto não se reunir o
Parlamento Nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir decretos-leis
sobre todas as matérias da competência legislativa da União”. Sabe-se que o
Congresso nunca se reuniu.
Por outro lado, os arts. 175
e 187 da Carta de 37 previam um plebiscito para referendar a Constituição que, também,
jamais ocorreu.
Dessa forma, o que se tem na
Carta de 1937 a título de ordem econômica, ficou ao puro arbítrio do ditador.
No entanto, ressalta a letra
do art. 135, segundo o qual: “Na iniciativa individual, no poder de criação, de
organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público,
funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no
domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa
individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver
os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento
dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio
econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do
estímulo ou da gestão direta.”
Foi, infelizmente, a Carta
outorgada de 37, documento aplicado segundo o arbítrio subjetivo de Getúlio
Vargas, oscilando entre a luta contra os comunistas e contra a democracia
liberal.
Vê-se, até agora, uma
repetição da história política constitucional relembrada por Eugênio Rosa de
Araújo, aos mais jovens, como simples historiador, mas continuemos. [Grifo de Vargas Digitador]
A Constituição de 1946.
Tomando como base o texto da
Constituição de 1934 a Carta promulgada de 1946, também continha título específico
sobre a ordem econômica, nos artigos 145 a 162 valendo destacar do seu conteúdo
os dispositivos mais significativos, nos quais se viam o viés liberal pela defesa
da livre iniciativa e a proteção ao direito de propriedade.
Assim, o art. 145 dispunha
que: “A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça
social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho
humano”; sendo que no parágrafo único ressaltou que: “A todos, é assegurado
trabalho que possibilite existência digna. O trabalho é obrigação social”.
Dispôs que a União poderia
intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade,
tendo por base o interesse público (art. 146), condicionou o uso da propriedade
ao bem-estar social (art. 147) e previu a punição de qualquer forma de abuso do
poder econômico (art. 148).
Restaurando o Estado
Democrático de Direito, a Carta promulgada de 1946 restabeleceu não só a
democracia, mas também o sistema capitalista regido pela livre iniciativa e
pelo direito de propriedade, com os temperamentos do uso voltado ao bem-estar e
ao combatente aos abusos do poder econômico.
A Constituição de 1967.
Embora promulgada pelo
congresso Nacional, este votou o texto sob o pano de funda da Revolução de 1964
– cassações e perseguições políticas – de modo que a sua Constituição
Econômica, inserta nos arts. 157 a 172, refletem, apenas em parte, os
princípios da ordem econômica ali tratados, dos quais podemos destacar a
liberdade de iniciativa, valorização do trabalho, a função social da
propriedade, a harmonia entre os fatores de produção, o desenvolvimento
econômico e a repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio
dos mercados, a eliminação da concorrência de o aumento arbitrário dos lucros.
Tais princípios traduzem o
viés liberal da Constituição de 1967, posto que garantidos o direito de
propriedade, a livre iniciativa e a liberdade de concorrência.
A Emenda Constitucional nº
1, de 1969.
A Emenda nº 1, de 1969, foi
imposta no recesso do Congresso Nacional pelo governo então exercido pelos
Ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
De cunho liberal, a exemplo
da Constituição de 1967, que emendou, consagrou, no art. 160, os princípios da
ordem econômica, da livre iniciativa, da valorização do trabalho, da função
social da propriedade, da harmonia entre as categorias sociais de produção e a
repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo comínio dos mercados,
pela eliminação da concorrência e pelo aumento arbitrário dos lucros.
Pode-se, ainda, pôr em
relevo o art. 163, segundo o qual: “São facultados a intervenção no domínio
econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei
federal, quando indispensável por motivo de segrurança nacional ou para
organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de
competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias
individuais.”
A Constituição de 1988.
A Constituição de 1988
provocou ampla e profunda alteração no quadro da Constituição Econômica,
sinalizando para um regime liberal, capitalista, de proteção da propriedade, da
livre iniciativa e da livre concorrência.
Em breve síntese, pode-se
identificar o alcance da Constituição Econômica e o regime da ordem econômica e
financeira traçada na Carta de 1988.
Como princípio fundamental
da República, o texto de 1988 consagra a livre iniciativa (art. 1º, IV), bem
como estampa como princípio de suas relações internacionais e integração
econômica dos povos da América Latina (art. 4º, parágrafo único).
No âmbito dos direitos
fundamentais, insere,no art. 5º, da proteção da liberdade, da igualdade, da
segurança e da propriedade.
No campo
da competência legislativa aponta a competência concorrente da União, Estados e
distrito Federal de, nos termos do art. 24, legislar sobre direito econômico
(inciso I) e produção e consumo (inciso V).
Traz
extenso capítulo sobre a ordem econômico-financeira (arts. 170 a 192),
dispondo, no art. 170, que está fundada na valorização do trabalho e na livre
iniciativa, e ancorada nos princípios da soberania social (inciso I),
propriedade privada e sua função social (incisos II e III), da livre
concorrência (inciso IV), da defesa do consumidor (inciso V), da defesa do meio
ambiente (inciso VI), da redução das desigualdades regionais e sociais (inciso
VII), da busca do pleno emprego (inciso VIII) e do tratamento favorecido para
as empresas de pequeno porte.
Disciplina o capital
estrangeiro (art. 172), a intervenção direta do Estado na atividade econômica
(art. 173), a atividade reguladora do Estado sobre a atividade econômica (art.
174), os serviços públicos (art. 175), a atividade mineraria (art. 176), as
atividades objeto de monopólio (art. 177), a ordenação do transporte (art.
178), o regime das microempresas (art. 179), o turismo (art. 180) e a
requisição de documentos de natureza comercial (art. 181).
No capítulo da política
urbana, os arts 182 e 183 tratam da política de desenvolvimento urbano,
mencionando as funções sociais da cidade e da usucapião.
À política agrícola,
fundiária e reforma agrária dedica um capítulo (arts. 184 a 191), disciplinando
temas como a desapropriação, função social da propriedade rural, política
agrícola, terras públicas e devolutas, aquisição de propriedade rural por
pessoa física ou jurídica estrangeira, bem como a usucapião.
Por fim, o título “da ordem
econômica e financeira” trata, no art. 192, do Sistema Financeiro Nacional,
estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a
servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem,
abrangendo as cooperativas de crédito e a participação do capital estrangeiro
nas instituições que o integram.
Deste breve inventário,
constata-se o caráter liberal de nossa Constituição Econômica, adotando o
regime capitalista de produção, com possibilidade de intervenção do Estado de
forma direta e indireta, exigindo do intérprete importante esforço de
conciliação prática de preceitos nem sempre harmônicos, redundando em
sopesamento de valores em constante processo de cedência recíproca.
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